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A Polícia do Senado Federal

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Agenda 06/05/2005 às 00:00

O artigo traz uma descrição sucinta do que vem a ser a Polícia do Senado Federal, de sua previsão legal, origem, deveres e poderes, bem como do papel que a mesma deve ocupar para garantir a independência dos poderes e a manutenção da democracia.

Sumário: 1. Introdução; 2. A previsão legal; 3. Origens da polícia no legislativo; 4. O Poder de Polícia; 5. A polícia e a política; 6. Classificação da polícia; 6.1. Polícia Administrativa; 6.2. Polícia Judiciária; 6.3. Polícia Eclética ou Mista; 6.4. A classificação da Polícia do Senado; 7. Áreas de Atuação da Polícia do Senado; 7.1. Proteção de Dignitários; 7.2. Proteção ao Patrimônio do Senado Federal; 7.3. Investigação e Inquérito; 7.4. Inteligência; 8. A atuação da polícia e os Direitos Humanos; 9. Conclusão; 10. Notas; 11. Referências.


Resumo

A figura da Policia Legislativa já está prevista em nossa legislação desde a constituição do Império, porém a criação da Polícia do Senado Federal provocou nos meios policiais e jurídicos brasileiros várias indagações sobre a legalidade de sua criação e de suas ações e sobre seu real papel na democracia brasileira.

Este artigo procura demonstrar que é importante para a independência dos poderes a existência de polícias próprias no Poder Legislativo. Visa também abrir o debate sobre essa nova instituição, permitindo assim contribuições para o aprimoramento dessa nova força policial.


1. Introdução

Criada recentemente, a Polícia do Senado Federal ainda é desconhecida para a maioria dos brasileiros e mesmo dentro do Congresso Nacional. Sua importância ainda não foi de todo compreendida, restando ainda muitas dúvidas sobre seu funcionamento, suas atribuições e poderes.

Em uma "casa política", como o Senado Federal, geralmente a polícia é vista com ressalvas, pois se acredita que política e polícia são coisas totalmente incompatíveis. No Brasil, esse pensamento foi reforçado, durante o período de ditadura, pelo uso de forças policiais para o controle político dos cidadãos e dos próprios parlamentares. Porém, apesar dessa aparente dicotomia, as duas palavras têm a mesma origem etimológica, a palavra grega polis, que significa "cidade" e de sua derivação politeia que significa "governo ou administração de uma cidade". Em latim ganhou a grafia politia, derivando então para o português com o vernáculo polícia. Essa proximidade entre os vernáculos política e polícia se mostra claramente na Idade Média, onde o Alcaide1 tinha a dupla função de administrar a cidade e dar proteção e segurança à comunidade, ou seja, a ele cabia a administração política da cidade e o policiamento da mesma.

No cenário político, esta ligação ganha muita importância, pois a polícia é uma operadora da política de governo, ou seja, é um braço do poder, mais comumente do Poder Executivo, podendo assumir, em certos casos, um poder político tão forte quanto o do próprio governo.

Em uma democracia como o Brasil, pressupõe-se uma divisão clara dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um desses poderes tem sua função na manutenção da democracia, devendo exercê-la sem interferências de outro poder. Ora, as polícias existentes no Brasil, em sua maioria, fazem parte da estrutura do Poder Executivo, e desta constatação vem o questionamento: É possível a polícia manter a neutralidade com respeito às ações do governo?

O presente artigo é uma descrição sucinta do que vem a ser a Polícia do Senado Federal, de sua previsão legal, origem, deveres e poderes, bem como do papel que a mesma deve ocupar para garantir a independência dos poderes e a manutenção da democracia. Também discorre sobre as questões da história da instituição policial, sua classificação e missão na sociedade.


2. A previsão legal

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 52, XIII, prevê que "compete privativamente ao Senado Federal... dispor sobre sua polícia". Com base nesta previsão legal o Senado Federal regulamentou, em 05 de dezembro de 2002, através da resolução nº 59/2002, a Polícia do Senado Federal.

