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A terceirização e a reforma trabalhista no Brasil

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Agenda 13/08/2018 às 09:00

4.Retrocesso social, mecanismos jurídico-retificadores e trabalho decente

Em que pesem os argumentos defendidos por todos aqueles que apoiam o atual regramento, não há como negar que este representa a perda de conquistas trabalhistas históricas, podendo se configurar como um dos maiores retrocessos experimentados pela sociedade brasileira nas últimas décadas. Não está em jogo apenas o próprio Direito do Trabalho, mas todo um projeto social instituído em 1988, com a Constituição Federal.

É claro que, para convencer o público e, principalmente, os trabalhadores, o governo e a mídia utilizam artifícios, mascarados “benefícios”, supostamente trazidos pela nova legislação e, em geral, pelas mudanças recentemente ocorridas no cenário político e jurídico, especialmente nas áreas trabalhista, fiscal e previdenciária.

Dessa forma, afirmam que a aprovação da lei que regulamenta a terceirização é importante por proporcionar aos trabalhadores mais garantias e segurança, podendo gerar mais vagas de emprego e necessidade de especialização do serviço, com disponibilidade de treinamentos e cursos de capacitação.

Restam evidentes as manobras utilizadas pelos apoiadores das novidades e mudanças no regramento do instituto, na tentativa de iludir o trabalhador a acreditar em uma realidade que, possivelmente, não existirá.

Na verdade, a nova legislação caracteriza uma inversão de tutelas e não protege, de maneira pormenorizada, o trabalhador terceirizado, deixando-o vulnerável às imposições econômicas que repercutem no cenário jurídico, como insistente pressão para reduzir os direitos dos trabalhadores.

Isso decorre de uma resposta positiva aos anseios do empresariado, enquanto amplia as margens de atuação da empresa para com o empregado terceirizado, alastrando os efeitos de um instituto que, na sua forma atual, pode trazer ainda mais prejuízos ao trabalhador, precarizando a relação de emprego, com séria mácula aos princípios e direitos esculpidos na legislação trabalhista e nos preceitos garantidos constitucionalmente.

A Carta Magna de 1988, fruto de sucessivas conquistas históricas de um Estado Democrático de Direito, reconheceu a essencialidade do trabalho como um dos mais essenciais instrumentos de afirmação da dignidade do trabalhador, no âmbito humano e social. A nova lei representa, diante de todo o exposto, a precariedade das relações de trabalho.

Não há foco na especialização dos trabalhadores, muito menos capacitação. O novo regramento, apesar de apresentar algumas disposições genéricas acerca das garantias trabalhistas, regulamentará, na verdade, a ilicitude das contratações, por sucessivas terceirizações, que trazem consigo a diminuição de direitos, salários e, no fim, reduzem o mercado consumidor, podendo, inclusive, ao invés de gerar desenvolvimento econômico, causar prejuízos ao país. É flagrante o objetivo do legislador de, num cenário de crise empresarial, desvirtuar a aplicação dos preceitos trabalhistas, em benefício, justamente, da classe empresária.

Apesar das inovações necessárias, é impossível realizar a leitura da lei sem a preocupação decorrente das incertezas por ela trazidas, não só as decorrentes do desconforto natural provocado pelo novo, mas também pelo radical rompimento com a doutrina trabalhista e a negligência a todo o esforço histórico e de construção jurisprudencial, que impôs limites da terceirização. Desta vez, o trabalhador foi praticamente esquecido.

Ademais, a lei, embora regulamente um instituto para o qual não havia regras, não traz soluções palpáveis para os problemas já enfrentados pelos trabalhadores terceirizados. Pelo contrário, com a possibilidade de terceirização irrestrita, demonstra um agravamento da situação, como já foi dito, gerando implicações sociais negativas.

É certo que o legislador não poderia ficar, para sempre, inerte diante da situação preocupante demonstrada pela terceirização, afinal o fenômeno, há muitos anos, já é prática cotidiana, e necessitava de um regramento. Porém, não é através dessa lei e do atual conceito por ela atribuído, que legitima condições precárias de trabalho e a supressão de direitos trabalhistas, tratando-os de maneira genérica e defasada, que se irá conseguir retificar as falhas e compatibilizar o instituto com as normas de proteção ao trabalhador. Dar voz ao retrocesso não é a solução.

