1 INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico em matéria tributária é caracterizado por um emaranhado de emendas constitucionais, leis ordinárias, leis complementares, medidas provisórias e resoluções que por vezes trazem informações desencontradas e até contraditórias, fazendo com que o operador do Direito tenha que fazer uma verdadeira ginástica mental e legislativa para transitar no universo dos tributos.
Os tributos podem ser classificados em: imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social e empréstimo compulsório. Por sua vez, as contribuições sociais podem ser divididas em três grupos: as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e as contribuições da seguridade social.
As contribuições sociais são caracterizadas pela sua destinação, financiando a atuação da União no setor da ordem social. Dentre as diversas contribuições sociais existentes elegeu-se a COFINS para tentar elucidar e aclarar alguns de seus pontos controversos.
A cobrança da COFINS está na pauta das discussões atuais por haver sofrido diversas alterações recentemente, dentre elas destaca-se a modificação do sistema de cobrança, que passou de cumulativo para não-cumulativo mas em contrapartida, aumentou a alíquota.
O aumento na alíquota da COFINS imprimiu um forte impacto na carga tributária, que o contribuinte é obrigado diuturnamente a suportar, fazendo com que o ônus alcance os limites da inviabilidade do prosseguimento da atividade empresarial. De outro lado, significou um alargamento da arrecadação da União, engordando ainda mais os cofres públicos.
A majoração da alíquota é questionada por todos os advogados tributaristas. Ninguém fica satisfeito quando isso ocorre, com exceção do Governo Federal. É característica própria dos tributos em geral a sua compulsoriedade, ou seja, devem ser pagos independentemente do desejo dos contribuintes. Entretanto, os questionamentos e as irregularidades serão analisados à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob pena de tornar inócuo o estudo.
De pouca valia é questionar e insurgir-se contra as medidas adotadas pelo Governo se não há embasamento na Suprema Corte, dado que todas as ações acabam sendo decididas em última instância no Supremo Tribunal Federal. Por isso todos os argumentos pela inconstitucionalidade da cobrança da COFINS são derrubados pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, em que pese uma luta incansável e criativa dos doutos patronos.
A seguridade social conforme disposição constitucional deve ser financiada por toda a sociedade, seja de maneira direta ou indireta, assim a cobrança de contribuição social está perfeitamente prevista no ordenamento, podendo ser questionada alguma irregularidade pontual, mas dificilmente terá êxito, se apenas se insurgir contra a sua existência, dado que é uma necessidade "constitucionalmente prevista".
Buscou-se principalmente no entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da COFINS os fundamentos e delimitações do presente estudo, por ser este o Guardião Supremo da Constituição Federal que por sua vez é a base e razão de todo o ordenamento jurídico nacional.
Alguns argumentos pleiteando a inconstitucionalidade da COFINS serão expostos ao final do trabalho, entretanto, buscar-se-á desconstituir tais argumentos, pugnando-se pela constitucionalidade da referida contribuição social frente ao ordenamento vigente.
2 DOS TRIBUTOS
Na definição contida no Código Tributário Nacional, será possível delinear os requisitos necessários para que se configure o tributo. Daquela definição, Sacha Calmon, destacará seus elementos: a) prestação; b) pecuniária; c) compulsória em virtude de lei; d) que não seja sanção de ato ilícito; e) administrativamente cobrado." (1)
Sempre que em determinada relação jurídica estiverem presentes estes elementos pode-se afirmar que se trata de uma relação jurídica tributária.
