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Considerações sobre a prisão do “senhor ex-presidente", Luiz Inácio Lula da Silva

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Agenda 26/04/2018 às 18:30

O INCISO LXI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:   

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;...”

Depreende-se desse dispositivo que ninguém será preso – provisória, preventiva ou definitivamente (conclusivamente) - senão em flagrante delito, ou seja, quando o autor é, in loco, apanhado cometendo o crime ou, decorrido razoável lapso de tempo, capturado após, o cometimento da infração, ou por determinação de toda e qualquer ordem, escrita e fundamentada, de autoridade judiciária competente, podendo essa ordem está inserida num comando sentencial ou até mesmo em simples despacho; e, que o legislador constituinte excluiu dessa proibição os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar.


O ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifos nossos).

Esse dispositivo foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011. E, de relance, parece que o legislador ordinário ao assim fazê-lo só transferiu a vontade expressa pelo legislador constituinte no inciso LXI do art. 5º da CF para esse dispositivo. Mas só parece! O desnecessário detalhismo na sua redação o afastou do quanto contido no retro citado dispositivo constitucional, dando margem a interpretação conveniente a quem porventura queira nele se amparar para ver a si reconhecido direito que não tem.

Carece, pois, esse dispositivo de uma análise detalhada à altura do que foi nele esmiuçado, para que cheguemos a uma inequívoca conclusão do seu verdadeiro conteúdo e do que com ele se pretendeu, e pretende.

 É tradicional na legislação penal brasileira o entendimento de que o cumprimento da pena privativa de liberdade tenha início deste que exarada a sentença condenatória nesse sentido. E isso está consubstanciado no nosso Código de Processo Penal vigente. A partir de certo momento, atendendo tendência que prosperava em vários povos, a jurisprudência nacional se consolidou no sentido de que a execução da sentença condenatória só se efetive após ter sido concedida ao réu uma segunda chance para provar sua inocência. Mas, até hoje, não está descartada a execução sem que se observe esse procedimento; a nossa lei adjetiva penal assim autoriza.

A Constituição de 1988, ora vigente - embora cambaleante em virtude de tantos vilipêndios -, por ter sido concebida com o propósito de ser a Constituição cidadã, é de razoável clareza até para os mais incultos. Enseja poucas brechas para que o Supremo Tribunal Federal seja chamado a interpretá-la. Os que usam desse expediente, a maior das vezes, o fazem por conveniência, no que, não raro, são atendidos pela Suprema Corte.

O inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal é de indiscutível clareza. Mas, por conveniência, muitos se fizeram cegos para isso não perceberem.  Vimos isso em 2009, ano em que eclodiu o escândalo do mensalão, quando interessados buscaram o STF para ver por ele sacramentada a invencionice de que a execução de sentença condenatória só poderia efetivar-se quando transpostos todos os recursos que estão à disposição do réu para ver declarada sua inocência, isto é, após o trânsito em julgado da sentença. Para isso se socorreram do quando disposto naquele inciso, que, passo atrás, presumimos ter demonstrado não ter a conotação que lhe emprestaram e ainda emprestam aqueles que veem sobre si a sombra do encarceramento antes de a pena ser alcançada pela prescrição ou que, quando determinado o seu cumprimento, já sejam dignos de deixá-la de cumpri-la por piedade, por compaixão do órgão competente (razões humanitárias), ou mesmo por já não mais se encontrarem neste plano de existência. Que fez o Colendo Supremo Tribunal Federal para atender aos reclamos dos tementes? Respondemos: ativou seu laboratório experimental do pensamento de Antoine Lavoisier e, com pedaços do inciso LVII do art. 5º da CF, transformou a infundada alegação deles em jurisprudência.

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Em 2009 vigorava o art. 387 do Código de Processo Penal (Livro I, Título XII – DA SENTENÇA), que estabelecia:

“O juiz, ao proferir sentença condenatória: ...”

“Parágrafo único: “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.(grifos nossos).

Esse parágrafo foi adicionado pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008.

Vê-se, portanto, que a justiça penal brasileira em 2008 admitia - como sempre admitiu -, em plena consonância com o inciso LXI da CF, a execução da pena antes mesmo da interposição de apelação perante o “ad quem” (decidirá sobre a manutenção da prisão, sem prejuízo da apelação que vier a ser interposta). Ora, se o juiz decidirá sobre a manutenção da prisão é porque o réu se encontrava preso. Perdoem-nos: os destinatários da ênfase não são vocês, caros eventuais leitores.

Portanto, não havia razão alguma para o STF se pronunciar como se pronunciou quando chamado a analisar, sob a ótica do inciso LVII da CF, a legalidade e constitucionalidade da decretação de prisão antes de a sentença condenatória transitar em julgado, isto é, antes de exauridos todos os recursos disponíveis ao réu para se ver havido como inocente, pois a admissibilidade desse procedimento se depreendia do conteúdo do parágrafo único do art. 387 retro transcrito.

Naquela oportunidade o Supremo Tribunal Federal, ultrapassando sua competência e usurpando prerrogativa do Legislativo, legislou. Dizemos legislou, pois a partir de 2009 a “jurisprudência” por si consolidada passou a ser fundamento jurídico para atender às súplicas dos condenados ao cumprimento de prisão privativa de liberdade, para se verem autorizados a não cumpri-la antes do trânsito em julgado da sentença condenatória conclusiva.

