Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A grande mídia tem pernas curtas (sobre o lock out)

Agenda 28/05/2018 às 00:58

Pretende-se esclarecer o significado e possíveis consequências jurídicas do lock out. Justifica-se tal iniciativa, por conta de noticias que distorcem o sentido jurídico dessa expressão.

Não se pretende entrar no mérito da greve dos caminhoneiros. Certamente, o movimento tem a finalidade principal de forçar a redução do óleo diesel, tendo em conta as altas promovidas pela política de preços da Petrobrás.

A grande mídia e o governos (casados?) estão dizendo que os caminhoneiros ou os donos das empresas transportadoras estão cometendo lock out. É preciso esclarecer.

Lock out, nos termos do art.17, da Lei 7.783/89, é a paralização das atividades por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados.

Trata-se de prátcia proibida pela lei de greve, podendo ter implicações administrativas. Vejamos o que diz o mencionado art. 17 desse diploma normativo:

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Assim, referido dispositivo legal tem como destinatários os sujeitos da relação de trabalho: empregador e empregado. Proibe que empregadores frustrem o atendimento de reivindicações dos seus empregados.

Vejamos uma consequência administrativa. O enunciado do art. 722 da CLT preceitua:

Art. 722 - Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabelecimentos, sem prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a cumprir decisão proferida em dissídio coletivo, incorrerão nas seguintes penalidades:

a) multa de cinco mil cruzeiros a cinquenta mil cruzeiros;                    

b) perda do cargo de representação profissional em cujo desempenho estiverem;

c) suspensão, pelo prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, do direito de serem eleitos para cargos de representação profissional.
 

§ 1º - Se o empregador for pessoa jurídica, as penas previstas nas alíneas "b" e "c" incidirão sobre os administradores responsáveis.
 

§ 2º - Se o empregador for concessionário de serviço público, as penas serão aplicadas em dobro. Nesse caso, se o concessionário for pessoa jurídica o Presidente do Tribunal que houver proferido a decisão poderá, sem prejuízo do cumprimento desta e da aplicação das penalidades cabíveis, ordenar o afastamento dos administradores responsáveis, sob pena de ser cassada a concessão.
 

§ 3º - Sem prejuízo das sanções cominadas neste artigo, os empregadores ficarão obrigados a pagar os salários devidos aos seus empregados, durante o tempo de suspensão do trabalho.

Em tese, pode-se imaginar a incidência do art. 197 do Código Penal que diz:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça (negritamos): I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias.
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Veja-se que a tipificação requer que a pessoa seja forçado a não trabalhar, mediante violência ou grave ameaça. Evidente que o empregador pode forçar o empregado a não trabalhar, desde que respaldado por lei (v.g., proibe trabalho aos domingos).

Pode-se pensar que as empresas de transporte estejam usando seus empregados para conseguir a redução do diesel, e que os trabalhadores estejam sendo forçados a não trabalhar, o que pode configurar crime. idem se estiverm forçando os camiinhoneiros autônomos.

Talvez seja correto dizer que o preço elevado do diesel apresenta-se como uma ameaça ao desemprego, o que pode estar levando os empregados das transportadoras a uma colaboração; ou mesmos levando autonomos a se associarem aos donos das transportadoras.

Seja como for, é preciso mais cuidado do governo e da grande mídia ao divulgar notícias, mormente em se tratando de expressão juridica de significado simples. Ou isso, ou a credibilidade tenderá a zero.

Por outro lado, deve-se compreender que não é desqualificando ou criminalizando o movimento dos caminhoneiros que se solucionará o problema dos que vivem nas estradas (cheias de burraco) ou que atuam em atividade tão relevante para o país.

Em verdade, a grande maioria dos problemas ligados à crise atual do Brasil não será solucionada através  de reformas no Código Penal, como querem induzir o povo a crer. Sabe-se que, dificilmente, apenas alterações legais trazem efetivas mudanças de comportamento.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por outro lado, é preciso cuidado na negociação, pois o destino do Brasil está em jogo. Esse movimento pode ser apenas um início de algo mais turbulento, o que seria péssimo, uma vez que se tem no comando do pais um governo muito fragilizado, incompetente e impopular.

 Se a grande mídia quer ajudar, deve fazer as palavras valerem, ou falar "coisa com coisa" (ou melhor: "palavra com coisa"). Seu papel não é confundir ou funcionar como combustivel para a divergência.

Em conclusão:

A paralização dos caminhoneiros, ainda que, por hipótese, admita-se  que estejam sendo forçados pelos donos das transportadoras, não caracteriza lock out, pois não se tem casos em que o empregador esteja pretendendo frustrar reivindicações de seus empregados.

Mas, se tais empregados estiverem sendo forçados a ficar nos caminhões parados nas rodovias, sem trabalho, por meio de grave ameaça ou violência provocadas pelos donos das transportadoras, tem-se a configuração do crime do art. 197 do Código Penal.

Seja como for, não parece ser a melhor alternativa a criminalização do movimento desses trabalhadores. A negociação pode ser caminho para dar solução efetiva aos conflitos.

Em nome da sua credibilidade, a grande mídia e o governo devem ter cuidados em seus noticias, devendo evitar usar, de modo improprio, termos juridicos, ainda mais quando apresentam significado simples. Evita-se, assim, colocar combustiveis para divergências.  

Sobre o autor
Helio Estellita Herkenhoff Filho

Analista Judiciário do TRT 17ª Região. ex- professor da UFES. autor de livros e artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!