RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a estrutura do Poder Judiciário Cearense, e identificar os principais fatores que contribuem para a sua morosidade. Analisou-se a história do Judiciário no Estado do Ceará, desde a sua implantação, como se deu, como estava organizado, e as dificuldades presentes no decorrer de sua trajetória. Apresentou-se a atual estruturação do Judiciário Cearense, evidenciando algumas mudanças trazidas pela nova Lei 16.397 de 2017, que modificou a organização judiciária do Estado do Ceará. Por fim averigou-se os números de desempenho do Judiciário Cearense, examinando os índices de produtividade criados pelo CNJ, com o objetivo de identificar os elementos causadores da lentidão processual no Ceará, e após esse reconhecimento, traçar algumas diretrizes de como progredir para o aumento da celeridade processual. Ao final utilizando-se do método comparativo, comparou-se o Tribunal do Ceará ao do Mato Grosso, elencando as disparadidades de desempenho, e apontando os elementos de falha do TJCE.
PALAVRAS-CHAVE: morosidade; produtividade; Conselho Nacional de Justiça; lentidão processual; história do Judiciário.
ABSTRACT: The present paper aims to analyze the structure of the Judiciary of Ceará, and identify the main factors that contribute to it’s slowness. The history of the Judiciary in the State of Ceará was analyzed, since the implantation, how it happened, how was organized, and the difficulties present in the course of its trajectory. The current structure of the Judiciary Cearense was presented, evidencing some changes brought by the new Law 16.397 of 2017, which modified the judicial organization of the State of Ceará. Finally, the performance figures of the Judiciary of Ceará were examined, by looking at the productivity indexes created by the CNJ, in order to identify the factors that caused the process slowness in Ceará, and after this recognition, to outline some guidelines on how to progress to increase procedural speed. Finally, using the comparative method, the Court of Ceará was compared to that Mato Grosso, listing the disparities in performance, and pointing out the elements of failure of the TJCE.
KEYWORDS: slowness; productivity; National Council of Justice; procedural slowness; history of the judiciary.
1 INTRODUÇÃO
As críticas à estrutura judiciária no Brasil, em especial ao tempo de duração do processo, já perduram por muito tempo no País, com a redemocratização em 1988, e a ampliação do acesso a Justiça, o cenário do judiciário que já não era referência em celeridade, se viu sobrecarregado com o grande volume de processos novos, e devido a insuficiência de magistrados não conseguiu suprir essa demanda, contribuindo para o cenário que temos hoje.
Dentro desse contexto encontra-se o Poder Judiciário do Ceará, que como a Justiça em geral não tem uma imagem positiva para a Sociedade, nas palavras do Desembargador cearense Luiz Gerardo de Pontes Brígido, “não tem ainda a imagem que deveria ter, culpa do próprio judiciário”.
Este trabalho tem como objetivo estudar a formação do Poder Judiciário do Ceará, desde os tempos colonias até os dias de hoje, e identificar os principais elementos que contribuem para a morosidade processual no âmbito jurídico cearense.
Através da análise histórica do Judiciário cearense, da sua atual organização, e de seus números de desempenho, busco compreender de maneira objetiva o quão lenta é a justiça no Ceará, quanto tempo em média demora um processo, quais são os elementos e causas que prejudicam a celeridade processual, seria o elevado número de processos cumulado com o número insuficiente de magistrados? Seria o excessivo número de recursos? Seria o baixo desempenho produtivo dos magistrados?
Identificadas as principais causas que prejudicam o funcionamento eficiente do Judiciário Cearense, tento traçar diretrizes a serem seguidas a fim de melhorar o desempenho da Justiça em termos processuais, e melhorar a imagem e a confiança da população cearense no sistema judiciário.
2 HISTÓRIA DO PODER JUDICIÁRIO NO CEARÁ
O sistema judiciário no Ceará se iniciou no final do século XVII, neste período a capitania cearense carecia de um sistema próprio de estruturação política e jurídica. Onde em outros Estados como a Bahia, Maranhão e Pernambuco já haviam ouvidorias e corregedorias responsáveis pela administração judiciária, bem como um Tribunal de 2ª instância sediado na Bahia, a capitania cearense dependia destes Estados para exercer Justiça, fato que inviabilizava muitas vezes o exercício deste direito, devido a dependência de um sistema precário e distante.
2.1 A Justiça Cearense no Período Colonial
O Capitão da capitania cearense, Pedro Lelou, através de apelo ao Rei Dom Pedro II, expôs a situação do Ceará, de insegurança e desordem, na visão dos portugueses os magistrados eram:
[...]os únicos em que se poderia confiar a manutenção da ordem e da própria segurança dos povoadores, levados na falta daqueles serventuários, a usar a força, sem, na verdade, se libertarem dos temores e das agruras das querelas e dos conflitos, pois a violência aumentava continuamente, por efeito dos revides e das vinditas praticadas entre eles. (NOBRE, 1974, p.18).
Diante da situação o Rei Dom Pedro II, ordenou que fosse criada a Vila do Ceará, e em 25 de Janeiro de 1700 foram eleitos juízes ordinários, os quais eram Manuel da Costa Barros e Cristóvão Soares de Carvalho, além destes foram eleitos os vereadores João da Costa Aguiar, Antônio da Costa Peixoto e Antônio Dias Freire, além do procurador João de Paiva de Aguiar. Com esse evento o Ceará teve iniciada sua história administrativa e judiciária, apesar de ter o funcionamento desses órgãos dependência direta da Ouvidoria e Corregedoria do Pernambuco:
A prática mencionada comprova que, em princípio as atribuições das Câmaras constituíam uma delegação da atribuições do representante da justiça, administrada em nome do Rei, através de Ouvidorias, cabendo a presidência daquelas corporações políticas de cada Cidade, ou Vila, precisamente, ao juiz ordinário e, ademais, ficando elas sujeitas às correções do magistrado superior. (NOBRE, 1974, p.19)
Essa espécie de organização administrativo-judiciária não resultou em soluções eficientes para o problema da vila cearense, a situação agravou-se, de forma que a presença do Corregedor da Capitania da Paraíba do Norte, desembargador Cristóvão Soares Reimão, se fazia necessária constantemente na capitania cearense.
