O Art. 554 do CPC/15 trouxe expressamente a possibilidade de fungibilidade entre as ações possessórias - reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório, ou seja, a interposição de um tipo de ação "em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados".
Todavia a fungibilidade não alcança quando a confusão for entre ações possessórias e as ações petitórias (ações reivindicatória e de imissão de posse - fundadas no domínio), veja:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE — AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DA POSSE — FUNGIBILIDADE — ART. 554 — INAPLICÁVEL — AÇÕES PETITÓRIAS — AÇÕES POSSESSÓRIAS — SENTENÇA MANTIDA. 1. Não cabe a fungibilidade esculpida no art. 554 do CPC⁄15 entre ações petitórias e ações possessórias, tendo em vista a diferença entre o escopo das primeiras, fundadas no direito de propriedade, e das segundas, baseadas tão somente na posse. 2. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-ES - APL: 00064486520128080035, Relator: ELISABETH LORDES, Data de Julgamento: 04/07/2017, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/07/2017)
Por serem muito similares, usualmente são confundidas pelos operadores de direito, o que pode ser fatal diante de causas urgentes ou com iminente término do prazo prescricional.
Por isso, a compreensão sobre as diferenças das ações possessórias, bem como das ações petitórias, assume especial importância para a obtenção ao que de fato se almeja. Vamos ver algumas diferenças:
1. AÇÕES POSSESSÓRIAS
O melhor aproveitamento dos remédios possessórios passa primeiramente pela compreensão do alcance do termo "posse". Ao lecionar sobre o tema, Arnaldo Rizzardo em sua obra destaca:
"Sabe-se que a posse é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio e o poder de disposição da coisa. Não é ela apenas a detenção da coisa, mas constitui a utilização econômica da propriedade, ou a manifestação exterior do direito de propriedade. Mas distingue-se da propriedade, pois consiste no exercício, de fato, de alguns poderes que lhes são inerentes."
(RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 16 ed. Editora Forense, 2017. Versão kindle, p 36024)
Ou seja, a simples propriedade não configura posse, mas retrata um direito que lhe é inerente. As ações possessórias, como o próprio nome indica, tem como característica a discussão exclusivamente sobre a posse, sem análise da propriedade. Vejamos cada uma delas:
1.1. Reintegração de posse
O direito à Reintegração de posse vem primordialmente amparado no Código Civil, em seu artigo 1.210:
"Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§1º O possuidor turbado ou esbulhado poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse".
A ação de reintegração de posse discute exclusivamente a posse do bem, não há discussão sobre o domínio ou propriedade. Ou seja, o Autor da Reintegração de Posse exercia livremente a posse, quando sofreu o esbulho (PERDA DA POSSE).
Para esta ação é indispensável a comprovação de que o Autor era possuidor do bem antes do esbulho impugnado na ação. Caso não houver prova da posse prévia, e houver discussão sobre o domínio/propriedade, as ações petitórias devem ser consideradas.
A doutrina reforça este conceito:
"A tutela de reintegração de posse deve ser pleiteada mediante o procedimento especial de reintegração de posse (arts. 560 a 566, CPC). Os arts. 498 e 538, CPC, são invocáveis subsidiariamente (art. 566, CPC). A tutela de reintegração de posse é fundada na posse. Permite a recuperação da posse da coisa daquele que a esbulhou. Nela não se discute o domínio."
(Daniel Mitidiero, Sérgio Cruz Arenhart, Luiz Guilherme Marinoni, Novo Código de Processo Civil Comentado - Editora RT, 2017, e-book, Art. 498.)
Das provas - Art. 561 CPC
O Autor de uma Ação de Reintegração de posse precisa instruir seus argumentos com as seguintes provas:
a) PROVA DA POSSE PRÉVIA: Fotos, depoimentos ou qualquer elementos que demonstrem a posse previamente ao esbulho.
-
b) PROVA DO ESBULHO: Fotos, boletim de ocorrência, testemunhas que evidenciem a perda da posse.
1.2. Manutenção de posse
A Ação de Manutenção de posse vem amparada exatamente no mesmo artigo da reintegração de posse (art. 1.210 do CC).
"Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado."
Ok. Então qual é a diferença entre ação de reintegração de posse e manutenção de posse?
A ação de reintegração de posse discute exclusivamente a posse do bem que foi perdida. Para a reintegração de posse, como referido, é indispensável a comprovação de que o Autor era possuidor do bem antes do esbulho e houve a efetiva perda da posse. Caso não houver prova da posse prévia, e houver discussão sobre o domínio a ação reivindicatória pode ser avaliada.
Já a manutenção da posse discute uma turbação - PERTURBAÇÃO DA POSSE, sem que esta tenha sido perdida, ou seja, o Autor mantém a posse, mas com entraves que o impedem o amplo e irrestrito exercício de sua posse.