O iminente jurista Paulo de Barros leciona que o vocábulo tributo tem seis significações diversas na doutrina e na jurisprudência, destacando-se:
a) tributo como garantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; f) tributo como norma, fato e relação jurídica. (2)
Posteriormente, Barros, comentando a definição dada pelo Código Tributário Nacional explicita que: "esse sentido quer exprimir toda a fenomenologia da incidência, desde a norma instituidora, passando pelo fato concreto, nela descrito, até o liame obrigacional que surge à luz com a ocorrência daquele evento" (3)
Para Hugo de Brito, aclara da inutilidade de conceituar tributo dado que sua conceituação encontra-se na lei e destaca a importância da expressão "toda prestação pecuniária" pois busca assegurar ao Estado os meios materiais para a persecução de seus objetivos:
Assim, já agora se mostra de nenhuma utilidade, no plano do direito positivo vigente, o exame dos diversos conceitos de tributo formulados pelos juristas e pelos financistas. Prevalece o conceito legal, resta apenas analisa-lo, examinando os seus diversos elementos. (...) Note-se, porque relevante, que o tributo é toda prestação pecuniária que atenda aos demais requisitos da definição legal. Esta observação é importante para a determinação da natureza jurídica de certas imposições, como as contribuições parafiscais, por exemplo. (4)
A imposição do tributo e sua cobrança serão sempre compulsórias, não cabendo ao contribuinte discutir se deseja ou não pagar, a compulsoriedade da prestação tributária é inerente ao próprio tributo, caracterizando-se pela ausência do elemento volitivo no suporte fático da incidência da norma impositora, a obrigação tributária surge mesmo que o contribuinte não queira.
A vinculação na cobrança do tributo ficou bem delimitada nas lições de Paulo de Barros:
De qualquer forma, ressalta, claro, do conceito de tributo que a cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios estabelecidos na lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano e deixa de cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é devido nos termos da lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido, também nos termos da lei, e neste caso não será cobrado. (5)
Na mesma toada explana Misabel Derzi ao prescrever que: "os tributos nascem de pressupostos que descrevem sempre fatos lícitos, que são independentes do consentimento do obrigado." (6)
Os tributos são divididos em espécies, existe muita discussão na doutrina quanto ao número de espécies, para alguns juristas os tributos se dividem em dois: imposto e taxa, é a denominada concepção bipartite (7); para a corrente tripartite (8), os tributos são imposto, taxa e contribuições; a corrente que defende a divisão em quatro espécies (9) assim o faz: imposto, taxa, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios; a classificação mais completa (10) entende que os tributos são: imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social e empréstimo compulsório.
Para o estudo da COFINS, a concepção qüinqüipartida é a que melhor se adequa por classificar a contribuição social como uma espécie separada das demais espécies de tributo, evitando-se confusões com outra espécie.
2.1 DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
As contribuições sociais estão previstas na Constituição Federal no Título VIII ("Da ordem social"), onde se afirma o primado do trabalho e se encontram os objetivos do bem-estar e da justiça social.
A seguridade social, tratada no Capítulo II do mesmo título, é financiada por contribuições sociais e ainda por recursos dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
As contribuições sociais podem ser divididas em três grupos: as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse de categoria profissionais ou econômicas e as contribuições da seguridade social.
As contribuições sociais são caracterizadas pela sua destinação, financiando a atuação da União no setor da ordem social. Luciano Amaro (11) elucida bem a destinação das contribuições:
É a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado.
A destinação específica da contribuição social não se confunde com a referibilidade ao contribuinte e nem com o usuário do benefício da Seguridade. O contribuinte pode ou não utilizar os serviços da Seguridade, dependendo da ocorrência de determinados eventos, entretanto existem situações em que o beneficiário da Seguridade jamais contribuiu e ainda assim usufrui benefícios.
Os denominados carentes recebem benefícios pelo simples fato de terem baixa renda e por questão de justiça social, não precisam ter contribuído com o sistema da Seguridade para usufruir os serviços. É o lado assistencial da Seguridade Social.
