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Recuperação extrajudicial

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Agenda 28/06/2018 às 19:43

A recuperação extrajudicial insere o Brasil num contexto internacional que tende ao reconhecimento de maior autonomia do devedor e dos credores em negociarem entre si um acordo que possibilite a superação da crise.

1 INTRODUÇÃO

O cenário internacional do direito concursal sofreu diversas modificações ao longo do tempo, sendo que, nas últimas décadas, isso ocorreu de forma acentuada. Uma das razões para isso foi a onda de reformas nas legislações estrangeiras, que se atualizaram e inseriram novos princípios e mecanismos de combate à crise financeira e econômica do empresário, dentre os quais, adotaram e incentivaram meios de composição extrajudiciais, ou com pouca intervenção do órgão judicial, entre o devedor e seus credores. Tais reformas se ampararam em diretrizes e recomendações de organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) e a International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals (INSOL International), o que gerou, no âmbito do direito concursal, uma relativa harmonização entre os princípios e orientações das legislações concursais de países como Estados Unidos, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina, entre outros.

Nesse sentido, percebe-se identidade nas disciplinas dos direitos concursais, não só princípios e objetivos, mas também em seus institutos, embora naturalmente sejam respeitadas as particularidades de cada país. Nesse contexto, atualmente existe uma prioridade nas legislações concursais que é priorizar a manutenção da atividade empresarial, de evitar a insolvência definitiva do devedor e de, quando a falência for inevitável, que seja feita de modo menos oneroso à atividade econômica e à coletividade.

O Brasil seguiu essa tendência e reformou a legislação concursal, com a promulgação da Lei n. 11.101/2005, conhecida como a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Esta Lei trouxe para o direito concursal brasileiro um texto distinto do diploma falimentar anterior (Decreto-lei n. 7.661/1945), regulando não só a falência dos empresários que se encontram em uma situação de insolvência, mas também trazendo institutos que tratam sobre a recuperação desses empresários que estiverem em crise financeira.

Essas mudanças promovidas pela Lei n. 11.101/2005 (LRF) foram necessárias para atualizar o tratamento destinado aos devedores empresários e se adequar às tendências no direito concursal estabelecido no cenário internacional. Internamente, a orientação que se estabeleceu se coadunou com as orientações da Constituição Federal de 1988, pois entre os princípios introduzidos pela LRF está a função social da empresa.

No direito empresarial, o princípio da função social da empresa relaciona-se, sobretudo, ao papel imprescindível que a empresa exerce para a sociedade, uma vez que ao exercer a atividade econômica, acaba por produzir externalidades positivas, como a geração de empregos, arrecadação de tributos e produção de riquezas. Sensível a tal valor, o legislador estabeleceu como orientação principiológica base da LRF o princípio da função social da empresa, e esse norteamento passa a ser presente em todos os seus institutos, a saber: de recuperação judicial e extrajudicial e falência.

A LRF trouxe várias modificações importantes. Uma delas foi a previsão de um instituto de falência com princípios e regras que privilegiam a otimização do uso de recursos produtivos da empresa. Outra, trata da criação da recuperação judicial, um instituto novo no direito concursal brasileiro. Extinguiu-se, assim, a concordata, a qual, nos últimos tempos, vinha apresentando sinais de desgaste e de ineficácia, não sendo, portanto, abrangida pela LRF. Finalmente, a última importante mudança apresentada pela LRF foi a introdução da recuperação extrajudicial no direito concursal brasileiro. É um instituto que recebe uma nova disciplina jurídica e que privilegia os acordos celebrados de modo extrajudicial. Vale dizer que além de pôr em prática a função social da empresa, a recuperação extrajudicial foi criada a fim de inserir o Brasil na tendência mundial de valorização de meios extrajudiciais de composição de credores, tendo em vista legislações dos mais diversos países e diretrizes emanadas de alguns organismos internacionais.

Assim, a previsão da recuperação extrajudicial na LRF buscou dar respaldo legal aos devedores que tentavam negociar diretamente com seus credores sem a necessidade, ou ao menos em menor grau, de intervenção do Poder Judiciário quanto ao teor dessa negociação. Isso significa que a ideia a ser implementada pela criação desse instituto é a de incentivo às soluções de mercado e de participação da autonomia privada na tentativa de reerguimento de uma empresa que se encontra em crise econômico-financeira. É certo que a recuperação judicial, que conta com uma intervenção ativa do Poder Judiciário, parece oferecer maior controle e segurança jurídica ao devedor e aos credores que participam da recuperação de um devedor em crise, especialmente quando se diz respeito a um plano de reestruturação complexo e colossal. Entretanto, como já é sabido, o sistema judicial brasileiro atualmente passou a ser ineficaz e ineficiente em decorrência de diversos problemas, entre eles, a burocracia e a morosidade. Por essa e outras razões, o procedimento de recuperação judicial torna-se mais demorado, complexo e custoso, e muitas vezes traz um grande tumulto para a empresa, o que pode comprometer a sua reputação. Ademais, não existe preparação suficiente do magistrado para lidar com problemas que envolvam outras áreas que não a jurídica.

