Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Aspectos jurídicos do tiro do sniper policial

Exibindo página 1 de 2

Apresentam-se aspectos jurídicos do tiro de neutralização imediata, executado pelo sniper policial, no âmbito de uma crise de alta complexidade que envolva reféns localizados.

RESUMO. O presente trabalho tem como objetivo mostrar aos leitores os aspectos jurídicos do tiro de neutralização imediata, executado pelo sniper policial, no âmbito de uma crise de alta complexidade que envolva reféns localizados, por meio de fundamentos legais e operacionais que resguardarão sua ação, com base nas excludentes de ilicitude e culpabilidade previstas no ordenamento jurídico brasileiro. De uma forma clara e objetiva, será analisado o gerenciamento de crises e qual momento, critérios e circunstâncias o sniper policial agirá, frisando que a atuação deste, sob a ordem do comandante da crise, consiste numa ação extrema, exclusivamente para salvar a vida de uma ou mais vítimas, as quais estão na mira das armas de criminoso (s). O tiro do sniper será utilizado somente em casos onde haja risco real e iminente à vida da vítima/refém, exauridas as possibilidades do emprego das alternativas táticas da negociação e técnicas menos letais, disponíveis pelo comandante do evento crítico no teatro de operações.

PALAVRAS-CHAVE: Tiro de neutralização imediata. Snipes policial. Crise de alta complexidade. Excludentes de ilicitude e culpabilidade. Gerenciamento de crises.


1 Introdução

Alguns Estados brasileiros criaram batalhões e companhias de operações/missões especiais para lidarem com ocorrências policiais de alta complexidade (crises), as quais extrapolam a capacidade de resposta do policiamento ordinário. As unidades de operações especiais são compostas por material humano especialmente treinado e de logística específica que envolve desde viaturas especialmente equipadas, armamentos, munições e equipamentos, até o equipamento de proteção individual de cada operador.  No Estado de Minas Gerais, por exemplo, o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar, é a unidade responsável pela intervenção e solução de incidentes críticos de alta complexidade em todo território mineiro, através do emprego operacional de suas cinco equipes táticas, sendo a Equipe Snipes uma delas.

O sniper é muito empregado em missões e planejamento de operações, devido as suas diferentes funções que são: observação, coleta e transmissão de informações em tempo real, cobertura de Equipes Táticas, proteção de autoridades e, por fim, o tiro neutralização imediata ou de incapacitação instantânea, sendo esta última pouco utilizada atualmente, tornando-se imprescindível a participação de um sniper no planejamento de operações táticas devido aos seus conhecimentos específicos.

O Time de Atiradores de Precisão (Snipes) consiste em uma das alternativas táticas que o comandante da operação tem à sua disposição no teatro de operações, sendo empregado quando houver a necessidade de neutralizar imediatamente o perpetrador do incidente crítico, ou seja, cessar instantaneamente a sua capacidade motora. O sniper receberá o “sinal verde” do comandante da crise para efetuar o tiro de alta precisão contra o perpetrador da crise, o qual está prestes a matar uma ou mais vítimas, levando a sua incapacitação instantânea.

As atuações do comandante da crise e do sniper em todo território brasileiro estão amparados pelas legislações internacionais, nacionais e institucionais para resolução do incidente crítico, desde que usem a força letal como ultimo recurso para salvar a vida das vítimas envolvidas..


2 Snipes policial

2.1 Conceito

O sniper policial ou atirador de elite policial, objeto do presente estudo, não se confunde com o sniper militar ou caçador militar, que é o combatente das Forças Armadas que geralmente são empregados em tempos bélicos, cuja finalidade primordial é a de exterminar e ocupar as tropas inimigas, causando medo e terror. O primeiro, por sua vez, é o profissional de segurança pública especializado no tiro de alta precisão, que pode pertencer aos grupos táticos das polícias militares das Unidades Federativas ou de corporações civis, como a Polícia Federal e Civil. O atirador de elite diferencia-se dos demais companheiros por ter competência em lidar com incidentes críticos de alta complexidade (crises), geralmente ocorridos em zonas urbanas, que envolvam reféns, por exemplo. Possui função principal de salvar vidas de pessoas inocentes.

2.2 Tiro de neutralização imediata do sniper policial

O tiro desferido pelo sniper, conhecido doutrinariamente como tiro de comprometimento ou tiro de neutralização/incapacitação imediata/instantânea, é realizado em ponto específico da cabeça (bulbo, cerebelo e ponte), que visa à neutralização imediata, cortando instantaneamente a capacidade motora do perpetrador do incidente crítico, com o desligamento do sistema nervoso central.