As contribuições sociais se enquadram no conceito de tributo porque devem obedecer ao regime jurídico tributário e por expressa previsão legal (12) limitam-se aos princípios da legalidade e da irretroatividade. Celso Antônio explana acerca do regime jurídico assim:
Entende-se por regime jurídico o sistema de princípios e normas que disciplinam e regulam um objeto no direito. Para encontra-lo é via idônea tanto a perquirição do próprio sistema normativo como o conjunto das leis, quanto o exame da natureza peculiar do instituto examinado, uma vez que esta se define através das categorias jurídico-positivas e lógico-positivas. (13)
É da essência do regime jurídico específico da contribuição para a Seguridade Social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto da arrecadação, mas o vinculo estabelecido pela própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, na figura do contribuinte.
As contribuições sociais possuem função parafiscal ou extrafiscal. As contribuições da seguridade social "destinam-se a suprir de recursos financeiros entidades do Poder Público com atribuições específicas, desvinculadas do Tesouro Nacional, no sentido de que dispõem de orçamento próprio." (14).
Essas contribuições são compulsórias e se enquadram no perfil do art.3.º do Código Tributário Nacional. Sua natureza jurídica é determinada pela destinação do produto da arrecadação, além do que, há o orçamento próprio da seguridade social, que juntamente com o orçamento de investimento das estatais e o orçamento fiscal da União, integra o orçamento anual (art.165, § 5.º), de sorte que estes três orçamentos se integram.
A Cofins que será objeto de análise por este trabalho se enquadra como sendo contribuição da seguridade social. Hugo de Brito explanando acerca do orçamento das contribuições da seguridade social define que:
O orçamento da seguridade social não se confunde com o orçamento do Tesouro Nacional, e sua execução não se constitui atribuição do Poder Executivo, posto que a seguridade social há de ser organizada com base em princípios constitucionalmente estabelecidos, entre os quais destaca-se o "caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados" (art. 194, parágrafo único, inc. VII). (15)
Em outra passagem Hugo de Brito assevera o entendimento sobre a destinação das contribuições da seguridade social:
As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a seguridade social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social com fundamento no art. 195 da Constituição Federal indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a seguridade social viola a Constituição. (16)
As contribuições sociais são de competência exclusiva da União, podendo excepcionalmente, tais contribuições da seguridade social serem instituídas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios desde que essa contribuição seja destinada a financiar institutos de previdência e de assistência social dos próprios servidores e que seja usufruído em seu benefício. (17)
As demais contribuições da seguridade social são de competência privativa da União, devendo ser cobrada daqueles que não se enquadram na concepção de servidor público.
Cumpre salientar que competência tributária é distinto de capacidade tributária, a primeira se refere a capacidade de legislar em matéria tributária; e a segunda é de caráter administrativo e diz respeito a arrecadação e fiscalização. (18)
A competência para instituir é privativa da União, mas a arrecadação deve obrigatoriamente ser realizada por pessoa distinta da União Federal, podendo apenas ela figurar na relação tributária como sujeito ativo. Conforme dispõe Souza Neves: "(...) face à autonomia administrativa, gestora, contábil e orçamentária da seguridade social, a constituição cassou a capacidade tributária ativa da União para arrecadar e administrar as contribuições sociais, destinadas ao custeio dos órgãos de seguridade social." (19)
Em regra, os tributos são arrecadados pela pessoa jurídica pública que é a pessoa tributante por natureza (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), nada impedindo que outra pessoa diversa da instituidora da exação possa arrecadá-la. Basta que esta persiga finalidades públicas ou ao mesmo de interesse público.
Esse fenômeno de arrecadação por parte de ente político diverso do ente tributante por natureza, dá-se o nome de parafiscalidade, e o tributo assim é denominado de contribuição social parafiscal.
Acerca da parafiscalidade afetas às contribuições, Paulo de Barros explicita que por vezes a lei que instituiu o tributo indica sujeito ativo diverso daquele que detém a respectiva competência, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos angariados para a persecução de seus objetivos peculiares. (20)
As contribuições, ao contrário dos impostos, funcionam como sustentáculos dos encargos paralelos da administração pública direta, fazendo valer sua verdadeira função, que é nitidamente parafiscal.
