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REFLEXÃO SOBRE A REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA.

Agenda 06/05/2018 às 13:12

Nesse artigo tratarei dessa luta de gladiadores, a reforma trabalhista sob esse viés que sempre caracterizou as relações de trabalho, o confronto entre capital e proletariado em sua dimensão política-histórica.

REFLEXÃO SOBRE A REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA.

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A REFORMA TRABALHISTA E A IDEOLOGIA RESTRITIVA. 3. A FLEXIBILIZAÇÃO E A FALSA PERCEPÇÃO. 4. A CRISE DO DIREITO DO TRABALHO 5. A IDEOLOGIA POLÍTICA GOVERNAMENTAL E A PRECARIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS. 5. CONCLUSÃO.

 

1. INTRODUÇÃO

Não é exclusividade do Brasil modificações de sua legislação laboral, em outras partes do mundo a proteção aos direitos dos trabalhadores também foi marcado por lutas e conquistas.

Lembremos da épica história narrada por C.S Lews descrever o romance alegórico as Crónicas de Nárnia descortina um mundo imaginário onde o mal e o bem, em uma visão maniqueístas de poderes opostos e incompatíveis encontram-se em constante batalha.

Nesse artigo tratarei dessa luta de gladiadores, a reforma trabalhista sob esse viés que sempre caracterizou as relações de trabalho, o confronto entre capital e proletariado em sua dimensão política-histórica caracterizada pela eterna crise sistêmica entre as relações de empregado e empregador, a falsa percepção a respeito da flexibilização dos direitos trabalhista e a atual ideologia política governamental que reduziu direitos previstos em lei sem o necessário debate social, não demonstrando transparência e boa-fé na condução do processo legislativo.

Com o advento da lei 13.467/17 houve significativa modificação na legislação que regula o direito laboral brasileiro. Paradigmas foram substituídos, regras dogmáticas alteradas, de forma abrupta, ou seja, o processo legislativo tramitou em caráter de urgência e a realidade do direito do trabalho brasileiro deu um salto para um novo mundo.

Após a sanção presidencial a sociedade começa a tomar consciência da lei e de seus impactos nas relações sociais, novos mecanismos de acesso ao Judiciário, novas figuras contratuais de trabalho, restrições e precarizações de direitos, deixando claro que as referidas mudanças revelam a força ideológica do agrupamento político e interesses prevalecentes do capital.

De fato, houve uma mudança de paradigma no direito do trabalho.

Importante destacar a contribuição de Thomas Kuhn (1998), que ao conceituar o paradigma afirma que “é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientifica consiste em homens que partilham um paradigma.”

A discussão em torno da urgente mudança no direito do trabalho e a promulgação da nova lei comtemplou novos paradigmas a comunidade que convive com as normas que regulam essa área especializadas do direito, em especial, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade, a compensação de jornada sem negociação coletiva, ampliação do banco de horas, admissão de trabalho da emprega gestante e da lactante em ambiente insalubre, trabalho intermitente, quitação anual das verbas trabalhistas, dentre outros.

Desde o surgimento do fenômeno industrialização há no mundo uma constante evolução das regras e normas que regem as relações interpessoais desse fato social, e, longe de combate-la, em verdade, necessitamos dessa constante renovação, pois se trata do resultado do progresso humano.

O Estado, ao desempenhar a sua função política, administrativa e judiciária, faz a história imprime seu selo ideológico na produção de regras que regem as relações laborais, nos limites de sua atuação, em especial no direito laboral criando normas que protegem o hipossuficiente na relação laboral, não sendo diferente em outras partes do mundo.

O objetivo desse artigo é examinar os impactos da reforma trabalhista marcada pela ideologia restritiva neoliberalista que no rastro do movimento de flexibilização dos direitos trabalhista, apresentou a sociedade brasileira a Lei 13.467/2017 com inúmeros dispositivos passiveis de inconstitucionalidades, bem como mensurar a precarização dos direitos dos trabalhadores refletido em diversos dispositivos da nova lei.

