Resumo: O controle popular é exercido pelos cidadãos que, diretamente ou através de órgãos específicos, podem verificar a regularidade da atuação da Administração Pública. A partir deste entendimento, questiona-se como os parâmetros legais e doutrinários referentes ao controle popular têm favorecido a efetivação dos princípios da Administração Pública? Frente ao problema, a presente pesquisa bibliográfica desenvolve-se procurando investigar o controle popular enquanto expressão da democracia e suas colaborações para a efetivação dos princípios da Administração Pública. Tal participação pode favorecer a efetivação dos princípios da Administração Pública, tanto aqueles explicitados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), como os princípios reconhecidos, dentre eles, a autotutela, a finalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade, além da observância para a supremacia do interesse público sobre o particular. Tal atuação requer organização, conhecimento e a disponibilização de espaços que venham a garantir uma participação permanente da sociedade civil, destacando-se como exemplos as conferências, os conselhos, as audiências, as consultas públicas e a elaboração dos orçamentos participativos, os quais requisitam uma relação entre democracia representativa e democracia participativa. Diante das barreiras e influências que se apresentam frente às demandas por participação popular junto à Administração Pública no Brasil, faz-se necessário um processo de institucionalização de tais organismos, no sentido de minimizar as interferências que primam mais pelos interesses particulares. Legislação, aparato teórico e relevante experiência contam a favor do controle popular da Administração Pública, o que ainda requer ainda o rompimento com o formalismo que impõe superficialidade ao engajamento do cidadão em tal controle.
Palavras-chave: Controle popular; princípios; Administração Pública; democracia; participação.
1 INTRODUÇÃO
O processo de redemocratização do Brasil após a Ditadura Militar (1964-1985) e o advento da Constituição Federal de 1988 trouxeram de volta ao país não apenas as experiências próprias das democracias representativas. No bojo de tais acontecimentos, inauguraram-se também novos anseios por participação social, visando a uma maior atuação do cidadão frente às demandas da coisa (res) pública.
A sedimentação para o caminho da vivência de expressões de democracia participativa foi sendo garantida através de direções apontadas pela própria Constituição Federal de 1988, mas também pela legislação infraconstitucional posterior e ainda pela doutrina. Apontou-se, assim, para a instituição de organismos e para a indicação de estratégias que possibilitassem uma atenção maior aos anseios da sociedade, destacando-se, por exemplo, a promoção de audiências públicas e consultas públicas, a realização de conferências e a instituição de conselhos, atrelando-os, quando possível, ao financiamento da Administração Pública, além da construção de orçamentos participativos.
Percebe-se, desta forma, que a redemocratização que trouxe de volta ao cidadão o direito de escolher membros para os poderes executivo e legislativo, trouxe também meios para que o mesmo cidadão acompanhe a atuação dos mandatários e de outros administradores da esfera pública. Trata-se do controle popular, forte expressão da legítima e necessária participação da população perante a atuação estatal, em qualquer um dos Poderes, embora predomine no trato teórico as observações em torno do Poder Executivo.
Toma-se, na presente produção, por ideia de “Poder”, o termo empregado pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 2º, a qual usou o vocábulo para referir-se às funções estatais, quais sejam, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Não há aqui, porém, a intenção de se contrapor às definições de que o poder é uno e indivisível, cujas bases foram trazidas por Aristóteles (Século IV a.C.) e aprimoradas pelo Barão de Montesquieu (Século XVIII).
A atuação estatal deve ser pautada pelos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, destacando-se ainda a proporcionalidade, a razoabilidade, a motivação e a primazia do interesse público sobre o privado. Todavia, o arcabouço legal e doutrinário pertinente ao controle popular parece ainda não trazer a devida colaboração para a efetivação de tais princípios no tocante à Administração Pública. Pode servir de interferência nesse quadro a crescente apatia de parte dos cidadãos frente à coisa pública, cenário que pode estar diretamente relacionado aos reincidentes exemplos de má gestão ou de corrupção no gerenciamento dos recursos públicos, fatos que afetam gravemente toda a sociedade.
Surge, nesse contexto, o questionamento: como parâmetros legais e doutrinários referentes ao controle popular têm favorecido a efetivação dos princípios da Administração Pública? Frente ao problema, o presente artigo se desenvolve procurando investigar o controle popular enquanto expressão da democracia e importante meio de colaboração para a efetivação dos princípios da Administração Pública. Tem-se ainda como objetivos compreender aspectos da participação popular na Administração Pública brasileira, com destaque para as limitações e suas possíveis consequências para a sociedade, bem como para as possibilidades de superação da realidade verificada; e relacionar possíveis respostas, à luz do ordenamento jurídico para os atuais anseios por participação popular no tocante ao acompanhamento da gestão da coisa pública.
2 METODOLOGIA
Para a perseguição dos objetivos elencados, partiu-se da observação dos fatos para as teorias, adotando-se a pesquisa bibliográfica como técnica de investigação, no intuito de empreender uma revisão de literatura em torno do tema. Com foco no Direito Administrativo, a produção recorreu às contribuições teóricas de administrativistas brasileiros, como Celso Antonio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, observando ponderações do Direito Constitucional, a partir de reflexões teóricas como as de Paulo Bonavides. A partir de destaques trazidos em livros, monografias, dissertações, periódicos impressos e em sítios disponíveis na internet, tem por favorecida a reflexão sobre a doutrina, a legislação vigente e a realidade verificada, estabelecendo relações entre estes.
3 O NECESSÁRIO CONTROLE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Pesquisar, em linhas gerais, sobre o controle da Administração Pública remete primeiramente ao controle político, compreendido a partir das contribuições de John Locke e do Barão de Montesquieu, nos séculos XVII e XVIII, com destaque para a Teoria da Separação dos Poderes. O controle político aponta para o equilíbrio entre os “poderes” (funções do Estado) Executivo, Legislativo e Judiciário, evitando o crescimento de um em detrimento do outro e, por conseguinte, abusos e tiranias.
Por sua vez, o controle administrativo tem como alvo as instituições administrativas. Surge daí o conceito de controle da Administração Pública, definido, nos seguintes termos, por Carvalho Filho (2017, p. 1001): “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas do Poder”. Como se percebe, o foco do controle administrativo consiste em fiscalizar e rever a atuação estatal, adotando-se como objeto a confirmação ou a correção dos atos administrativos.