A Equipe Snipes é uma alternativa tática à disposição do comandante do incidente crítico. Desta forma, após a análise do evento crítico, em regra, a realização do tiro de precisão só ocorrerá mediante ordem direta desta autoridade. Caberá ao atirador que estiver posicionado e tiver uma visão clara do cenário tentar se antecipar aos fatos e assessorar o gerente da crise a todo instante.

A ordem para o tiro de precisão partirá do gerente do incidente crítico, determinando “sinal verde”, autorizando diretamente ao sniper, o devido disparo. Uma vez autorizado, será o atirador que possui o domínio do momento em que o tiro será executado, dado as questões técnicas inerentes à sua realização.

Greco, (2011, p. 135) diz que “[...] o atirador de elite somente poderá atuar após ser dada a ordem pelo seu superior”.

Caso o sniper atire sem aguardar o sinal de autorização do seu comandante, poderá a crise ser agravada. Referindo-se a fatos reais, (Ibid., p. 135) alerta:

Casos emblemáticos marcaram a inação dos atiradores de elite, em virtude de não terem sido autorizadas as ordens de disparo, a exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro, com o sequestro dos passageiros no ônibus 174, bem como na cidade de São Paulo, que culminou com a morte da vítima Eloá, que foi atingida a tiros por seu ex-namorado, quando da invasão de sua residência pela Polícia Militar.

2.2.1 Circunstâncias e momento do disparo

O tiro de precisão só será realizado se necessário, observadas as situações de sua utilização, quais sejam: proporcionalidade, legalidade, conveniência e necessidade e, como já dito, deve ser autorizado pelo gerente da crise, salvo raras exceções, com condições técnicas para tal. O responsável por essa análise técnica é o comandante da Equipe Snipes (ouvidos os demais snipers quando possível) ou o sniper mais antigo na função, posicionado no local da crise.

Qualquer disparo que implicar em algum risco para as vítimas ou para as pessoas presentes no local da ocorrência (policiais ou não) não terá aprovação técnica e, consequentemente, não será realizado.

O disparo de incapacitação instantânea deverá ser imediatamente autorizado pelo comandante da crise, quando houver refém ferido pelo perpetrador da crise, priorizando prestar o devido socorro à vítima ferida, com o intuito de salvar a vida em risco ou quando ainda houver reféns sob o poder do perpetrador da crise, onde este já tenha matado um ou mais reféns durante o ato criminoso.

Em casos de extrema necessidade, como mudança de comportamento repentina do causador da crise por motivos diversos, colocando instantaneamente em risco a vida dos reféns e dos policiais inseridos no cenário do incidente crítico, onde não haja tempo suficiente para repassar tais informações ao gerente da crise, o atirador, priorizando salvar a vidas, poderá efetuar o tiro de neutralização imediata, desde que em hipótese alguma haja risco à vida dos reféns, devendo logo em seguida reportar ao seu Comandante, informando a real necessidade do disparo.

Tome-se como exemplo o perpetrador da crise, ao dialogar com o negociador, efetua um disparo na cabeça do refém matando-o e, diante disto, o sniper atira no agressor, eliminando-o, sem, contudo, aguardar pelas técnicas menos letais. Trata-se de um tiro que não necessitou da ordem do comandante, pois a situação não exigiu.

Dissertando sobre o tiro do sniper, preleciona Greco (2011, p.135):

[...] se esgotadas as possibilidades de negociação, de gerenciamento da crise, for dado, pelo comandante da operação, o sinal verde para atuação do sniper, ele terá sempre em foco duas alternativas, que conduzirão, certamente, a neutralização do agressor: Seu tiro poderá ser efetuado em direção a uma zona mortal do corpo humano, eliminando-o instantaneamente e, com isso, impedindo sua ação criminosa dirigida à vítima; ou poderá efetuar um disparo com a intenção de, tão somente, ferir o agressor desde que isso possibilite o resgate seguro da vítima.           

Nota-se que para o ilustre doutrinador supracitado, o sniper terá sempre duas alternativas, quais sejam, neutralizar imediatamente o agressor ou causar-lhe apenas lesões corporais. Tal entendimento não é defendido pelo autor do presente trabalho, vez que o emprego do sniper policial consiste em ação extrema na defesa da vida, não se admitindo falhas, de modo que um disparo que não atinja a zona alvo, ou seja, não cause a incapacitação instantânea do perpetrador, colocará em risco iminente a vida dos reféns, uma vez que o agressor ainda teria condições físicas de utilizar sua arma. Tome-se como exemplo um infrator que esteja empunhando uma arma de fogo, ao sofrer o impacto causado por um disparo em área que não o incapacite instantaneamente poderia acionar a tecla do gatilho por espasmo muscular ou voluntariamente.