Além disso, os magistrados encontravam muitas dificuldades em administrar a justiça na Capitania, devido as dificuldades com o deslocamento pelos sertões. Diante disso, viu-se a necessidade da criação de uma ouvidoria na capitania cearense, entretanto discutiu-se a necessidade da criação de um órgão e não somente da designação de um ouvidor da Paraíba, que ficasse responsável pelo Ceará.
No ano de 1722, foi escolhido o primeiro Ouvidor-Geral e Corregedor do Ceará, e com isso criou-se a Ouvidoria cearense. Ocorreu-se a junção da Provedoria da Fazenda à Ouvidoria, e este sistema perdurou-se no Ceará até o ano de 1799.
2.2 A Justiça Cearense no Império
Após declarada a Independência do Brasil em 1822, inicia-se no dia 03 de Maio de 1823 os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte do Rio de Janeiro, cujo o encargo era de elaborar a Constituição própria do Brasil, onde iria se estabelecer os fundamentos da organização judiciária, com o propósito de atender as expectativas populares em relação à administração judiciária. Por fim a Assembleia Constituinte foi dissolvida e em 1824 foi outorgada a 1ª Constituição do Brasil, que consagrou a divisão de Poderes em Judiciário, Legislativo, Executivo e Moderador.
Foram realizadas várias modificações na organização judiciária pelo Parlamento, Em 1827, criou-se os cargos de juízes de paz, que tinham competência jurídica policial e criminal, em julgamento singular ou junta de recurso. Em 1832 foi promulgado o Código de Processo criminal da 1ª instância, como disposição provisória acerca da administração da justiça civil.
Ainda com essa lei 1832, foi criado o cargo de promotor de justiça, e foram extintos as ouvidorias de comarca e as preexistentes jurisdições criminais e a jurisdição ordinária dos corregedores. Em 1871 a reforma judiciária: “Alterando diferentes disposições da legislação judiciária sobre autoridades, atribuições criminais, prisões, fiança, queixa ou denúncia, recursos, etc”.(NOBRE, 1974, p.58/59)
Ainda que a legislação promulgada estivesse produzindo resultados positivos, a sua eficácia dependia de fatores e estrutura que o Brasil recém independente não possuía. Foram criados diversos cargos jurídicos para atender a demanda populacional, porém só existiam duas faculdades de Direito em todo o Império, formando um número insuficiente de bacharéis para suprir a carência de magistrados, promotores, advogados, e outros cargos da ordem judiciária.
A Constituição Imperial estabeleceu em seu art. 163 a formação do Supremo Tribunal de Justiça, cujas as atribuições compreendiam em:
[...] conceder ou denegar revistas nas causas, conforme a lei; conhecer dos delitos e erros de ofício dos seus Ministros, dos das Relações, dos Empregados no Corpo Diplomático, e dos Presidentes das Províncias; conhecer e decidir sobre conflitos de jurisdição e competência das Relações Provinciais.
[..] o Supremo Tribunal revia o feito e sentenciava. Declarando haver injustiça notória, designava outra Relação para julgá-lo definitivamente. Entretanto, esta era livre de confirmar a sentença revista, que o Supremo Tribunal havia proclamado notoriamente injusta. (NOBRE, 1974, p.60)
A constituição de 1824 estabeleceu em seu art. 158, que em deveriam ser criadas Relações em todas as Províncias do Império, ponto positivo para a província cearense, que poderia agora ter sua autonomia jurídica, ficando desobrigada de ter que recorrer ao tribunal das Relações das outras províncias em matérias processuais e administrativas, tinha como texto “ Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos”.
Apesar de essa previsão ter sido feita no ano de 1824, foi apenas no ano de 1874 que essa obrigação se concretizou, os fatores para isto além de financeiros, eram principalmente da carência de bacharéis para ocupar as funções judiciárias que viriam a surgir, menciona-se ainda que esse retardo tinha como propósito, impedir os liberais adeptos do federalismo de usar essa autonomia jurídica provincial, como argumento para conseguir a autonomia do executivo e do legislativo.
2.2.2 Da Criação do Tribunal de Relação do Ceará
Em 1870, em plena discussão para promulgar mais uma reforma judiciária, iniciou-se uma discussão sobre a necessidade de por em prática a promessa feita no art. 158 da Constituição de 1824, que indicava a criação de tribunais de relações em todas as Províncias do Império. Vários eram os pontos de discussão, sendo o mais argumentado como empecilho para a instauração das relações, a situação financeira em que se encontrava o País na época, o momento era de pós-guerra do Paraguai, onde os cofres públicos não possuíam capital suficiente para arcar com as despesas financeiras que ensejariam da criação dos tribunais.
Ocorre que por outro lado, a necessidade da criação de Tribunais de 2ª instância em determinadas províncias do Brasil, em especial a do Ceará, já era clamada há várias décadas. A falta de um Tribunal de Relação, dificultava a administração judiciária, bem como o exercício do direito de justiça dos cearenses, em razão dos custos e dificuldades com deslocamento para recorrer à 2ª instância das decisões jurídicas no Tribunal de Relação de Recife.
Tentando chegar a um acordo para a criação dos Tribunais, foi sugerido que fosse reduzido o número de desembargadores das Relações já existentes, e distribuídos entre as novas relações os Desembargadores removidos, fazendo assim diminuir-se-iam os custos com a contratação de novos magistrados, e solucionariam também o problema presente em todas as Reformas Judiciárias realizadas, a falta de profissionais habilitados para ocupar os novos cargos. Argumentou-se também que se o momento não permitia o fiel cumprimento do art. 158, ou seja, a criação de Tribunais de Relação em todas as Províncias do Império, deveriam ser criados por hora apenas os Tribunais das Províncias que carecessem mais.