Conforme se depreende de tal conceituação, há que se superar o pensamento de que o controle administrativo abarque tão somente o Poder Executivo e seus órgãos. O que se alcança, na verdade, é a Administração Pública considerada em sentido amplo, o que aí envolve os órgãos dos demais poderes, quando estes exerçam função tipicamente administrativa (DI PIETRO, 2010).
Disciplinado por diversas normas, quer sejam constitucionais ou infraconstitucionais, embora que de forma dispersa, alvo de contribuições doutrinárias e ainda pauta de orientações jurisprudenciais, o controle da Administração Pública conta com variados meios para a sua efetivação, deparando-se com diversas modalidades.
Dada tamanha amplitude, coube à doutrina classificar as modalidades de controle administrativo, em observância a variados critérios. Di Pietro (2010) as classifica quanto:
- ao órgão controlador: administrativo, legislativo e judicial;
- ao momento: prévio, concomitante ou posterior;
- ao âmbito de atuação: por subordinação ou por vinculação;
- quanto à extensão: externo ou interno, consoante decorra de órgão integrante ou não da própria estrutura em que se insere o órgão controlado.
Carvalho Filho (2017) acrescenta a classificação quanto à iniciativa, indicando que o controle pode ser de ofício ou provocado. Alexandrino e Paulo (2017) citam a classificação quanto à natureza ou ao aspecto controlado, destacando que o controle pode ser de legalidade ou de mérito, e ainda quanto à amplitude, apontando para o controle hierárquico ou finalístico.
Apesar de o controle da Administração Pública estar fortemente marcado como uma atribuição estatal, os administrados têm a possibilidade de participar dele, tanto na defesa dos próprios interesses, como na proteção do interesse coletivo. Trata-se do chamado controle popular, indicado por Di Pietro (2010) como, provavelmente, o meio mais eficaz de controle da Administração Pública. Carvalho (2017) o conceitua como controle externo, exercido pelos cidadãos que, diretamente ou através de órgãos específicos, podem verificar a regularidade da atuação da Administração Pública, além de impedirem a prática de atos ilegítimos. O termo é também empregado por Alexandrino e Paulo (2017), considerando o controle popular uma das mais evidentes manifestações do exercício da cidadania.
Oportunamente, Britto (1992) refere-se à fiscalização que nasce de fora para dentro do Estado e é, naturalmente, exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil, cunhando os termos "controle popular" ou "controle social do poder" e ponderando que o controle social do poder é expressão de Direito Público subjetivo e refere-se à forma de exercício dos direitos de liberdade e de cidadania, enquanto que a participação popular é expressão de Poder político, emanação da soberania popular.
A participação popular remonta momentos históricos, como os anos marcados pelo Iluminismo. Confirmam tais constatações contribuições de pensadores iluministas, como se verifica na obra “O Contrato Social”:
No momento em que o povo se encontra legitimamente reunido em corpo soberano, cessa toda e qualquer jurisdição do governo, suspende-se o poder executivo e a pessoa do último dos cidadão é tão sagrada e inviolável quanto a do primeiro magistrado, porque onde se encontra o representado deixa de haver o representante (ROSSEAU, 2003. p. 111).
Mesmo que tais referências sejam próprias de um período em que o tamanho comum dos Estados permitisse a participação mais efetiva dos cidadãos no controle dos governos, contribuições teóricas desse tipo ainda produzem influência mundo afora, contribuindo para que as sociedades modernas adquiram caracteres de democracias.
Também nesta linha, assevera Bobbio (2004, p. 65) ao fazer referência às contribuições das Declarações dos direitos americana (1776) e francesa (1789), “nas quais é solenemente anunciado o princípio de que o governo é para o indivíduo e não o indivíduo para o governo”. De fato, é o povo o titular do patrimônio público, cabendo ao Estado atuar como gestor da “coisa pública”, e não dono, sempre pautando sua conduta pela firme observância da indisponibilidade do interesse público.
Di Pietro (1993) faz relação entre o princípio democrático, inspirador do Estado de Direito, e a participação popular. Faz-se oportuno dizer que a participação popular decorre naturalmente deste modelo de Estado, constituindo-se uma pauta que deve ser constantemente perseguida pelo serviço público, a qual é amparada por parâmetros legais e doutrinários.
A possibilidade de os administrados contribuírem com o controle da Administração Pública, seja diretamente ou através de órgãos com tal finalidade, tem pleno amparo constitucional. É o que se encontra, por exemplo, no artigo 31, § 3º, o qual dispõe que “as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei” (BRASIL, 1988).
O texto constitucional de 1988 admitiu ainda a participação social na gestão administrativa da seguridade social (Art. 194, parágrafo único, inciso VII), na organização das ações e dos serviços públicos de saúde (Art. 198, III), bem como do ensino público (Art. 206, VI), na promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro (Art. 216, §1º) e ainda na defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225, caput) BRASIL, 1998).
A participação popular também encontra amparo na legislação infraconstitucional. É o que se confere, por exemplo, na Lei 11.445/2007 (estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico), onde o controle social é indicado como um princípio da prestação de serviços públicos de saneamento básico (artigo 2º, inciso X). De forma didática, referida lei definiu, no seu artigo 3º, inciso IV, controle social:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
[...]
IV - conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico; (BRASIL, 2007).
Outro importante exemplo tem-se na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade instituiu a gestão democrática como uma diretriz geral para a perseguição do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. A citada lei, no Art. 2º, inciso II, associou a gestão democrática à “participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (BRASIL, 2001). Tem-se, portanto, que a participação popular na gestão da cidade não é apenas importante, mas, a partir do Estatuto da Cidade, é obrigatória.
Contribui também a doutrina para reforçar sobre a importância do controle popular, indicando que tal controle pode implicar não apenas na prestação de contas junto aos cidadãos, mas também nas deliberações e em responsabilizações frente ao trato com a coisa pública:
Realmente a colaboração ou participação dos sujeitos no processo administrativo exerce influência no teor do resultado final. Com isso o administrado conhece melhor a Administração; esta, de seu lado, mediante fatos, provas e argumentos oferecidos pelos sujeitos, detecta melhor as situações e mais de aproxima dos administrados, propiciando abertura das muralhas administrativas (MEDAUAR, 2008, p. 89).
Convém destacar que assegurar a participação, com destaque para o exercício do controle popular, através da viabilização de canais de atuação da população, aliada ao fornecimento das devidas condições e dos possíveis incentivos para o exercício de tal mister, pode inegavelmente favorecer a efetivação dos princípios da Administração Pública, tanto aqueles explicitados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os princípios implícitos, em observância à legislação vigente.