A previsão para a criação de uma polícia exclusiva para uma casa legislativa pode parecer uma inovação da Constituição Federal de 1988, porém uma análise mais profunda mostra que tal previsão já se encontra presente em nossa primeira constituição, a Constituição Política do Império do Brazil (25 de Março de 1824), quando trata do Poder Legislativo, em seu art. 21, citando a "polícia interior", tal previsão se repete em todas as outras constituições brasileiras, como podemos ver:

- Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), art. 18, parágrafo único, "A cada uma das Câmaras compete:... regular o serviço de sua polícia interna".

- Constituição de 1934, art. 91, VI, "Compete ao Senado Federal:... regular a sua própria polícia".

- Constituição de 1937, art. 41, "A cada uma das Câmaras compete:... regular o serviço de sua polícia interna".

- Constituição de 1946, art. 40 – "A cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento interno, sobre sua... , polícia",

- Constituição de 1967, art. 32, "a cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento Interno, sobre... sua polícia".

Quanto a atuação das polícias do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, quando questionado sobre a validade de prisão efetuada nas dependências do Senado Federal, reconheceu em sua súmula 397 de 03/04/1964 que: "O Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito".

Como se pode observar, a Resolução 59/2002 do Senado Federal, veio apenas regulamentar uma necessidade vislumbrada há muito tempo por nossos constituintes.


3. Origens da polícia no legislativo

As origens da polícia legislativa remontam à Roma clássica, quando já existia uma separação dos poderes, cada qual com suas respectivas polícias. Tal estrutura tinha a finalidade de preservar a independência dos poderes, sobretudo do Senado, que era formado pela nobreza da época e não podia confiar a segurança de seus membros a guardas leais ao imperador. Desta forma ao mesmo tempo em que o Senado mantinha sua Guarda Senatorial, o Imperador possuía o controle e a lealdade da Guarda Pretoriana que funcionava como uma equipe de guarda-costas treinados especialmente para defender e proteger os chefes do Estado romano.

Existia também a figura do Exército Romano, uma das mais importantes instituições daquele império, que tinha como função a defesa do Estado e ser o sustentáculo do poder do imperador, porém, apesar dessa condição de destaque o Exército Romano não tinha autorização para entrar na cidade de Roma.

No Brasil, a primeira polícia nasceu em 1530 por ordem de D. João III, que outorgou a Martins Afonso de Souza uma carta régia para estabelecer, entre outras coisas, a organização de ordem pública. Naquela época, os policiais encontravam-se subordinados a várias autoridades, inclusive ao Senado e à Câmara; desta forma, apesar de não possuir uma polícia própria, o Senado tinha ascendência sobre a polícia e dispunha do apoio dos quadrilheiros2 no policiamento interno e no cumprimento das determinações dos senadores. Com a chegada de D. João VI ao Brasil e a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e Estado do Brasil3, em 1808, o Senado perdeu sua ascendência direta sobre a polícia e passou a contar apenas com o apoio de policiais da Corte na sua segurança.

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As mudanças na segurança do Senado se mantiveram estáveis por muitos anos, a presença da polícia na casa era vista apenas como em função da segurança patrimonial, a visão de proteção do Poder, da instituição Senado Federal não existia. O conceito de segurança dentro do Senado Federal evoluiu lentamente, inicialmente a Casa possuía apenas um serviço de vigilância, que não era especializado e se restringia a controlar o acesso à Casa e resguardar o seu patrimônio, a segurança pessoal dos senadores não era de responsabilidade da Casa, mas de seguranças particulares dos senadores ou de policiais requisitados ou destacados para esta missão.

Com o fim do regime militar e o fortalecimento da democracia, o Congresso Nacional passou a ser um grande fórum de debates, diversos parlamentares e projetos ganharam destaque e despertaram as atenções da mídia e do povo. A Constituição de 1988 ampliou a participação popular na vida política nacional e, desta forma, criou novas demandas para a segurança do Congresso e dos parlamentares. O Senado passou a contar então com um serviço de segurança formado por servidores da Casa e por policiais requisitados de outros órgãos. Porém, apesar da previsão legal, as ações de segurança não eram exercidas por policiais pertencentes ao quadro de servidores da Casa.