 

2. A REFORMA TRABALHISTA E A IDEOLOGIA RESTRITIVA

 

Em julho de 2017 foi publicada a lei 13.2017, que reformou diversos artigos da consolidação das leis trabalhista, trazendo novidades que preocupam a comunidade laboral. O direito do trabalho ganha regras novas capazes de romper com o compromisso histórico e clássico de defender a parte mais frágil em uma relação capital versus proletariado.

Jack Balkin (1987) argumenta que ideias e conceitos alteram-se à medida que são introduzidas em novos contextos sociais e políticos ao longo do tempo. E afirma que os juristas devem estar interessados utilizar técnicas desconstrutivas pois fornecem métodos para criticar as normas legais existentes; em particular, uma leitura desconstrutiva revelará como os argumentos oferecidos para suportar uma determinada regra minam-se.

Além disso, as técnicas desconstrutivas podem mostrar como os argumentos que justificam a inclusão no ordenamento jurídico de normas são informados e disfarçam o pensamento ideológico.

Por outro lado, é possível afirmar também que a ideia pugnada por Balkin também pode ser refletida ao revés, desconstruir direitos. A reforma capitalista e neoliberal não seria uma lesão consolidada e desconstrutivista dos direitos dos trabalhadores?

Pois bem.

Nesse ponto, a Lei 13.467/2017 reflete o pensamento ideológico em regular as relações de trabalho, notadamente, pelo neoliberalismo, que por via direta abalou as estruturas do direito do trabalho, abrindo espaço ao interesse do que detém a força superior e dominante.

Destarte, a presente analise dialogará com as técnicas desconstritivas em uma reflexão em que evidenciará o pensamento ideológico que motivou a legislador para trazer para sociedade brasileira a “deslealdade” legislativa.

Jack Balkin (1987) diz que “os limites da justiça, são determinados pelos limites de quem é humano em oposição a quem é meramente “animal”, a reforma trabalhista é um exemplo que não se respeitou o limite do humano, do frágil, do tangível pelas limitações do cansaço, daquele que se esvai em seu esforço humano no fim do dia laboral, do respeito a trabalhadora humana que gera mais uma vida que ingressará no mundo que o recepcionará em um ambiente desumano e sem limites.

Historicamente os avanços normativos pós industrialização criou um campo de proteção aos direitos dos operários, fruto dos movimentos sociais em busca de humanização e dignidade nas relações entre capital e proletariado.

O complexo ramo do direito laboral tem como escopo a proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, constitui garantias de que a ordem jurídica não retrocederá em desfavor do cidadão, com as exceções prevista na magna carta.

A Constituição cidadã estabelece que um dos objetivos fundamentais da República é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que garanta o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

O texto constitucional confirma que nossa sociedade é multifacetária, com realidades sociais distintas. O Brasil é um país em desenvolvimento social. Dado relevante que deve-se ter em conta quando se fala sobre mudança legislativa laboral, o que parece ter sido relegado a segundo plano na tramitação do projeto de lei da reforma trabalhista.

Segundo Vólia Bomfim (2014), o Welfare legitimou a pretensão universalista dos direitos dos trabalhadores em razão da centralidade do trabalho na organização da sociedade industrial. Originariamente a atuação estatal é justamente proteger o hipossuficiente da famigerada lei do mercado.

“O Welfare State representa o direito que tem toda pessoa de ser protegida contra abusos do poder econômico, garantindo-lhe, por exemplo, renda mínima, alimentação, educação, saúde, habitação, independentemente da condição social do ser humano, tudo como forma de direito politico e não como caridade.” (BOMFIM, apud, STREK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica. p.64)

 

Muito se vem discutindo a respeito de mudanças na legislação trabalhista brasileira, tendo como fundamentos diversos dos fatores, dentre eles, a modificação da economia, a abertura de mercado, a livre concorrência, a saúde das empresas, a flexibilidade das leis, a redução de direitos trabalhista, a sujeição do sistema econômico brasileiro ao interesse do capital e a adoção da ideologia de mercado.

Entretanto, como diz Boaventura Santos (1998)“Precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os direitos num contexto hostil de globalização neoliberal”.

