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Cordialidade e populismo sanguinário

Agenda 23/05/2018 às 15:00

O populismo é uma das doenças mais graves da democracia. É a democracia na sua forma degenerada (como já denunciava Aristóteles). Populista é o líder carismático que menospreza as leis e as instituições, ou seja, o Estado de Direito, porque se julga o intérprete exclusivo da vontade popular, que seria “pura”, “coesa” e “homogênea”.

Outra característica do populista é a oferta de soluções fáceis para problemas complexos. Ele, ademais, odeia qualquer tipo de pluralidade, sobretudo a de ideias ou de etnias, e trata como inimigos os que pensam de forma contrária ao seu projeto ou ao seu governo autoritário.

De todos os tipos de populismos (ditatorial, como na Venezuela; fascista, como o de Mussolini; nazista, como o de Hitler; nacionalista, como o de Trump, Berlusconi, Orbán etc.; religioso, como o de Erdogãn, Turquia; racista, como o do apartheid sul-africano; punitivo, como o dos EUA a partir dos anos 70; social, como o de Getúlio Vargas etc.), os mais chamativos são os sanguinários, como o de Duterte nas Filipinas. 

O populismo sanguinário, que se promove por meio de frases curtas eletrizantes, depreciativas e emotivas (vamos fuzilar todo mundo”, por exemplo), converte-se rapidamente em oclocracia quando exerce o poder acima das leis e da Constituição, sobrepondo suas bandeiras ao direito vigente.

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Oclocracia é o governo das irracionalidades das massas, que são “compostas de todas as classes sociais”, como dizia Ortega y Gasset.

O populismo sanguinário é uma forma de ditadura democrática, ou seja, uma ditadura aberrante eleita pelo povo. Rodrigo Duterte, presidente de Filipinas, sem sombra de dúvida, é tido como o ditador populista sanguinário de maior espetacularidade neste momento.

É conhecido como “justiceiro”; pertenceu ao esquadrão da morte em sua cidade e chegou ao poder com 40% dos votos. Ele acaba de apadrinhar a destituição da juíza Maria Lourdes Sereno da presidência da Corte Suprema, porque ela fez críticas ao seu governo totalitário.

Em sua campanha eleitoral dizia que iria ganhar dinheiro no seu mandato quem abrisse uma funerária (“que não vai falir nunca”). Promoteu matar 100 mil pessoas em seis meses dentre usuários de drogas, criminosos, corruptos e traficantes. 

Em pouco mais de um ano no poder, já cumpriu boa parte desse escabroso número. Não se trata de torturar. “Nosso dever é matar”.

Chamou Obama de “filho da puta” e atacou o embaixador da ONU dizendo que se tratava de um “gay”; utiliza o “foda-se” a cada cinco minutos e lamentou não ter sido o primeiro estuprador de uma missionária violada na cidade de que era prefeito. “Ela era bonita. O prefeito tinha que ser o 1º”.

O populismo sanguinário de Duterte manda evidentemente “esquecer os direitos humanos”, promete “esquartejar criminosos” e recomenda que matem todos os usuários de drogas (“sem nenhum problema com a lei”).

Eu “mataria meu filho se ele fosse usuário de drogas”. “Se você conhece algum viciado, mate-o. É doloroso pedir isso para os pais dele. Faça isso você mesmo”. Em suas alucinações antropofágicas chegou a afirmar “que iria comer terroristas”.

O populismo, sobretudo o radical, é resultado de governos delinquentes, corruptos e incompetentes. Os populistas ganham muita força quando os donos do poder (os governantes e os dirigentes) fracassam na condução da coisa pública. Com a vitória do populismo instala-se na sociedade uma oclocracia, que é o governo apoiado pelas multidões seduzidas pelos opiáceos injetados nas mentes carregadas de ódio e de medo.

O populismo sanguinário se adapta a qualquer país, ainda que seja conhecido equivocadamente como “cordial”. Também é possível se falar em populismo da cordialidade sanguinária.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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