4 O CONTROLE POPULAR E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Em linhas gerais, associa-se a ideia de princípio à noção de fonte, de proposituras básicas para determinado segmento, mais definidores de juízos de valor do que impositores de conduta. Comprova esse pensamento a definição de princípio trazida por Mello (2015, p.54):
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.
Relevantes, e não apenas para o direito, haja vista que outros campos, tais como a religião, também atentam para a valoração de premissas nucleares deste porte, os princípios são reclamados pela ordem jurídica, os quais repercutem por todo o sistema normativo.
4.1 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O modo de atuar da Administração Pública deve ser definido pelos princípios, os quais “são de observância obrigatória para todos os Poderes, quando estiverem no exercício de funções administrativas, e para todos os entes da Federação, alcançando a administração direta e indireta” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 227). Di Pietro (2010. p. 63) pontua que, para o Direito Administrativo, os princípios sempre representam papel relevante, “permitindo à Administração e ao Judiciário estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração”.
Em linhas gerais, há que se recordar que toda a atuação estatal deve direcionar-se para as necessidades coletivas, sobrepondo o interesse público sobre os interesses individuais. Não se pode, contudo, pensar que o interesse público seja a mesma coisa que o interesse do Estado, uma vez que são distintos, embora com as devidas ligações entre si:
O interesse primário é composto pelas necessidades da sociedade, ou seja, dos cidadãos enquanto partícipes da coletividade, não se confundindo com a vontade da máquina estatal, a qual configura o interesse secundário. Isso decorre do fato de que, não obstante sempre atue visando satisfazer as necessidades da coletividade, o poder público tem personalidade jurídica própria e, por isso, tem os seus interesses individuais, como é o caso da instituição de tributos [...] (CARVALHO, 2017, p. 61-62)
Cabe, portanto, ao poder estatal, agir sempre atento à promoção do interesse público. É a esse entendimento que se refere o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio que “está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação” (DI PIETRO, 2010, p. 64).
Não se trata de total liberdade de atuação por parte da Administração Pública, mas, conforme aduz Mello (2015), de firmar prevalência do interesse público sobre o do particular, como condição de sobrevivência e de segurança para este, o que demanda a tutela do Estado. Não sendo assim, o Estado, através de seus agentes, poderá incorrer em abuso de poder ou em desvio de finalidade, o que pode ser debelado a partir do controle da Administração Pública.
De igual modo, “os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim, a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 36). Trata-se do princípio da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos, o que leva ao entendimento de que os bens públicos são de interesse da coletividade e, por isso, são inapropriáveis, não se encontrando à disposição de quem quer que seja.
O texto constitucional de 1988 destacou como princípios da Administração Pública Direta e Indireta a legalidade, a impessoalidade, a moralidade administrativa, a publicidade e a eficiência. Em face de tal menção, convencionou-se denominar tais princípios de “expressos” ou “explícitos”. Todavia, a própria caminhada da Administração Pública demanda observação a outros princípios reconhecidos pelo Direito Administrativo. Destacam-se, neste sentido, a autotutela, a finalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade.
4.1.1 Princípios expressos
Os princípios expressos, trazidos no caput do Art. 37 da Constituição Federal de 1988 formam diretrizes fundamentais da Administração, verdadeiras condições de validação da conduta administrativa a balizar a atuação estatal.
O rol é iniciado pelo princípio da legalidade, diretriz básica de todo o regime jurídico-administrativo, pressupondo que o administrador público somente pode agir mediante a autorização da lei, salvo algumas exceções trazidas no próprio texto constitucional. Via de regra, impera no Direito Administrativo a subordinação à lei, diferentemente da não contradição à lei que marca a atuação do direito privado.
Além do caput do Art. 37, a Carta Magna de 1988 cuidou de destacar o primado da lei no ordenamento jurídico brasileiro também no inciso II do artigo 5º, nos seguintes termos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988). Qualquer ato que contraria tal disposição será tido por inválido, podendo ser anulado pelo Poder Judiciário, uma vez provocado, ou mesmo pela própria Administração Pública, em face da autotutela administrativa.
O princípio da impessoalidade visa à não discriminação que a Administração Pública deve adotar junto aos administrados. Em suas condutas, o Estado deve atuar de forma impessoal. Neste sentido, corrobora Carvalho Filho (2017, p. 21):
Para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros.
Prega-se, assim, que o Estado não condicione seus atos em vista de atingir pessoa determinada ou grupo específico, sem primar por simpatias ou por perseguições, ou ainda por conveniências de quaisquer espécies, sob pena de sujeitar-se à invalidação do ato. Neste sentido, a própria Constituição Federal trata de aplicações concretas deste princípio, como o que dispõe o Art. 37, inciso II, ao indicar a exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo ou emprego público (BRASIL, 1988).
A impessoalidade abrange ainda a própria atuação do agente enquanto representante do Estado (CARVALHO, 2017). Neste sentido, a norma constitucional coíbe qualquer promoção pessoal às custas da máquina pública, adotando-se, ainda no Art. 37, os seguintes termos:
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei (BRASIL, 1988).
Pelo princípio da moralidade administrativa, faz-se imperioso que os agentes públicos ajam conforme a ética, pressuposto para a boa administração. Por conseguinte, tal princípio está relacionado também à figura do bom administrador, conforme destaca Carvalho Filho (2017, p. 22):
O que pretendeu o Constituinte foi exatamente coibir essa imoralidade no âmbito da Administração [...] Está indissociavelmente ligado à noção do bom administrador, que não somente deve ser conhecedor da lei como dos princípios éticos regentes da função administrativa.
Em sentido amplo, Alexandrino e Paulo (2017) destacam que a probidade é dever que se impõe aos agentes públicos. A sua inobservância poderá acarretar ao servidor público, nos termos da Constituição Federal, Art. 37, §4º, a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível (BRASIL, 1988).
Por vezes, a ofensa ao princípio da moralidade consiste em violação ao princípio da legalidade, embora nem sempre o que for tido por legal seja tido como moral (DI PIETRO, 2010). Outras vezes, pode consistir em violação à impessoalidade, como se verifica na prática do nepotismo, caracterizado por Carvalho (2017) como uma ofensa direta à impessoalidade da atuação estatal.