Sabemos que o interesse do capital não corresponde ao interesse do trabalhador, pois o empregador, que pelo princípio da alteridade assume os riscos do negócio não tem interesse em remunerar de forma condigna aos trabalhadores ou proporcionar condições de saudáveis do ambiente de trabalho. Evidente que as normas justrabalhistas que formam um bloco mínimo de segurança devem ser referendas pelo Estado, ainda mais em países subdesenvolvidos, como é caso do Brasil.

Nesse sentido, Balkin afirma que a lei reflete visões sociais que envolvem privilégios de concepções particulares da natureza humana.

Assim, pode-se afirmar que o processo de mudança das normas trabalhistas brasileiras está inserido em um processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, ou seja, novos mecanismos legais são impostos a sociedade decorrente da mudança da economia mundial.

Em verdade, de um fenômeno mundial de precarização normativa das relações de trabalhista, com suporte ideológico político, econômico e social.

Além disso, é de se perceber que a característica marcante do direito do trabalho é proteção ao hipossuficiente.

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Entretanto, não podemos esquecer que o direito do trabalho deve equilibrar os interesses divergentes, pois o capital depende do trabalhador e o trabalhador do capital, vice-versa, nesse ponto o Estado é o ponto de equilíbrio nessa relação.

É correto afirmar, portanto, que a Lei 13.467/2017 apresenta-se claramente como instrumento a serviço dos interesses dos empregadores e resultará em maior lucratividade e aumento significativos de seus rendimentos, a exemplo do novos modelos de contratos de trabalho, prestação de serviços por pessoa jurídica, a não integração ao salários de benefícios, trabalho em condições insalubres para gestantes, fim das horas in itineres, revogação de regras sobre a jornada de trabalho, dispensa das homologações pelos sindicatos, dentre outras que ferem princípios como da razoabilidade, lealdade e transparência.

Em um sistema unificado em que o mundo globalizado enfrenta crises decorrentes das ideologias política e econômicas, o mínimo que se espera do Estado que preocupa-se em construir uma sociedade justa, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, é proteger os direitos dos trabalhadores e principalmente a dignidade.

 

3. A FALSA PERCEPÇÃO E A FLEXIBILIZAÇÃO

Ponty (2006) em sua obra clássica a respeito da Fenomenologia da Percepção aduz que a percepção as vezes engana, principalmente a percepção das coisas que encontram-se longe do sujeito e que muitas vezes é preciso corrigir as conclusões originários da percepção, é necessário usar o intelecto ou razão das coisas que nos cerca e aparatos teóricos das coisas para não cairmos em erros conceituais.

Ao se observar o mercado de trabalho em nosso país se constata que a maioria dos trabalhadores se encontram na informalidade e existem aqueles que estão inseridos em relações trabalhistas totalmente a margem da legislação aparentando um autêntico contrato de trabalho quando na verdade se trata de simulações violadores dos direitos dos trabalhadores a exemplo dos estagiários, cooperados, menores aprendizes e outros.

Jorge Luiz Souto Maior (2017), trouxe excelente contextualização conceitual a respeito do termo flexibilização e afirma que o termo foi utilizado como eufemismo para não se perceber a realidade, contribuindo para a ideia de falsa percepção conceitual da realidade:

 

O termo “flexibilização”, como já ocorrera na década de 90, foi utilizado como um eufemismo para não se perceber a realidade, embutida na fórmula do negociado sobre o legislado, de uma imposição, pela força, aos sindicatos, da aceitação de redução de direitos, mas que não aparece como tal e sim como efeito de uma negociação. Mas se para “flexibilizar” é preciso superar a lei é porque o que se pretende é diminuir o alcance das garantias legais em favor dos trabalhadores, pois, como se sabe, para ampliar os direitos, nunca houve impedimento jurídico.

 

O foco, então, não seria criar um sistema mais forte e protetivo ao trabalhador ponderando a saúde das empresas e a preservação do mínimo social já conquistados pelo direito do trabalho brasileiro? Essa é uma percepção.

Dessa forma, pode-se afirmar que a Lei 13.467/2017 foge dessa percepção e tem como fundamento a ideologia de restrição (Balkin, 1994), fruto da corrente neoliberalista que tem como premissa maior o argumento de que o excesso de normas protetivas dificulta o crescimento da economia, das empresas e da recuperação dos postos de trabalho.

De fato, o universo das relações trabalhistas alterou-se de forma substancial com o crescimento econômico e globalizado.