Em nenhum lugar do mundo onde se formam atiradores de elite é defendido o tipo de disparo em zona não mortal do corpo devido aos seus efeitos variáveis e inaceitáveis na solução da crise. Também não se usa atirar em armas, pois cada tipo de arma pode responder de maneira diferente ao disparo, sendo que umas podem disparar ao receber o impacto do tiro, outras que ainda podem continuar funcionando por incrível que possa parecer e os estilhaços produzidos por este impacto serão transformados em projeteis secundários (ricochetes) com potencial letal que colocarão em risco iminente a vida dos reféns.

Além de todas estas justificativas que amparam o tiro do sniper, percebe-se, também, que o agressor continuou agressivo mesmo sendo submetidos à negociação técnica e às técnicas menos letais, ou seja, já teve a oportunidade de se entregar à polícia. Portanto, o sniper atira somente com a certeza da neutralização imediata em situações com reféns.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos


3 Aspectos jurídicos do tiro do sniper policial

O tiro de neutralização imediata desferido pelo atirador de elite constitui uma ação humana que causará a morte instantânea do perpetrador da crise, o qual está na iminência de eliminar a vida de um ou mais reféns no decorrer de um incidente crítico. Como este único disparo é fatal, ocorrendo, a princípio, o crime de homicídio, é relevante, para fins do desenvolvimento do presente tema, delimitar as circunstâncias que excluem a antijuricidade da conduta e culpabilidade, bem como quais dos policiais envolvidos na crise devem ser responsabilizados penalmente e/ou administrativamente por este disparo e ainda quanto à incidência do instituto do erro na execução do tiro numa crise.

Para discussão e enquadramento das hipóteses de resultado da utilização do tiro, quanto à existência ou não de respaldo legal e suas implicações na legislação penal internacional e brasileira, é necessário, primeiramente que se faça uma análise do conceito de crime, que será visto a seguir. Antes, porém, cabe uma breve abordagem se é permitido o uso da força letal pela polícia no Brasil.

3.1 Embasamento legal para emprego da força letal pela polícia

Neste tópico serão apresentados princípios e normas que garantem às forças policiais o uso da força, inclusive a letal, com o uso de armas de fogo, em casos de extrema necessidade, que causará a morte do injusto agressor.

3.1.1 Direito à vida

Dispõe o Art. III da Declaração Universal dos Direito Humanos – DUDH que: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP, estipula em seu Art. 6º, 1 que: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

A Constituição da República Federativa do Brasil prevê que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

III – Dignidade da pessoa humana.

Nota-se que a legislação internacional e brasileira resguarda a todas as pessoas o direito à vida, não podendo ser violada. Entretanto, nem mesmo a vida, como o maior bem tutelado pelo direito, é absoluto, podendo ser retirada em algumas situações, como em caso de guerra declarada, onde é possível a pena de morte, nos termos do Art. 5º XLVII – “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada [...]”. Entretanto, o Estado brasileiro, por meio de decisão sumária de autoridade administrativa, permite o abatimento/derrubada de aeronaves que adentram em seu território, classificando-as como hostis, nos termos da Lei 9.614/98. Outras possibilidades que limitam o direito à vida, são percebidas quando alguém age em estado de necessidade ou legítima defesa, matando uma pessoa para salvar a si ou terceiros.

3.1.2 Possibilidade do uso da força letal pelos policiais                       

É permitido aos policiais usarem suas armas de fogo para quebrarem a resistência de um injusto agressor que está na iminência de matar o próprio policial ou outra pessoa. Todavia, somente nestas situações, onde há iminente risco de morte à vida humana, é autorizado o uso de arma de fogo pela polícia.

De acordo com o Código de Conduta para Encarregados pela Aplicação da Lei – CCEAL:

Artigo 3º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.

Comentário

a) O emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser excepcional. Embora se admita que estes funcionários, de acordo com as circunstâncias, possam empregar uma força razoável, de nenhuma maneira ela poderá ser utilizada de forma desproporcional ao legítimo objetivo a ser atingido. O emprego de armas de fogo é considerado uma medida extrema; devem-se fazer todos os esforços no sentido de restringir seu uso, especialmente contra crianças. Em geral, armas de fogo só deveriam ser utilizadas quando um suspeito oferece resistência armada ou, de algum outro modo, põe em risco vidas alheias e medidas menos drásticas são insuficientes para dominá-lo. Toda vez que uma arma de fogo for disparada, deve-se fazer imediatamente um relatório às autoridades competentes.