Já a publicidade, conceituada como “a divulgação oficial de um ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos” (MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO, 2015, p. 97), não constitui um requisito de validade do ato administrativo, mas de eficácia. Deduz-se, ainda, das contribuições teóricas, um segundo entendimento a respeito deste princípio, a saber, a imposição de transparência dos atos da Administração Pública:
[...] os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem (CARVALHO FILHO, 2017, p. 26. Grifo nosso).
A publicidade aponta, porém, para algumas exceções legais, atentando, nos termos do Art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal de 1988, para a defesa da intimidade ou o interesse social. Diante de possíveis conflitos entre o princípio da publicidade e a defesa da intimidade ou o interesse social, Di Pietro (2010) invoca o princípio da proporcionalidade, cuidando-se de observar o mínimo de restrição ao titular do direito e o cuidado por agir de forma proporcional em relação ao fim a atingir.
O princípio da eficiência, acrescentado ao caput do Art. 37 da Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998, se apresenta em dois aspectos: em relação à atuação do agente público e em relação à organização, estrutura e disciplina da Administração Pública, ambos imbuídos de alcançar os melhores resultados na oferta do serviço público (DI PIETRO, 2010).
A eficiência possibilita trazer para as atividades estatais a atenção à busca por qualidade com menor custo. Neste sentido, pontua Carvalho (2017, p. 31): “O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”.
A eficiência é perseguida em outros dispositivos constitucionais, como o Art. 169, o qual dispôs que “A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar” (BRASIL, 1988). Neste ínterim, cuidou a Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, de estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, no intento de bem aproveitar os recursos públicos custeados pela sociedade (BRASIL, 2000).
4.1.2. Princípios reconhecidos
Reside sobre a Administração Pública a autotutela, prerrogativa de rever os próprios atos, mesmo que sem provocação, podendo anulá-los, se ilegais, ou revogá-los, se inconvenientes ou inoportunos (DI PIETRO, 2010). Tal é o entendimento disposto pelo STF, nos seguintes termos, pela Súmula 473:
A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Carvalho (2017) acrescenta que, em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, Art. 5º, inciso XXXV), a autotutela não afasta a incidência da tutela jurisdicional.
Outro princípio reconhecido é o da finalidade, o qual acrescenta que toda lei é dirigida a um determinado fim. Há, portanto, uma estreita relação entre o princípio da legalidade e o da finalidade, pois “o que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade a que se destina” (CARVALHO, 2017, p. 96). Deste modo, não se pode aproveitar-se de uma lei para atuação distinta de sua finalidade, acarretando aos atos implicados em tal vício a nulidade, o que é denominado “desvio de poder” ou “desvio de finalidade”.
A atividade administrativa deve também ser marcada pela devida razoabilidade e pela proporcionalidade, o que remete a entender que qualquer ato contrário a estes princípios é carente de validade, acarretando nulidade.
Especificamente sobre o princípio da razoabilidade, convém frisar que, dispondo de certa discricionariedade para agir, a Administração Pública não pode atuar de forma desarrazoada (MELLO, 2015). Na busca por atender à finalidade da lei, o administrador há que buscar a atuação mais adequada em cada caso concreto. Neste sentido, destacam Meirelles, Aleixo e Burle Filho (2015, p. 96):
Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusiva por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade aponta que “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade correspondentes ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas” (MELLO, 2015, p. 113). Espera-se, assim, do agente público, atuação justificada pela necessidade, com a devida adequação entre o meio utilizado e o fim desejado e ainda observando uma justa relação entre vantagens e desvantagens, entendida como proporcionalidade em sentido estrito (CARVALHO FILHO, 2017).
O repertório de princípios da Administração Pública está a serviço da qualidade dos serviços estatais, devendo contribuir por direcionar a atuação dos agentes públicos, em prol da busca por bem atender aos interesses da coletividade e por fortalecer o Estado Democrático de Direito.
4.2 O PRINCÍPIO DA SOBERANIA POPULAR E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Debruçar-se sobre o controle popular, no sentido de elencar requisitos que possam garantir a observância dos princípios da Administração Pública, exige que se reflita previamente sobre a ideia de democracia. Há, assim, que se compreender a respeito da necessária relação que a contemporaneidade impõe entre a democracia representativa e a participativa, em sintonia com o ordenamento jurídico inaugurado pela Constituição Federal de 1988, em vista da superação das limitações da participação popular na Administração Pública no Brasil.
É de consenso a definição de que o termo democracia designe “a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo, ou pelo maior número, ou por muitos” (BOBBIO, 2004, p. 137). A própria etimologia da palavra aponta para a ideia de poder (“kratia”) do povo (“demos”)
As primeiras experiências democráticas são atribuídas à cidade de Atenas, na Grécia Antiga, entre os séculos VI e IV a.C. Define bem essa ideia de democracia vivenciada pelos gregos as considerações trazidas por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p. 319), os quais compartilham a ideia segundo a qual a Democracia é o “Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos”.
Mesmo com seu caráter não inclusivo, a experiência dos atenienses influenciou ideias políticas nos séculos seguintes, servindo de referência, mesmo que somente em sua essência, até os dias atuais. Não somente por sua incompletude relacionada às questões de inclusão, mas também pelo surgimento dos Estados nacionais da era moderna, a experiência democrática advinda da Grécia Antiga sofreu transformações, repercutindo em evoluções do conceito e da ideia de democracia e adaptando-se mediante a estratégia da representação.
Esse dinamismo está presente na constatação de que os séculos XIX e XX registram gradativamente uma afirmação dos Estados representativos, com destaque para uma ampliação do exercício do direito de sufrágio. Porém, na medida em que essa ampliação foi sendo conquistada, a participação política foi se restringindo a eleição de representantes, sendo o cidadão tomado por uma omissão diante do Poder Público. Dahl (2012, p. 45) pontua que:
Essas instituições da democracia representativa deixaram o governo tão longe do demos que é possível alguém se perguntar com razão, como fizeram alguns críticos, se o novo sistema poderia ser chamado pelo nome venerável de democracia.
Favoráveis à democracia representativa prevalecem grupos organizados destinados a representar forças sociais, como os sindicatos, e forças políticas, como os partidos políticos (BOBBIO, 2004). Subtende-se, assim, por um sistema em que “tudo se passa como se o povo realmente governasse [...] O poder é do povo, mas o governo é dos representantes, em nome do povo: eis aí toda a verdade e essência da democracia representativa” (BONAVIDES, 2000, p. 355).