Em 1991, foi realizado concurso público para preencher vagas no Serviço de Segurança do Senado – esse foi o primeiro passo para a criação da atual Polícia do Senado. A maioria dos aprovados no concurso citado era formada por detentores de diploma de curso superior, com formação em diversas áreas, tal fato propiciou um amadurecimento da questão "segurança" no Senado Federal, a pluralidade de formações acadêmicas contribuiu para o surgimento de debates internos sobre a estrutura e os procedimentos de segurança, criando assim a necessidade de mudanças e permitindo o início de um processo de modernização. Buscando a profissionalização dos quadros da segurança do Senado, diversos cursos foram ministrados e todo pessoal treinado para melhor servir aos objetivos da Casa.

Com a publicação da Resolução do Senado Federal nº 59/2002 os policiais requisitados foram devolvidos aos seus órgãos de origem e, atualmente, a segurança da Casa e dos parlamentares é exercida exclusivamente por agentes de polícia do Senado Federal.


4. O poder de polícia

O professor Luiz de Oliveira AMARAL define o policial como "um profissional do Direito" (2003, p. 14) e, como tal, sua formação deve refletir esta verdade, para que, no exercício de sua formação o policial possa servir ao cidadão e ao Estado da melhor forma possível. Para que este objetivo seja alcançado, é mister que o conceito de poder de polícia seja compreendido em sua plenitude pois no exercício deste poder o policial caminha sobre uma tênue linha que o separa de um lado da boa aplicação da lei e do outro o abuso de autoridade e, conseqüentemente, do crime.

MAX WEBER afirmava: "o Estado..., reivindica com sucesso por sua própria conta o monopólio da violência física legítima". Essa reivindicação é materializada na polícia, que tem poderes outorgados pelo Estado para impedir, mediante o uso de força física, quando necessário, que outra pessoa utilize o recurso da violência, ou seja, ao Estado pertence o monopólio da violência. Tal prerrogativa não deve ser entendida como uma licença para que os governantes se utilizem da polícia para cometer atrocidades e intimidar a população, e sim como uma ferramenta do estado na manutenção da ordem pública e na garantia dos direitos individuais, sempre dentro de limites legais e em consonância com os direitos humanos. Em resumo, o papel da polícia é tratar dos problemas da sociedade quando sua solução necessite ou possa necessitar do emprego da força.

A definição do que vem a ser poder de polícia não é fácil, por ser matéria abstrata e ampla, que se estende pelos mais diversos campos da vida em sociedade. Mais simples é verificar se um caso em particular se enquadra naquele poder, do que chegar a uma conceituação satisfatória sobre o assunto.

A dificuldade em conceituar o poder de polícia é tratada por CRETELLA JÚNIOR (1999, p. 7) com bastante propriedade:

...concorre para dificultar o assunto, a dualidade reconhecida de concepções a respeito existentes, distinguindo-se a chamada concepção européia continental, bem distinta da concepção norte-americana.

E continua:

Na França, por exemplo, predomina a idéia de proteção imediata da ordem pública, resolvendo-se, pois, a ação policial, em atividade administrativa assecuratória daquela ordem, no sentido de ordem exterior dos fatos, mais que do Direito, pois o conceito de ordem pública, referente aos limites da atividade jurídica dos indivíduos é noção distinta. Esta ordem pública, por exemplo, existe sobre o direito privado, limitando a liberdade de contratar, especialmente em certas esferas (trabalho, serviços públicos). Não é esta a ordem pública que se refere a polícia administrativa.

Sobre o conceito norte-americano CRETELLA JÚNIOR acrescenta:

Nos Estados Unidos, o poder de polícia tem considerável extensão, não se limitando à segurança pessoal contra as vias de Direito, nem à salubridade e moralidade públicas, mas compreendendo também os meios protetores da condição econômica e social dos indivíduos no fomento do bem-estar da comunidade e na regulamentação da vida econômica.

Em sua obra Derecho Administrativo (12 ed., 1968, p. 456), GABINO FRAGA define:

o poder de polícia do Estado é entendido, dentro do direito positivo de muitos países, como o conjunto de atribuições que lhe correspondem para promover o bem-estar por meio de restrições e regulamentações dos direitos do indivíduo, de tal forma que possam prevenir-se ou acautelar-se das conseqüências prejudiciais que sua disposição, em termos absolutos acarretaria para a vida em comum.

José CRETELLA JÚNIOR (1999, pp. 3 e 4) comenta:

...poder de polícia e polícia são palavras que traduzem duas noções relacionadas e interpretáveis, inconfundíveis, porque o poder de polícia é o pressuposto ou antecedente lógico da polícia,... Abstrato, o poder de polícia concretiza-se na polícia, força organizada visível, cuja ação se faz sentir no mundo e no mundo jurídico.