Entretanto, admitir que o negociado deve prevalecer sobre o legislado é efetivamente enfraquecer as fontes formais do direito do trabalho e violar os direitos já conquistados na Constituição de 1988.

Para José Cairo Junior, o fenômeno da flexibilização que iniciou na década de sessenta no Brasil decorrente da realidade política do neoliberalismo, vem influenciando o pensamento do legislador:

Esse fenômeno, consubstanciado na terceira mudança radical no regime de trabalho, foi batizado de flexibilização, decorrente da realidade política atual do neoliberalismo, que pretende conferir efeitos plenos à autonomia de vontade privada de patrões e empregado por intermédio de atos praticados por si próprios ou representados pela entidade sindical. No Brasil, consta-se que esse processo de flexibilização iniciou-se na década de sessenta com a introdução do sistema alternativo do FGTS (da Lei nº 5.107/66) em substituição ao sistema da CLT de estabilidade no emprego e, posteriormente, com a introdução da Lei nº 6.019/74 que permitiu a contratação de trabalhadores temporários, por intermédio de empresas de prestação de serviços.

 

Por outro lado, ainda que se admite a flexibilização de alguns direitos em razão de possível situação de emergência, torna-se necessário impor limites que devem ser respeitados e protegidos.

Vólia Bomfim , em sua exposição, entende que a flexibilização deve ser empreendida apenas em caso de necessidade de recuperação da saúde da empresa e pois as demais flexibilizações aumentaria o capital dos empresários em detrimentos dos direitos dos trabalhadores.

No mesmo sentido, Mauricio Godinho (2015), entende que existem direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Portanto, somente este último poderia ser flexibilizado, sob o fundamento do princípio da adequação setorial negociada.

Finalmente cumpre destacar que é possível frente a uma falsa percepção ser induzido ao erro conceitual a respeito da flexibilização, assim, a liberdade e os direitos da classe trabalhadora não poderá ser aviltada por quem detém o poder governamental.

 

4. CRISE NO DIREITO DO TRABALHO

 

Hannah Arendt (2007) em sua obra a Condição Humana traz uma extraordinária contribuição a respeito da dignidade humana do trabalhador quando destaca o valor da pessoa humana e aponta como essencial para a vivência em um mundo caracterizado por existir socialmente.

Sustenta Arendt que trabalho é uma atividade própria do ser humano (fabricar, construir, etc.), sendo essa atividade não natural, cria e construí um mundo através de sua ação.

Arrendt acrescenta que:

O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade. (ARENDT, 2007, p. 15)

Assim, o labor é uma atividade essencial sendo mediada pela necessidade do homem em se manter enquanto interage em seu processo biológico, muitas vezes é o único bem que possui, o fruto do seu trabalho, o que exige o respeito ao bloco mínimo de proteção aos direitos socais alcançados frente ao capitalismo desumano.

Por essa essencialidade do labor sustenta Jorge Luiz Souto Maior (2017) que “Por isso a proteção do ser humano que trabalha, e não o trabalho em si, é que constitui o objeto central da investigação jurídica.”

Entretanto, uma coisa é certa: vivenciamos uma crise no direito do trabalho. O Brasil é um país de desenvolvimento desigual, há regiões extremamente marcada pelo subdesenvolvimento, pobreza, misérias e mesmo que vivenciamos o desenvolvimento em alguns setores da sociedade é comum nos noticiários a informação de práticas atentatórias aos direitos dos trabalhadores como por exemplo a redução de empregados a condição análoga de escravos.

Marcio Tulio Viana, concorda que o direito do trabalho encontra-se em um período crítico de crise existencial decorrente do reflexo alucinante da reforma trabalhista:

Nesse contexto meio esquizofrênico, que o bombardeia com elementos estranhos, o Direito do Trabalho começa a viver uma crise de identidade. Afinal, ele sempre nos disse que “trabalho não é mercadoria”, assim como nos ensinava a aplicar a norma mais favorável ao trabalhador e a desconfiar dos acordos de vontade. Hoje, no entanto, ele respalda a terceirização, que mercantiliza o trabalhador; faz concessões à autonomia coletiva e até mesmo ao acordo individual de vontades, sem cuidar do equilíbrio entre os atores sociais; e faz acenos em direção à declaração formal de vontade, sem criar mecanismos que garantam sua vontade real. (VIANA, 2017)

Nesse contexto de desarmonia conceituais, acrescidos da desarmonia social, a reforma trabalhista consagrou a ideia do negociado prevalecer sobre o legislado, em total descompasso com a realidade brasileira e fragilidade de homens e mulheres neste país que sofrem nas mãos inescrupulosas de políticos desonestos e descompromissadas com a realidade social.

