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A responsabilidade civil por danos morais decorrentes do abandono afetivo nas relações paterno-filiais

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5 JURISPRUDÊNCIAS A RESPEITO DO TEMA

Considerando-se a ausência de uma previsão legal expressa quanto à obrigação do afeto nas relações familiares e diante às inúmeras ações pleiteando indenização em razão do abandono afetivo, verifica-se a complexidade do tema encontrando-se julgados tanto que reconhecem a possibilidade de responsabilização civil desta natureza quanto que refutam tal responsabilidade.

Entre as primeiras decisões sobre o tema encontra-se a proferida em 2003, na Comarca de Capão da Canoa, no Estado do Rio Grande do Sul, pelo juiz Mario Romano Maggioni, que condenou um réu ao pagamento de uma indenização no valor de 200 salários mínimos (R$ 48.000,00 à época) para a filha que alegava ter sido abandonada afetiva e moralmente. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul processo cível nº 1030012032-0 (RIO GRANDE DO SUL, 2003).   

A decisão foi fundamentada com base nos deveres inerentes aos genitores, os quais estão previstos no artigo 22 do ECA (Lei 8.069/90), alegando que incumbe aos genitores o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Pondera ainda o magistrado:

A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul processo cível nº 1030012032-0 (RIO GRANDE DO SUL, 2003).

Nesse segmento, a decisão da ministra do STJ Nancy Andrighi no recurso especial n° 1.159242 foi também pela possibilidade da indenização como pode ser visto na ementa:

EMENTA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP 2009/0193701-9)

Segundo a relatora do Recurso Especial, Ministra Nancy Andrighi, “Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família” (ANDRIGHI, 2012, RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242)

Assevera, ainda, a ministra Andrighi (2012), que comprovar o descumprimento do dever legal de cuidado com os filhos é assumir que um ato ilícito foi praticado por omissão e que essa situação gera a possibilidade de se pleitear indenização por danos morais. Além disso, aponta a existência de um núcleo mínimo de cuidados que garantem aos filhos uma formação psicológica e uma inserção social.

Entendimento contrário se verifica no acórdão em apelação proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ano de 2012 (1.0105.05.145297-4/001) tendo como relator o Desembargador Gutemberg da Mota e Silva:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS - ABANONO AFETIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - REQUISITOS -REQUISITOS - INEXISTÊNCIA - DANOS MATERIAIS - COBRANÇA RETROATIVA - DESCABIMENTO. - Tratando-se de responsabilidade civil, haverá dever de indenizar se comprovados o dano, a culpa e o nexo causal entre eles. - O abandono afetivo dos pais em relação ao filho, embora moralmente condenável, não caracteriza dano passível de reparação pecuniária. - É descabida a cobrança por danos materiais decorrentes de pensão alimentícia relativa a período anterior à data da fixação dos alimentos na ação própria. RECURSO NÃO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0105.05.145297-4/001

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O relator da decisão observou que não se encontravam presentes os pressupostos da responsabilidade civil. Argumentou ainda, que a ausência paterna é lamentável e causa mágoas e ressentimentos, mas não tem o condão de caracterizar o dever de indenizar (Des. Gutemberg da Mota e Silva, 2012)

Corrobora este entendimento a decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, na apelação civil n° 70048544472, conforme se lê na ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. Incabível a reparação por dano moral, porquanto o mero distanciamento afetivo entre pai e filho não constitui situação capaz de gerar dano moral. Ademais, inexistindo certeza da paternidade até a realização do exame de DNA, não detinha obrigação de amparo moral ao filho, inexistente dano psíquico passível de indenização. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70048544472, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 25/07/2012)

Ao encontro desse entendimento, tem-se a decisão do relator Mário-zam Belmiro, da 2° Cível do Tribunal de Justiça do distrito Federal e Territórios. O voto do relator na EIC 20120110447605-DF foi justificado pelo fato da existência do pouco convívio do filho com o seu genitor não ser suficiente para, sozinho, caracterizar o desamparo e legitimar a pretensão indenizatória. Conforme ementa a seguir:

EMENTA - CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. 1. A indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo somente é viável quando há um descaso, uma rejeição, um desprezo pela pessoa por parte do ascendente, aliado ao fato de acarretar danos psicológicos em razão dessa conduta. 2. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória. 3. Embargos desprovidos. (TJ-DF – EIC: 2012110447605, RELATOR: MÁRIO-ZAM BELMIRO, Data de julgamento: 26/01/2015, 2° Cível , Data da publicação no DJE: 10/02/82015. : 98)

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao julgar a apelação cível nº 10647150132155001 decidiu pela impossibilidade da concessão de indenização por dano moral em razão abandono afetivo. A ementa foi assim publicada pelo tribunal:

EMENTA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – ABANDONO AFETIVO – IMPOSSIBILIDADE- Por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o artigo 486 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano possível de reparação. (TJ-MG – AC 10647150132155001 MG – RELATOR: Saldanha da Fonseca, Data do Julgamento: 10/05/2017, Câmaras Cíveis/12ª CÂMARA CÍVEL, Data da Publicação: 15/05/2017)

O voto do Desembargador Domingos Coelho acompanhou o relator e, segundo suas palavras:

Portanto, não pode o Judiciário compelir alguém a um relacionamento afetivo e nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a reparação por dano moral pleiteada. Assim, por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC (art. 159 do CC/16), que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação. No caso de abandono afetivo, como dano passível de reparação, escapa ao Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a reparação por dano moral pleiteada. (FONSECA, DESEMBARGADOR, TJ-MG – AC 10647150132155001)

Ponderou ainda, o referido desembargador que:

É necessário evitar eventual abuso por parte de filhos que, insatisfeitos com episódios específicos de sua criação, pleiteiam indenização por danos supostamente sofridos. Igual premissa vale para ações de filhos menores que apenas retratam o sentimento de um dos pais que preferem cultivar mágoa de um relacionamento desfeito, esquecendo-se de que a vida proporciona outras perspectivas, inclusive em relação ao filho. O apelante, pelo que consta da inicial, apenas se queixa da dificuldade de recebimento da pensão mensal, o que não é o bastante em si para configurar um abandono afetivo. (FONSECA, DESEMBARGADOR, TJ-MG – AC 10647150132155001)

Ao analisar as jurisprudências citadas verifica-se que, embora reconhecida a responsabilidade civil no direito de família, as decisões relativas à possibilidade de indenização por abandono afetivo são muito divergentes. Tal situação emana da complexidade do tema que envolve áreas tão sensíveis como o sentimento humano.


6 CONCLUSÃO

A família passou por sensíveis mudanças, abandonando o paradigma patriarcal e chegando ao atual modelo de família eudemonista, ou seja, aquela que busca a realização plena de seus membros.  

A CF/88 ratificou o que de fato já existia na sociedade, ampliando o conceito de família e protegendo, de forma igualitária, todos os seus. Os princípios constitucionais do Direito de Família produziram expressiva evolução ao ordenamento jurídico brasileiro, principalmente ao reconhecer o pluralismo familiar existente no plano real, em virtude das novas espécies de família que se constituíram ao longo do tempo.

A nova concepção do Direito de Família Civil-Constitucional abarca valores e princípios mais holistas, abrangendo direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, isonomia, ao reafirmar a igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher e o tratamento jurídico igualitário dos filhos, a solidariedade social e a afetividade que, nesse cenário, adquire dimensão jurídica.

A afetividade passou a ser a base da relação familiar, possibilitando a consolidação dos laços sentimentais recíprocos e o respeito entre seus membros. A afetividade entre pais e filhos é amparada pelo poder familiar, sendo este o conjunto de deveres impostos aos genitores com o intuito de proteger e garantir pleno desenvolvimento da prole. Cabe aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos e o cumprimento desses deveres deve-se revestir do principio da afetividade.

A ausência do afeto nas relações entre pais e filhos propiciou o surgimento das discussões relativas à responsabilidade civil referentes a possíveis danos morais causados pelo abandono afetivo.

Não seria prudente rechaçar completamente a possibilidade da concessão de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo. Indubitável que o atual conceito de família eudemonista e o reconhecimento dos princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família são de extrema importância na garantia de um desenvolvimento físico e psicológico de todos os membros familiares, em especial das crianças e adolescentes.

Entretanto, não há previsão legal que imponha a um indivíduo manifestar amor por outro. Dessa forma, a não demonstração de afeto não se enquadra como ato ilícito, conforme prevê o artigo 186 do Código Civil, para gerar uma pretensão de indenização.

Como reflexo da omissão dos genitores quanto aos seus deveres previamente estabelecidos em relação aos filhos, já há previsão de suspensão ou perda do poder familiar conforme expresso nos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil.

Há ainda, a probabilidade de um prejuízo maior para a relação pai e filho, com a imposição de um de um sentimento que deve surgir espontaneamente. Outro fator a se considerar seria o possível distanciamento entre esses entes familiares, em razão da precificação do amor nas relações familiares.

Como pôde ser observado no trabalho apresentado, o entendimento jurisprudencial atual é no sentido de não conceder a indenização, tendo por base a não verificação da responsabilidade civil e a preservação de um estreitamento dos laços familiares, ainda que longínquos.  

Faz-se necessária a conscientização dos genitores para uma paternidade responsável e que garanta, efetivamente, o pleno desenvolvimento físico e psicológico, mas que isso aconteça com respeito ao ordenamento jurídico pátrio e com a preservação da liberdade pessoal, não sendo ninguém obrigado a amar outrem ou ser taxado pecuniariamente por não fazê-lo, desde que cumpra com as imposições legalmente previstas.


REFERENCIAS

ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 31 out. 2017.

FARIA, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Familias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 171 p.

MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MINAS GERAIS. Des.(a) Gutemberg da Mota e Silva. TJMG. APC 1.0105.05.145297-4/001. 2012. Disponível em: https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/7608/4/TJMG Apelação 10105051452974001.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012.

REPÚBLICA, Presidência da. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 31 nov. 2017.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Processo: AC 70029347036. Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro. 25 de jul., 2012. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22010280/apelacao-civel-ac-70048544472-rs-tjrs/inteiro-teor-22010281>. Acesso em: 25 jul. 2012.

SÃO PAULO. MINISTRA NANCY ANDRIGH. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9). 2012. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/Guarda_Tutela/gt_jurisprudencia_guarda_tutela/STJ - Recurso Especial nº 1.159.242-SP - Acórdão.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, volume 4: Responsabilidade Civil. 16° Ed. São Paulo. Atlas, 2016

Sobre os autores
Raquel Santana Rabelo

Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2008). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009). Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade de Lisboa (2017). Professora na Faculdade Kennedy de Minas Gerais de Direito Econômico, Processo Civil IV , Direitos Humanos e Teoria Geral do Processo. Professora de PIN III no curso de Administração da Faculdade Promove. Professora de Ciências Sociais e Etnia no curso de Engenharia de Produção. Professora orientadora do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Promove e da Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Mediadora Voluntária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Afrânio Adriano de Souza

Graduado em Direito pelas Faculdades Kennedy de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado como trabalho de conclusão do curso de Direito das Faculdades Kennedy de Minas Gerais pelo discente, orientando e principal autor Afrânio Adriano de Souza.

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