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A sub-rogação das tarifas e taxas públicas em razão da adjudicação e arrematação no âmbito da execução trabalhista

Agenda 15/05/2005 às 00:00

            A atividade jurisdicional, além de proporcionar a satisfação pessoal, também nos coloca diante de uma série de situações inéditas, sobre as quais nem sempre tivemos a oportunidade de nos debruçar. A partir destes questionamentos nascidos na liça diária, acometeu-nos a dúvida acerca da possibilidade de sub-rogação de tarifas e taxas públicas em razão da arrematação ou da adjudicação no âmbito da execução trabalhista, principalmente ante o fenômeno neo-liberal das privatizações, pois, como é de palmar sabença, o processo trabalhista comporta uma série de particularidades em relação ao processo comum.

            A execução, tanto a trabalhista quanto a civil, caminha sempre na direção da satisfação do crédito do exeqüente, por isso a afirmação de que o executado encontra-se em estado de sujeição no decorrer de todo o processo executivo. Há muito já fincou raízes o princípio de que os bens do executado é que respondem pelas suas obrigações (artigo 591 do CPC). Entretanto, nem sempre todos os bens levados à alienação judicial estão livres e desembaraçados para possibilitar a transferência mansa para o patrimônio do arrematante ou adjudicante.

            Para efeitos didáticos, urge esquadrinharmos os conceitos doutrinários dos institutos jurídicos a serem tratados no desenvolvimento deste modesto ensaio.

            Ab initio, temos que o termo jurídico sub-rogação significa a substituição, em uma determinada relação jurídica, de uma coisa ou pessoa por outra, sem que se afete a estrutura interna desta relação jurídica, isto é, a possibilidade de transferência de direitos, privilégios e garantias de uma pessoa ou coisa primitiva para outra não pertencente à relação originária.

            O Professor Doutor CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE (1) conceitua a arrematação como sendo "ato processual que implica a transferência coercitiva dos bens penhorados do devedor a um terceiro. Trata-se, em linhas gerais, de uma venda do patrimônio do devedor realizada pelo Estado, por intermédio de praça ou leilão, àquele que maior lanço (preço) oferecer.".

            De outro norte, o pranteado Professor Catedrático da Universidade de São Paulo e Ministro do Supremo Tribunal Federal, MOACYR AMARAL SANTOS (2), leciona acerca da conceituação de adjudicação que: "esta consiste na transferência ao exeqüente, ou a qualquer credor concorrente, inclusive o credor hipotecário, de bem imóvel penhorado, por preço não inferior à avaliação, em pagamento total ou parcial do seu crédito.".

            A primeira premissa a ser fixada é sobre qual a natureza dos valores cobrados pelas prestadoras de serviços públicos em razão dos serviços oferecidos aos proprietários dos bens imóveis, serviços estes como os de fornecimento de luz, água, gás, telefone etc. Com mais razão os fornecidos pelas hodiernas companhias privatizadas, de capital eminentemente privado. Para elucidarmos a controvérsia, socorremo-nos dos conceitos de Direito Administrativo e Tributário.

            Já não existe mais dúvida de que os valores cobrados como contraprestação dos serviços públicos específicos e divisíveis encontram-se enquadrados sob a espécie tributária de taxas, pois a Constituição Federal/88 deixa assente que: "taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição" (inciso II do artigo 145).

            Contudo, a norma constitucional não deixa expresso se há possibilidade de entidades privadas prestadoras de serviços públicos encamparem as mesmas prerrogativas de ordem tributária concedidas aos entes da Administração Pública. Frisamos que as prerrogativas legais foram concedidas levando-se em conta principalmente a natureza estatal das prestadoras, homenageando o princípio da prevalência do interesse público ao privado. A se pensar por este enfoque ter-se-ia a clara noção de que as prestadoras de serviços de capital privado, com mais razão as de capital internacional, como é a grande maioria das estatais privatizadas, não gozariam das mesmas benesses.