Nesse sentido, surge a recuperação extrajudicial, que se propõe a ser um instrumento mais célere e de procedimento mais simplificado do que a recuperação judicial, o que, em tese, seria mais benéfico para o devedor e os seus credores, em razão da dinâmica e agilidade inerentes à matéria empresarial. Contudo, ainda não é um instituto de amplo reconhecimento e utilização prática pelo empresariado brasileiro e são poucos os casos em que foi escolhida a recuperação extrajudicial para o reerguimento de um devedor em crise econômico-financeira. Dado que a empresa tem um papel fundamental na sociedade, que as crises econômico-financeiras podem ocorrer a qualquer momento, e que a atividade empresarial deve ser mantida sempre que viável, é essencial a existência de instrumentos jurídicos eficazes que possibilitem a preservação da empresa no mercado.

Tendo em vista a relevância de ter um instrumento jurídico de recuperação extrajudicial no direito brasileiro que seja adequado para tratar a crise financeira dos empresários, e ainda a pouca prioridade que se tem dado a tal instituto, seja na academia seja na sua utilização prática, o presente estudo se justifica para provocar a reflexão sobre os fundamentos jurídicos da recuperação extrajudicial e as principais questões que se apresentam em face do disciplinamento existente no direito concursal brasileiro.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CONCURSAL NO BRASIL

Proclamada a Independência do Brasil em 1822, uma lei de outubro de 1823 ordenou que vigessem no Brasil as Ordenações, os Regimentos, os Alvarás, os Decretos e as Resoluções promulgadas por reis portugueses. Tais diplomas já regulavam a falência, de modo que regularam a matéria no território nacional até a adoção do Código Comercial de 1850. Glauco Alves Martins ensina que, nesta época, havia certo grau de liberdade para que o devedor procurasse seus credores quando estivesse em situação de dificuldades financeiras. Assim, era permitido que o comerciante em crise tomasse providências e estabelecesse negociações com seus credores, a fim de evitar que sua situação fosse dirigida à seara judicial. Isso demonstra uma leve adoção de acordos de natureza extrajudicial, tendo em vista que se admitia a convocação extrajudicial de credores para negociação e a concessão de moratória das dívidas, possibilitando a manutenção da atividade do devedor. No entanto, a legislação existente era bastante precária na matéria comercial, não impedindo quebras dos devedores, além de facilitar a prática de fraudes. A soma desses fatores incentivou uma nova regulamentação do tema no Código Comercial de 1850.

O Código Comercial de 1850, inspirado nos Códigos francês, espanhol e português regulou sistematicamente o direito falimentar no Brasil. Entretanto, não previa qualquer forma de acordo extrajudicial que evitasse a falência e também era omisso quanto à possibilidade de negociação entre devedores e credores. Ou seja, existiam muitas dúvidas quanto à validade das chamadas “concordatas amigáveis”. Além disso, esse Código estabelecia apenas uma forma de concordata, que não tinha caráter extrajudicial e que, posteriormente, ficou conhecida como concordata suspensiva. De acordo com o Código Comercial, após a instrução do processo da quebra deliberava-se sobre o projeto de concordata apresentado pelo falido, devendo ser aprovada pela maioria de credores em número e dois terços do valor de todos os créditos sujeitos aos efeitos da concordata.

Não obstante, o Código admitia a moratória, a qual não tinha caráter extrajudicial. Era concedida pelo Tribunal do Comércio, com a concordância da maioria dos credores em número e que, ao mesmo tempo, representasse dois terços da totalidade de dívidas dos credores sujeitos aos efeitos da moratória, conforme dispunha o art. 900. Sica considera a moratória como a origem da ideia de recuperação de empresas no Brasil. Para Requião, a moratória, concedida por no máximo três anos, fazia o papel de concordata preventiva, sendo independente da falência, desde que comprovada a possibilidade de pagamento futuro e que o inadimplemento adviesse de situação imprevista ou de força maior. Dessa maneira, concluímos que, embora admitisse a moratória, o Código Comercial de 1850 não trouxe meios de se obstar a declaração da falência de forma independente, tampouco fez referências quanto à possibilidade de negociações de natureza extrajudicial entre credores e devedores. O regime adotado pelo Código Comercial de 1850 era lento, complicado, dispendioso e importava, quase sempre, na quebra do devedor e no sacrifício dos credores, os quais muitas vezes preferiam aceitar concordatas fraudulentas a aguardarem a finalização dos demorados processos de falências.