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Na lição de Jorge Luiz Souto Maior (2001, p. 327): “Ainda que motivos de ordem econômica reclamem redução do custo do trabalho, este não pode ser atingido passando-se por cima da ordem jurídica. Como se disse, direito e economia podem exercer influência um sobre o outro, mas um não determina o raciocínio do outro.”

Dar voz ao retrocesso certamente não é a solução. Sobre o tema, afirma Lívia Mendes Moreia Miraglia (2008, p; 209): “Sendo assim, é essencial para o trabalhador terceirizado a efetiva aplicação dos mecanismos jurídico-retificadores de isonomia salarial, responsabilidade da empresa tomadora quanto às verbas trabalhistas, enquadramento sindical e, principalmente, o tratamento igualitário (com relação ao empregado efetivo) nas questões concernentes à saúde e à segurança do trabalho”.

Tais mecanismos poderiam viabilizar a prática da terceirização trabalhista nas empresas, já que socialmente ela não pode mais ser extinta, não para sobrepor o trabalhador terceirizado ao empregador ou qualquer outro, mas para assegurar os princípios constitucionais da não discriminação, dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho. A mitigação dos direitos dos trabalhadores terceirizados deve ser coibida e não ampliada.

Assim, propõe-se a isonomia salarial entre o terceirizado e o empregado da empresa tomadora, inseridos numa mesma categoria profissional e com a mesma jornada de trabalho. O não cumprimento desse preceito é uma afronta ao princípio da não discriminação, além da proteção ao trabalhador.

A isonomia é a palavra-chave do tratamento jurídico que deve ser dado ao trabalhador terceirizado, em relação ao empregado permanente da empresa tomadora dos serviços. Tanto em relação aos salários, como quanto a todas as condições referentes ao ambiente de trabalho, o que, repita-se, a lei faz apenas de maneira genérica e sem tratar detalhadamente dos benefícios e das garantias.

A não extensão do direito de isonomia salarial aos trabalhadores terceirizados fere não só importantes pilares do Direito do Trabalho, como também o preceito constitucional da não discriminação.

O mesmo deve ser aplicado para os benefícios fornecidos ao trabalhador, normas de saúde e segurança do meio ambiente de trabalho e tudo isso deve ser assegurado – não somente proposto – solidariamente pelas empresas envolvidas na relação terceirizante, e não apenas nas dependências da empresa tomadora de serviços, mas em qualquer local de trabalho do terceirizado. Tudo isso representa um mínimo de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Na prática, sabe-se que há certa precariedade na situação dos terceirizados, o que fere não apenas princípios constitucionais que vedam a não discriminação e asseguram condições dignas de trabalho, como também as leis da razão e da moral. As condições de trabalho oferecidas atualmente aos terceirizados, são insuficientes para assegurar a sua saúde e segurança mínimas, ainda mais agora, que o trabalhador terceirizado passa a integrar a composição organizacional da empresa tomadora, com a permissão da terceirização irrestrita das atividades.

Não se pode negar aos terceirizados direitos tão essenciais quanto esses, que norteiam a proteção no meio ambiente de trabalho, nem se pode permitir que o trabalhador terceirizado seja utilizado apenas como meio de lucro para o empresário que explora sua mão de obra em condições inferiores e precárias, até mesmo sob pena de mercantilizar o trabalho humano.

Quanto à responsabilidade, ao se aceitar a absurda possibilidade de terceirização das atividades-fim, deve-se aplicar a solidariedade da tomadora. Esse mecanismo visa à proteção e valorização do trabalhador, já que, agora, praticamente todo tipo de terceirização é permitida, com exceção da intermediação de mão de obra, embora a legislação ainda tenha deixado algumas dúvidas sobre a questão. Essa é a única maneira de eliminar práticas terceirizantes ilícitas. Afinal, considerando que a terceirização de toda e qualquer atividade da empresa provoca um distanciamento do trabalhador, apto a facilitar fraudes e práticas ilícitas, assegurar a responsabilidade meramente subsidiária pode assegurar tratamento promocional e favorável às empresas.