E, após ponderar sobre a dificuldade de conceituar o poder de polícia e de considerar as definições de diversos juristas do direito administrativo, concluiu:

O poder de polícia é a causa, o fundamento; a polícia é sua conseqüência. O poder de polícia é algo in potentia, traduzindo in actu, pela ação policial. Poder de polícia é a faculdade discricionária da administração de, dentro da lei, limitar a liberdade individual em prol do interesse coletivo.

Hely Lopes MEIRELLES (1972, pp. 287-288) nos ensina que:

Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

E continua:

podemos dizer que: o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para deter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado (em sentido amplo: União, Estados e Municípios) detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social e à segurança nacional.

O poder de polícia é fundamentado na norma constitucional e nas normas de ordem pública, onde estão definidas expressamente ou implicitamente faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens ou exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade e a cada restrição de direito individual corresponde equivalente poder de polícia administrativa à Administração Pública, para torná-la efetiva e fazê-la obedecida, isto porque a razão da existência do poder de polícia é o interesse social.

Neste sentido, o do benefício da coletividade, o regimento interno do Senado Federal, bem como diversos atos administrativos da Casa, impõem normas e restrições que cabem à Polícia do Senado fazer cumprir. Como exemplo podemos citar: prover a segurança dos Senadores (Regimento Interno do Senado Federal Art. 9º, II e V); restrição ao acesso e circulação pela Casa e plenários (Regimento Interno do Senado Federal Art. 182 a 185, Ato da Comissão Diretora nº 9/99); fazer cumprir as normas de comportamento durante as sessões (Regimento Interno do Senado Federal Art. 184, Parágrafo único, Resolução do SF nº 94/92) e evitar que pessoas acessem à Casa armadas sem a devida autorização (Regimento Interno do Senado Federal Art. 184, RSF 59/2002, Art. 3º).

A Polícia do Senado Federal também é responsável pelo atendimento às ocorrências policiais registradas nas dependências da Casa e de promover investigações que levem ao esclarecimento dos fatos. É também de sua competência manter um serviço de inteligência capaz de obter, analisar e disseminar informações que possam ter influência sobre o processo decisório ou afetar a segurança da Casa ou de seus membros e servidores (RSF 59/2002, Art. 2º, VII).

Todas estas atribuições eram limitadas, ou mesmo impedidas, pela não regulamentação do poder de polícia no Senado Federal. Assim, a Resolução do Senado Federal nº 59/2003, que regulamentou a Polícia do Senado, foi um grande avanço para as ações de segurança no legislativo, já que fundamenta legalmente a atuação dos policiais do Senado, principalmente no que diz respeito à segurança física do Exmo. Senhor Presidente e dos Srs. Senadores, e, como esses dão suporte para a democracia e federalismo brasileiros, pode-se afirmar, em última análise, que a polícia do Senado Federal também é responsável pela manutenção do Estado democrático.


5. A polícia e a política

Desde a criação das primeiras forças policiais, a política tem feito parte do cotidiano das polícias e das ações policiais, sendo muitas vezes, orientadas de acordo com interesses políticos. Neste sentido, Paul CHEVIGNY (1995, p. 119) afirmou que "a política, no sentido mais exato, tem feito parte da polícia, como a polícia tem feito parte da política".

A existência de influência política nas ações policiais, apesar de ser freqüentemente negada, ainda é muito visível no Brasil. Casos de espionagem, prisões, investigações não oficiais, entre outras ações, são noticiados com freqüência, pela imprensa nacional, como casos de ação policial comandada politicamente.

A interferência política nas polícias é mais nítida nos estados e tem origem no início da República. Com a queda do Império do Brasil, em 1889, grande parte dos poderes centralizados do governo foi transferida para os recém criados estados, entre estes a competência para legislar sobre segurança pública. O governo republicano, em seu primeiro ato legislativo (Dec. nº 01, art. 8º), autorizou aos governos locais, isto é, aos governadores, legislarem sobre a matéria. Esta autorização seria ampliada posteriormente com a promulgação do primeiro texto constitucional republicano.