Por fim, após vária sessões nas câmaras dos deputados e dos senadores, o projeto para a criação de novos Tribunais de Relações foi aprovado, determinando a criação de mais sete tribunais: Pará e Amazonas, Ceará e Rio Grande do Norte, Minas Gerias , S. Paulo e Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Mato-grosso e o de Goyaz. Foram reduzidos o número de desembargadores da Relação da Corte à 15 membros, bem como os das Relações da Bahia e Pernambuco que agora contavam com 11 membros cada, as demais relações seriam formadas de 7 membros.
Para decidir quais as Províncias que seriam contempladas primeiro com a criação dos novos tribunais, o Ceará era sempre mencionado, isso se deve a várias razões. A primeira razão é o fato de o Ceará na época ser a sexta província mais populosa do Brasil com 200.000 mil habitantes, além disso, levando em conta a necessidade de uma distribuição espacial mais eficaz, o Ceará tinha “o maior aglomerado humano em todo o setentrião brasileiro, desde a Paraíba e o Rio Grande do Norte.”(NOBRE, 1974, p. 124).
A segunda razão se dava pelo fato de o Ceará possuir uma Geografia que o isolava de certa forma, até mesmo das Províncias limítrofes, com uma comunicação difícil seu desenvolvimento estava comprometido. A terceira razão se deve ao mérito dos representantes cearenses no Parlamento, que “comprovaram sua grande capacidade e exercitaram um tão notável senso jurídico, ao ponto de angariarem influência considerável e de poderem assim, defender com êxito as causas de interesse da terra natal”(NOBRE, 1974, p.124)
2.3 Da Estrutura do Tribunal de Relação do Ceará
No dia 03 de Fevereiro de 1874, foi finalmente inaugurado o Tribunal de Relação da Província do Ceará, com sede na Rua Amélia n.º 38 (hoje Rua Senador Pompeu), tinha como presidente o conselheiro Bernardo Machado da Costa Dória, e como membros os desembargadores: José Nicolau Rigueira Costa, Mateus Casado de Araújo Lima Arnaud, Silvério Fernandes de Araújo Jorge, Manuel José da Silva Neiva, Leovigildo de Amorim Filgueiras, João de Carvalho Fernandes Vieira.
A Secretaria da Relação do Ceará, segundo Lacombe e Tapajós (1986, p. 57), era formada pelos seguintes funcionários: “ um secretário; um amanuense; dois oficiais de justiça; e dois contínuos. O secretário era nomeado por decreto imperial, os amanuenses por portaria do ministro da Justiça, e os demais funcionários eram nomeados pelos respectivos presidentes das Relações.”
No ano seguinte, após requerimentos dos desembargadores, a sede do Tribunal de Relação foi alterada para um prédio na rua Major Facundo , nº 28, onde permaneceu por cerca de 30 anos, até ser transferido para a Rua Barão do Rio Branco, nº262.
A nomenclatura do Tribunal foi alterada em 1890 após a proclamação da República, passando a se chamar de Tribunal de Apelação, entretanto em 1892, voltou a sua nomenclatura original. Em 1921 a Constituição Estadual alterou a denominação do Tribunal para Superior Tribunal de Justiça, que após a promulgação da Constituição Federal de 1934 passou a ser denominado Cortes de Apelação, sendo posteriormente alterada em 1937 para Tribunal de Apelação. Em 23 de Junho de 1947 a Constituição do Estado do Ceará atribuiu ao Tribunal de 2ª instância a nomenclatura Tribunal de Justiça, esta prevalece até os dias de Hoje.
Com a proclamação da República várias mudanças atingiram a organização judiciária cearense, dentre elas a autonomia do Estado do Ceará, passando o Tribunal a constituir o Poder Judiciário do Governo do Estado, entretanto no princípio a União continuou a colaborar com o funcionamento da Justiça Estadual. Ocorreu também nessa época, o desmembramento da Relação do Rio Grande do Norte, que passou a ter seu próprio Tribunal.
O Quadro de desembargadores do Tribunal em termos numéricos, foi alterado pela primeira vez com a Constituição de 1891, o qual foi reduzido para cinco membros. Com a Constituição de 1921 o número foi elevado para seis membros, sendo elevado novamente em 1925 para nove membros. Em 1931 esse número foi novamente reduzido a seis, e após apelo ao Conselho Consultivo do Estado elevado novamente a oito em 1933, entretanto não teve muita duração, pois o quadro foi reduzido a sete só sendo modificado novamente após a redemocratização do País em 1945, criando mais três cargos, totalizando 10 membros.
Esse período de mudanças constantes no quadro de membros do Tribunal, demonstra a instabilidade da administração jurídica no começo do século XX, tendo iniciado a caminhar para uma estabilidade somente quase meio século depois. Entre 1947 até 1956 foram criados cinco cargos de Desembargador no Tribunal, tendo a Constituição de 1967 fixado o número de desembargadores em quinze membros.
O número de membros só veio a ser alterado novamente em 1994, com o advento da Lei Estadual 12.342, Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, o qual determinou que o Tribunal seria composto por 21 desembargadores. Quatro anos depois, em 1998, essa Lei foi alterada pela Lei 12.828, que adicionou duas vagas à composição dos magistrados no Tribunal, sendo esta Lei revogada em 2006 pela Lei 13.813, que fixou esse número em 27.
Atualmente o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará é composto por 43 Desembargadores, devido a reforma do Judiciário Estadual ocorrida em 2009, com a promulgação da Lei Estadual Nº. 14.407, que criou 16 vagas de desembargadores no Tribunal de Justiça.
3 A PROBLEMÁTICA DA MOROSIDADE PROCESSUAL NA JUSTIÇA CEARENSE.
Desde sua instauração, o judiciário cearense sofre com problemas para cumprir suas funções jurisdicionais de forma eficiente, a fim de atender as necessidades da população do Estado. Como já foi exposto nesse trabalho, nos tempos coloniais e durante o Império, os principais impasses daquela época eram a falta de estruturação, a dificuldade com a comunicação e a carência de profissionais habilitados.