Com a omissão do Código Comercial de 1850 em relação às negociações extrajudiciais seguiu-se, posteriormente, uma série de decretos que visavam a regular essa matéria. O Decreto n. 2.481/1859 foi o primeiro deles, e estabeleceu um regime rígido de proibição de acordos dessa natureza. Já o Decreto 3.308/1864, que tinha caráter emergencial, em razão de uma crise econômica na Capital do Império, introduziu um instrumento de recuperação do devedor, isto é, uma concordata que poderia ser concedida extrajudicialmente por credores que representassem dois terços da totalidade dos créditos. Entretanto, como foi promulgada em um contexto emergencial, a concordata amigável passou novamente a ser proibida pela legislação concursal, por meio do Decreto n. 3.516/1865. Por sua vez, o Decreto Legislativo n. 3065/1882 manteve tanto a moratória como a concordata suspensiva e exigia, para esta, apenas a maioria de credores em número, dispensando a o requisito de dois terços do valor dos créditos. Além disso, esse Decreto possibilitou a modalidade de concordata por abandono, que consistia na entrega de todos os bens ou parte do ativo da massa aos credores para que o realizassem e pagassem o passivo.

A seguir, o Decreto n. 917/1890 providenciou uma reforma no direito falimentar do Código Comercial brasileiro. Pela primeira vez, regulou-se, sistemática e detalhadamente, um mecanismo de recuperação extrajudicial do devedor, o acordo extrajudicial. Com esse Decreto, os credores passaram a ter um poder de atuação mais amplo, especialmente em relação aos instrumentos de prevenção da falência. O Decreto n. 917/1890 permitiu três meios preventivos de falência, quais sejam, a moratória, a cessão de bens e o acordo extrajudicial. Por outro lado, o Decreto n. 917/1890 também trazia dispositivos relativos à concordata. O instituto da moratória foi alterado, sendo concedido pelos credores, não mais pelo Tribunal. Mas as condições para a sua concessão não eram muito diferentes das previstas no Código Comercial de 1850. A cessão de bens objetivava obstar a declaração de falência por meio da imissão dos credores na posse dos bens do devedor.

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No entanto, o grande diferencial do Decreto n. 917/1890 foi a introdução, pelo art. 120, do acordo extrajudicial, também chamado de concordata extrajudicial, que estava sujeito a um processo específico de homologação. O comerciante regularmente inscrito no registro do comércio que ainda não tivesse título protestado por falta de pagamento poderia requerer a homologação judicial de acordo assinado por credores que representassem pelo menos três quartos do seu passivo. Abria-se um prazo para que os credores apresentassem eventuais impugnações concernentes à má-fé, fraude ou dolo do credor. O acordo já homologado produzia efeitos para todos os credores quirografários, inclusive para aqueles que não tivessem consentido com ele anteriormente. Além disso, a homologação impedia que fosse decretada a quebra da empresa, salvo se por falta de pagamento de dívidas previstas no acordo ou das contraídas posteriormente. E, caso se negasse a homologação do acordo extrajudicial, a falência era automaticamente declarada.

Já em relação à concordata, passaram a coexistir duas modalidades: a suspensiva e a preventiva. A concordata suspensiva objetivava sustar o procedimento de falência, de modo a cancelar seus efeitos e dar ao devedor a chance de reassumir a administração de seus bens e a continuidade de sua atividade. A concordata preventiva tinha por escopo evitar que o devedor fosse declarado falido. Ambos os tipos baseavam-se nos mecanismos de remissão de dívidas e de dilação do prazo para pagamento, ou na combinação dos dois. Na concordata preventiva, o devedor que tivesse feito extrajudicialmente algum acordo ou concordata com credores antes do protesto por falta de pagamento deveria requerer a homologação pelo juiz. Sendo obtida, o devedor não poderia ser decretado falido.

Requião explica que, com a formação de assembleia de credores, após se verificarem os créditos e relatório do curador fiscal sobre as causas determinantes da falência, o falido poderia apresentar a proposta de concordata, independentemente de apoio anterior dos credores. Havia a concordata por abandono e a concordata por pagamento. De acordo com o art. 43, a concordata por abandono consistia na adjudicação de todos os bens integrantes da massa, ou de parte deles, pelos credores para pagamento do passivo, e importava na completa desoneração do devedor, o qual se livrava dos efeitos comerciais, civis e criminais da falência. Já a concordata por pagamento relacionava-se à remissão ou dilação, e consistia na manutenção do devedor na posse da massa pelo tempo acordado para o pagamento dos credores, nos termos propostos e aceitos. E apenas depois do cumprimento dos ajustes da concordata o devedor ficava desonerado e livre dos efeitos comerciais, civis e criminais da falência. Nota-se que era necessária a autorização três quartos da totalidade dos créditos reconhecidos verdadeiros e admitidos ao passivo para a concordata, e esta era homologada pelo juiz.

No que diz respeito ao aspecto processual, Requião ensina que a concordata preventiva era requerida ao juiz, este convocava uma reunião de credores, em petição promovida pelo devedor por editais, juntamente à proposta. Nessa petição, o devedor deveria expor as causas do seu estado, juntando seus livros, o balanço exato do ativo e do passivo, a conta dos lucros e perdas, a relação nominal dos credores, com seu domicílio, natureza e importe de cada crédito e o prazo do pagamento. Após a aceitação de credores representantes de pelo menos 3/4 da totalidade do crédito, o juiz poderia homologar a proposta ou não. No entanto, o juiz poderia expedir desde o recebimento do pedido de convocação dos credores uma ordem para sustar todos os procedimentos executivos pendentes, ou os que fossem futuramente intentados, até a homologação da concordata. Da não homologação era possível interposição de agravo de petição.