Não tendo como base as condições pessoais do contribuinte, tais como os impostos, as contribuições sociais não podem ser contempladas com o princípio da capacidade contributiva, visto que a dimensão dessa dependerá da necessidade da categoria social a que se destina, e não da análise pessoal do contribuinte.
A COFINS em respeito à sua natureza tributária, não permite a aplicação da graduação conforme os ditames do princípio da capacidade contributiva, visto que esta, conforme norma constitucional, é dirigida tão somente aos impostos, que possuem natureza pessoal. Enquanto as contribuições possuem caráter real, lançadas em função da matéria tributável.
Souza Neves defende a aplicação do princípio da capacidade contributiva nas contribuições previdenciárias através do princípio da solidariedade, dado quem possui maior quantidade de recursos deverá contribuir com mais, para compensar aqueles que nada possuem e estes últimos possam gozar de benefícios mesmo sem contribuir:
Essa solidariedade não advém de mero altruísmo da sociedade ou do legislador, mas de uma diretriz constitucional que deve ser por todos obedecida. Por esse motivo a CF/88 determinou que pelo princípio da solidariedade as pessoas com capacidade contributiva (signos presuntivos de riqueza) contribuam com quem nada possui. (21)
No ato da contribuição não é possível vincular cada pagamento ao contribuinte individualizado que efetuou o depósito, pois o valor da contribuição é vinculado a um fundo anônimo de recursos e a um número determinável de beneficiários.
No caso da COFINS, o valor pago pelas empresas reflete a solidariedade como manifestação da responsabilidade perante o risco social, nesse não há retorno direto da contribuição como no caso do contribuinte pessoa física. (22)
3 HISTÓRICO DA COFINS
A Contribuição ao Financiamento da Seguridade - COFINS - foi instituída pela Lei Complementar nº 70 de 30 de dezembro de 1991, que veio a substituir a antiga contribuição denominada FINSOCIAL, que foi instituída pelo Decreto Lei 1.940 de 25 de maio de 1982.
O FINSOCIAL (Decreto-lei n.º 1.940/82) foi instituído com a alíquota de 0,5% determinada a financiar investimentos como educação, habitação popular, saúde e amparo ao pequeno agricultor.
Para as empresas que prestavam serviço, o valor era de 5% sobre o Imposto de Renda devido ou como se fosse. O Supremo Tribunal Federal declarou estas contribuições como impostos inominados, abrangidos pela competência residual da União (RE n.º 103.778-4-DF, DJU, de 13-12-81).
O FINSOCIAL foi recepcionado como contribuição destinada à seguridade social a partir de 1988, com a Constituição Federal, conforme o art.56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A COFINS tem como fato gerador o faturamento das pessoas jurídicas, onde para fins de base de cálculo da referida contribuição o conceito legal de faturamento foi definido pela Lei Complementar nº 70/91 (23), em seu art. 2º, como sendo a receita bruta decorrente da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.
Posteriormente, o Poder Executivo em 29 de outubro de 1998, editou a Medida Provisória nº 1.724, que foi convertida na Lei nº 9.718 em 27 de novembro de 1998, que ampliou a base de cálculo da COFINS, dando novo conceito de faturamento, não obstante, em princípio, a falta de previsão constitucional para tanto.
A Lei nº 9.718/98, também elegeu como base de cálculo da COFINS o faturamento das pessoas jurídicas. A referida norma legal alterou o conceito de faturamento ampliando-o, definindo como faturamento/ receita bruta a totalidade das receitas auferidas, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas, sendo que este "aumento" na base de cálculo da COFINS se deu através da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998, que acabou por dar uma nova redação à letra b do inc. I do art. 195 (24) da Constituição Federal.
Em 29 de agosto 2002, foi publicada a Medida Provisória nº 66/02, que estabeleceu, dentre outras providências, a não-cumulatividade da Contribuição ao Programa de Integração Social - PIS, bem como majorou a alíquota da exação para 1,65% (um por cento e sessenta e cinco décimos), que previa que tal sistemática seria estendida para a COFINS até 31 de dezembro de 2003.