O 4º princípio básico sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei dispõe que:

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, no exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado.

O ilustre jurista pátrio Francisco de Assis Toledo – membro da Comissão revisora da nova parte do Código Penal, comentando o Art. 23, III, asseverou, “verbis”:

Os destinatários da norma permissiva em exame são em geral, os agentes do Poder Público, servidores do Estado, postos frequentemente diante de situações em que a exigência de predominância do principio da autoridade torna necessário o emprego da força, com lesão a bens jurídicos, tais como: liberdade, patrimônio, integridade física e excepcionalmente – se houver resistência – até a vida” (Toledo, 1984 p. 117).

O Código de Processo Penal brasileiro – CPP, de uma forma genérica, limitou o uso da força das polícias em apenas duas situações, quais sejam: Art. 284 – “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso”.

Segundo o Código de Processo Penal Militar brasileiro - CPPM:

Art. 234 - O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

[...]

§ 2º - O recurso ao uso de armas só se justifica quando absolutamente necessário para vencer a resistência ou proteger a incolumidade do executor da prisão ou a de auxiliar seu.                                                                                                               

Conforme o Caderno Doutrinário 1 da Polícia Militar de Minas Gerais – PMMG (Pág. 97):

O disparo de arma de fogo contra a pessoa é um procedimento excepcional. A regra geral é não atirar. Constitui a última opção e ocorrerá quando os outros meios se mostrem ineficazes e não garantirem, de nenhuma maneira, que a vida em risco possa ser preservada. O perigo de morte a que se refere a regra deve ser iminente, atual, imperioso e urgente, portanto, não corresponde a uma ameaça remota, potencial, distante, presumida ou futura.

Apesar dos permissivos legais supracitados tratarem de uso da força em sentido amplo a todas as instituições de segurança pública, também se refere, obviamente, à atividade do sniper no gerenciamento de crises, já que o atirador de precisão é um policial. Portanto, apesar de não haver uma lei específica tratando da atividade do sniper no gerenciamento de crises, como no caso da lei do abate de aeronaves, a lei garante a ele o emprego de sua arma de fogo em último caso para salvar a vida de terceiros inocentes.

3.2 Da responsabilidade penal do comandante da crise

3.2.1 Da excludente de ilicitude da legítima defesa (de terceiros)

Percebe-se que o Estado, por meio de suas instituições de segurança pública, não tem condições de proteger todas as pessoas ao mesmo tempo. Diante disto, o ordenamento jurídico brasileiro permite que, em determinadas situações, qualquer do povo aja em sua própria defesa ou defenda outra pessoa, mesmo que sua conduta causará a morte do injusto agressor. A este instituto dá-se o nome de legítima defesa, previsto no Art. 25 do Código Penal - CP: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Como já dito, é o comandante da crise que dá a ordem ao sniper para desferir o tiro contra o agente causador do incidente crítico, causando sua morte instantânea. Diante disso, há conduta consciente e voluntária que consiste no “sinal verde” dado verbalmente ao atirador; tal conduta é típica, pois o CP prevê em seu “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Apesar do comandante da crise não realizar a ação nuclear do tipo (verbo) do crime de homicídio, previsto no Art. 121 do CP, qual seja, “Matar alguém”, ele concorreu para a produção do resultado (morte do perpetrador da crise). Cabe analisar se existe a antijuridicidade na conduta do comandante.

Para que a legítima defesa seja reconhecida devem estar presentes todos os elementos que a integram, os quais, segundo Greco (2011, p. 117), são: “agressão injusta; utilização dos meios necessários, moderação no uso dos meios necessários; atualidade ou iminência da agressão; defesa própria ou de terceiros”.

Não há duvidas que a vítima ao ser tomada de refém pelo cidadão infrator, não pretendia este resultado, ou seja, de forma alguma deu causa ao ocorrido, tratando-se, portanto, de uma agressão injusta, que significa a ameaça humana de lesão a um interesse protegido por lei. Tal interesse consiste na integridade física e vida da vítima, ameaçadas por uma arma de fogo ou mesmo uma faca sob o domínio do perpetrador da crise. Esta agressão é iminente, pois a qualquer momento o injusto agressor poderá matar a vítima e também pode ser considerada atual, pois o refém é ameaçado de morte a todo tempo ao estar na mira das armas do criminoso.