Importante destacar que a concordata, seja preventiva ou amigável, tinha caráter contratual, especialmente na forma extrajudicial, tanto na hipótese de aceitação unânime dos credores como na imposição do plano à minoria dissidente quando da homologação. Essa era a posição majoritária, havendo, por outro lado, quem defendesse a teoria da imposição legal. Ferreira e Mendonça, contudo, explicam que era a equidade formava a formava a obrigação e constrangia a minoria, evitando que ela prejudicasse a maioria e a vantagem comum aos credores e ao devedor. Daí a exceção ao princípio dos contratos, uma vez que a os credores formam uma associação, e a maioria deles é que representa os interesses dessa associação. O Decreto n. 917/1890 fixava a maioria em três quartos da totalidade do passivo.

Além dos mencionados instrumentos, outras formas de acordo extrajudicial poderiam ser consideradas válidas, com a eficácia independente de homologação extrajudicial, desde todos os credores aceitassem tal acordo.

Não obstante, o país viveu uma forte crise inflacionária, somada à desenfreada especulação na bolsa de valores o e o crescente aumento do custo de vida, decorrentes da política monetária de encilhamento instituída em 1891 pelo Ministro da Fazenda Rui Barbosa no Governo Provisório de Deodoro da Fonseca. Esse cenário provocou a quebra de inúmeros comerciantes e a prática de fraude no processamento. Assim, o sistema trazido pelo Decreto n. 917/1890 foi sendo severamente criticado, pois muitos credores se aproveitavam dos devedores quando da celebração do acordo preventivo, fosse em razão de muitas facilidades e meios para que os devedores evitassem a falência, ou em razão do excesso de poder e autonomia dos credores. Além disso, criticou-se também o excesso de meios preventivos de falências trazidos por esse diploma legal, a não sujeição das sociedade anônimas à falência, a falta de clareza na separação dos interesses públicos e privados e das responsabilidades civil e criminal. Por fim, importante observar que os problemas referentes ao Decreto n. 917/1890 derivavam não só das diretrizes traçadas pelo diploma legal, mas também das interpretações do magistrado, as quais desconsideravam as motivações originárias.

As falências e fraudes decorrentes da política monetária de encilhamento, somadas à impunidade dos falidos fraudulentos, fizeram com que fossem exigidas reformas no Decreto n. 917/1890, resultando então na Lei n. 859/1902, que baniu tanto a concordata por abandono como a moratória. Essa lei foi regulada pelo Decreto n. 4.855/1903, mas teve uma vigência efêmera, pois foi logo substituída em 1908 pela Lei n. 2.204, a qual realmente trouxe novidades quanto ao sistema recuperacional. Essa Lei, cujo projeto foi de José Xavier Carvalho de Mendonça, providenciou uma profunda reforma na legislação falimentar brasileira, tendo como objetivo “desterrar a fraude, o conluio, a má-fé, e a chicana, dando-lhes caça, onde quer que se ocultem”. Entretanto, foi posteriormente modificada e ampliada pela Lei n. 5.746/1929, reduzindo-se o rigor para a concessão da concordata.

A Lei n. 2.024/1908 representou uma grande mudança no direito brasileiro quanto aos acordos extrajudiciais, porquanto veio a abolir a concordata extrajudicial e a moratória, consolidando tão somente a concordata judicial sob duas formas: preventiva e suspensiva (na falência). A concordata, preventiva ou terminativa, somava três elementos principais, quais sejam: a proposta pelo devedor, a aceitação pelos credores e a homologação. Ademais, o processamento ou a homologação da concordata eram obrigatoriamente realizados em juízo, e o poder do magistrado englobava a verificação dos requisitos legais para a concessão da concordata, tutela dos interesses envolvidos, investigação da boa-fé do devedor, análise da procedência ou não das oposições, não podendo alterar nem criar o conteúdo das obrigações pactuadas, conforme leciona Alessandra Domingues.

Sica acrescenta que o procedimento da concordata passou a contar com a atuação de um representante do Ministério Público, bem como a fiscalização de atos por comissários nomeados pelo juiz. Ademais, o devedor podia evitar a falência requerendo ao juiz a convocação de seus credores para lhes propor a concordata preventiva, desde que obedecesse aos requisitos legais a serem verificados pelo juiz. Além disso, havia também a possibilidade da concordata que suspendia os efeitos da falência no curso desta, sendo que a falta de cumprimento das condições resultaria em rescisão da concordata seguida de declaração de falência. Fundamental observar que sem a homologação judicial a concordata não existiria nos termos da Lei n. 2.024/1908, de modo que só assim passava a produzir seus regulares efeitos. Entretanto, a força obrigatória de cumprimento do acordo não decorria da homologação, mas da própria convenção, ou seja, da aceitação pelos credores da proposta do devedor. Isso porque a concordata mantinha neste diploma legal o caráter contratual.