Em 11 de janeiro de 2003, a Medida Provisória nº 66/02 foi convertida na Lei nº 10.637/02 posteriormente alterada pela Lei nº 10.684 de 30 de maio de 2003. Estabelecendo, assim, a não-cumulatividade da Contribuição ao PIS.
Em 30 de outubro de 2003, com o intuito de antecipar a reforma tributária, o Executivo Federal editou a Medida Provisória nº 135 que foi convertida na Lei nº 10.833, em 29 de dezembro de 2003 a qual alterou, entre outras disposições, a forma de apuração da COFINS.
A alteração de um conceito legalmente definido para fins tributários somente pode ocorrer se estiver em pleno acordo com os princípios e diretrizes traçadas em nossa Constituição Federal, norma máxima que fixa as regras matrizes das hipóteses de incidência tributária.
Caso fosse a intenção do legislador infraconstitucional que a COFINS recaísse sobre todas as receitas da pessoa jurídica, deveria ter elegido somente conceito de receita, muito mais abrangente do que o conceito de faturamento previsto na da Emenda Constitucional nº 20/98.
O mencionado dispositivo constitucional autoriza que a Contribuição ao PIS e a COFINS incida sobre receita ou o faturamento e não receita e faturamento como expresso nas Leis nºs 10.833/03 e 9.718/98, assim, eleito um dos critérios o outro é automaticamente excluído.
Assim, apesar de existir autorização constitucional para instituição da COFINS sobre "a receita", o legislador optou pelo conceito de "faturamento", que foi ampliada pelas Leis nº s 10.833/03 e 9.781/98.
O próprio conceito de faturamento é um conceito comercial, ou seja, é decorrente do ato de emitir faturas. E quem é autorizado pela legislação comercial - Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968 a emitir faturas é o comerciante (que pratica atos de comércio), pois somente ele pode emitir o título de crédito denominado duplicata.
Nos termos do que dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional, a Legislação Tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o conceito utilizados no Direito Privado.
Pode-se entender que a Lei em tela simplesmente comete uma atecnia ao definir faturamento como receita, ou seja, o legislador despreocupado com o rigor técnico no que tange o sentido semântico dos institutos, utiliza "faturamento" como sinônimo de "receita bruta", e desta forma não comete nenhuma ilegalidade, deixando ao encargo do cientista do direito a tarefa de extrair dos enunciados prescritivos o verdadeiro sentido da norma jurídica promulgada.
Existem várias disposições constitucionais que são conceitos abertos cabendo ao interprete e em última análise compete aos Tribunais definir a interpretação desses conceitos.
Quando uma Constituição é criada vislumbra-se a sua perpetuação no tempo. Para isso, é necessário que se utilize conceitos que permitam acompanhar a evolução da dinâmica da sociedade, pois se todos os conceitos fossem estanques e imutáveis na Constituição, sua duração seria muito efêmera por tornar-se inadequada em poucos anos.
A Lei nº 10.865/04, fruto da conversão da Medida Provisória nº 164/04, alterou a base de cálculo do PIS/COFINS não-cumulativo, entretanto a referida Medida Provisória só tratava do PIS/COFINS na importação.
O fato gerador do PIS/COFINS é o faturamento mensal, que compreende a receita da venda de bens e serviços e todas as demais receitas auferidas pela sociedade, permitindo algumas deduções da base de cálculo, tais como as vendas canceladas, os descontos incondicionais, as receitas não operacionais, dentre outras causas.
A alíquota aplicável à base de cálculo no caso da COFINS sofreu uma elevação de 3% para 7,6%, e no caso do PIS passou de 0,65% para 1,65%. Em ambos os casos houve um aumento de aproximadamente 153,33%. Apesar do aumento da alíquota para o contribuinte, o legislador pretendeu acabar com a cumulatividade dessas contribuições, que oneravam demais a cadeia produtiva.