Sob a República, muitos governos locais aumentaram seu poder com o aperfeiçoamento da polícia estadual. Desta forma restringiam cada vez mais o poder dos senhores rurais e aumentavam seu próprio poder. O raciocínio era de que uma polícia local forte permitiria a quebra da influência política das oligarquias locais e o controle sobre a agitação operária. Em São Paulo, o governador Tibiriçá (1904 – 1908) tinha em mente proteger o estado das investidas do Governo Federal e, em 1906, contratou uma consultoria francesa para treinar sua polícia, tinha em mente criar uma polícia forte capaz de enfrentar, se fosse o caso, tropas federais.

O conflito de interesses entre o Governo Federal e os estados permanece até hoje, e o Congresso Nacional, em particular o Senado Federal, é palco de diversas disputas políticas entres os estados e entre estes e o Governo Federal.

O domínio da polícia é tão importante para os políticos que, nas últimas eleições para governador, em Brasília (2002), houve uma polarização entre dois candidatos ao governo do Distrito Federal, onde um conseguiu o apoio da Polícia Civil do Distrito Federal e o outro o apoio da Polícia Militar. Ocorreram brigas entre integrantes das duas corporações, prisões e acusações mútuas. Tal fato foi amplamente divulgado pela impressa nacional, em particular pelo jornal Correio Brasiliense, que publicou uma série de reportagens sobre o assunto.

O que se vê é que as forças policiais, que não deveriam ceder a pressões de qualquer natureza ou a interesses diversos, acabam renunciando à sua independência em prol das benesses conseguidas, pelas corporações ou por membros destas, em virtude do relacionamento com a máquina política. Por outro lado, a máquina política se beneficia da lealdade da polícia para manter seu próprio poder sobre a oposição e sobre os indisciplinados. James RICHARDSON (1974, p. 46) em um estudo sobre a polícia urbana nos Estados Unidos afirma:

quem quer que dominasse a polícia dispunha de uma fonte importante de clientelismo; podia controlar a entrada em negócios ilegais e seu funcionamento... [tinha controle sobre] negócios lícitos sujeitos à regulamentação pública, como bares, e tinha importante vantagem nas eleições.

O trabalho policial, por essência, deveria ser totalmente isento e desprovido de conteúdo político, porém essa inegável proximidade da polícia com a política nos leva à uma reflexão sobre a independência dos poderes e a manutenção da democracia. Pode uma polícia, pertencente a um determinado Poder, ser totalmente independente com relação a outro Poder?

As polícias no Brasil, com exceção das Polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, são todas ligadas hierarquicamente ao Poder Executivo e desse recebem os policiais seus vencimentos, fazem carreira, tem assistência médica, aposentadoria e todas vantagens oferecidas ao servidor público, do Poder Executivo recebem suas ordens e a ele prestam contas.

A dependência e a subordinação das polícias ao Poder Executivo pode produzir alguns entraves à atuação de outro Poder. Como exemplo temos o relacionamento conturbado entre as polícias e o Poder Judiciário e entre aqueles e o Ministério Público. A chamada "Polícia Judiciária" não possui nenhuma subordinação funcional, administrativa ou disciplinar com o Poder Judiciário, porém, deve concorrer para a Justiça, quando da apuração das infrações penais e sua autoria, no auxílio nas medidas cautelares e de jurisdição administrativa, contudo nem sempre tal função é cumprida com a harmonia necessária, gerando, de parte a parte, reclamações quanto a essa atuação conjunta. O Ministério Público, por outro lado, trava uma guerra árdua com as polícias judiciárias, buscando questionar a competência exclusiva da polícia de conduzir os inquéritos policiais.

Outro fator que deve ser considerado é a interferência estrangeira nos órgãos policiais brasileiros. Tal interferência é notória e, diga-se de passagem, é prática corriqueira de diversos países a ajuda às polícias de outros países em troca de facilidades e de informações.

Os Estados Unidos da América utilizam a ajuda às forças policiais de outros países como parte de sua política externa. Esta forma de cooperação, através do fornecimento de equipamentos e treinamento de policiais, nada mais é do que uma forma de doutrinar e moldar as forças policiais segundo o pensamento do país colaborador e de coletar informações importantes para os interesses daquele país.