Atender a demanda não era um problema para o judiciário da época, o relatório da época mostrando a movimentação do Tribunal de Relação do Ceará mostra que em 1874 foram expedidos 300 acórdãos no total, número este que foi elevado nos anos de 1875 e 1876, contabilizando o número de 363 e 422 acórdãos respectivamente (NOBRE, 1974, p. 190 e 191), um número elevado para os padrões da época, visto que a demanda não era alta, devido a uma população de 721.686 pessoas, segundo o Recenseamento do Brazil feito em 1872, levando em consideração que o acesso à justiça não era para todos.
Hoje o cenário é bem diferente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou direitos e garantias fundamentais, trouxe com isso uma amplitude ao acesso à Justiça. Na década de 1990, a demanda judiciária teve um crescimento acelerado, a estrutura do judiciário não conseguiu atender os novos processos que chegavam e só aumentavam com o passar dos anos, este foi um grande fator responsável pela morosidade processual que se tem hoje não só no Ceará, mas em todo território brasileiro.
Essa sobrecarga no judiciário tem suas possíveis causas citadas pelo Promotor de Justiça Valtércio Pedrosa em seu artigo “A lentidão do Judiciário brasileiro”, relata que o Poder executivo é um dos principais responsáveis pelo exorbitante número de ações que deveriam ter sido resolvidas de maneira administrativas, entretanto em razão de falha por parte do Poder executivo, cabe ao judiciário resolver, é o que mostra a pesquisa do CNJ “os 100 maiores litigantes”, onde os setor público executivo aparece junto com os bancos liderando a lista.
O promotor cita também: a instabilidade legislativa, a constante mudança na legislação dificulta o trabalho dos magistrados, além de provocar insegurança quanto as decisões, instigando um sentimento de cautela nos juízes, desacelerando o processo; a excessividade de recursos, que constantemente utilizados como mecanismo de protelação, citando ainda a falta de mecanismos extrajudiciais que auxiliam para desafogar o judiciário.
Pedrosa menciona ainda o fato de o órgão judicial não ser um órgão de exceção, relata que diversas demandas simples, porém que requerem um tempo razoável de conhecimento para serem processadas, poderiam ser resolvidas de maneira extrajudicial, é o caso de divórcios consensuais, curatelas simples, inventário, cita os casos de jurisdição voluntária, onde não há litígio, questionando a razão de serem casos de judicialização obrigatória:
Um lavrador aposentado morre, deixando um saldo de R$ 300,00 no banco, valor correspondente ao último mês de benefício previdenciário. A viúva terá que contratar um advogado ou procurar um defensor público para requerer ao juiz a autorização de saque. Este, por sua vez, ainda terá que ouvir o promotor antes de decidir. Este processo pode levar meses, sobretudo se no município não houver juiz titular. Isto é racional? Não custaria ter um órgão assistencial do município ou do estado que resolvesse a questão em poucas horas. Até mesmo uma simples resolução do Banco Central determinando às agências bancárias o cadastramento de beneficiários da conta, no caso de morte do titular, evitaria grande parte dessas ações. O máximo que o legislador brasileiro fez foi editar a Lei n. 6.858/80, criando um procedimento desumano e de alto custo para quem acaba de perder um ente querido.[...] No Brasil, o deficiente mental tem direito para reger os atos da vida civil. Em outras palavras, o juiz se guia praticamente pela conclusão de um agente administrativo. Então, qual a razão de se sobrecarregar o judiciário com estas ações a uma renda mensal, nos termos do artigo 20 da Lei n. 8742/93. Necessitando de um curador para ter acesso ao benefício disponível nas redes bancárias, infinitas ações de interdição são ajuizadas só para este fim. Isto não poderia ser resolvido pelos órgãos da Administração, já que não há litígio? Em todos os casos que atuei como promotor, jamais vi uma decisão contrária ao laudo médico que atestou a incapacidade do interditando? Por que a própria agência governamental não conclui o procedimento? O judiciário só deveria ser chamado a decidir quando houvesse litígio, ou seja, quando se quisesse interditar alguém e este alguém não aceitasse.
Havia sobre o Novo Código de Processo Civil uma expectativa grande com relação ao fator celeridade processual, promessas de redução do número de recursos, unificação de prazos e mediação obrigatória, eram algumas das várias mudanças que supostamente mudariam o cenário conturbado do judiciário brasileiro.
Entretanto com a exceção da mediação e conciliação obrigatória, nenhuma das outras mudanças trouxe de forma concreta ainda, nenhuma mudança significativa no tempo de processo, ou na redução do número de novas ações no judiciário, conforme comprova os dados do CNJ “Justiça em números” de 2017.
3.1 Os Fatores responsáveis pela lentidão processual no Ceará
O CNJ realiza um estudo que consiste em coletar dados processuais e administrativos das unidades judiciárias do Brasil, este estudo denominado “Justiça em números” é um grande aliado na busca para tentar entender e combater a lentidão processual, bem como a ineficácia judiciária em resolver os litígios que lhe são submetidos. Diversos fatores são analisados, como produtividade dos magistrados, porcentagem de novos processos, tempo médio de processo, custos com a manutenção do órgão, taxa de congestionamento, entre outros.
Em virtude da importância desse estudo, bem como da importância desses dados na análise da produtividade do órgão jurisdicional, irei utilizá-lo para tentar solucionar o problema da morosidade processual no judiciário cearense, com base nos números, os dados expostos tem como base o ano de 2016 e são retirados da pesquisa do CNJ “Justiça em Números” publicada no ano de 2017.
3.1.1 A produtividade do Judiciário Cearense
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará é classificado como de médio porte, possui 1.540.955 de processos tramitados, possui 455 magistrados ao todo, 6.638 servidores públicos e uma despesa total de 1.069.156.571 reais.