Por tudo quanto expusemos, autorizados estamos a concluir que a edição do art. 283, que a Lei nº 12.403/2011 diz ter dado nova redação ao antigo art. 283 – o que não é verdade, pois o conteúdo de um não tem nada a ver com o do outro; o antigo dispunha: “A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, disposição essa que a mesma Lei nº 12.403/2011, transferiu,“ipsis litteris”, para o § 2º do criado art. 283 – foi uma contrapartida do Legislativo (dos congressistas sobre os quais recaem inúmeras denúncias, de todo gênero)  ao STF, por acolher seus inconsistentes argumentos - que mais cedo ou mais tarde hão de assim ser reconhecidos -, dando-lhe respaldo para contra-argumentar procedentes inconformações  contra sua fixada e malfadada jurisprudência.

O pecaminoso art. 283 incluído pelo legislador ordinário com a edição da Lei nº 12.403/2011, no seu caput, exterioriza uma desastrada, escandalosa e tendenciosa meticulosidade.  Confrontemos os dois dispositivos.


 O INCISO LXI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: 

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;...”

Diz o inciso que ninguém será preso senão:

  1. em flagrante delito ou
  2. por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.

O ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifos nossos).

Subentende-se do artigo que ninguém será preso senão:

  1. em flagrante delito;
  2. por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado; e,
  3. no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Observa-se facilmente que o legislador ordinário, maliciosamente, dá ao art. 283 uma redação que o afasta do conteúdo do inciso constitucional. Assim é que só à ordem emanada de autoridade judiciária competente, em sentença condenatória transitada em julgado, dá o poder para decretar a prisão, quando o dispositivo constitucional não reconhece essa exclusividade. O art. 283 do CPP, assim, não reconhece, sem qualquer razão, tal efeito à sentença condenatória conclusiva.

A pressa é inimiga da perfeição. Dissemos linhas atrás, ao comentarmos o inciso LVII do art. 5º da CF, que o art. 393 do CPP fora revogado pela mesma Lei nº 12.403/2011. Ocorre que esse artigo versava sobre os efeitos da sentença condenatória recorrível e, com sua revogação, imperativo era se editar um substitutivo que contemplasse os efeitos da sentença condenatória recorrível, é claro, sem a parte censurável e motivadora da sua revogação. E isso não tardou. Verificou-se que o CPP também se encontrava omisso quanto à detração, por ter o réu cumprido parte da pena privativa de liberdade em virtude de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação. Em razão disso, foi editada a Lei nº 12.736, de 30 de novembro de 2012, para acrescer ao art. 387 dois parágrafos para suprirem tais omissões. O parágrafo 1º, que nos interessa no momento, reza:

“O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta (grifos nossos).

Um tiro no próprio pé do malicioso legislador ordinário. Tudo quanto pretendeu ele com a tendenciosa redação de que fez uso no art. 283 do CPP -  não bastasse conflitar com o preceito constitucional constante do inciso LXI do art. 5º da CF - cai por terra diante do que dispõe esse parágrafo. Ora, se o juiz decidirá sobre a manutenção da prisão ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva, mais evidente não se pode conceber que a prisão privativa de liberdade pode ser decretada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória; até mesmo antes de que faça uso o condenado de recurso de apelação ao “ad quem”.

Acreditamos que até aqui está suficientemente demonstrado que não se pode ter como ilegal, e muito menos inconstitucional. o decreto de prisão privativa de liberdade alicerçado em comando sentencial, prolatado por quem de direito, escrito e devidamente fundamentado. “Melhor do que isso só dois disso”. E pior, para aqueles que insistem em não reconhecer a legalidade e constitucionalidade desse procedimento, “tem dois disso”. Senão vejamos.

O art. 669, que se agasalha no Livro IV (Da Execução), Título I (Disposições Gerais), do Código de Processo Penal, assim preceitua:

“Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo:

        I - quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança; ...” (grifo nosso).

        No art. 674 do nosso CPP, residente também no Livro IV, Título II (Da Execução das Penas em Espécie), Capítulo I (Das Penas Privativas de Liberdade), assim está consignado:

        “Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena (grifo nosso).

         Desnecessário comentar esses dispositivos, pois claros de doer os olhos.

         Felizmente, em 2016 a tendenciosa jurisprudência firmada no STF em 2009, por força, também, de conveniência, cedeu lugar ao legítimo entendimento de que para a decretação de prisão privativa de liberdade não se faz necessário o trânsito em julgado da sentença condenatória. Dizemos por conveniência pelo fato de a discussão sobre a amoralidade  daquele entendimento até então prevalente ter ocorrido pela pressão do clamor popular, em face da exposição pela operação “Lava Jato” do mar de corrupção em que o Brasil estava e está mergulhado.  Não se deu ênfase à sua inconstitucionalidade e ilegalidade.  Mas aqui tentamos - modestamente e da forma mais didática ao nosso limitado alcance encontrada, demonstrar que, concluindo da forma como concluiu o Supremo Tribunal Federal, mesmo que involuntariamente, observou os comandos contidos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil e na legislação processual penal pátria.           


CONCLUSÃO           

Diante do quanto aqui expusemos, esperamos que, convincentemente, tenhamos demonstrado que a prisão do “senhor ex-presidente” se impôs; e, que a jurisprudência ora reinante no STF, respeitante ao início do cumprimento da pena, por ser legal e acima de tudo constitucional, deve se manter incólume. Uma nova reviravolta na jurisprudência assentada a partir de 2016, atendendo (pasmem!) inexplicáveis súplicas de ministros-juízes do próprio STF - mais veementes do que as dos mais diretamente interessados – além de implicar em acatamento de vindicação ilegal e inconstitucional, transparecerá ao jurisdicionado brasileiro uma inconcebível tibieza do Supremo Tribunal Federal no exercício do múnus que lhe compete; e, também facultará ao jurisdicionado o direito de considerá-lo um laboratório experimental do pensamento de Antoine Lavoisier, onde tudo se transforma ao gosto do freguês ou um camaleão, que muda de cor de conformidade com as convenientes circunstâncias que se lhe apresentam.

Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Informações sobre o texto

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