E, por fim, quanto à filiação sindical, deve haver uma conscientização de classe, pois é através dela que se formará uma representatividade com força suficiente para lutar pelos direitos inerentes aos obreiros. O enquadramento sindical deve existir para os terceirizados e efetivos da empresa.

Ao permitir o enquadramento do trabalhador terceirizado no sindicato das empresas contratantes, tem-se a melhor realização do princípio da aplicação da norma mais favorável ao obreiro, além do cumprimento da finalidade do Direito do Trabalho, de melhorar as condições e qualidade de vida dos trabalhadores, conferindo eficácia social e efetividade à representação.

De acordo com a doutrina da OIT, o Trabalho Decente é uma condição fundamental para a superação da pobreza, redução das desigualdades sociais, garantia de governabilidade democrática e desenvolvimento econômico sustentável.

Esse conceito era uma proposta antiga da OIT, como revelam os documentos por ela escritos, como a Declaração da Filadélfia e Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, em 1999, a OIT asseverou ter chegado a hora de formalizar tal conceito, declarando que se tratava de uma síntese de sua missão histórica no sentido de promover oportunidades de trabalho produtivo e de qualidade para homens em mulheres, proporcionando a todos liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.

Ressalte-se que esse organismo tem como um de seus objetivos gerais promover os princípios e direitos fundamentais consagrados na sua Constituição e na Declaração da Filadélfia. E o conceito de Trabalho Decente engloba os quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos direitos do trabalho, a promoção do emprego, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.

O Brasil, adotando a doutrina da OIT, comprometeu-se em tornar realidade o Trabalho Decente, o que torna ainda maior a perplexidade e inquietação em relação às inovações legislativas apresentadas. Trata-se da aprovação de uma norma que, além de desestruturar o contrato de trabalho, é traduzida em uma afronta aos princípios basilares do Direito do Trabalho e, como se pode perceber, a compromissos internacionais assumidos pelo país. De fato, há uma violência aos objetivos da OIT para a efetivação do trabalho decente.

Vale ressaltar que o governo Brasileiro lançou, em 2006, a Agenda Nacional do Trabalho Decente – ANTD, a qual se sustenta em três objetivos fundamentais: a) gerar maior número de empregos, de melhor qualidade, baseando-se na igualdade de oportunidades e de tratamento; b) erradicar o trabalho escravo e infantil, sendo que, em relação a esse último, deveria haver o combate a suas piores formas; c) fortalecimento do diálogo social, a fim de permitir uma expressão democrática de governo.

Claramente, o atual regramento não é condizente com alguns dos propósitos traçados e que o Brasil tem o dever de efetivar. Agride o objetivo de gerar maior número de empregos de melhor qualidade e baseando-se na igualdade, bem como não permite o fortalecimento do diálogo social entre empregados e empregadores; este, ao contrário, é enfraquecido.

É essencial ao trabalhador terceirizado a efetiva aplicação de mecanismos que garantam isonomia, tratamento igualitário, enquadramento sindical e a responsabilização da empresa tomadora de serviços. O terceirizado deve e merece ser tratado com respeito e dignidade, não havendo razão para distinções, mesmo porque, com o novo regramento, o número de empregados em regime de terceirização aumentará gradativamente.

O trabalho digno e decente é o único capaz de realizar, efetivamente, a justiça social e a democracia. Para isso, a fiscalização deve ser constante. Não basta que o legislador venha a criar uma lei regulamentadora baseada em princípios trabalhistas, se não houver sua correta aplicação. Com base nisso, é preciso que o legislador corrija as falhas presentes na legislação e efetive a devida proteção ao trabalhador terceirizado.

Sobre a autora
Evellyn Barbosa Rêgo

Servidora Pública. Assessora no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Pós-graduada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Evellyn Barbosa. A terceirização e a reforma trabalhista no Brasil : Uma análise crítica da possibilidade de terceirização das atividades-fim. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5521, 13 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66910. Acesso em: 22 dez. 2024.

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