Para calcular a produtividade dos magistrados o CNJ relaciona, o volume de casos baixados e o número de magistrados, formando o IPM, índice de produção dos magistrados, há também o IPS-jud, índice de produção dos servidores, que é calculado relacionando o volume de casos baixados e o número de servidores na jurisdição. Utiliza-se também como análise da produtividade a análise da carga de trabalho, que revela o número de procedimentos pendentes e resolvidos no ano, incluindo não somente os processos principais, como também os recursos internos e os incidentes julgados e em trâmite.
O TJCE tem o menor índice de produtividade dos magistrados de todo Brasil, o número é de 929 casos baixados por magistrado, é um número bem abaixo da média geral brasileira da justiça estadual, que é de 1.773 casos baixados por magistrado, se compararmos ao TJRJ que é o judiciário mais produtivo do Brasil com 3.388, esse número fica ainda mais baixo.
Os números não variam muito quando analisamos a 1ª e a 2ª instância separadamente, o Tribunal se sai um pouco melhor com 947 processos baixados por magistrado, enquanto os juízes de 1º de grau tem 927 processos baixados, considerando que a segunda instância tem uma carga de trabalho de 2.418 processos, bem inferior em relação aos 3.807 dos juízes de 1º grau.
Tendo em vista que o número de processos novos por magistrado no Tribunal é levemente inferior ao número do 1º grau, e considerando ainda que o tempo de análise do processo em nível recursal deve ser bem mais célere que na fase de conhecimento, esse índice de produção do Tribunal torna a sua situação produtiva pior do que a dos juízes de direito, que possuem um IPM bem próximo com uma carga de trabalho e um número de processos novos superiores, encarregados de uma fase processual mais demorada e elaborada, que é a fase de conhecimento.
O IPS-jud tem uma performance melhor no judiciário cearense, apesar de um número menor de servidores, comparando aos outros tribunais de médio porte, o número de produtividade, que é de 100 processos baixados por servidor, se aproxima mais da média nacional, de 147, do que o IPM cearense. Entretanto ainda deixa a desejar, visto que o melhor índice de produção é o dos servidores do RJ e os servidores cearenses estão 115 pontos abaixo, mesmo com uma demanda bem inferior, não se pode culpar apenas a performance dos servidores nesse caso, visto que o número de servidores não é suficiente para a demanda do Tribunal.
Outro fator importante para auferir o desempenho do judiciário é a taxa de congestionamento, que consiste em medir o percentual de processos que ficaram represados sem solução, comparativamente ao total tramitado no período de um ano, quanto maior o índice, maior a dificuldade do tribunal em lidar com seu estoque de processos. A taxa de congestionamento em toda a história do estudo anual realizado pelo CNJ, sempre se manteve alta em todo o País, com variações bem pequenas.
No Ceará esse cenário não é diferente, com uma porcentagem de 74,1%, na média geral brasileira, mostra a falha do judiciário cearense em dar andamento e solução aos litígios que lhes são atribuídos. Com essa taxa, pode-se ver mais claramente o problema da lentidão processual, num sistema onde apenas 25,9% das ações tem solução, deixa a população desacreditada no Poder Judiciário, onde litigar judicialmente torna-se o caminho mais dificultoso e menos eficaz para a solução das lides.
Outro elemento importante no estudo sobre a morosidade processual é o IAD, índice de atendimento a demanda, reflete a capacidade das cortes em dar vazão ao volume de casos ingressados, quando este índice é inferior ao patamar de 100%, há aumento no número de casos pendentes. O IAD do TJCE no ano de 2016 foi de 96,4%, apesar de ser bem próximo do patamar de 100%, ainda está abaixo do mínimo exigido, bem como da média geral estadual que é de 104,5%.
A digitalização do judiciário é tida como um dos fatores essenciais à celeridade processual, pois com essa modernização facilita a sua tramitação, e as burocracias inerentes ao processo envolvendo seus atos, bem como o acesso aos autos pelas partes e pelo magistrado. Não irei adentrar no mérito de se o processo eletrônico traz ou não benefícios concretos a celeridade processual, o fato é que o processo físico é passado, e a modernização é imperativa para o bom funcionamento do Poder Judiciário.
O percentual de casos novos eletrônicos no ano de 2016 no Ceará, foi de 56,8%, número ainda baixo considerando que alguns Estados já possuem taxas de 100%, entretanto esse cenário ocorre somente na 1ª instância, pois o Tribunal tem uma taxa de 100% de processos novos eletrônicos, mostrando já estar adequado ao novo sistema, contra 53% do juízo de 1º grau.
3.2 O Problema da execução
Teoricamente a fase de execução não deveria ser uma fase que demandasse muito tempo do judiciário, afinal não há produção de provas, não exige muito tempo do juiz para conhecer da ação e ter que decidir o direito, há apenas a análise de validade e eficácia do título extrajudicial ou judicial, e a apuração de bens a fim de adimplir a obrigação, ainda assim as ações de execução duram mais tempo que as ações de conhecimento, e são responsáveis pelo elevado número de processos pendentes.
Na Justiça cearense os casos pendentes de execução não são a maioria, como acontece em alguns outros Estados do Brasil, como mostra a média da Justiça Estadual, que do total de processos pendentes 53% são ações de execução, percentual esse que no âmbito da Justiça cearense é de 25%.
Mesmo não sendo maioria nos casos pendentes, a fase de execução tem uma responsabilidade maior pela taxa de congestionamento do judiciário no Ceará, enquanto a taxa de congestionamento líquida na fase de conhecimento é de 73%, na fase de execução essa taxa sobe para 82%, apenas 18% das ações de execução em tramitação no judiciário cearense foram solucionadas.
É um número assustadoramente baixo dado a natureza da ação, isso se deve principalmente “à carência e a insuficiência de meios executivos para satisfazer direitos”, bem como “à burocracia e à formalidade do processo executivo, que se realiza sem atingir os resultados práticos e materiais da execução,[..] haja vista a procrastinação das demandas na intenção de afastar a satisfação do credor”(GOLDSCHMIDT, 2006, p. 23).