A Constituição da República Brasileira estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social”, essa é a perspectiva central e que não se pode perder de vista, ou seja, melhorar a condição social dos trabalhadores.

Inconcebível que em um mundo globalizado e caracterizado pelo egoísmo de classes sociais antagônicas, o trabalhador como parte mais frágil, estaria lesado em seus direitos mínimos com a derrogação e diminuição de suas conquistas.

Há um bloco mínimo de direitos consagrados na Constituição que deve ser preservado, como condição para a estabilização da crise econômica que faz frente aos pilares da norma justrabalhista, esses direitos são irrenunciáveis e tem como finalidade proteger a dignidade do trabalhador.

Bem verdade que vivemos um debate prolongado sobre o mundo do trabalho, principalmente em relação ao desemprego crescente em contrapartida acompanhadas de medidas econômicas muitas vezes cruéis e que atendem unicamente aos interesses do capitalismo neoliberal, em um cenário de uma sociedade injusta e desigual como a brasileira, torna-se necessário, nesse momento histórico, a proteção a dignidade humana do trabalhador.

Vólia Bomfim endente que:

No âmbito do direito do trabalho, a flexibilização apresenta-se como solução à crise econômica vivida pelas empresas que estão a beira da falência, da quebra. Para evitar uma crise social mais grave, com o aumento do desemprego e consequente diminuição do mercado de trabalho a flexibilização responsável, sem abusos e sem a liberdade pretendida pela corrente neoliberal, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental ao trabalho. (BOMFIM, 2014, p. 46)

Em outras palavras, a Lei 13.467/2017 não trará solução a crise econômica e tampouco servirá como remédio para que as empresas mal administradas e violadoras dos direitos dos trabalhadores vem se reerguer, para além disso, vários dispositivos serão motivadores para desestabilizar os pilares constitucionais de defesa do trabalhador e do acesso ao Judiciário.

Efetivamente, busca-se um espaço para refletirmos com seriedade as causas da crise que atingiram essa parte relevante do direito, a proteção aos trabalhadores não poderá ser banalizada em detrimento unicamente dos interesses econômicos, pois o direito deve servir ao homem e não o homem ao direito.

É indispensável, portanto, pensar em soluções para o sistema normativo justrabalhista de acordo com o fim social do direito, pois, a dignidade dos trabalhadores só será respeitada quando respeitar os direitos já conquistados em lei.

Ressalte-se que, conforme demonstrado, as alterações trazidas pela lei da reforma trabalhistas representam diversas transgressões e afronta a Constituição, pois limitam a fruição dos direitos sociais fundamentais.

 

5. A IDEOLOGIA POLÍTICA GOVERNAMENTAL E A PRECARIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS

 

É cediço que a legislação brasileira que rege as relações de trabalho e emprego necessitava de atualização em face das modificações na economia mundial, globalização, novos instrumentos tecnológicos, etc. Criou-se um espaço necessário para o diálogo com os diversos segmentos da sociedade em que se permitisse amplo debate sobre temas relativos a proteção das relações de trabalho, a crise econômica, saúde das empresas. Trata-se de um dado incontroverso.

Entretanto, não foi o que ocorreu.

A tramitação da lei 13.467/2017 procedeu em caráter de urgência atropelando a necessidade de profícuo debate qualificado com a presença das entidades de maior representatividade no cenário nacional.

O curso do projeto de lei na Comissão da Câmara dos Deputados aparentou normalidade, entretanto, adotou-se o regime de urgência o que inviabilizou o amplo debate com a sociedade. Tratava-se da mais explicita manifestação da ideologia da política governamental que regeu todo o procedimento legislativo .