Porém, uma notória crise dos sistemas representativos trouxe de volta a necessidade de garantir mais uma vez participação direta do cidadão, o que é destacado por Bonavides (2008, p. 57), ao tratar a democracia como “processo de participação dos governados na formação da vontade governativa”. Delineia-se que tais expressões não podem se limitar ao processo eleitoral manifestado simplesmente no direito de sufrágio concedido à maior parte da população.
Vigora, todavia, hodiernamente, que se tem por democrática a sociedade em que, além da intensa participação dos cidadãos nos processos eletivos, os cidadãos têm espaços para contribuírem com a condução dos destinos do meio social e político. Esta última característica expande a ideia de democracia para além do número de eleitores de uma determinada sociedade.
A sociedade contemporânea demanda por integração da democracia representativa com a democracia participativa, em face da crise de representatividade da democracia, o que não é verificado apenas no Brasil e que afeta também a Administração Pública. Tal integração é possível a partir da participação dos cidadãos, além das formas político-partidárias.
Neste sentido, pondera Bobbio (2004, p. 154): “A consolidação da democracia representativa, porém, não impediu o retorno à democracia direta, embora sob formas secundárias”. Tal processo, portanto, não implica em excluir a estratégia da representação, mas de conciliá-la com efetivos mecanismos de participação popular. Tem-se que a participação popular é componente indispensável da experiência democrática:
Não há democracia sem participação. De sorte que a participação aponta para as forças sociais que vitalizam a democracia e lhe assinam o grau de eficácia e legitimidade no quadro social das relações de poder, bem como a extensão e abrangência desse fenômeno politico numa sociedade repartida em classes ou em distintas esferas e categorias de interesses (BONAVIDES, 2008, p. 51).
Nesta perspectiva, o Brasil registrou forte luta, o que se destacou através das mobilizações contra o regime militar instaurado na década de 1960. A demorada resistência desembocou no processo de redemocratização, até se retomar, através da promulgação da Constituição Federal de 1988, a experiência democrática, manifestada através do alargamento do direito conferido a cada cidadão de participar ativamente da tomada de decisões (SANTOS, 2011).
Já no seu primeiro artigo, a Constituição Federal de 1988 aponta para o princípio da soberania popular, ao dispor, no parágrafo único, que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). Neste sentido, Bonavides (2008) destaca a democracia como um direito fundamental de quarta geração, devidamente atrelada ao princípio da soberania popular.
Diretamente, o povo exerce o poder através dos institutos do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, conforme dispõe o Art. 14, da Carta Magna (BRASIL, 1988). São os chamados mecanismos de democracia semidireta previstos na Constituição Federal de 1988, os quais “encontram-se hoje esvaziados, dado sua modesta utilização” (CHAGAS, 2016, p. 47). Além destes mecanismos de democracia semidireta, a Constituição cuidou de ampliar as possibilidades de participação popular no governo.
Apesar de todo um arcabouço jurídico favorável à tal ampliação, percebe-se a instauração de um debate entre diversas forças políticas e sociais, tratando das relações entre os mecanismos de democracia direta e participativa com os mecanismos de democracia representativa:
O campo conservador da sociedade brasileira sempre colocou em dúvida a validade e legitimidade da representatividade dos conselhos e outras formas de democracia participativa argumentando de que os mesmos teriam um déficit de representatividade quando comparados com a legitimidade dos representantes no executivo e no legislativo eleitos pelo voto universal. A partir desta concepção estes setores buscam no exercício de governos e no parlamento ignorar a existência ou diminuir a importância de propostas e decisões tomadas em espaços e instâncias de democracia participativa. Em outras situações preferem a estratégia de disputar a representação nestes espaços para poder enfraquecê-los depois, tornando-os linhas auxiliares dos governos por eles dirigidos (PONTUAL, 2008, p. 21).
Emanada da soberania popular e, por conseguinte, relacionada com a ideia de poder (Britto, 1992), a participação popular requer marcos legais que garantam sua consolidação, a fim de romper com o mero formalismo que impõe superficialidade ao engajamento do cidadão no controle da Administração Pública.
5 CONTROLE POPULAR NA REALIDADE BRASILEIRA: ALINHANDO LIMITAÇÕES E POTENCIALIDADES EM VISTA DA BOA ADMINISTRAÇÃO
A participação popular, positivada no ordenamento jurídico brasileiro e bem respaldada pelo crescente aparato teórico, tem sido maturada pelo rol das experiências acumuladas ao longo do processo de redemocratização do País. Não há, portanto, nesta seara, que se “reinventar a roda”, mas bem aproveitar as diversas potencialidades trazidas na atual conjuntura. Tal constatação é afirmada por Santos (2011, p. 90): “É por esse processo de continuidade e reafirmação que a vivência democrática de um Estado e sua comunidade deve ser analisada, de modo a verificar a afirmação sucessiva de direitos e garantias”.
5.1 UMA ANÁLISE SOBRE O CONTROLE POPULAR NA RECENTE REALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E SUAS RESPECTIVAS CONTRIBUIÇÕES
O Estado democrático, contrapondo-se ao absolutismo, manifesta-se como uma forma de governo em que há de se observar a vontade popular, manifestada direta ou indiretamente. De fato, quanto mais espaço for dado para a participação popular, mais fortalecida será a democracia, o que não implica em enfraquecimento dos institutos de representação política e nem de suas instituições. A essa realidade, foram se incorporando diversas estratégias de participação popular, configurando expressões de democracia participativa que se pautem por um novo modo de relação entre governo e sociedade.
Desta forma, urge pensar a representatividade e sua transformação perseguindo a qualidade da democracia, o que, segundo Chagas (2016) passa pela reconfiguração da representação política por meio de experiências participativas, acrescentando-se ainda na reflexão a constatação de que, também nas manifestações da participação popular, faz-se presente a representatividade, assumida por atores da sociedade civil que assumem novas funções políticas.
Tais constatações tem implicância direta na Administração Pública, imputando-lhe a incumbência e a necessidade de possibilitar aos administrados as condições de participação, ocasião em que os mesmos poderão contribuir com o devido controle da legalidade e com a efetivação da eficiência no serviço público.
A efetivação dos princípios passa por um eficaz controle administrativo, destacando-se o protagonismo da sociedade na observância das práticas adotadas pelo Poder Público. Destarte, faz-se relevante analisar o controle popular perante a Administração Pública brasileira, no intuito de lançar luzes sobre as realidades postas e de delinear possíveis contribuições para o bom proveito da coisa pública.