Desde o início do incidente crítico, o comandante usa os meios necessários para a sua resolução, optando, primeiramente, por meios pacíficos, para então utilizar a ferramenta do sniper. Assevera Santos (2011, p. 122), “[...] Quando a ordem é legal, o comandante age sob a excludente de ilicitude chamada legítima defesa de terceiros”.

Nota-se que o comandante da crise utiliza sua autoridade para ordenar ao sniper que atire no causador da crise, somente para defender a vida da vítima, agindo em legítima defesa de terceiros, tornando sua conduta lícita, portanto, não há crime.

3.2.2 Da excludente de culpabilidade da exigibilidade de conduta diversa – causas supralegais

Sabe-se que desde o início de uma crise, o comandante, por meio das alternativas táticas, busca solucionar a mesma de forma pacífica, ou seja, sem mortes. Todavia, quando o comandante verifica, com ajuda do sniper, que o agressor não quer se render de maneira alguma e a qualquer instante pode matar a vítima, autoriza o sniper a atirar no perpetrador da crise, causando sua morte instantânea. Tal ordem constitui a única conduta que o comandante possui para resolver a crise e salvar os reféns. Ou seja, era exigível uma conduta diversa do “sinal verde” dado ao sniper? A resposta só pode ser negativa, pois o comandante não podia de outro modo agir para salvar a vítima, já que se não autorizasse e a vítima fosse morta, poderia responder pelo Art. 121, na forma de omissão. Santos (2011, p. 122) diz que “Sendo a única alternativa viável para salvar a vida do refém, o comandante da Operação deve determinar o uso letal do sniper, sob pena de responder penalmente por omissão”.

3.2.3 Ordem do comandante da crise ilegal ou manifestamente ilegal

O Art. 38 do Código Penal Militar – CPM prevê que: “Não é culpado quem comete o crime: [...]; b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços. 1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem”.

Caso a ordem do comandante da crise dada ao sniper seja ilegal ou manifestamente ilegal responderá penalmente pelo crime de homicídio. Santos (2011, p. 94) expõe um exemplo da ordem manifestamente ilegal dada pelo comandante, como se vê: “[...] situação na qual as negociações estão indo fluindo bem, com a liberação de vários reféns e, no momento da rendição do sequestrador, estando este já com as mãos para cima e sem arma alguma o atirador recebe a ordem para neutralizá-lo”.

3.2.4 Da prisão do comandante da crise

Sendo legal, ilegal ou manifestamente ilegal a ordem do comandante da crise, cabe sua prisão pelo seu superior ou do mesmo grau hierárquico, porém mais antigo, o qual lavrará APF – Auto de Prisão em Flagrante, com a confecção de um boletim de ocorrência policial de homicídio, já que a ordem provocou a morte do perpetrador da crise. Os superiores hierárquicos do comandante da respectiva polícia encaminharão os autos ao Ministério Público – MP para que ofereça ou não a denúncia, observando se a ordem foi legal, ilegal ou manifestamente ilegal, e encaminhará ao Juiz competente seu entendimento.

Caso o Juiz encarregado verifique que a ordem foi ilegal ou manifestamente ilegal prolatará sentença de pronúncia, submetendo o comandante a júri popular.

3.3 Da responsabilidade penal do sniper

3.3.1 Da excludente de ilicitude da legítima defesa (de terceiros)

Percebe-se claramente que o tiro letal contra o agente causador da crise desferido pelo sniper, consiste numa conduta, vez que houve uma ação humana consciente ao acionar a tecla do gatilho. Também está claro que tal conduta é típica, ou seja, há o elemento tipicidade, pois consiste no crime de homicídio. Cabe verificar se sua conduta amolda ao elemento antijuridicidade.

Por se tratar de um mesmo caso hipotético de uma crise envolvendo reféns, os elementos caracterizadores da legítima defesa: agressão injusta atual e iminente; e defesa de terceiros já estão comprovados, devendo-se analisar somente se os meios usados pelo sniper são necessários e moderados. Pois bem, desde o início da crise o sniper se posiciona em local específico e a todo tempo mantém contato com seu comandante por rádio, avisando sobre as reações do criminoso e sua posição. Além disso, pelo fato do sniper usar binóculos e lunetas, tendo uma total visão do perímetro imediato do cenário da crise, é ele quem avisa ao comandante que o agressor está prestes a matar a vítima e pergunta se pode atirar, aguardando o seu sinal verde. O único e eficaz meio que o sniper dispõe para afastar a injusta agressão causada pelo perpetrador é o seu fuzil, que causará a sua morte sem sofrimento.