Na teoria o contribuinte poderia minimizar o impacto do aumento da alíquota através do aproveitamento de créditos sobre aquisições de bens e serviços necessários à atividade da empresa e de algumas despesas que o legislador determinou, como insumos sobre as despesas de leasing/arrendamento mercantil e energia elétrica.
A Lei nº 10.865/04, diferentemente do que previam as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, retirou o direito ao crédito sobre determinadas despesas, quais sejam:
a)As despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos não geram mais crédito ao contribuinte;
b)As despesas de depreciação e amortização de bens adquiridos, até 30 de abril de 2004, só geram crédito até 1º de setembro de 2004;
c)Somente as despesas de depreciação de bens adquiridos a partir de 1º de maio é que geram crédito ao contribuinte. Por opção do contribuinte o cálculo da depreciação poderá ser realizado no prazo de 4 anos, a razão de 1/48 ao mês;
d)As despesas de depreciação de bens reavaliados, não geram direito a crédito; e,
e)As despesas de aluguel ou arrendamento mercantil de bens ou direitos que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica não geram crédito.
Os créditos gerados pelo contribuinte não representarão receita bruta tributável pelas contribuições, não será passível de atualização monetária, nem da incidência de juros SELIC.
Em princípio, a sistemática não-cumulativa do PIS/COFINS, não abrange: pessoas-jurídicas que apurem o imposto de renda trimestral, com base no lucro presumido ou arbitrado; microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo SIMPLES; sociedades imunes a impostos; operadoras de plano de saúde; securitizadoras de crédito; instituições financeiras; órgãos públicos; autarquias e fundações públicas; as receitas decorrentes dos serviços de telecomunicações; dentre outras.
O legislador acabou, a exemplo da Lei nº 10.833/03, privilegiando alguns setores da economia em detrimento de outros que tiveram uma majoração em sua carga tributária.
A Lei 10.833/03 previa que cento e vinte dias após a sua publicação, o Poder Executivo deveria encaminhar ao Congresso Nacional Projeto de Lei prevendo a substituição parcial da contribuição previdenciária a cargo da empresa, incidente sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho, em contribuição social incidente sobre receita bruta, observando-se o princípio da não-cumulatividade.
A sistemática não-cumulativa da COFINS apesar de ter sido instituída sob o fito de desonerar a cadeia produtiva, o que era uma luta de muitos contribuintes, deve ser analisada com certa desconfiança, pois, em alguns casos, isso tem representado um efetivo aumento na carga tributária.
É o que ocorre com as empresas prestadoras de serviços, cujo maior custo é a folha de salários, bem como as empresas do início da cadeia produtiva, que estão recolhendo o PIS/COFINS em valor maior, tendo em vista a falta de base para formação de crédito em valor relevante.
O termo utilizado é não-cumulativo, mas na prática o contribuinte tem direito a um crédito presumido/prêmio de PIS/COFINS. Se fosse um sistema não-cumulativo, como o do ICMS/IPI, o contribuinte teria direito ao crédito de todo o valor pago nas contribuições do PIS/COFINS que foi pago na cadeia anterior, quando do pagamento de uma despesa ou item do seu custo, sendo que seria recolhido apenas o efetivo valor agregado.
O legislador ao vedar o direito ao crédito do contribuinte como o fez em algumas situações que deveriam dar direito ao crédito, como no caso das despesas administrativas e de vendas, acabou majorando a carga tributária, pois o contribuinte é obrigado a manter esses gastos para realizar sua atividade operacional, e não seria justo não ter direito ao crédito sobre esses valores.
O custo tributário desses aumentos acaba sendo suportado pelo consumidor final, pois dentro da cadeia produtiva é ele que arca com o ônus dessas modificações.
Uma das grandes discussões que norteiam as contribuições da COFINS e do PIS é acerca da cumulatividade das duas contribuições dado que ambas incidem sobre a mesma base de cálculo.