Proveitoso exemplo da relação existente entre os princípios e o controle da Administração Pública vem do artigo 37 (§3º, inciso II) da Constituição Federal de 1988, trecho que cuidou de prevê a regulamentação da publicidade no intuito de garantir o acesso a registros administrativos e a informações sobre atos de governo (BRASIL, 1988). Tal regulamentação se deu através da Lei nº 12.527, de 18/11/2011, conhecida como a Lei de Acesso à Informação (LAI), que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal.
Permanece, porém, a demanda de que se regulamente também as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços (inciso I, Art. 37, CF), bem como a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública (inciso III, Art. 37, CF).
Em sede infraconstitucional, pode-se tomar como exemplo as disposições da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), tendo em vista a indicação de mecanismos de participação para a gestão transparente e eficiente das finanças públicas, previsão trazida no Artigo 48, parágrafo 1º:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
§1o A transparência será assegurada também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II - liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; e
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A (BRASIL, 2000).
Como se percebe, há um conjunto formado por leis e outros atos normativos que disciplinam a efetivação do controle popular nas diversas frentes de atuação do poder público. Toda essa atuação requer organização, conhecimento e a disponibilização de espaços (institucionalizados ou não) que venham a garantir uma participação permanente da sociedade civil junto à atuação administrativa. Pressupõe-se, para tanto, postura ativa do cidadão desde o planejamento até a execução de políticas pública, passando desde a implementação até a avaliação das atividades empreendidas, com claros indicativos de que a experiência democrática não comunga com absolutismo por parte da Administração Pública.
A experiência recente da sociedade brasileira aponta como exemplos de tais práticas as conferências, os conselhos, as audiências, as consultas públicas e a elaboração dos orçamentos participativos. Ao conjunto de práticas que “pluralizam” a representação política, Chagas (2016) chama de “nova ecologia da representação”.
Prática constante desde o processo de redemocratização do Brasil, as conferências têm-se apresentado como instâncias de participação, de planejamento e de deliberação no âmbito das políticas públicas. Apesar de não gozarem de caráter vinculante junto aos governos, trata-se de uma estratégia que contribui por aproximar administradores e administrados, na medida em que possibilitam, por parte destes, o ressoar das expectativas da sociedade frente às políticas públicas. Tais iniciativas tem partido, via de regra, do Poder Executivo Federal, o qual dispõe em cronograma e em regulamentos prévios etapas regionais, dispostos a promover de forma participativa, mediante a eleição de representantes eleitos nos respectivos encontros (delegados) ideias e diretrizes para a formulação de políticas públicas.
A experiência dos conselhos pode ser verificada, conforme explica Pontual (2008), tanto nos chamados conselhos populares, como nos conselhos gestores de políticas públicas. Aqueles consistem em esferas autônomas de organização dos atores da sociedade civil, enquanto estes são entendidos como canais institucionais permanentes de representação, criados, mediante lei, como parte do aparelho de Estado. Ambos, são destinados a incidir nas políticas públicas, a partir da captação de demandas dos diversos grupos sociais.
Os conselhos gestores de políticas públicas demandam tratativas legais (leis e regimentos internos) a definirem aspectos como regras para sua composição, natureza da participação, dinâmica decisória e ritos procedimentais, os quais indicam potencialidades e limites de cada espaço no tocante aos resultados esperados da participação (PONTUAL, 2008). A expansão destes organismos, em virtude da adoção de uma nova lógica de elaboração e de implementação de políticas públicas no Brasil, encontra-se consolidada em todos os entes federados. Destaca-se como exemplo a vinculação do repasse de verbas federais referentes ao financiamento da saúde pública à aprovação, por parte dos conselhos de saúde, dos planos e relatórios de gestão anuais das respectivas esferas de governo, conforme definido pela Lei 8.142/1990:
Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990;
III - plano de saúde; IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação.
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União” (BRASIL, 1990).
Todavia, resta claro que, esta nova lógica ainda depende “do empenho efetivo dos governos em compartilhar com os conselhos este nível de decisão e da capacidade da sociedade civil de tematizar a agenda dos conselhos com proposições sobre as políticas e prioridades de ação” (PONTUAL, 2008, p. 18).
Destacam-se também como formas de controle popular da Administração Pública as audiências públicas e as consultas públicas. Taveira Júnior (2012) cita-as, destacando ainda os questionamentos sobre a demora que estas podem provocar no processo de tomada de decisões, bem como sobre os ônus que podem acarretar aos cofres públicos, o que não pode, por si só, desmerecer tais instrumentos de participação popular, uma vez que da participação poderá advir maior eficiência para a Administração Pública, além de contribuir para o exercício do contraditório junto à atuação dos agentes estatais.
A audiência pública, por sua vez, consiste em um mecanismo que garante à população a possibilidade de ser ouvida a respeito de assunto de seu interesse, antes que o agente estatal profira uma decisão que possa afetar interesses da coletividade. Assim, tal instituto é visto como um instrumento que contribui para levar o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual (FORTE, 2015).
Convém ponderar que, dado o caráter consultivo das audiências públicas, cabe à Administração Pública acatar ou não as contribuições ali proferidas. Todavia, há que se observar a obrigatoriedade de sua realização em determinadas situações, salvo nos casos em que a respectiva legislação indique ser a realização de audiência pública uma possibilidade facultada à autoridade administrativa.
A consulta pública, também destinada à coleta de opiniões da sociedade sobre determinados temas, deve observar, tal como ocorre na audiência pública, se tal instrumento é previsto em lei como de realização obrigatória. Tem como finalidade, segundo Carvalho Filho (2001, p. 186), “[...] compulsar a opinião pública através da manifestação firmada através de peças formais, devidamente escritas, a serem juntadas no processo administrativo”.
As considerações apresentadas via consulta pública não vinculam a Administração Pública. Porém, as contribuições trazidas não podem deixar de ser consideradas, garantindo uma boa comunicação entre sociedade civil e o Estado, através de respostas objetivas e fundamentadas.
Cabe ainda destacar sobre o orçamento participativo, experiência que contribui para melhor efetivar a relação entre democracia representativa e democracia participativa. Constata-se em diversos casos uma influência decisiva dos representantes da sociedade civil no processo de elaboração do orçamento municipal. Em muitos, porém, a prática não passa de mera formalidade a serviço da propaganda governamental, no sentido de ouvir as opiniões dos cidadãos, sem compromissos reais de garantia de que tais opiniões venham a ser consideradas e contribuam efetivamente com a melhor qualidade das políticas públicas.