A referida tramitação de caráter de urgência foi realizado sem respeitar o quórum mínimo para sua tramitação, por obvio, que a forma em que transcorreu o processo legislativo será objeto de arguição de inconstitucionalidade.

De fato, trata-se de uma lei que foi aprovada de forma controversa e efetivamente açodada sem ouvir as classes representativas da sociedade o que representaria um aporte de qualidade aos debates, no entanto, mesmo ciente que diversos dispositivos incongruentes e sem qualquer compatibilidade com a Constituição Federal e todo ordenamento jurídico.

Nesse ponto destaco a reflexão de Jorge Luiz Souto Maior, jurista e professor livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP, quando traça um comparativo com a construção da CLT de 1943 e a construção da reforma trabalhista de 2017:

Enquanto isso, a CLT de Temer foi construída à sorrelfa, sem qualquer estudo prévio, inclusive quanto a objetivos estruturantes. Não lhe cabe, portanto, o nome Consolidação das Leis do Trabalho, e sim, algo como Consolidação das Lesões do Trabalho, ou Consolidação dos Locupletamentos sobre o Trabalho, enfim[...] Na tal CLT de 2017 não há projeto de industrialização, aliás, muito pelo contrário. Parte-se do reconhecimento de que se vive na sociedade da “prestação de serviços” e, com uma lógica de tentar sair de uma areia movediça puxando-se pelo próprio cabelo, pretende-se fazer acreditar que basta reduzir o custo da exploração do trabalho (dentro de um contexto que é meramente o da circulação de mercadorias), para que se tenha como efeito a melhoria da economia e, com isso, se amplie o nível de emprego. (MAIOR, 2017).

Diz mais o jurista que:

Essa CLT, ademais, como reflexo do momento político, traz consigo uma carga de ilegitimidade insuperável. Se se acusava a CLT de 1943 de ser obra de um ditador com inspiração fascista, a CLT de 2017, vai ficar para a história como o fruto de um governo ilegítimo, que, aproveitando do argumento da crise econômica, da fragilização da classe trabalhadora por conta do desemprego e da perda de identidade das instituições, se habilitou para assumir o poder, no contexto do golpe, por  meio do oferecimento do compromisso de destruir as bases dos Direitos Sociais e permitir, com isso, a ampliação das possibilidades de extração de lucros pelo grande capital, que patrocinou o golpe. Esta é, portanto, a obra de um Presidente com a menor aprovação popular da história, que atuou com apoio do poder econômico e de parte considerável da grande mídia, e de um Parlamento assolado em denúncias de corrupção e que, ao mesmo tempo, é composto, na sua maioria, por empresários. Uma obra que se oferece ao poder econômico em contrapartida da impunidade dos agentes da “reforma”. (MAIOR, 2017)

De fato, presenciamos o sacrifício do dialogo social, em nenhum momento foi respeitado as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a respeito da participação dos representantes dos trabalhadores, empresários e representantes do Estado, principalmente quando se trata de direitos que se inserem no contexto social.

A nova lei efetivamente representa um retrocesso social em diversos pontos, ainda mais que durante a tramitação no Senado Federal o relator do projeto de lei afirmou publicamente que o mesmo deveria ser aprovado de qualquer forma ainda que apresentasse textos incompatíveis com a constituição.

O poder executivo, igualmente, anunciou que futuras alterações seriam realizadas por meio de medida provisória.

Após breve análise histórica do projeto de lei afirma-se que não foi guardado os cuidados devidos para aprovação de importantes regras legais, no mínimo, inoportuna e desqualificada pela ausência da contribuição de diversos segmentos da sociedade.

Efetiva-se a precarização dos direitos dos trabalhadores na contramão do sistema que tem por objetivo proteger aqueles que em relação ao capitalismo neoliberal são hipossuficientes.

Em qualquer parte do mundo em que se conviva em um sistema político democrático, deve-se preservar os direitos fundamentais, as pessoas possuem direitos mínimos que devem ser respeitados e preservados, principalmente aqueles que tocam as relações de trabalho.

A proteção ao trabalhador não pode ser relegada a segundo plano, tem raízes históricas, construídas e sedimentadas desde o fenômeno da industrialização, os trabalhadores, violados em seus direitos mais elementares clamaram por proteção do Estado que atuasse protegendo das arbitrariedades do capital.