Apesar do sniper também se preocupar com a integridade física do refém, não poderá atirar sem o “sinal verde” de seu comandante. Desta forma, não age em legítima defesa da vítima, mas sim em estrito cumprimento de dever legal, como causa excludente de ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa, na modalidade da obediência hierárquica, como causa excludente da culpabilidade, temas a serem abordados em item seguinte.

Caso o sniper, por circunstâncias alheias a sua vontade, não tenha a mínima condição de comunicar com seu comandante algo novo na crise, como avisar que o agressor está prestes a qualquer segundo atirar na vítima, pelo fato de seu rádio ter esgotado a bateria, por exemplo, ele poderá atirar na vítima sem autorização do comandante, agindo neste caso em legítima defesa de terceiros, não cometendo crime.

É aceitável que se o sniper verificar pelas circunstâncias da crise que o comandante está inerte para tomada de decisões, quanto a dar o “sinal verde” ao sniper, este também poderia desferir o tiro no agressor, mesmo sabendo que estaria incorrendo num ilícito de desobediência, unicamente para salvar a vida de terceiros inocentes envolvidos no evento crítico, agindo, portanto em legítima defesa de terceiros, não cometendo crime. 

Analisando uma crise de alta complexidade, denominada de “Caso Eloá” menciona Santos (2011, p. 94):

[...] recente caso de sequestro da jovem Eloá, no Estado de São Paulo, ocasião em que o namorado da mesma, Lindenbergue, mentalmente perturbado, por várias vezes ficou em condições de ser alvejado pelo atirador de elite, mas o Comandante da Operação, não autorizou o seu emprego. Ao final da ocorrência, após uma invasão tática desastrosa, a refém foi baleada e morta pelo sequestrador, algo que poderia ser evitado, caso o sniper tivesse entrado em ação”.

Percebe-se que neste sequestro trágico, por várias vezes o comandante teve condições de dar a ordem para o sniper atirar no agressor. Todavia, talvez por receio de um processo criminal ou repercussão negativa da população, preferiu ficar inerte e tentar meios pacíficos. Como já dito, o sniper poderia atirar sem a ordem do comandante, evitando a morte da adolescente Eloá Cristina. Conduta que certamente seria amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiros. Tal fato recebeu várias críticas, tendo repercussão extremamente negativa em todo Brasil e em alguns lugares do exterior, onde se observou várias falhas de gerenciamento de crises. É fato que, mesmo não havendo uma vida mais importante que a outra, era preferível a morte do perpetrador da crise, Lindembergue, a morte da vítima Eloá, pelo fato desta não ter dado causa a mal algum.

Segundo o Caderno Doutrinário 1 da PMMG (Pág. 93), qualquer policial

[...] disparará (atirará) contra essa pessoa, como último recurso, em caso de legítima defesa própria ou de terceiros, contra perigo iminente de morte ou lesões graves. O disparo da arma por policiais contra uma pessoa constitui a expressão máxima de uso de força, devido ao efeito potencialmente letal que representa, devendo ser considerada uma medida extrema.

Dissertando sobre o assunto, preleciona Greco (2011, p. 134):

[...] o sniper, na condição que normalmente é utilizado, atua em legítima defesa de terceiros. Como não temos um conceito preciso do que seja efetivamente o estrito cumprimento do dever legal, a situação do sniper melhor se amolda ao conceito de legítima defesa de terceiros, principalmente pelo fato de que, em determinadas situações, poderá, inclusive, sentenciar o agressor à morte.

Nota-se que o doutrinador supracitado não entende cabível o amparo do estrito cumprimento do dever legal na conduta do sniper, posição não defendida pelo autor do presente trabalho, uma vez que as fontes do direito apresentadas no item seguinte são suficientes para comprovar que o atirador de elite também age por esta última excludente de ilicitude.

3.3.2 Da excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal

O Código Penal não trouxe o conceito do estrito cumprimento do dever legal, como fez com o estado de necessidade e legítima defesa, cabendo a doutrina defini-lo. Pela própria expressão desta excludente, nota-se que o agente não será responsabilizado penalmente se agir de acordo com um dever legal. Conforme lição de Mirabete e Fabbrini (2009, p. 174):                                       

Agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo, controlar a perturbação da ordem pública, etc.).             

Para Bitencourt (2008, p.325):

[...] dois requisitos devem ser estritamente observados, para configurar a excludente: a) estrito cumprimento – somente os atos rigorosamente necessários justificam o comportamento permitido; b) de dever legal – é indispensável que o dever seja legal, isto é, decorra de lei, não o caracterizando obrigações de natureza social, moral ou religiosa. A norma da qual emana o dever tem de ser jurídica, e de caráter geral: lei, decreto, regulamento etc.