Nenhuma estratégia está imune ao oportunismo dos que se assenhoram da coisa pública, às vezes até adotando um discurso simpático à participação, mas pouco colaborando para a efetiva participação dos cidadãos. E se tais estratégias forem apenas para cumprir formalidades, o participante não terá estímulo para contribuir noutras ocasiões, permitindo que a Administração Pública seja conduzida ao sabor de autoritarismos e sem a devida sintonia com os anseios da coletividade.
5.2 POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DAS LIMITAÇÕES DO CONTROLE POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL
Se, por um lado, há inegáveis conquistas com a efetivação de mecanismos de participação popular na Administração Pública, ainda são muitas as limitações para tanto, o que motiva a realização de pesquisas diversas, a fim de suprir lacunas e de incentivar a realização daquilo que dispõe a legislação.
Depara-se, por exemplo, como uma notória apatia, o que segundo Santos (2011) é causado, em sede da luta pelos direitos sociais, pelos ganhos em direitos individuais. Tal cenário aponta também para um apático aproveitamento dos organismos destinados a possibilitar a participação popular, tanto pela retração da sociedade no tocante ao envolvimento com tais questões, como pela inexpressiva colaboração do Poder Público em garantir a efetivação destes espaços.
Existem, é claro, outros fatores que contribuem para essa apatia política:
A apatia política, a falta de estímulo para a ação cidadã, relaciona-se mais diretamente à falta de informação sobre os direitos e deveres dos cidadãos, à falta de vias de comunicação direta realmente ágeis do cidadão em face do aparato do Estado; à falta de respostas às solicitações; à falta de tradição participativa e à excessiva demora na resposta de solicitações ou críticas (MODESTO, 2005, p. 4).
Barreiras e influências diversas também se apresentam diante das demandas por participação popular perante a Administração Pública no Brasil. Dentre essas barreiras, Pontual (2008) destaca a fragmentação política, em virtude de convênios de prestação de serviços ao poder público, e, consequentemente, uma certa desmobilização dos movimentos sociais, sobretudo nas proximidades com os períodos eleitorais, com sinais do clientelismo e de alianças políticas que primam mais pelo interesse particular do que pelo interesse público.
Neste sentido, colabora Di Pietro (1993, p. 35) a respeito da composição das instituições que trabalham com o controle popular: “seria necessário que seus integrantes fossem eleitos pela própria sociedade e, de preferência, entre pessoas estranhas ao corpo dos Poderes do Estado, o que nem sempre acontece”.
Deduz-se, assim, que a criação de organismos sociais como instrumentos de participação popular nas políticas públicas, por si só, não é garantia de democratização. Faz-se necessário, portanto, um processo de institucionalização de tais organismos, no sentido de minimizar as interferências partidárias e outras tantas que primam mais pelos interesses particulares.
Não raro, verifica-se a ideia de participação presente em discursos adotados por gestores públicos, seguindo-se até mesmo com a instauração de mecanismos que favoreçam o diálogo com a sociedade. Todavia, se o modus operandi da política partidária segue os mesmos padrões históricos, marcados, sobretudo pelo clientelismo, há um sério comprometimento da agenda democrática, sujeitando os avanços à agenda de interesses de grupos e de seus “caciques”.
Uma fragilidade que convém destacar diz respeito à falta de preparo técnico de tantos que se empenham em contribuir com os mecanismos de participação popular. Da parte do Poder Público, parece mínimo também o interesse em adequar a linguagem adotada nos materiais disponibilizados para o controle por parte do cidadão, o que ofende, de certo modo, a transparência pública que deve permear toda a atividade pública.
Também são claras as tímidas iniciativas no sentido de dotar o cidadão dos devidos conhecimentos técnicos em prol do controle popular e de outras contribuições junto à gestão da coisa pública. São limitações que facilitam a manipulação de informações e o uso de artifícios contábeis no manuseio dos recursos. Em tal contexto, o controle popular ainda é refém da boa vontade dos gestores públicos, o que pode ser superado mediante o intercâmbio de experiências desenvolvidas na sociedade.
Apesar da gama de informações que os governos disponibilizam nos ambientes virtuais, faz-se necessária uma adequação da linguagem adotada, a fim de que o cidadão possa compreendê-las. Também nesta frente, é possível adotar mecanismos de colheita de sugestões e de reclames, aproveitando a disposição dos cidadãos em contribuir com a fiscalização dos recursos públicos, bem como com o planejamento das ações governamentais.
Una-se a essa relação de barreiras, influências e limitações a crise, a nível internacional, enfrentada pelos Estados Sociais, a qual acaba por remetê-los ao neoliberalismo, marcado pela ideia de Estado mínimo e, consequentemente, pelo corte de recursos. Pontual (2008, p. 17) registra que as deliberações em torno do contingenciamento dos recursos “raramente, são objetos de decisão nos conselhos sendo que na melhor das hipóteses são informados sobre os mesmos”.
Neste ínterim, há que se convir que frente às alardeadas privações financeiras dos entes públicas e aos costumeiros rótulos de desprestígio ou de descrédito atribuídos ao serviço público, não há porque desmerecer o cidadão que deseja possa contribuir com o desenvolvimento das políticas públicas. A participação popular na Administração Pública, nesse sentido, é direito dos administrados, posto que os que a comandam são, redundantemente falando, administradores, e não proprietários.
Ante as barreiras que legisladores e administradores impõem, mesmo que implicitamente, na efetivação da participação popular, pode ainda o cidadão recorrer à ação popular ou à ação civil pública, ambos, oportunos instrumentos dispostos no texto constitucional, possibilitando que se peça a tutela jurisdicional diante de eventuais prejuízos e danos no trato com a coisa pública.
Contemplada no inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 e regulada pela Lei nº 4.717/1965, a ação popular é o instrumento que legitima qualquer cidadão a propor a anulação de “ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural” (BRASIL, 1988).
Pela ação popular, o cidadão (mais especificamente, o eleitor) pode alcançar do órgão jurisdicional, além da anulação do ato lesivo, a restituição de bens ou valores, desde que seja prolatada sentença condenatória, conforme dispõe o artigo 14, §4º, da referida lei, o que lhe dá, segundo Di Pietro (2010), uma dupla natureza, a saber, ela é, ao mesmo tempo, constitutiva e condenatória.