Além disso, a Lei n. 2.024/1908 trouxe a ideia de que a convocação de credores com o escopo de celebrar acordo extrajudicial para a salvar um devedor em crise era causa para a declaração de falência do mesmo, pois esta prática, chamada de ato de falência, era entendida como presunção de insolvência. Portanto, passou-se a um momento de severa proibição das negociações extrajudiciais, o qual perdurou até a promulgação da LRF. Domingues afirma que “a Lei nº 2.024 tolerava a concordata amigável apenas quando concordava a unanimidade de credores, mas sujeitava tal acordo ao regime do direito comum (...)”. Por fim, Sica considera que foi a partir da Lei n. 2.024/1908 que surgiu uma burocratização e judicialização dos procedimento de recuperação das empresas em crise, além do seu alto custo e inacessibilidade para as empresas de menor porte. Não obstante, tal Lei passou a regulamentar, de maneira mais cautelosa, a concordata preventiva e a concordata suspensiva, mas estas sofreram importantes alterações pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

O Decreto-lei n. 7.661/1945 conservou a ideia de proibição das tratativas extrajudiciais entre devedores em crise e credores, bem como manteve a concordata nas formas suspensiva e preventiva. A concordata preventiva, antes vinculada a uma natureza contratual, passou a ser considerada como um favor legis, ou seja, um direito do comerciante honesto e de boa-fé a ser judicialmente pleiteado e concedido pelo Estado, por sentença do juiz, visando a evitar acordos fora do processo que prejudicassem o princípio de igualdade entre credores. A concordata preventiva era pleiteada pelo comerciante que se encontrava em boa situação econômica, mas em situação financeira ruim. Sendo assim, servia para que se concedesse a este comerciante um prazo maior para pagamento de credores quirografários, a fim de que pudesse reorganizar sua vida financeira e, consequentemente, evitar a falência. Já a concordata suspensiva se destinava àquele comerciante que já tinha sido decretado falido, de modo que lhe era dada a oportunidade de retomar a administração da empresa e tentar reerguê-la.

Tzirulnik leciona que a concordata era definida pela doutrina brasileira como “uma demanda que tem por objeto a regularização das relações patrimoniais entre o devedor e seus credores quirografários, evitando a declaração da falência ou fazendo cessar seus efeitos, caso já tenha sido declarada”. Para a concessão da concordata bastava o preenchimento de requisitos legais e objetivos pelo credor, que passava a não mais se sujeitar à vontade do credor. Em relação a isso, Sica ressalta que não se avaliava a real possibilidade de reerguimento da empresa “e, muitas vezes a deixavam à mercê de credores mal intencionados ou com o intuito único de reaver o seu crédito a qualquer preço, ainda que sob pena de arruinar a possibilidade de a empresa recuperar-se”. Ou seja, a concordata era um favor legal concedido em razão do cumprimento de formalidades burocráticas, sem qualquer preocupação com estratégias de recuperação.

Ademais, o Decreto-Lei n. 7.661/45 restringia a concordata para tão somente créditos quirografários, enquanto os demais credores podiam propor ou dar continuidade às cobranças judiciais de seus créditos; bem como trazia as formas de remissão das dívidas e as regras de dilação de prazo para o pagamento dos credores. Toda essa combinação culminou em severas críticas pela doutrina e consequente flexibilização na aplicação das normas. Domingues entende serem estes os fundamentos do insucesso da concordata, além de sua ineficácia como remédio legal apto a solucionar a situação financeira do devedor em crise financeira, tendo em vista que 90% das empresas em concordata foram à falência. Requião entende que o Decreto-lei n. 7.661/1945 trouxe muitas inovações, sendo que reforçou poderes do magistrado perante a influência dos credores, e também passou a considerar a concordata como benefício concedido pelo Estado ao devedor honesto. Em decorrência disso, as críticas a esse diploma legal eram diversas. Waldemar Ferreira afirmou que o novo sistema acabava por beneficiar a figura do devedor em detrimento dos credores, porque estes teriam sofrido grandes restrições a seus direitos creditórios, como por exemplo a intervenção na concordata frente ao juiz, que passou a deter maior poder sobre a matéria.

Mais especificamente em relação à negociação de natureza extrajudicial, o Decreto-lei n. 7.661/1945 mostrou-se completamente contrário a ela. Em primeiro lugar, faltava um instituto jurídico que lhe desse eficácia jurídica. Essa omissão normativa era totalmente contrária à tendência de evolução de acordos preventivos extrajudiciais existente em outros países, conforme se verá adiante. Além disso, o Decreto-lei n. 7.661/1945 proibia expressamente a negociação extrajudicial entre credores e devedores. Em primeiro lugar, o art. 2º, III, do Decreto-lei n. 7.661/1945 dizia que o devedor estava proibido de convocar os credores para uma assembleia que tivesse por fim propor dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, sob pena se considerá-la ato de falência, e ainda considerava o pagamento antecipado de credores, em prejuízo de outros, como conduta delituosa.