É necessário repensar os mecanismos da execução, utilizar esses dados para desenvolver mecanismos a fim de consertar essa dificuldade em resolver as ações, um exemplo disso é a penhora online que consiste no envio de comunicação ao Banco Central, por meio eletrônico, determinando a indisponibilidade de ativos financeiros existentes em nome do executado, para que seja identificado e bloqueado valor suficiente para cumprimento da obrigação, identifica-se a instituição bancária, lavra-se o termo de penhora e em seguida intima-se o devedor (MONTENEGRO, 2018, p. 658).
3.2.1 A Execução Fiscal
Nas execuções fiscais percebe-se a contribuição do Poder executivo no congestionamento processual dos Órgãos do Poder Judiciário, a constante falha em resolver a demanda na via administrativa, acaba por delegar ao Poder Judiciário o encargo de lidar com questões que deveriam ter sido resolvidas, mas falharam por serem de difícil resolução congestionando o judiciário com causas de difícil solução.
O executivo fiscal chega a juízo depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, provocando sua inscrição na dívida ativa. Dessa forma, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas, sem sucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional. Acabam chegando ao Judiciário títulos cujas dívidas já são antigas, e por consequência, mais difíceis de serem recuperadas.
No TJCE são 161.783 execuções fiscais pendentes e a taxa de congestionamento é de 83%. Assim como na execução geral, não é a principal causa da morosidade no judiciário cearense, entretanto é sim um fator que contribui para a lentidão processual, devido a natureza da ação e o longo tempo em caráter pendente.
3.3 A importância da conciliação como auxílio na solução dos processos
O Novo código de Processo Civil de 2015, trouxe em seu conteúdo uma novidade já bastante utilizada pela Justiça do Trabalho, o incentivo à conciliação como forma de resolução do conflito. Com a previsão no Art. 695 do novo CPC, de uma audiência de conciliação e mediação prévia, de caráter obrigatório, vê-se o reconhecimento que se deu a mediação como uma forma rápida e eficaz de solução do litígio. O CNJ todo ano realiza campanhas de incentivo à mediação e conciliação nas unidades judiciária de todo o País, entretanto as manifestações de sentenças homologatórias de acordo, ainda possuem números não tão expressivos quanto se deseja.
No Ceará o cenário é mais promissor, o Estado tem o segundo maior número de CEJUSCs, Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, do País, ficando atrás apenas do Estado de São Paulo com um número de 191 centros contra 112 do Ceará, considerando que a população do Ceará é bem inferior à do Estado de São Paulo, essa quantidade torna-se mais proporcional no território cearense.
De fato os números mostram os resultados do investimento cearense na mediação e conciliação, através de incentivos e estruturação de órgãos especializados, o TJCE é o órgão jurisdicional com maior índice de conciliação do Brasil, onde 25% das decisões proferidas foram decisões homologatórias de acordo, bem acima da média geral que é de 10,9%. Se analisarmos a fase de conhecimento isoladamente, onde há uma maior probabilidade de acordo, esse número sobe ainda mais, totalizando 31%, o dobro da média geral da Justiça Estadual.
Diante desses números promissores da solução extrajudicial de disputa, nos levam a concluir que mesmo com o alto nível de conciliação nas decisões judiciais, a taxa de congestionamento continua alta no Ceará, nos fazendo acreditar que o caminho da conciliação não é tão eficaz quando se é incentivado de forma isolada, sem adoção de outras medidas para combater os problemas da morosidade processual.
3.4 Tempo médio de tramitação processual
Os dados coletados pelo CNJ para tentar traçar uma média temporal de duração do processo, são dados importantes, se não os mais importantes, para visualizar a situação da morosidade do judiciário cearense, a visão e a experiência que se tem com o órgão judiciário nos levam a ter opiniões gerais sobre o tempo de duração processual, porém quando analisados os números vê-se que a maior parte das críticas feitas ao poder judiciário tem fundamento.
O CNJ separou em três categorias o tempo processual que será analisado, os quais são, o tempo médio até a sentença, o tempo médio até a baixa e a duração média dos processos pendentes, escolheu fazer assim justamente para respeitar a dinâmica do processo e tentar ser o mais expressivo possível em seus resultados.
A dificuldade de se calcular o tempo total do processo pode ser explicada a partir da complexidade do próprio dado em análise. Há imensa gama de processos cujo tempo de duração é extremamente exíguo, como aqueles que, verificada a falta de uma condição da ação ou pressuposto processual, ensejam a prolação de uma sentença terminativa sem resolução de mérito, que acaba sendo a única e última a ser computada. Por outro lado, há processos nos quais mais de uma sentença é proferida, como ocorre com aqueles que, submetidos à revisão no 2º grau de jurisdição, voltam ao juízo de origem para prolação de novas decisões.
O tempo médio da sentença é calculado contando do prazo desde a data da protocolização do processo, até a data que foi emitida a sentença, esse tempo na 1ª instância é de 2 anos e 7 meses, abaixo da média geral Estadual que é de 3 anos e 2 meses. Na 2ª instância entretanto, o tempo médio da sentença é de 1 ano e 2 meses, acima da média geral estadual que é de 7 meses.
Se analisarmos separadamente as fases de conhecimento e de execução, verificamos que a média da sentença na fase de conhecimento é de 2 anos e 1 mês, dessa vez a média fica abaixo da média geral estadual, que é de 1 ano e 7 meses, isso demonstra que enquanto na maioria dos Estados a fase de execução é realmente a principal responsável pela lentidão processual, no Ceará não é somente a execução que é responsável pela morosidade, com duração média de 3 anos e 8 meses, mas a fase de conhecimento tem grande parcela de responsabilidade nessa estatística.