O sniper, quando cumpre o “sinal verde” dado pelo comandante da crise, atirando no agressor, o qual é neutralizado, não poderá ser responsabilizado penalmente, pois age pelo estrito cumprimento do dever legal (subordinação/obediência) para com seu superior, disposto no Art. 163 CPM: “Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução: Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave”. Para caracterização desta excludente, considera-se que o comandante adotou todas as medidas não letais para resolução da crise, e por último deu a ordem para o sniper atirar, ou seja, a ordem foi legal. Bitencourt (2008, p. 363), de forma precisa e transparente, declara que:

[...] se a ordem for legal, o problema deixa de ser de culpabilidade, podendo caracterizar causa de exclusão de ilicitude. Se o agente cumprir ordem legal de superior hierárquico, estará no exercício de estrito cumprimento de dever legal. O cumprimento de ordem legal não apresenta nenhuma conotação de ilicitude, ainda que configure alguma conduta típica; ao contrário, caracteriza a sua exclusão (art. 23).

Conclui-se, portanto, que se o sniper cumpre a ordem legal do comandante, atirando no agressor, não cometerá o crime de homicídio, pois estará amparado pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal.

3.3.3 Da excludente de culpabilidade da exigibilidade de conduta diversa – obediência hierárquica                  

O Art. 38 do CPM prevê que: “Não é culpado quem comete o crime: [...]; b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

Bitencourt (2008, p. 364) assevera que: “Quando a ordem for ilegal, mas não manifestamente, o subordinado que a cumpre não agirá com culpabilidade, por ter avaliado incorretamente a ordem recebida, incorrendo numa espécie de erro de proibição”.

Percebe-se, claramente, que o sniper não cometerá crime mesmo cumprindo uma ordem ilegal de seu comandante. Tome-se como exemplo uma crise em que um criminoso armado com uma pistola no interior de uma loja fez uma vendedora de refém. Após várias horas de negociação e com uso de técnicas menos letais, o agressor resolveu se render, dando ao comandante um sinal que não foi visto pelo sniper, porque o agressor estava inquieto e se posicionou atrás de uma parede, cujo ângulo foi perdido pelo sniper. Neste momento, o comandante da crise, visando a morte do agressor a qualquer custo, dá o “sinal verde” para o sniper atirar, sendo cumprida a ordem pelo sniper. Neste caso hipotético, o sniper acreditava que a ordem era legal, porém era ilegal, não respondendo pelo crime.

3.3.4 Da obediência à ordem manifestadamente ilegal do comandante da crise

No tópico anterior ficou claro que o sniper não responderá por cumprir ordem ilegal. Neste item, será verificado se estará amparado legalmente caso cumpra ordem manifestamente ilegal. Buscando o mesmo exemplo exposto no item 6.3.3 deste trabalho, caso o sniper cumpra ordem manifestamente ilegal do comandante da crise será responsabilizado penalmente por homicídio, juntamente com o comandante. Dispõe o Art. 38 do CPM que: “[...] § 2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

3.3.5 Da prisão do sniper

A prisão do sniper seguirá os mesmos moldes da prisão do comandante da crise, contido no item 6.3.4.

Caso o juiz competente verifique que o sniper cumpriu ordem manifestamente ilegal do comandante da crise, prolatará sentença de pronúncia para submeter o sniper a júri popular.

3.3.6 Do erro de execução do tiro

Neste tópico serão discutidas, individualmente, hipóteses de erros na execução do tiro de neutralização desferido pelo sniper e a responsabilidade penal.

3.3.6.1 Disparo em momento adequado dirigido ao agressor, mas que atinge somente o refém

Nesta situação, em momento adequado, ou seja, depois de esgotadas sem êxito as alternativas táticas, o comandante da crise dá o “sinal verde” para o sniper desferir o seu tiro de precisão contra o agressor, porém, por algum motivo acerta o refém, causando sua morte.

Reza o Art. 73 (primeira parte) CP que:

Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código.

Dispõe o Art. 20 § 3º CP que: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”.

Trata-se de erro de execução, conhecido doutrinariamente por aberratio ictus.

O sniper não será responsabilizado penalmente por atingir o refém em vez do agressor, por considerar as qualidades e condições deste e não do refém, agindo pelas excludentes de ilicitude e culpabilidade já citadas.

É possível afirmar com firmeza que o comandante que emanou a ordem para o sniper atirar também não poderá ser responsabilizado penalmente já que agiu para resguardar a vida do refém, ou seja, em legítima defesa de terceiros.