            Porém, o ângulo de análise da razão de ser das prerrogativas tributárias dos valores devidos deve ser o da natureza dos serviços prestados: se oriundos da prestação de serviços específicos e divisíveis colocados à disposição do contribuinte, tratar-se-á de espécie tributária de taxas, independentemente da natureza das pessoas jurídicas prestadoras do serviço público, pois, na modalidade contratual das concessões de serviços públicos, sub-roga na pessoa da concessionária privada quase todas as prerrogativas da entidade estatal, mormente aquelas de cunho tributário.

            Esta é a conclusão do e. Ministro LUIZ FUX:

            "A natureza jurídica da remuneração percebida pelas concessionárias pelos serviços públicos prestados possui a mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, se os prestasse diretamente. (...) Não tem amparo jurídico a tese de que a diferença entre taxa e preço público decorre da natureza da relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade prestadora ou fornecedora do bem do serviço, pelo que, se a entidade que presta o serviço é de direito público, o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a relação entre ambos de direito público; ao contrário, sendo o prestador do serviço público pessoa jurídica de direito privado, o valor cobrado é preço público/tarifa." (STJ – RESP 480692 – MS – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 30.06.2003 – p. 00148).

            Em complemento à nossa posição, colhemos dos escólios do emérito tributarista HUGO DE BRITO MACHADO (3): "Ao nível de nosso Curso e para efeito de situar o problema da cobrança das taxas, podemos entender por serviço público toda e qualquer atividade realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfazer, de modo concreto e de forma direta, necessidades coletivas." (GN).

            Como reforço de fundamentação da nossa posição, tem-se o cristalino mandamento do artigo 349 do Código Civil que, mutatis mutandis, é aplicável à hipótese de sub-rogação de todas as garantias executivas das estatais pelas prestadoras privatizadas, cito: "A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.".

            Entrementes, este não é o posicionamento legal, não obstante as duras críticas que a doutrina tem feito acerca desta infundada distinção. De lege lata, tem-se que a contraprestação arrecadada pelas pessoas jurídicas de direito público, neste particular, tem a natureza tributária de taxas. Já os valores percebidos pelas concessionárias privadas, em razão da prestação de serviços idênticos, tem a natureza jurídica de tarifas (artigo 9º da Lei 8.987/95).

            O insigne administrativista HELY LOPES MEIRELLES (4) assinala que: "concessão de serviço público, é o que tem por objeto a transferência da execução de um serviço do Poder Público ao particular, que se remunerará dos gastos com o empreendimento, aí incluídos os ganhos normais do negócio, através de uma tarifa cobrada aos usuários.".

            Na esteira da conceituação do renomado mestre, enfocando a contraprestação tarifária, a Professora Doutora da Universidade de São Paulo, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (5), diz: "Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço.".

            A esta altura da investigação científica, podemos afirmar que os valores cobrados pelas prestadoras de serviço público, quando estatais, constituem espécies tributárias de taxas, com todas as prerrogativas a elas inerentes, entre as quais privilégios executivos (artigo 184 do CTN), sub-rogação no bem quando alienado, entre outras.

            Entretanto, quando se tratar da contraprestação devida às empresas concessionárias privadas, falar-se-á de tarifas, nada obstante a ressalva doutrinária que fizemos alhures, demonstrando o nosso posicionamento pessoal. Cabe, assim, perquirir se as tarifas devidas pelos usuários às concessionárias tem os mesmos privilégios e prerrogativas executivas das taxas devidas aos entes da Administração Pública.

            A Lei 6.830/80 vaticina em seu artigo 2º que somente será considerada dívida ativa, açambarcando os privilégios executivos dispostos em lei, aquelas oriundas de valores cuja cobrança seja atribuída à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como suas autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei (artigo 41 do CC/2002).