Não se pode deixar de mencionar que muitos trabalhadores ao longo da história eram submetidos a longas jornadas de trabalho, salários precários e injustos, crianças e mulheres violadas em seus direitos mínimos. O Estado ouviu os clamares dos operários dando início as conquistas para fazer frente aos atos abusivos do capital.

A história das conquistas laborais é elemento que não pode ser esquecida em qualquer debate a respeito dos direitos dos trabalhadores, pois trata-se de um legado conquistado com muitas lutas, muito mais para alterações legislativas devido aos impactos sociais decorrentes.

A manifesta ideologia do atual governo, sem sombra de dúvidas, representa um retrocesso social, pois em diversos pontos a nova lei retrocedeu mitigando os direitos dos trabalhadores sem estar respaldo por uma justificativa grave e devidamente provada.

Canotilho falando sobre o princípio da vedação ao retrocesso social afirmou que:

O princípio da democracia econômica social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social oi da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direito sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito a assistência, direito a educação) uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição  de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade factica) mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex: segurança social, subsidio de desemprego, prestações e saúde) em clara violação do princípio da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima ao respeito pela dignidade da pessoa humana. (CANOTILHO, 2003)

 Nesse ponto, destaca-se, que na lei nova efetivamente houve uma desatenção ao princípio da vedação ao retrocesso social, pois se estabeleceu que o Estado efetuasse intervenção mínima na autonomia da vontade, em outras palavras, veda-se a apreciação pela justiça do trabalho do conteúdo das convenções entabuladas entre os desiguais na relação de trabalho, criando obstáculos ao acesso à justiça.

Destaca-se ainda as mudanças a respeito da jornada de trabalho, sem negociação coletiva, e a prorrogação habitual mediante acordo individual e ampliação do banco de horas em desacordo com o quanto estabelecido na Constituição Federal que veda a compensação por acordo direto entre empregador e empregado.

A lei ainda admite que a empregada gestante e lactante possam trabalhar em ambiente insalubre, salvo se for um ambiente de grau máximo ou de grau médio quando inexistir atestado médico recomendado o afastamento.

Outro ponto que revela a precarização dos direitos dos trabalhadores, bem como um ponto central da reforma trabalhista é a possibilidade prevalência do acordo individual sobre negociado coletivamente, trazendo a figura do trabalhador hipersuficiente, ou seja, aquele trabalhador que porta diploma de nível superior (BAlKIN, 1987) e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, desvalorizando a convenção coletiva.

Acrescente-se ainda a esta lista de precarização as normas relativas a proteção da isonomia salarial, iniciando pela desnecessidade de homologação de quadro de carreira junto ao órgão público, permitindo também que em caso de o trabalhador venha pleitear a equiparação salarial, essa somente poderá ser realizado no âmbito do estabelecimento empresarial, gerando grupo de trabalhadores recebendo menos e executando mesmo serviço em uma mesma localidade  para o mesmo empregador. Um verdadeiro absurdo.

Destaca-se, também a extinção da homologação por sindicato em caso de rescisão do contrato de trabalho, permitindo que o empregado se coloque em estado de vulnerabilidade frente ao empregador, podendo ocorrer fraude de pagamento, renúncia de direitos.

A precarização é indiscutível. Vejamos ainda que a lei permitiu a denominada quitação anual das verbas trabalhistas. Evidente que a intenção é diminuir o passivo trabalhista, pois visa permitir que o trabalhador possa firmar termo durante a vigência do contrato de trabalho dando eficácia liberatória das parcelas contratuais, e, por obvio, firmado a termo o empregado enfrentará dificuldades para provas futuras queixas junto ao poder judiciário trabalhista.

Relevante ainda tratar sobre um dos pontos mais delicados da reforma, ou seja, a inversão do negociado sobre o legislado, tal previsão legal modifica a característica do direito do trabalho como protetor, os acordos e convenções prevalecerão sobre a legislação quando tocar a respeito de assuntos como jornada de trabalho, banco de horas anuais, intervalo intrajornada, plano de cargos e carreiras, regulamento empresarial, teletrabalho, regime de sobreaviso, trabalho intermitente, enquadramento de grau de insalubridade sem licença previa de autoridades, dentre outras.