Como já comentamos em 1906, o governo de São Paulo contratou consultores franceses para treinar sua polícia. Esses consultores, porém, não vieram ao Brasil apenas com a missão de profissionalizar a polícia paulista, mas também de conter a influência alemã na América Latina e ganhar influência política e ideológica no Brasil, assegurando para a França uma posição privilegiada no comércio com o Brasil.

O fortalecimento da polícia do Estado de São Paulo causou diversos conflitos à época. Os policiais da cidade de São Paulo se revoltaram por estarem sendo desprezados pelo governo estadual. O poder da força pública estadual aumentava de tal forma que causou desconforto nas forças armadas que viram seu papel na proteção da unidade federativa ameaçada. Na década de 1920 a polícia do estado de São Paulo contava com aproximadamente 14.000 homens e o Exército dispunha de apenas 5.675 homens, além disso, a remuneração dos oficiais da Força Pública estadual era melhor, que a de oficiais do Exército (HUGGINS, 1998, pp. 42 e 43).

Atualmente, as polícias do Brasil têm como seu principal parceiro órgãos policiais americanos, que promovem cursos aqui e no exterior, fornecem equipamentos e dinheiro para o pagamento dos gastos das missões efetuadas. Essa parceria tem produzido frutos no combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro em nosso país e, de fato, a natureza global da lavagem de dinheiro requer padrões globais e cooperação internacional para reduzir a capacidade dos criminosos lavarem seus rendimentos e conduzirem suas atividades criminosas. Somente a cooperação internacional vigorosa e prolongada pode colocar em xeque os lavadores de dinheiro.

Os esforços antilavagem de dinheiro, que são projetados para evitar ou limitar a capacidade de criminosos utilizarem ganhos obtidos de forma ilegal, são componentes eficazes e fundamentais de programas de combate ao crime. Porém, tal associação não é isenta de críticas. As revistas Isto é (nº 1551, 23/06/1999 e nº 1729, 21/11/2002) e Carta Capital (nº 205, de 04/09/2002) fazem denúncias de que o DEA (Drug Enforcement Administration), órgão do governo americano de combate ao narcotráfico e a CIA (Central Inteligence Agency), órgão de inteligência do governo americano, atuaram livremente no Brasil, protegidos pelo manto da cooperação policial. Estes órgãos policiais americanos, segundo as denuncias das revistas, têm promovido ações de espionagem, inclusive com gravações de conversas telefônicas do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, e recrutamento e cooptação de agentes policiais brasileiros. Submetendo-os ao teste do polígrafo para determinar quais são os mais suscetíveis aos objetivos americanos.

O uso da estrutura policial, para fins políticos, é fato que também ocorre em terras norte-americanas. Ficou célebre o caso de John Edgar Hoover (1895-1972) que esteve à frente do FBI (Federal Bureau of Investigation), a Polícia Federal norte-americana, por 48 anos e a transformou numa das mais importantes organizações policiais do mundo. Porém, grande parte do poder conseguido por Hoover foi devido a utilização que fazia das prerrogativas policiais para criar e manter arquivos implacáveis contra inimigos ou potenciais adversários.

Considerando todos esses fatores, entende-se a preocupação dos constituintes em possibilitar, às Câmaras do Poder Legislativo, a criação de suas próprias polícias. Uma polícia leal aos objetivos da Casa, não influenciável por questões políticas externas à Casa e com independência financeira com relação a outro Poder.

Neste sentido, a Polícia do Senado Federal ocupa um papel de destaque na proteção dos Senadores e servidores da Casa, na proteção de suas dependências e de seu patrimônio, e na garantia de isenção nas investigações de fatos ocorridos no Senado Federal. Apesar da Casa vivenciar a política diariamente, as ações da Polícia do Senado não estão sujeitas a pressões políticas externas ao Senado Federal. Seus agentes, todos pertencentes ao quadro efetivo do Senado Federal, podem desenvolver suas ações sem a preocupação de pressões ou represálias de outro Poder.

Sobre o autor
Robson José de Macedo Gonçalves

Agente de Polícia da Polícia do Senado Federal, graduado em Processamento de Dados pela Universidade Católica de Brasília e pós-graduado em Direito Legislativo pela Universidade do Legislativo Brasileiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Robson José Macedo. A Polícia do Senado Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 670, 6 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6683. Acesso em: 26 dez. 2024.

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