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            Logo, se os valores devidos às concessionárias particulares de serviços públicos, sob a rubrica de tarifas, não encontram residência entre os débitos tributários devidos às entidades dispostas na legislação de regência, é de se concluir que não gozam dos privilégios atribuídos à execução fiscal, nos moldes do Código Tributário Nacional, sujeitando-se, por conseqüência lógica, ao Código de Defesa do Consumidor.

            Neste sentido, é o aresto do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

            "ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – CONCEDIDO – ENERGIA ELÉTRICA – INADIMPLÊNCIA – 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei nº 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade da partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso Especial provido." (STJ – RESP 525500 – AL – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJU 10.05.2004 – p. 00235).

            Fixada esta primeira distinção da natureza jurídica dos créditos tributários dos entes estatais e das concessionárias privadas, bem como as prerrogativas executivas de cada qual, passamos ao enfrentamento da controvérsia central de nosso singelo ensaio.

            O Código Tributário Nacional, em seu artigo 130, vaticina que: "Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou as contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação."

            Dentro dos parâmetros traçados, podemos concluir que os valores devidos pelo proprietário de bem imóvel, referentes a taxas oriundas da prestação de serviço público, sub-rogam-se no bem, transferindo-se com ele para o adquirente nas hipóteses de alienação comum. Já os débitos referentes a tarifas devidas às concessionárias não gozam de tal privilégio, devendo ser executadas pelas vias ordinárias comuns, sem o direito de sub-rogação sobre o bem.

            Entrementes, a mesma sistemática de sub-rogação dos débitos ocorridas na alienação comum não se aplica às alienações judiciais, é o que pensamos e pretendemos sistematizar, senão vejamos:

            É certo que a arrematação judicial é forma de aquisição da propriedade pelo arrematante (inciso I do artigo 647 do CPC). Entretanto, sérias dúvidas persistem sobre a natureza de tal aquisição: se originária ou derivada. A partir da fixação dessa premissa é que podemos tomar um dos dois caminhos que nos pode levar a resolução de parte da controvérsia posta em debate.

            Para que se possa fazer a fixação de nosso posicionamento neste particular, imperioso é o delineamento da diferenciação teórica entre as duas modalidades. Com este escopo, trazemos à colação abalizada doutrina do professor SÍLVIO DE SALVO VENOSA (6), verbo ad verbum:

            "Para a corrente dominante, a qual corretamente leva em conta as conseqüências jurídicas dessa categoria jurídica, é originária toda aquisição que não guarda qualquer relação com titulares precedentes, ainda que estes possam ter efetivamente existido. (...) Ocorre aquisição derivada quando há relação com o antecessor. Existe transmissão de propriedade de um sujeito para outro. A regra fundamental nessa modalidade é a de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem.

            Na aquisição originária, não se consideram vícios anteriores da propriedade porque não existe anterior titular a ser levado em conta. Na aquisição derivada, a coisa chega ao adquirente com as características anteriores, tanto atributos ou virtudes como defeitos ou mazelas."

            Sob a égide do Código Civil de 1916 era cediço que todas as formas de aquisição de domínio de bens imóveis traziam consigo a acessão dos gravames reais existentes. No entanto, com a edição do Código Civil de 2002, tal sistemática parece-nos ter mudado, vejamos:

            Dizia o parágrafo único do artigo 677 do Código revogado: "O ônus dos impostos sobre prédios transmite-se aos adquirentes, salvo constando na escritura as certidões de recebimento, pelo fisco, dos impostos devidos e, em caso de venda em praça, até o equivalente ao preço da arrematação."

            O atual diploma material civil não renovou os ditames expostos no código anterior, de forma que surge um impasse de difícil resolução: teria o legislador com a supressão do mandamento querido demonstrar que a transferência dos ônus não mais subsiste? Ou como já é princípio arraigado em nosso sistema material a transferência dos ônus reais sobre os bens adquiridos, resolveu suprimir o dispositivo posto que tornar-se-ia meramente repetitivo?

