CONCLUSÃO
As ações ou omissões características da exclusão social e discriminação não ficam adstritas aos cidadãos comuns, elas acabam influenciando também às autoridades, sejam elas políticas, policiais ou judiciárias.
O fracasso da política de guerra contra as drogas é tão evidente que o Brasil está diante de uma discussão cada vez mais aprofundada de descriminalização das drogas. Tema que gera debates que envolvem especialistas de áreas diversas.
O que se conseguiu até hoje com a “Guerra às Drogas” no Brasil foi o aumento do consumo, da violência, da estigmatização e da população carcerária.
Modificar o modo como o sistema repressivo funciona passa por modificar a forma de pensar de seus integrantes, daí a dificuldade da mudança ser efetiva. O direito não deve ser preconceituoso e muito menos ser usado para reforçar a imagem, equivocada, de que a população de classe baixa é composta por indivíduos perigosos e propensos à prática de crimes.
O presente trabalho procurou demonstrar a exclusão social e discriminação na sociedade brasileira. Evidenciando que o processo excludente faz parte da história do país, onde indivíduos são tratados de forma seletiva, e não de forma igual.
Essa desigualdade de tratamento é visualizada também no direito penal, ocasionando na seletividade penal. Onde ocorre a eleição de alguns candidatos à criminalização, indo contra o principio da isonomia, que deve estar presente em todo sistema penal, sem haver discriminação e criação de estereótipos.
Na Lei de Drogas essa seletividade também está presente a partir da discricionariedade resultante da lei, e o perfil dos presos por tráfico demonstrados no trabalho por meio de pesquisas evidencia essa questão. As características dos presos demonstra a seletividade no momento da abordagem policial, assim como, no momento da denúncia do promotor e da sentença do magistrado. Demonstrando que, muito provavelmente, quando alguém pertencente às classes historicamente criminalizadas é abordado com alguma substância ilegal, será preso como traficante, enquanto quem não pertence a classe desses indivíduos, será muito mais facilmente considerado usuário.
O processo seletivo no sistema penal é evidenciado no momento em que as características dos presos se mostram tendenciosas. As ações características das classes dominantes acabam sendo abrandadas, enquanto condutas atribuídas às classes mais frágeis da sociedade são criminalizadas de maneira mais severa. Ocorre então, uma punibilidade seletiva, uma repressão desigual.
A criminalização primária, realizada pelo legislador, é legitimada pela efetivação da criminalização secundária, exercida pela polícia e pelo poder judiciário.
A falta de objetividade na redação do parágrafo 2º do artigo 28 da Lei 11.343/06 acaba colaborando, sim, com a seletividade penal. Visto que a subjetividade presente no artigo deixa espaço para a discricionariedade no momento da abordagem policial, e também no momento da denúncia e julgamento.
Essa discricionariedade e seletividade são evidenciadas por meio dos números demonstrados em pesquisas penitenciárias demonstrando que o perfil da maioria dos presos é o das classes sociais mais baixas, não-brancos e com pouca instrução escolar. Indivíduos, portanto, que são historicamente perseguidos e excluídos em nossa sociedade.
NOTAS:
¹ Entrevista concedida ao site G1, na reportagem nomeada como “COM A LEI DE DROGAS, PRESOS POR TRÁFICO PASSAM DE 31 MIL PARA 138 MIL NO PAÍS”. Nessa reportagem se encontram as falas do jurista Pedro Abramovay, assim como de Maria Tereza Uile Gomes. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/com-lei-de-drogas-presos-por-trafico-passam-de-31-mil-para-138-mil-no-pais.html> Acesso em: 06 de Maio de 2016.
² Os dados trazidos com relação a população carcerária no Brasil estão presentes no relatório da INFOPEN. No relatório encontram-se gráficos, tabelas e outros meios de divulgação dos dados apurados na pesquisa sobre os presos e seus perfis. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf> Acesso em: 15 de Maio de 2016.
³ O Banco de injustiças é uma iniciativa para debater a carência de princípios básicos constitucionais na Lei 11.343/06. Disponível em: < http://www.bancodeinjusticas.org.br/> Acesso em: 12 de Maio de 2016.
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