3.3.6.2 Disparo em momento adequado dirigido ao agressor que atinge o agressor e o refém

Nesta hipótese, o disparo é autorizado pelo comandante em momento adequado, sendo que o sniper atinge o agressor e o refém, causando a morte de ambos.   

De acordo com a última parte do Art. 73, CP: “[...] No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”.                  

Art. 70, CP: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.  

Significa, portanto, a regra do concurso formal, em que há apenas uma conduta e mais de um resultado. Considerando que houve dois homicídios, o sniper não será responsabilizado penalmente pela neutralização do agressor, já que agiu pelas excludentes de ilicitude e culpabilidade, já examinadas. Todavia, quanto à morte da vítima, o sniper agira com excesso, ainda que sem vontade de alcançar tal resultado. Greco (2011, p. 135) alerta que: “O importante é que não vislumbremos excesso na conduta do atirador, pois [...] todo excesso se configura também em uma agressão injusta, e o sniper não está imune de ser responsabilizado criminalmente por isso”. O Parágrafo único do Art. 23, CP deixa claro que o excesso doloso ou culposo é punível, a saber: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Complementando o raciocínio, o CPM no seu Art. 45 prevê que: “O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível, a título de culpa”. Preleciona Santos (2011, p. 122):

“[...] Caso o sniper cometa algum erro material na execução do disparo e obtenha um resultado diverso do pretendido (além da neutralização do sequestrador mata também o refém) responderá pessoalmente pelo erro na modalidade culposa da ação”.

Portanto, não há dúvidas que o sniper responderá por homicídio culposo, previsto no Art. 121 § 3º CP.

O sniper também poderá ser processado civil e administrativamente pelo excesso culposo. Vale ressaltar que o comandante do teatro de operações não será responsabilizado, já que sua conduta foi a de apenas dar a ordem ao sniper para atirar somente no agressor em momento oportuno.

3.3.6.3 Disparo em momento adequado dirigido ao agressor que não o atinge, mas provoca a morte da vítima

Nesta situação, o sniper efetua o tiro em direção ao agressor, porém não o atinge, provocando com o disparo uma reação imediata do agressor que atira na vítima, levando a óbito, ou seja, o erro do sniper influenciou o agressor a atirar no refém.

Primeiramente, não há como excluir a conclusão óbvia de que o erro na execução do disparo causou a morte do refém, havendo nexo de causalidade entre a conduta do sniper e o resultado.

A conduta do sniper aumentou o risco da vítima, que poderia ser salva com um tiro certeiro no bulbo raquidiano do agressor. Pode-se dizer que havia um risco pré-existente que deveria ter sido analisado pelo sniper, mas que por algum motivo não foi observado. Ainda que o atirador de elite seja submetido a treinamentos diários, dispondo de armamento com lunetas ópticas de altíssima resolução, construídos somente para esta finalidade, deveria prever que erraria o disparo, já que é um ser humano passível de erros, portando um fuzil de criação humana que pode dar problemas a qualquer instante. Logo, alguma circunstância alheia a vontade do sniper ocorreu, como um cálculo equivocado da distância do alvo ou a utilização de uma munição inadequada, por exemplo. Nestas hipóteses, verifica-se que houve culpa na conduta do sniper, devendo responder criminalmente por homicídio na modalidade culposa, considerando que sua ação levou o agressor a matar a vítima, ainda que esta pudesse ser alvejada pelo agressor segundo após, mesmo sem o disparo do sniper.

O juiz deverá analisar criteriosamente os fatos, considerando que o erro do tiro poderá ter sido causado por ação da vítima, que estava presa no corpo do agressor e se movimentou para fugir no momento do disparo do sniper, fazendo com que o agressor mudasse de posição, impedindo que o sniper acertasse o agressor. Neste exemplo, pode-se dizer que não houve dolo, nem culpa do sniper, entrando na órbita do acidental, fora dos limites do Direito Penal, devendo o sniper ser absorvido no processo, por não existir crime.

Para Bitencourt (2008, p. 285-286):

 [...] Na falta de previsibilidade objetiva, isto é, sendo imprevisível, não há que falar em culpa e, por extensão, na própria culpabilidade. [...] Sendo imprevisível o resultado não haverá delito algum, pois se tratará de mero acaso, do caso fortuito, que constituem exatamente a negação da culpa.

Sobre os autores
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Thalles Dohler Schutte

Tenente da Polícia Militar de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD. Pós Graduado em Ciências Penais e Segurança Pública da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho; CARVALHO, Geraldo Guilherme Ribeiro et al. Aspectos jurídicos do tiro do sniper policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5423, 7 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65726. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!