            Trilhamos o posicionamento de que a supressão do dispositivo é clara manifestação da vontade do legislador em não mais determinar a transferência dos ônus sobre os bens adquiridos, pois se tivesse a intenção de manter a transferibilidade dos gravames, teria feito literalmente, mormente sobre os bens arrematados em expropriação judicial, pois, como diz HUGO DE BRITO MACHADO (7): "A não ser assim, ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o preço respectivo.".

            Não obstante a opinião amplamente majoritária de que os ônus incidentes sobre o bem resolvem-se com a arrematação, ainda ecoam algumas vozes em sentido contrário. Corrente minoritária capitaneada pelo emérito processualista paranaense MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO (8), leciona que nem mesmo a supressão do dispositivo legal pode fazer desaparecer o princípio de que os ônus reais acompanham o bem gravado até que seja satisfeita a obrigação. Acrescentamos à opinião supra mencionada o fato de que nada obstante tenha sido suprimida a redação do antigo artigo 677, o atual Codex ainda mantém o mesmo direcionamento, como podemos observar da leitura do artigo 1.419.

            Se se admitir que a aquisição do domínio por intermédio de alienação judicial seja de natureza derivada, levar-se-ia, certamente, à ilação de que os direitos reais permaneceriam gravados sobre o bem arrematado, em face do princípio do ius persequendi, independentemente de disposição legal expressa, pois é regra basilar da hermenêutica que os princípios precedem as meras disposições legais.

            Um dos maiores processualístas de todos os tempos, ENRICO TULLIO LIEBMAN (9), defende a teoria de que a aquisição da propriedade por alienação judicial é pertencente a modalidade originária, acarretando, por princípio, a inexistência de quaisquer ônus anteriores gravados sobre o bem. Explanando acerca da natureza jurídica da arrematação diz:

            "Este ato não é, por conseguinte, um contrato. É, ao contrário, ato unilateral do órgão judicial que, no exercício de sua função, transfere a título oneroso o direito do executado para outrem (ato de transferência coativa); é tipicamente ato processual, ato executório. Sua eficácia, porém, é condicionada ao ato unilateral de um particular que representa a aceitação da transferência por parte do adquirente: é o lanço do licitante, ou o pedido de adjudicação do exeqüente. Os dois atos são heterogêneos e distintos e não se fundem para dar lugar a único ato bilateral, apenas um condiciona o outro e os efeitos são produzidos unicamente pelo ato do órgão judicial."

            Não adotamos cegamente quaisquer das correntes citadas, pois pensamos ser a aquisição da propriedade por intermédio de alienação judicial de natureza derivada, comportando, como regra, que os ônus gravados sub-rogar-se-ão sobre o bem arrematado. Contudo, o reconhecimento da natureza derivada da aquisição da propriedade, não leva logicamente ao reconhecimento da sub-rogação dos gravames sobre o bem arrematado, pois a regra é aquela, mas existem algumas exceções, a própria legislação quando quis excepcionar a regra, o fez.

            Não mais subsistindo o mandamento do parágrafo único do antigo artigo 677 do Código Civil, imperiosa é a aplicação nas alienações judiciais no âmbito da execução trabalhista da norma do parágrafo único do artigo 130 do Código Tributário Nacional, que assim adverte: "No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.".

            Posicionamento semelhante é o exposto pelo Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, CÁSSIO SCARPINELLA BUENO (10), que assim leciona:

            "Que a arrematação é forma de aquisição derivada da propriedade pelo arrematante, dúvida não existe, mas – e é esse seu traço característico – tal aquisição dá-se em processo jurisdicional que atua sobre o bem penhorado, sendo indiferente a vontade do executado cujo direito reduz-se à observância do devido processo legal na prática daquele ato.

            Eventuais débitos fiscais, que recaiam sobre o imóvel arrematado, ficam sub-rogados no preço, em atenção ao disposto no art. 130, parágrafo único, do CTN, que tinha similar no art. 677, parágrafo único, do CC de 1916, não repetido pela Lei nº 10.406/02, no novo Código Civil. O arrematante não se responsabiliza por eles, tratando, o art. 703, III, do recolhimento de eventuais impostos devidos pelo arrematante pela aquisição, ainda que judicial, do bem."