De acordo com a doutrina, esta prática era vista como confissão extrajudicial do estado de falência, pressupondo desorganização da empresa e risco de fraude nas suas operações. Martins entende que “o legislador de 1945, ao considerar tal hipótese, fez uma nítida opção em favor da coletividade de credores, coibindo preventivamente eventuais fraudes, ainda que em prejuízo da reestruturação da atividade econômica”. Isso porque se impedia o devedor de convocar apenas um determinado grupo de credores para lhes propor situação vantajosa, excluindo-se outros grupos de credores, ideia da qual se depreende que era preferível a quebra do comerciante e posterior rateio do patrimônio entre todos os credores do que a possibilidade de manutenção da atividade por meio da autonomia privada. Por outro lado, Sztajn reforça que a concordata, especialmente a preventiva, também era prejudicial aos credores, uma vez que servia apenas para ganhar tempo e, na maioria das vezes, quando o processo se convolava em falência, os ativos valiam muito menos que no início, o que prejudicava os credores.

Todavia, mesmo com a proibição legal, era possível a negociação extrajudicial, desde que todos os credores aceitassem a proposta do devedor. Isso evitaria que entrassem em juízo ou se provocasse a falência, mas o credor ficaria sem qualquer respaldo judicial contra esse pedido. Na prática, o devedor continuou a procurar credores para a negociação extrajudicial, nomeando, para tanto, bancos como seus mandatários, fato que fez surgir a denominada “concordata branca”. Ou seja, a concordata branca surgiu durante a vigência do Decreto-lei n. 7.661/1945, mas não tinha qualquer amparo legal. No mais, a concordata branca referia-se a qualquer iniciativa do devedor de procurar seus credores a fim de assumir que estava enfrentando uma situação de crise, propondo-lhes moratória ou outra forma de pagamento distinta da originariamente acordada. Na prática, passou a ser frequentemente utilizada nos negócios porque os instrumentos oferecidos pelo Decreto-lei n. 7.661/1945 não eram eficazes para o reerguimento do devedor e porque proporcionava diversos benefícios que a concordata não oferecia, como diminuição de riscos à decretação da falência em razão do descumprimento de formalidades ou de conteúdo do acordo, não limitação aos credores quirografários, liberdade de negociação, não se restringindo às formas dispostas em lei.

Por outro lado, a prática da concordata branca era acompanhada de insegurança às partes, o que desestimulava a participação de todos os interessados, além de trazer o risco de algum credor envolvido na negociação requerer a falência com fundamento do art. 2º, III, do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Assim, com a prática frequente da concordata branca, ficou clara a discrepância entre a realidade e a lei. Domingues resume bem como era impróprio o sistema trazido pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945:

“(...) verificou-se que o modelo concursal eleito era igualmente inadequado e ineficaz a regular a realidade econômica das empresas inseridas em contextos complexos de governança corporativa, de grupos econômicos, de crescimento das relações internacionais e de globalização, inclusive em razão de ter eleito o conceito de comerciante, ao invés do conceito de empresa, tanto festejado por Ascarelli, não imprimindo a diferenciação entre a pessoa do comerciante a atividade economicamente organizada.

Tal inadequação originou-se não da rigidez da lei que não a permitia acompanhar a revolução sócio-econômica brasileira – fator que contribuiu, por certo, para a ineficácia da lei no tocante à solução da crise financeira do devedor –, mas da própria dissonância entre o espírito da lei e a época em que entrou em vigor, como explica Nelson Abraão. (...)

De fato, o referido Decreto-Lei nasceu velho, revelando uma preocupação demasiada com a figura dos credores, privilegiando a falência e abortando tentativas de reestruturação de empresas que eram viáveis e poderiam voltar a ser lucrativas. Favorecia o ganho individual dos credores em detrimento da perda de empregos, da geração de riquezas e perda econômica para a sociedade, indo na contramão da tendência mundial dos sistemas concursais pautados na preservação da empresa.”

Concluímos que qualquer tentativa de negociação entre devedor e credor em momento pré-falimentar, que fosse realizada fora do âmbito judicial, estava à margem da lei. Consequentemente, inúmeras críticas foram realizadas quanto a esta sistemática, a qual demonstrava-se demasiadamente distante da realidade prática, vez que diversos acordos extrajudiciais informais foram firmados a despeito da proibição legal. Aos poucos, o entendimento do magistrado foi sendo flexibilizado no sentido de aceitar novas formas de composição de devedores, mesmo na pendência de uma concordata preventiva, por exemplo. Logo, era bastante claro que o sistema concursal brasileiro não caminhava juntamente às orientações legais dos demais países do mundo. Como resultado de tantas críticas e orientações jurisprudenciais que permitiam o uso de soluções de mercado para o devedor em crise financeira, houve uma mobilização para o legislador reformasse o direito falimentar brasileiro, resultando, posteriormente, na LRF. Essa Lei revogou o diploma falimentar então vigente, introduzindo no Direito brasileiro um novo sistema concursal norteado por outros novos princípios, bem como passou a promover institutos muito diferentes daqueles apresentados pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