A nova lei determina que nas ações indenizatórias por danos extrapatrimoniais o juiz deverá observar os valores tabeladas para ficar a reparação. Por obvio que o resultado do tabelamento é premiar os empregadores possuidores de alto poder econômico com indenizações irrisórias. Evidente a inconstitucionalidade, pois viola o princípio da igualdade, pois todos são iguais perante a lei, e não cabe ao legislador diferenciar critérios de indenização, criando espaço para discriminações entre os indivíduos.

Estes são alguns pontos nodais da reforma, existem outros, em verdade foram 117 artigos alterados, mas esse espaço não permite mergulhar em todos os dispositivos da lei da reforma trabalhista. O que fica evidente é a efetiva permissão precarização dos direitos dos trabalhadores conquistados ao longo de séculos.

6. CONCLUSÃO

 

O presente artigo teve como objetivo elencar as mudanças ocorridas com a reforma trabalhista destacando o idealismo restritivo que motivou as alterações legislativas, com ênfase na precarização dos direitos já conquistados pelos trabalhadores.

A nova lei 13.467/2017 é um documento legislativo marcado pela ideologia neoliberalista transparecendo os interesses da classe dominante como um interesse coletivo, o que em verdade não se consubstancia a realidade do povo brasileiro que vive em um país de realidades distintas.

É certo que o excesso de direitos poderá gerar o desemprego comprometendo a saúde das empresas, privando o empregador de gerar novos postos de trabalho e aumentando o desequilíbrio econômico nacional, entretanto, encontrar o ponto de equilibro entre interesses distintos é a tarefa que o Estado deve se preocupar e esse desafio é enfrentado pelo direito do trabalho.

A presente reforma trabalhista sem sombra de dúvida é de cunho ideológico restritivo e acompanha as mudanças que vem ocorrendo no cenário mundial decorrente da globalização e, por conseguinte, as alterações normativas foram marcadas pela impossibilidade de debates qualificados com a sociedade e seus segmentos.

Notou-se que a ausência do diálogo social entre o parlamento e as entidades de classe, em um país continental, eram uma medida que se impõem como necessária, pois o Brasil é caracterizado por regiões completamente distintas em vários fatores econômicos e sociais, sendo temerário a legitimidade da referida norma legislativa laboral e em afronta as recomendações da Organização Internacional do Trabalho.

No atual momento que muito se discute o direito do trabalho e a crise que esse segmento do ordenamento jurídico vem atravessado frente a realidade econômica, a reforma legislativa representa insegurança jurídica.

Em relação ao cerne do problema apresentado, a reforma trabalhista representou a vitória dos interesses da classe dominante nutrida pelos anseios neoliberais de implantação de normas que visar precarizar as normas justrabalhista, ainda mais que o governo brasileiro não permitiu o debate democrático a respeito de cada dispositivo que se pretendeu modificar, desrespeitando as bases de sustentação do direito do trabalho, principalmente a dignidade humana do trabalhador que sendo a parte hipossuficiente e quem mais sofrerá com a mudança provocada na legislação laboral.

Em conclusão, não há dúvidas da importância de se discutir um tema tão sensível como os direitos sociais do trabalhador, ainda mais quando se percebe que esses direitos estão sendo violados, seja na perspectiva histórica de conquistas por melhores mecanismos de enfrentamento e resistência ao capitalismo, seja por zelar pela manutenção do que já foi conquistado.

 

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Ulisses Lopes de Souza Junior

Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1999). Pós-graduação em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário Estácio Bahia (2010). Pós­Graduação em Direito Civil e Processo Civil ­ Estácio (2015) ­ Professor Monitor no Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Estácio FIB da Bahia. Curso de Direito ­Professor das disciplinas: Direito de Família, Introdução ao Estudo do Direito, Processo Civil I, Teoria Geral do Processo e Prática Simulada Civil e trabalhista. Professor na Unifass ­ Faculdade Apoio ­Curso Direito ­professor das disciplinas: Introdução ao Processo Civil, Estágio Supervisionado e Prática Simulada Civil.

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