            Outra pilastra que pode ser firmada é que com a arrematação judicial, o adquirente recebe o domínio do bem sem o gravame de quaisquer ônus porventura existentes, seja de que natureza for, inclusive os de natureza tributária, privilegiados, como dito. Os direitos reais de garantia também se extinguem com a arrematação, v. g., inciso VI do artigo 1.499 do Código Civil.

            Não se pode olvidar que para se obter o resultado jurídico algures sistematizado – da extinção de todos os gravames sobre o bem arrematado – imprescindível é a obediência de uma série de procedimentos de ordem processual. O primeiro deles é a necessidade de intimação dos credores garantidos com o bem acerca da hasta pública a ser realizada (inciso V do artigo 686 do CPC). A inexistência desta ciência pode levar a alguns desdobramentos.

            O primeiro deles é a possibilidade de anulação da venda judicial, com espeque no inciso III do artigo 694 do Digesto Processual Comum, quando o adquirente provar nos três dias subsequentes à assinatura do auto que existem ônus reais sobre o bem não mencionados no edital. Poder-se-ia, por uma leitura apressada do dispositivo processual, perguntar: se todos os ônus se extinguem com a arrematação, porque o diploma processual prevê a possibilidade de sua anulação quando o adquirente não teve ciência destes?

            Pensamos que, em uma única hipótese, os ônus reais podem sub-rogar-se sobre o bem e não sobre o preço quando da arrematação judicial, justamente na conjectura da ausência de intimação dos credores do bem, pois, como já ressaltado, estes devem ser necessariamente intimados para exercer possível direito de preferência (v.g. inciso II do artigo 333 do CC/2002). A sua não intimação, mesmo que fosse por edital, acarreta a sub-rogação dos ônus sobre o bem, acompanhando-o com a transmissão do domínio. Por isso, teria o arrematante legitimidade e interesse em ver declarada nula a venda judicial, inteligência do artigo 1.501 do Código Civil, pois quando ofereceu lanço não esperava adquirir bem gravado com qualquer garantia.

            Este é o direcionamento dado pelo artigo 619 do Digesto Processual Comum, verbis: "A alienação de bem aforado ou gravado por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto será ineficaz em relação ao senhorio direto, ou ao credor pignoratício, hipotecário, anticrético, ou usufrutuário, que não houver sido intimado.".

            No mesmo sentido é a conclusão do eminente Professor Doutor da Universidade de São Paulo, PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON (11), que assim nos ensina:

            "A penhora de bem gravado com garantia real autoriza ao titular do direito de garantia tomar as medidas judiciais cabíveis, exigindo o pagamento da ‘dívida antes de vencido o prazo estipulado’. Com a execução em curso, basta o credor com garantia real peticionar nos autos requerendo seja respeitada a sua preferência.

            A falta de intimação torna ineficaz a alienação do bem relativamente ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético e ao usufrutuário. O terceiro adquirente tem condições de tomar conhecimento da existência da garantia real, pois, segundo o art. 686, V, do CPC, do edital de arrematação deve constar a existência dos ônus que pesam sobre o bem a ser alienado em hasta pública."

            Adaptando a sistemática do processo civil à seara trabalhista, o eminente colega GUSTAVO FILIPE BARSOSA GARCIA (12), magistrado trabalhista e mestrando na Universidade de São Paulo, leciona que:

            "Portanto, tem-se apenas a ineficácia da alienação no que tange ao ônus incidente e, assim, perante o credor hipotecário não intimado. Nesta ótica, o arrematante passa a ser o proprietário do imóvel, de forma válida, mas esta alteração da titularidade do domínio não produz efeitos perante o credor, cuja garantia, conferida pela hipoteca, permanece gravada no mesmo bem. Tem-se, por conseguinte, verdadeiro direito de seqüela, tal como ocorre com a alienação não-judicial do bem gravado (quando ausente a cláusula prevista no art. 1.475, parágrafo único, do NCC).