Quando analisamos o tempo de baixa, que consiste em apurar o tempo efetivamente despendido entre o protocolo e o primeiro movimento de baixa do processo em cada fase, a situação é ainda mais gravosa. O tempo médio de baixa do processo no 2º grau é de 4 anos e 7 meses, bem abaixo da média geral da Justiça estadual que é de 1 ano, a situação é um pouco melhor no âmbito da Justiça de 1º grau que é de 2 anos e 5 meses, ainda assim números muito altos. Na fase de execução esse tempo médio sobe para assustadores 4 anos e 9 meses
Analisando o tempo médio de duração dos processos pendentes, que representam os processos causadores da elevada taxa de congestionamento, verificamos que a duração média no 2º grau é de 3 anos e 6 meses, 1 ano acima da média geral que é de 2 anos e 6 meses. No 1º grau esse tempo é de 3 anos e 7 meses, abaixo da média geral que é de 4 anos e 10 meses.
Os processos passam mais tempo parados no Tribunal do que com os juízes de 1º grau, considerando que o volume processual é maior na 1ª instância, e que uma ação recursal teoricamente deveria ser mais célere do que uma ação de conhecimento, verifica-se aí mais uma falha do juízo de 2º grau.
Os números na fase de execução são ainda piores, o tempo médio de baixa do processo na fase de execução é de 4 anos e 9 meses, abaixo da média geral que é de 5 anos e 2 meses, enquanto o tempo médio de processos pendentes é de 5 anos e 5 meses, também abaixo da média geral que é de 7 anos e 5 meses.
3.5 Do índice de produtividade comparada da Justiça - IPC-jus
O CNJ desenvolveu um índice que combina os principais pontos que determinam a eficiência dos tribunais, a fim de estabelecer uma comparação entre as unidades judiciárias, e traçar uma porcentagem de desempenho entre os Órgão judiciários de todo o Brasil.
Esse método permite comparações entre tribunais do mesmo ramo de Justiça, independentemente do porte, pois considera o que foi produzido a partir dos recursos ou insumos disponíveis para cada tribunal. A respeito dos insumos, o índice agrega informações de litigiosidade, como, por exemplo, o número de processos que tramitaram no período, bem como de recursos humanos (magistrados, servidores efetivos, comissionados e ingressados por meio de requisição ou cessão) e de recursos financeiros (despesa total da Justiça excluídas as despesas com inativos e com projetos de construção e obras). Como produto, o índice avalia a quantidade de processos baixados. A aplicação do modelo DEA tem por resultado um percentual que varia de 0 (zero) a 100%, sendo essa a medida de eficiência do tribunal, denominada por IPC-Jus. Quanto maior seu valor, melhor o desempenho da unidade, significando que ela foi capaz de produzir mais, com menos recursos disponíveis. Os tribunais com melhor resultado, considerados eficientes, se tornam a referência do ramo de Justiça. Os outros tribunais, por sua vez, são comparados aos mais semelhantes a eles, de forma ponderada. Portanto, o IPC-Jus do tribunal será a razão entre seu desempenho e o quanto ele deveria ter produzido para atingir 100% de eficiência.
O TJCE, obteve o resultado de 65%, abaixo da média que é de 82%, e bem distante do ideal de 100%, nota-se que a eficiência do judiciário cearense deixa a desejar, ficando entre os piores índices do Brasil. Quando analisados separadamente, os juízos de 1º grau e 2º grau não divergem muito, tendo o 1º grau com 65%, se saído um pouco melhor que o segundo com 62%.
O CNJ estabelece ainda uma estimativa de quanto as unidades judiciárias deveriam ter de desempenho para atingir 100% no IPC-jus, no caso do poder judiciário cearense em todos os setores são necessárias melhorias. O IPM (índice de produtividade dos magistrados), que é de 929 processos solucionados por magistrado, tem que ser de 1.425; O IPS-jus (índice de produtividade dos servidores), que é de 82 casos solucionados por servidor, deve ser elevado a 126; E a taxa de congestionamento que é de 74%, deveria ser reduzida a 60%, com essas alterações o IPC-jus cearense seria de 100%.
Mesmo que fossem feitas as alterações para atingir o percentual máximo do índice de produtividade comparada, o judiciário cearense ainda teria baixos níveis de produção e uma celeridade processual baixa, visto que esse índice tem como intuito comparar a produtividade entre as unidades judiciárias brasileiras, cuja a média geral de produtividade não é alta e satisfatória como deveria ser.
3.6 Comparação com outros Tribunais de médio porte.
Para melhor compreender a situação do Poder Judiciário cearense e complementar as razões que o tornam demasiado lento, vou comparar seus dados de desempenho com os de outro Tribunal. Para que o estudo fosse mais eficaz, não poderia escolher um Tribunal de Grande porte com bons índices de desempenho como o Tribunal do Rio de Janeiro por exemplo, pois seu volume processual é muito maior do que o do Tribunal do Ceará, verifiquei então dentre os Judiciários que se saíram melhor no IPC-jus aquele que possuía características mais próximas ao do Poder Judiciário cearense.
Resolvi utilizar o Tribunal do Mato Grosso como parâmetro comparativo, pois seu volume de processos, 1.531.781 processos tramitados, é bem próximo do volume do judiciário cearense, 1.540.955 processos tramitados, além disso o TJMT também é considerado de médio porte.
Com um volume de processos quase semelhante, teoricamente é de se esperar que o desempenho seja parecido, entretanto o que se observa é uma alta discrepância entre o desempenho dos dois órgãos. O primeiro ponto de divergência que se observa é o IPC-jus, enquanto o Poder Judiciário do Mato Grosso tem um índice de 95%, o índice cearense é de 65%, sua performance no 1º grau se distancia ainda mais do índice cearense, pois atinge os 100% enquanto o juízo de 1º grau cearense permanece em 65%.
