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Sobre a redução da base de cálculo e a hipótese de isenção parcial:

uma visão crítica ao novo posicionamento do STF

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6. Do Princípio da Não-Cumulatividade

           Também nos causou espanto a afirmação dos ministros da Egrégia Corte de que o mecanismo que reduz a base de cálculo do ICMS na saída de produtos industrializados e, em contrapartida, prevê o estorno, na mesma proporção, dos créditos do imposto recolhido na entrada de insumos, estaria perfeitamente de acordo como espírito do tributo, que é o de sujeição ao princípio da não-cumulatividade.

           O princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS, encartado no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal é claro e deve ser interpretado de forma literal, não admitindo entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais que visem restringir ou ampliar o seu alcance.

           Determina o preceito da não-cumulatividade do ICMS que "o imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal."

           Para facilitar a compreensão entendemos por bem "dissecar" o princípio transcrito acima para procedermos a uma análise mais acurada. Primeiramente, temos a expressão "devido em cada operação". Nas situações em que haja o benefício fiscal da redução da base de cálculo, devemos entender por "devido" o valor obtido após a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo já reduzida. Em seguida, temos a expressão "com o montante cobrado nas operações anteriores". Independente da operação subseqüente estar sob a égide de algum favor fiscal, o imposto incidente nas operações anteriores será cobrado em sua totalidade. Dessa forma, o contribuinte tem o direito de aproveitar como crédito o valor total do imposto incidente sobre as aquisições de insumos de produção ou mercadorias para revenda junto aos fornecedores, ainda que as saídas decorrentes dessas aquisições se dêem ao abrigo do benefício fiscal em questão.

           O princípio da não-cumulatividade admite apenas duas exceções: a não incidência e a isenção. Sendo assim, sempre que as aquisições de insumos de produção ou mercadorias para revenda se derem ao abrigo da isenção e não-incidência tributária, o contribuinte não terá direito ao crédito do imposto para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes, mesmo porque não houve cobrança de tributo.

           A segunda exceção diz respeito às saídas amparadas por isenção e não-incidência, que acarretarão a anulação ou o estorno do crédito relativo às operações anteriores normalmente tributadas. Logo, se o contribuinte adquire insumos de produção ou mercadorias para revenda que se convertam em operações subseqüentes isentas ou não tributadas pelo imposto, este deverá estornar os créditos lançados por ocasião das aquisições.

           Impende ressaltar que o texto constitucional utiliza a expressão "salvo determinação em contrário da legislação", o que quer dizer que, se for do interesse do legislador, podem ser concedidos benefícios fiscais que admitam o credito presumido do ICMS nas aquisições abrigadas pela isenção e não-incidência tributária ou a manutenção do crédito das operações anteriores quando delas decorrerem saídas isentas ou não-tributadas pelo imposto.


7. Conclusões

           Ante todo o exposto, resta claro que as normas que obrigam os contribuintes a estornar os créditos do ICMS relativos às aquisições de insumos de produção e mercadorias para revenda quando as operações subseqüentes são efetuadas com o benefício fiscal da redução da base de cálculo do imposto afrontam o disposto no art. 155, § 2°, II, "b" da Constituição Federal, sendo, pois, inconstitucionais.

           A possibilidade de alargamento de um conceito constitucional, em prejuízo ao contribuinte, vez que a Constituição Federal não prevê a hipótese de isenção "parcial", transforma o poder judiciário em legislador, operando-se, na prática, a substituição do poder constituinte (original ou derivado) em matéria de sua estrita competência. Ao Poder Judiciário não é permitido exercer papel que cabe ao legislativo.

           Cabe aos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, como guardiões da Cata Magna, ofertar segurança jurídica de natureza jurisprudencial a sociedade. Nos casos em que a legislação permanece inalterada, salvo hipótese de novo fato ou fundamento, a ponto de justificar uma mudança de posicionamento, deve a Corte Suprema manter as decisões
precedentes sobre a mesma questão. A Segurança jurídica constitui elemento essencial do Estado Democrático de Direito.

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           De outro turno, sendo a redução da base de cálculo um benefício fiscal em favor dos contribuintes, a partir do momento em que não se admite a possibilidade de manutenção dos créditos relativos às operações anteriores, o benefício concedido se torna nulo ou até negativo, vale dizer, o Fisco estaria literalmente "dando com mão e retirando com a outra".

           Esperamos que os ilustres ministros da nossa Suprema Corte julguem os processos que lhes são apresentados como verdadeiros guardiões da Constituição Federal, e não como auditores fiscais que apreciam impugnações de autos de infração nas juntas e câmaras de julgamento fiscal com visão apenas arrecadatória. Não podemos admitir, também, que o Supremo tribunal Federal seja transformado em extensão do Palácio do Planalto, proferindo decisões de cunho político atendendo apenas os interesses do Poder Executivo.

           Estamos vivendo um momento de insegurança jurisprudencial!!!


8. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

           AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. atual São Paulo: Saraiva, 2004;

           ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000;

           BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 2002;

           BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: uma introdução metodológica. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;

           BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001;

           CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15ª ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2003;

           CASSONE, Vittorio. Interpretação no direito tributário: teoria e prática. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2004;

           COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004;

           DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2002;

           MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004;

           MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2002;

           OLIVEIRA, Vicente Kleber de Melo. Direito Tributário: sistema tributário nacional: teoria e prática. 1ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

Sobre os autores
Matheus Simões Gonçalves da Silva

contador, especialista em Direito Tributário

Iuri Moradillo Mello Alves

Advogado. Especialista em Advocacia Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Matheus Simões Gonçalves; ALVES, Iuri Moradillo Mello. Sobre a redução da base de cálculo e a hipótese de isenção parcial:: uma visão crítica ao novo posicionamento do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 21 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6611. Acesso em: 26 nov. 2024.

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