            Portanto, com relação ao arrematante em específico, a ausência da intimação acima, do referido credor, gera a possibilidade de anulação da arrematação. Aqui, tem-se ato processual anulável, o que pode ser obtido, no entanto, somente pelo arrematante. Realmente, quem arremata o bem pressupõe ter sido este dever de intimação (que não se dirige ao arrematante) observado. Deparando-se, após a arrematação, que o credor hipotecário não foi intimado, possui legitimidade e interesse em desfazê-la, uma vez não desejando adquirir imóvel gravado."

            Os possíveis problemas do adquirente que poderiam surgir com a arrematação judicial ficam parcialmente solucionados com a aplicação do raciocínio alhures sistematizado. No entanto, nasce uma outra controvérsia processual relativamente a sub-rogação do ônus no preço obtido: a forma de distribuição dos valores para todos os credores do bem. Contudo, pensamos que a controvérsia surgida é facilmente solucionada na seara trabalhista.

            Ensina o célebre Professor Doutor de Direito Tributário da PUC/SP e da USP, PAULO DE MARROS CARVALHO (13), que: "Tirante os créditos provenientes da legislação trabalhista, vale dizer, as importâncias reclamadas com base na relação de emprego, o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza e a data de sua constituição (art. 186). Além disso, sua cobrança judicial não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento (CTN, art. 187).".

            A regra na execução civil é que o valor correspondente ao ônus gravado sobre o bem, principalmente o das taxas de natureza tributária, devem ser abatidas do montante obtido com a alienação, para que, com o restante, proceder-se-á a quitação do crédito exeqüendo. Logo, os débitos oriundos dos serviços executados pelas prestadoras de serviço público, devem ser quitados preferentemente ao montante devido na execução em curso, tudo observando-se o caráter privilegiado destes e a sua não-submissão a concurso de credores (artigos 184 e 187 do CTN).

            Ocorre que na execução trabalhista o procedimento é inverso, vale dizer, tratando-se o crédito trabalhista de natureza superprivilegiada, preferindo inclusive o de origem tributária (artigo 186 do CTN), proceder-se-á a quitação do débito trabalhista, para somente, em havendo sobra, honrar a dívida tributária.

            Em não havendo qualquer sobra após a quitação do débito trabalhista, deverá a prestadora de serviço público valer-se da execução ordinária, de competência da Justiça Comum, para perseguir a quitação do seu crédito, desde que este ente tenha tomado ciência da execução, mesmo que por edital, para que pudesse exercer possível preferência que entendesse possuir. Além do mais, o débito a ser executado na Justiça Civil encampará todas as prerrogativas inerentes aos débitos de natureza tributária, que somente não prevaleceram devido a particularidade do superprivilégio do crédito trabalhista.

            Digno de nota é o fato de que os gravames reais incidentes sobre o bem, que sub-rogam-se sobre o preço após a arrematação, perdem seu caráter especial caso o lanço não seja suficiente para a sua quitação. Com a extinção da garantia real, os créditos continuam exigíveis, porém sem a garantia, passam, pois, a ser quirografários.

            A diferença, neste passo, é que os imóveis levados à hasta pública não são garantias reais dos débitos de natureza tributária (taxas), tanto é que não existe qualquer gravame averbado no registro imobiliário do bem, apenas são garantia dos débitos tributários por expressa determinação legal (artigo 130 do CTN). Daí a razão porque estes débitos não perdem sua natureza especial com a alienação judicial e, principalmente, a necessidade de haver a intimação, por edital, de possíveis credores, para que possam exercer seus direitos de preferência, antes da realização da hasta pública, com vistas de evitar a sub-rogação sobre o bem.