Das provas - Art. 561 CPC
O Autor de uma Ação de Manutenção de Posse precisa instruir seus argumentos com as seguintes provas:
a) PROVA DA POSSE: Fotos, depoimentos ou qualquer elementos que demonstrem a continuidade no exercício da posse.
-
b) PROVA DA TURBAÇÃO: Fotos, boletim de ocorrência, testemunhas que evidenciem a perturbação da posse.
1.3. Interdito proibitório
Esta ação tem proteção legal no mesmo artigo já referido do Código Civil (Art. 1.210), e tem a finalidade de evitar uma perda da posse iminente. Ou seja, não houve a perda (esbulho) nem a perturbação (turbação), sendo proposta unicamente em face de um RISCO DE SE PERDER A POSSE.
Então, quais as diferenças entre as ações possessórias?
Como vimos, a principal diferença se encontra no estado da posse, ou seja, ou você perdeu a posse (reintegração), está sendo perturbado na posse mas a mantém (manutenção), ou tem apenas uma expectativa de perder (interdito proibitório).
2. AÇÕES PETITÓRIAS
As ações petitórias possuem como principal fundamento a origem do direito à posse, ou seja, discutem os direitos inerentes à propriedade. Estas ações consideram a legitimidade do Autor ao domínio e suas consequências, dentre as quais, a posse. Vejamos cada uma delas:
2.1. Imissão de posse
A ação de imissão de posse é pautada no Art. 1.228 do Código Civil, segundo o qual "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha."
Esta ação é adequada para o proprietário que nunca exerceu a posse, adquiriu a propriedade e tem dificuldade em usar, gozar e dispor do seu bem, como por exemplo as aquisições de bens em leilão.
Obs.: As causas que envolvem contrato de locação devem observar a legislação específica para o despejo (Lei 8.245/91).
2.2. Reivindicatória de posse
A Ação reivindicatória é a ferramenta adequada ao proprietário que já teve a posse do bem, mas esta impedido injustamente ao pleno exercício de sua propriedade. Parece simples, mas vamos às principais dúvidas:
Qual é a diferença entre ação reivindicatória e reintegração de posse?
Enquanto a ação de Reintegração de posse discute uma posse perdida (anteriormente exercida), sem discussão sobre o domínio ou propriedade, a Reivindicatória apresenta a propriedade como pano de fundo da controvérsia.
Qual é a diferença entre reivindicatória e imissão de posse?
As duas ações (petitórias) são pautadas no domínio, ou seja, exige-se prova da propriedade. Da mesma forma que se diferenciam as ações possessórias, a definição de cada uma das ações petitórias se dá primordialmente pelo exercício da posse, enquanto na Imissão de posse o Autor nunca teve o exercício da posse, na Reivindicatória o Autor busca recuperar uma posse perdida.
Em conclusão: qual é a diferença entre as ações possessórias e petitórias?
Apesar de muito similares, podemos destacar como a principal diferença entre elas o embasamento que ampara o pedido, ou seja, enquanto as ações possessórias são pautadas na continuidade ou restituição puramente da posse, as ações petitórias são fundamentadas na origem ao direito da posse, tais como propriedade e domínio.
A jurisprudência ao negar reiteradamente um tipo de ação pela outra, conceitua:
"O nosso ordenamento jurídico reconhece três espécies de ações tipicamente possessórias: ação de reintegração de posse, manutenção de posse e o interdito proibitório. Em breve resumo, a primeira visa restituir a posse do possuidor em caso de esbulho, a segunda em casos de turbação e a última visa a proteção prévia da posse, quando o possuidor entender que há uma ameaça ao seu direito possessório.
Já as ações petitórias, onde se inclui a ação de imissão na posse, apesar de indiretamente tutelarem a posse, possui como escopo principal o direito de propriedade do autor da ação. Assim, diferentemente das ações tipicamente possessórias, nas petitórias há discussão acerca do direito de propriedade sobre bem objeto da lide.
Dessa forma, é evidente a distinção entre os pedidos das duas ações: nas ações possessórias, o pedido se funda no direito de posse do autor; já nas petitórias, o pedido é baseado no direito de propriedade."
(TJ-ES - APL: 00064486520128080035, Relator: ELISABETH LORDES, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/07/2017)
Sem o intuito de esgotar a matéria, este tema sempre trava um interessante debate sobre as sutilezas da fungibilidade entre as peças, sendo em alguns casos peculiares aceita uma peça pela outra, consubstanciada na argumentação e documentação probatória que instruiu o pedido.
Mas, como relatado, a regra é a fungibilidade exclusivamente entre as ações possessórias, não incluindo as petitórias.