Posteriormente, a Lei n. 4.983/1966 foi elaborada para realizar alterações no Decreto-lei n. 7.661/1945. Ela veio coibir abusos praticados por diversos devedores que procrastinavam a todo custo o procedimento de homologação do pedido da concordata preventiva, uma vez que o prazo para pagamento começava a correr a partir da sentença de homologação. Com a Lei n. 4.983/1966 o prazo passou a se iniciar na data do pedido de seu ingresso em juízo. A despeito de tais alterações, a Lei n. 4.983/1966 não apresentou mudanças profundas na sistemática concursal do Direito brasileiro. Ressalta-se que a doutrina tem como referência de diploma falimentar anterior à LRF o Decreto-lei n. 7.661/1945

Desde a década de 1970, a doutrina brasileira chamava atenção para a necessidade de uma reforma na legislação falimentar. Cumpre observar que a Lei n. 7.274/1984 mudou poucos dispositivos da Lei falimentar vigente, sendo que a Lei 6.024/1974 foi a última a alterar a matéria relativa a negociação extrajudicial, dispondo sobre intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Mais adiante, em meados de 1991, frente à necessidade de uma nova lei falimentar, foram constituídas comissões específicas, integrada por renomados juristas, para que se iniciasse o processo de elaboração. Em 1993, nasceu o Projeto de Lei n. 4.276 por iniciativa do Poder Executivo, o qual formulou o anteprojeto remetido ao Congresso Nacional, e o Projeto de Lei n. 4.276/1993 deu origem à atual Lei de Recuperação e Falências. No texto do anteprojeto não havia nenhuma referência quanto à recuperação extrajudicial ou instituto semelhante e, portanto, não demostrava qualquer tipo de avanço quanto aos meios extrajudiciais de reorganização das empresas em crise.

O Projeto de Lei n. 4.276/1993, em trâmite da Câmara dos Deputados, foi deixado de lado por quase dez anos, mas, a partir de 2002, seu trâmite foi retomado com a participação de juristas e especialistas em matéria concursal, passando a trazer dispositivos mais modernos sobre falências, buscando uma maior rapidez e eficiência no processamento e recuperação judicial, além de introduzir, nesta fase, o instituto da recuperação extrajudicial no Brasil. O resultado de tudo isso foi o chamado “Projeto Biolchi” – em razão do Deputado Relator Oswaldo Biolchi –, que era significantemente distinto do anteprojeto. Importante observar que foram realizadas audiências públicas para que se contasse com a participação popular, bancos, Ministério Público, Governo Federal e diversos outros especialistas na área. Martins leciona mais detalhadamente sobre a inserção da recuperação extrajudicial no Projeto:

“Um dos aspectos mais positivos e relevantes dessa fase do trâmite legislativo do Projeto de Lei nº 4.376/93 foi a inclusão do instituto da recuperação extrajudicial, a qual foi resultado da solicitação de diversos especialistas em reorganização de empresas e renegociação de dívidas, bem como a exclusão de qualquer hipótese de ato de falência que pudesse inviabilizar os processos coletivos de negociação extrajudicial com credores. Para que não restasse qualquer dúvida a esse respeito, um dos artigos do Projeto Biolchi mencionava expressamente que a convocação extrajudicial de credores não mais seria considerada ato de falência.

O ponto alto da proposta de regulamentação do instituto era a possibilidade de imposição dos termos de um plano de recuperação elaborado e discutido extrajudicialmente a um grupo de credores minoritários e dissidentes. Outro com essa inovação, era de se esperar que os processos coletivos de renegociação de dívidas ganhassem um ritmo novo, dada a pressão a que ficariam submetidos os credores dissidentes. Outro ponto positivo era a tentativa de proteção dos atos previstos no plano de recuperação extrajudicial contra eventuais declarações de ineficácia ou ações revocatórias, na hipótese de futura declaração de falência do devedor”.

Em seguida, o Projeto foi enviado ao Senado Federal, tendo como Relator o Senador Ramez Tebet, sendo sensivelmente alterado em relação à versão anterior, em razão da Emenda apresentada e aprovada pelo Plenário do Senado. A Emenda Tebet praticamente reformulou o instituto da recuperação extrajudicial, conforme consta do próprio Relatório do Senador Ramez Tebet, e como afirma Martins. De acordo com esse Relatório, o projeto nos moldes anteriores previa, injustificadamente, uma recuperação extrajudicial muito semelhante à recuperação judicial, não havendo qualquer necessidade para a implementação de dois instrumentos tão parecidos. Por esse motivo, quando da tramitação no Senado Federal, houve uma alteração substancial do instituto da recuperação extrajudicial, a ser utilizada por devedores em situações de crise distintas daquelas pelas quais os devedores que se utilizam da recuperação judicial passam. Dessa maneira, a recuperação extrajudicial passou a servir àqueles casos em que o estado de crise econômico-financeira é menos gravoso, sendo que a recuperação judicial deve ser o último recurso a ser utilizado pelos empresários e sociedades em dificuldades, pois implica em medidas mais severas referente aos direitos dos credores, como a imposição do plano à minoria dissidente.