            De outro giro, as garantias reais, v. g., hipoteca, servidão, anticrese etc, são especificamente gravadas sobre o bem, razão pela qual a sua extinção com a arrematação (principal), induz, logicamente, a extinção da natureza especial da garantia (acessório), convertendo-se, como dito, para de natureza quirografária.

            O nosso posicionamento encontra ressonância na jurisprudência:

            "Em face da natureza superprivilegiada do crédito trabalhista, o mesmo é preferencialmente atendido com o resultado pecuniário da alienação judicial e havendo sobra dela se beneficia o credor hipotecário, eis que como a alienação judicial ou adjudicação provoca legalmente a extinção da hipoteca relativa à coisa arrematada ou adjudicada, o gravame adere ao preço da arrematação, ocorrendo a sub-rogação legal. Quando a adjudicação, feita pelo valor da avaliação, como na espécie, absorve o valor integral do imóvel, o credor hipotecário, não tendo como sub-rogar-se, haja vista que o crédito trabalhista superprivilegiado opõe-se ao crédito hipotecário, continuará como credor do executado, só que extinto o gravame, concorrerá a partir daí como credor quirográfico comum, devendo envidar meios para excutir seu crédito em ação executiva distinta." (TRT 3ª R. – AP 00912.1998.044.03.00.2 – 4ª T. – Rel. Juiz Luiz Otavio Linhares Renault – DJMG 15.11.2003).

            Ressaltamos, por oportuno, que a única e exclusiva responsabilidade tributária do arrematante ou adjudicante é a referente aos tributos que tenham por fato gerador a transmissão da propriedade (inciso I do artigo 35 do CTN). Por esta razão persiste a exigência do inciso II do artigo 703 do Digesto Processual Comum.

            Enfim, concluímos com a certeza de que, de lege lata, a natureza dos valores devidos em razão dos serviços públicos prestados específica e individualmente ao contribuinte tem natureza de taxa, quando prestados por entes estatais; quando prestados por concessionárias privadas, tem natureza de tarifa. As taxas gozam das prerrogativas de natureza fiscal e executória, as tarifas não. Estas submetem-se aos ditames legais da execução ordinária, sem qualquer privilégio, por isso não se sub-rogam no bem alienado, ou no preço, após à hasta pública.

            Com a adjudicação ou a arrematação judicial, as taxas sub-rogam-se no preço arrecadado, devendo-se proceder primeiramente à quitação do débito trabalhista, devido ao seu caráter superprivilegiado, para, após, proceder ao pagamento das prestadoras de serviço público. Tal sistemática somente terá lugar quando cumprida com a formalidade processual de intimação da credora, mesmo que por edital, para que esta possa exercer seu direito de preferência (v.g. inciso II do artigo 333 do CC/2002). Todo o cuidado com a observância da norma processual visa resguardar possível nulidade da arrematação ou sub-rogação do débito no bem expropriado, os quais não são os objetivos da norma material de regência, como visto.


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            SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 3º vol. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

            TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2004.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. vol. 5. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.


NOTAS

            1

Curso de Direito Processual do Trabalho. pág. 703.

            2

Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. vol. 3. pág. 348.

            3

Curso de Direito Tributário. pág 343.

            4

Direito Administrativo Brasileiro. pág 252.

            5

Direito Administrativo. pág. 277.

            6

Direito Civil. volume V. pág. 174.

            7

Curso de Direito Tributário. pág. 106.

            8

Execução no Processo do Trabalho. pág. 520.

            9

Processo de Execução. pág. 150.

            10

Código de Processo Civil Interpretado. pág. 1945/1946.

            11

Código de Processo Civil Interpretado. pág. 1826/1827.

            12

Penhora de bem hipotecado – repercussões do novo Código Civil nesta questão. pág. 127.

            13

Curso de Direito Tributário. pág. 517.
Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. A sub-rogação das tarifas e taxas públicas em razão da adjudicação e arrematação no âmbito da execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 679, 15 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6713. Acesso em: 22 dez. 2024.

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