Analisando índices mais específicos, temos o IPM, índice de produção por magistrado, como principal peça contraditória dentro dessa comparação, o TJMT tem um número de 2.084 processos solucionados por magistrado, enquanto o TJCE tem um número de 929 processos solucionados por magistrado, uma diferença que se acentua ainda mais quando consideramos que o número de magistrados do judiciário Mato-Grossense é de 290, contra os 455 magistrados cearenses.
Claramente percebe-se a falha de produção dos magistrados cearenses, que com 165 juízes a mais soluciona 1.155 processos a menos, com a mesma demanda. Mais um fator que prejudica os números de produção dos magistrados é o fato de que 25% das decisões no TJCE são homologatórias de acordo, contra 14% do TJMT, fator que aumenta a produtividade do TJMT.
A produção reflete bastante no tempo processual, tanto é que o tempo médio dos processos pendentes em 2ª instância no TJMT é de apenas 11 meses, contra 3 anos e 6 meses do TJCE, isto é, o processo passa mais tempo parado, pendente de baixa, no TJCE do que no TJMT, consequência direta da maior produção por parte dos magistrados do Mato Grosso em comparação aos magistrados do Ceará.
O tempo médio de sentença do Ceará em 1ª instância, 2 anos e 7 meses, é menor no TJCE, enquanto que no TJMT é de 3 anos e 2 meses, entretanto não podemos usar esse dado como um ponto positivo a favor da justiça cearense, pois ao analisarmos a carga judiciária por magistrado do TJMT, 6.832, verificamos que o volume é quase o dobro do volume de trabalho dos magistrados cearenses, 3.807, conclui-se que o tempo médio de sentença só é maior na justiça Mato-Grossense, pois seu número de magistrados é inferior.
No âmbito de 2ª instância a carga de trabalho entre os desembargadores dos dois Tribunais é mais próxima, tendo o TJCE um volume de 2.418 processos por magistrado e o TJMT um volume de 2.970, tem-se uma diferença bem significativa no tempo médio de sentença, enquanto no TJCE a sentença em 2º grau demora em média 1 ano e 2 meses, no TJMT a sentença tem um tempo médio de apenas 5 meses, considera-se ainda que o TJMT é composto por 30 Desembargadores, 13 magistrados a menos do que no TJCE.
4 CONCLUSÃO
O propósito desse trabalho foi investigar a evolução do Poder Judiciário Cearense, desde sua instauração nos tempos coloniais, passando pelo Império, onde ocorreu a instauração do Tribunal de Relação do Estado em 1874, fazendo uma breve análise do cenário jurídico no século XX, até os dias de hoje, percorrendo os problemas e as tentativas de solução referentes a cada época, a fim de entender e traçar de maneira objetiva os principais elementos causadores da morosidade processual do Judiciário Cearense.
Analisamos a atual organização judiciária do Estado, a composição da justiça de 1ª e 2ª instância, bem como os órgãos que os compõe, destacando as mudanças feitas pela nova Lei 16.397 de 2017. Discorremos sobre as funções administrativas do Tribunal, e sobre a importância da Corregedoria Geral da Justiça no combate a morosidade processual e na progressão do desempenho das unidades judiciárias.
O foco principal do trabalho foi a análise do estudo divulgado anualmente pelo CNJ denominado “Justiça em Números”, onde são apresentados índices desenvolvidos pelo o órgão, que utilizam os dados enviados pelo Tribunal das movimentações processuais durante o ano analisado, para numerar o desempenho do Judiciário.
A partir desse estudo, averiguou-se que o Estado do Ceará tem o pior índice de produção por magistrado do Brasil, ou seja, os magistrados que menos produzem pertencem ao Judiciário cearense. Esse fator se relaciona com a taxa de congestionamento, que é demasiada alta, e com a duração média dos processos, que apresentam números insatisfatórios.
Concluí que a baixa produtividade é o principal fator responsável, porém não único, pela atual crise do Poder Judiciário cearense, pois todos os outros elementos se ligam diretamente a produtividade do magistrado, e mais importante, podem ser alterados de acordo com o nível de produção do juízo.
Para objetivar o raciocínio de que o tempo processual depende diretamente do desempenho produtivo dos magistrados, comparei o desempenho do Tribunal do Mato Grosso ao do Ceará, onde o tempo médio de pendência do processo em 2ª instância é de 11 meses, contra os 3 anos e 6 meses do TJCE.
Em quase todos os índices de desempenho o Poder Judiciário Cearense teve uma performance inferior ao do Mato Grosso, mesmo tendo um maior incentivo às soluções extrajudiciais disputas, bem como a desjudicialização de conflitos, diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico 2015-2020 do Poder Judiciário do Estado do Ceará.
Firmando ainda mais o entendimento de que o problema é a baixa produtividade, e não a alta demanda para a insuficiência de magistrados, constatou-se que o Ceará tem um número bem maior de magistrados, tanto em 1ª instância quanto em 2ª, e tem uma performance bem inferior, especialmente no órgão de 2º grau.
Além de debater sobre a desjudicialização de conflitos, ou dos implementos tecnológicos na justiça cearense, ou sobre o número excessivo de recursos, é preciso estabelecer planos de produção para o magistrado, tentar identificar a real razão pela qual os faz produzir tão pouco, seria a desmotivação, ou a falta de capacitação, analisar se não seria o caso de adoção de prazos e metas para os juízes e desembargadores, dentre outros elementos que os fizessem melhorar a produção e respeitar um dos valores estabelecidos no plano estratégico do Judiciário Cearense, o da celeridade.
REFERÊNCIAS
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LEGISLAÇÃO
Constituições do Império de 1824.
Constituições Federais de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.
Lei Estadual CE n.º 16.397, de 14 de Novembro de 2017
Lei Estadual CE nº 12.342, de 28 de Julho de 1994
Lei Estadual MT nº 4.964, de 26 de Dezembro de 1985
Lei Federal nº 13.105, de 16 de Março de 2015
Resolução nº05 Plano Estratégico do TJCE 2015-2020, de 23 de Abril de 2015
Regimento Interno da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Ceará, de 14 de Janeiro de 2015.