Assim, após passar pelo Senado Federal, a recuperação extrajudicial delineou-se como um instituto em que é possível a convocação pelo devedor dos seus credores para a apresentação de um plano, o qual terá efeitos apenas àqueles que optarem expressamente pela adesão (observa-se que eventualmente, é possível a recuperação extrajudicial impositiva, conforme se verá mais a frente). Além do mais, tem-se a homologação do plano extrajudicial, fase esta que serve especialmente para lhe conferir segurança jurídica. Nesta etapa, há a oitiva do Ministério Público, bem como de credores pelo magistrado, o qual deverá verificar, ainda, se não há a intenção de se prejudicar outros credores. Desse modo, diminui-se a possibilidade de que, com maior liberdade e autonomia pelo devedor e credores, estes pratiquem atos fraudulentos.

Depois disso, o Projeto retornou à Câmara, mas esta não realizou alterações quanto à recuperação extrajudicial, de modo que o Projeto de Lei n. 4.276/1993 foi sancionado e promulgado no ano de 2005, sem nenhum veto presidencial. Sica ainda afirma que, no Projeto de Lei n. 4.276/1993, a recuperação extrajudicial “consistia na possibilidade de o devedor convocar credores ou classes de credores e apresentar proposta de plano de recuperação sem que fosse caracterizado ato de falência”. O devedor poderia então requerer a homologação em juízo do acordo, desde que obedecesse a determinados requisitos. Entretanto, eram passíveis de homologação apenas as propostas aprovadas pela maioria credores em número e que representassem no mínimo três quintos da totalidade dos créditos. Destaca-se, ainda, que o plano de recuperação extrajudicial submetido à homologação judicial gera efeitos diferentes daqueles celebrados sem a participação do Judiciário, e essa ideia foi inserida já no Projeto de Lei n. 4.276/1993. Assim, o plano homologado judicialmente produziria efeitos inclusive aos credores dissidentes, enquanto que o plano sem homologação vincularia apenas o devedor e os credores contratantes.

Importante ressaltar que, embora o projeto de lei tenha passado por 11 anos de tramitação legislativa, a Lei 11.101/2005 não foi fruto de um processo de intenso estudo, sendo mero resultado de uma versão criada meses antes da sua promulgação. Bezerra Filho ressalta que após 10 anos de paralisação do projeto, este retornou aos olhos do Legislativo quando o FMI e o Banco Mundial pressionaram para que a Lei fosse aprovada, nos moldes das 35 recomendações dadas por essas instituições, apresentando o autor diversas críticas à Lei decorrentes desse fato. Conforme visto anteriormente, nos últimos anos da vigência do Decreto-lei 7.661/1945, o direito concursal brasileiro andava em descompasso com as legislações mais desenvolvidas de outros países, como Estados Unidos, Argentina e França, que acolhiam a regulação amigável e extrajudicial do devedor com seus credores. Além do mais, a rigidez desse Decreto-lei era incompatível com a presente dinâmica econômica-empresarial, de modo a induzir o credor a adotar soluções à margem da lei, como por exemplo a concordata branca, a despeito da proibição legal. Como resultado das inúmeras críticas, surgiu o Projeto de Lei n. 4.276/1993, que deu origem à LRF, a qual passou a regular a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Assim, LRF inseriu o Brasil no contexto mundial na disciplina do devedor em crise, evidenciado pelas seguintes tendências: diferenciação dos negócios em dificuldades daqueles inviáveis; reconhecimento da função social da atividade empresarial e de todos os interesses envolvidos; busca do maior equilíbrio na defesa dos interesses dos credores, devedores e outros interessados; estabelecimento de maior celeridade e economia processual; e estímulo de soluções de mercado, em contraposição ao ideal da legislação anterior, na qual se buscava apenas a solução liquidatária para a crise econômico financeira da atividade empresarial.

Dessa maneira, a LRF passou a adotar a teoria da empresa e também uma posição mais moderna em relação à matéria concursal, prevendo o instituto da recuperação, fixando a ideia de reorganização do devedor em crise econômico-financeira e continuidade da atividade empresarial. Mesmo quando entende ser inviável o reerguimento do devedor em crise, a LRF trouxe dispositivos legais que têm como escopo manter a unidade produtiva. Nesse contexto, a LRF pôs fim à concordata preventiva e suspensiva, passando a oferecer quatro hipóteses para a solução da crise da atividade empresária: (i) a recuperação judicial, (ii) a recuperação extrajudicial, (iii) a liberdade de negociação entre devedor e seus credores e, finalmente, (iv) falência.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEVILAQUA, Newton. Recuperação extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5475, 28 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65898. Acesso em: 22 dez. 2024.

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