O professor Rubens de Souza leciona que no caso em tela não há que se falar em cumulatividade:"(...)não há bitributação posto que só pode ocorrer bitributação entre dois impostos e no caso presente estamos diante de um caso de bis in idem previsto constitucionalmente." (25)
No tocante ao processo legislativo a questão pontual se refere a hierarquia das leis e a miscelânea jurídica que o legislador realiza em matéria tributária.
Ocorre que cada matéria exige um determinado tratamento jurídico, e deve-se observar o disciplinamento de cada matéria no texto constitucional, ou seja, se para um assunto específico a Constituição estipular uma espécie normativa, não poderá outra regulamentar o tema.
3.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AFETOS
A COFINS sofre influências e deve obedecer aos seguintes princípios constitucionais em especial: legalidade tributária e anterioridade.
A legalidade tributária também é denominada tipicidade fechada ou estrita legalidade tributária. Reza este princípio que o tributo pode ser realmente cobrado deste que estejam presentes dois requisitos: somente a lei pode criar o tributo, e esta lei criadora deverá conter todos os elementos necessários para que ocorra a tributação, através de uma descrição completa do tributo (qual o valor, quem deve pagar, quando e para quem deve ser pago, dentre outros).
A Constituição é explicita ao dizer que nenhum tributo será instituído ou aumentado sem que seja mediante lei. Hugo de Brito expõe seu entendimento da seguinte maneira:
Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (Fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária. (26)
Luciano Amaro conclama os ideais existenciais da legalidade tributária: "(...) o princípio é informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos." (27)
A legalidade não é apenas uma autorização para que o Poder Legislativo atue, deve formular a lei definindo de modo taxativo as situações passíveis de tributação e também os critérios de quantificação do tributo, ou seja, deve trazer todos os aspectos pertinentes ao fato gerador e à mensura do tributo em cada caso concreto.
Essa pormenorização do tributo na lei criadora se faz necessário, pois são vedadas a interpretação extensiva e a analogia na cobrança dos tributos devendo, portanto o legislador prever todas as hipóteses de incidência previamente.
Em regra a lei a que se refere o princípio da legalidade é a lei ordinária, e nos casos excepcionados em lei se faz necessária lei complementar. No tocante a vedação a majoração dos tributos, não está incluída a sua atualização e correção monetária, pois esta ocorre apenas pela desvalorização da moeda corrente.
A anterioridade da lei tributária decorre da irretroatividade, que é a impossibilidade da lei de abarcar situações pretéritas, porém é mais ampla, exige que sua cobrança ocorra apenas no exercício financeiro posterior. Portanto, anterioridade não é sinônimo de anualidade, princípio este afeto ao direito financeiro.
Exercício financeiro é o lapso temporal, coincidente com o ano civil, para o qual a lei orçamentária aprova as receitas e as despesas públicas que serão realizadas durante o ano.
As contribuições em geral obedecem ao princípio da anterioridade, entretanto as contribuições da seguridade social, seguem a anterioridade diferenciada, que é a denominada "anterioridade nonagésimal" ou "noventalidade" (28), ou seja, entre a criação ou majoração da contribuição e sua aplicabilidade, deve haver um interregno de noventa dias.
Luciano Amaro elucida acerca do momento que passa a ser exigível a exação:
Parece-nos óbvio que o preceito (ao falar em contribuições "exigidas") só autoriza a incidência sobre fatos que ocorram após os noventa dias. Não atende ao preceito o mero adiamento, por noventa dias, do pagamento de contribuições que pudessem imediatamente incidir sobre fatos ocorridos a partir da publicação da lei: esta só grava os fatos (descritos in abstrato na norma) que ocorram após noventa dias contados da publicação. (29)
A anterioridade permite o planejamento tributário, evitando-se o inconveniente da insegurança jurídica referente ao montante do ônus que deverá ser suportado pelo contribuinte. Seria a materialização do princípio da não-surpresa.
Mesmo havendo a exceção à anterioridade, não haverá em nenhuma hipótese exceção à irretroatividade que no caso das contribuições sociais é princípio absoluto.