A lei dispõe, no seu artigo 2º, que são nulos os atos lesivos nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade. Por seu turno, o artigo 3º indica como anuláveis os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado mencionadas no artigo 1º da citada lei, ou cujos vícios não se compreendam nas especificações do artigo 2º (competência, forma, objeto, motivos e finalidades) (BRASIL, 1965).
A ação civil pública, cuja promoção é uma das funções institucionais do Ministério Público, conforme dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, é um instrumento cautelar que visa “evitar danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico, ou, então, para promover a responsabilidade de quem haja causado a lesão a estes mesmos bens” (MELLO, 2015, p. 984).
Disciplina pela Lei nº 7.347/1985, a ação civil pública também tem por legitimados, segundo o artigo 5º da referida lei, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, e associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (BRASIL, 1985).
Seja via ação popular, seja via ação civil pública, o cidadão encontra meios de fazer valer o controle da Administração Pública, recorrendo à tutela jurisdicional a fim de proteger os interesses públicos, os quais, segundo Di Pietro (2010, p. 810), abrangem “o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade; e os interesses coletivos, que dizem respeito a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis”.
Neste sentido, a participação popular no controle da Administração Pública, longe de ser um entrave à atuação do Estado, reforça e qualifica a atuação dos mandatários e de demais administradores da esfera pública, na medida em que traz a possibilidade de acolher, de observar e de atender aos anseios e às demandas da sociedade. Não se pode, portanto, esquecer que “a participação popular é sobretudo uma questão política, relacionada ao grau de desenvolvimento e efetivação da democracia” (MODESTO, 2005, p. 3).
Destarte, conforme pondera Forte (2015), verifica-se que os mecanismos de participação social são importantes vetores, os quais promovem a aproximação entre administrador e administrados, além de possibilitar que a sociedade seja presente e ativa nas suas demandas, contribuindo também para uma maior aceitabilidade dos atos da Administração Pública.
Tem-se, assim, como preponderante o controle popular perante a Administração Pública, o que demanda uma melhor articulação a partir de estratégias que permitam a superação das limitações postas, a fim de garantir o bom uso dos recursos, de proporcionar fundamentação para as possíveis e necessárias lutas a serem travadas pelo cidadão e de por a Administração Pública sob os olhos do povo, o que não é fardo e nem mera burocracia, mas condição indispensável para um satisfatório atendimento aos anseios da população.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente às limitações e adequações necessárias relacionadas ao controle popular, o presente estudo não indica respostas prontas, mas reflexões, deixando claro que o tema inspira sucessivos estudos e pesquisas, visto que, diante do amplo grau de repercussão do assunto, não há como esgotá-lo facilmente. O caminho da participação social trilhado até aqui ainda carece de análises e de reformulações, o que há de passar necessariamente pela apropriação das particularidades de suas veredas, por parte dos atores sociais.
Imprescindível para a boa Administração Pública, o controle administrativo tem na vertente controle popular relevante significância, visto que a sua eficácia o faz, de fato, evidente manifestação da cidadania, o que permite a efetiva participação do povo no exercício do poder.
Essa participação popular decorre naturalmente do Estado Democrático de Direito, onde o povo é verdadeiro titular do patrimônio público, e o Estado como gestor, e não dono, da “coisa pública”. Neste sentido, trata-se de uma pauta que deve ser perseguida pelo serviço público, com o fim de acolher a vontade popular na elaboração, no planejamento, na execução e na avaliação de políticas públicas.
A participação popular qualifica a atuação dos administradores, na medida em que traz a possibilidade de observar e de atender aos anseios e às demandas sociais. Uma vez possibilitada tal participação, promove-se a aproximação entre administrador e administrados, além de favorecer que a sociedade seja presente e ativa diante do trato com as próprias demandas, contribuindo também para uma maior legitimidade dos atos da Administração Pública.
Fica claro, portanto, que quanto mais espaço for dado para a participação popular, mais fortalecida será a democracia, o que não implica necessariamente em enfraquecimento dos institutos de representação política e nem de suas tradicionais instituições. O que a contemporaneidade impõe é uma boa relação entre democracia representativa e expressões de democracia participativa, no intuito de fortalecer a atuação do cidadão junto à maquina estatal.
Tais constatações têm implicância direta na Administração Pública, imputando-lhe a incumbência e a necessidade de possibilitar aos administrados as devidas condições de participação. Assegurar tal participação pode inegavelmente favorecer a efetivação dos princípios da Administração Pública, tanto aqueles explicitados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o que demanda também a observância de princípios implícitos, tais como a finalidade, a motivação, a autotutela, a proporcionalidade e a razoabilidade, sempre direcionando-se pela firme observância da indisponibilidade do interesse público.
Toda essa atuação requer organização, conhecimento e a disponibilização de espaços (institucionalizados ou não) que venham a garantir uma participação permanente da sociedade civil junto à atuação administrativa, não apenas na prestação de contas junto aos cidadãos, mas também que estes possam tomar parte nas deliberações e em responsabilizações frente ao trato com a coisa pública. Assim, destacam-se como proveitosas as experiências vivenciadas nos conselhos gestores de políticas públicas, na realização de audiências e de consultas públicas, na promoção de conferências e na elaboração participativa de orçamentos públicos.
Porém, nenhuma estratégia está imune ao oportunismo dos que tentam se assenhorear ou usurpar da coisa pública, às vezes até adotando um discurso simpático à participação, mas pouco colaborando para a efetiva participação dos cidadãos. Junto a esse risco, é possível perceber também o mero formalismo em diversas experiências de controle popular, através de uma postura meramente burocrática. E se estratégias de participação popular forem apenas para cumprir formalidades, o cidadão não terá estímulo para contribuir noutras ocasiões, abrindo espaço para que a Administração Pública seja conduzida ao sabor de autoritarismos e sem a devida sintonia com os anseios da coletividade.
Dada a preponderância do controle popular perante a Administração Pública, demanda-se uma melhor articulação a partir de estratégias que permitam a superação das limitações postas. São exemplo de decisões que podem favorecer uma atuação mais incisiva do controle popular: possibilitar que organismos, além de consultivos e fiscalizadores, sejam também deliberativos; capacitar agentes que atuem nesta seara, a fim de dotá-los de conhecimentos técnicos e teóricos; e a promoção do intercâmbio de experiências, no intuito de socializar práticas exitosas.
Nesta conjuntura, não se pode abrir mão do papel que a participação da sociedade tem perante a Administração Pública e para a consecução de seus fins, visando a garantir os melhores resultados possíveis, à luz dos princípios balizadores do Estado de direito.