SUMÁRIO: 1. Irracionalidade – 2. Ilegitimidade – 3. Inconstitucionalidade: 3.1 Da liberdade provisória; 3.2 Das normas penais incriminadoras – 4. Considerações finais – 5. Bibliografia
Resumo: O Estatuto do Desarmamento, lei n. 10.826 de 22 de dezembro de 2003, para além de suas características de duvidosa juridicidade, representa epítome de um processo de produção legislativa desmesurada na seara penal, tida por remédio para uma sensação de insegurança que assola as sociedades brasileiras. No presente trabalho, visa-se à mostra de que este tipo de diploma legal só traz enfraquecimento da democracia, falta de legitimidade da ordem jurídica, de par com inconstitucionalidades de todo gênero.
PALAVRAS-CHAVE: direito penal; estatuto do desarmamento; medo; democracia; direito de liberdade; princípio da legalidade; inconstitucionalidade
1. Irracionalidade
Já se apercebeu boa doutrina do que se espraia nefastamente nas sociedades brasileiras, especialmente grandes metrópoles, trazendo um terror cotidiano, inafastável. Trata-se da cultura do medo. (1) Com efeito, sob essa clâmide de fobias, de paranóias, de neuroses de superdimensionamento do fato social (2) crime, criam-se legislações de atropelo, autênticas carreiras a pisotear o já malversado sistema punitivo brasileiro. Sintetiza Nilo Batista, com precisão, a inflação legislativa causada por diplomas aprovados populística e apressadamente:
"[...] criminalistas podem perceber com antecipação tempos sombrios, porque dispomos de uma antena muito sensível: a demanda de repressão penal. O emprego inflacionário do sistema penal é o sinal que nos adverte para uma intranqüilidade, um medo social [...] (3)
A demanda de punição, de que fala o autor, tem o condão de destruir qualquer resquício de racionalidade na condução da polis. Aliás, já previu no século XVII o filósofo Espinosa a qualidade triste que ao sentimento medo se poderia atribuir. Influenciado por esta triste paixão, desenvolveria o indivíduo uma falsa compreensão da realidade, guiar-se-ia por idéias imaginativas, inadequadas, teria tolhida sua capacidade de razão. Obstado desta compreensão do mundo por suas verdadeiras relações, perderia o homem, em última análise, sua capacidade de ser livre. Tornar-se-ia servo. (4)
Pesa reconhecer que exatamente a melancólica figura vislumbrada pelo filósofo holandês encontrou, e encontra, no Brasil – ao lado de boa parte do mundo ocidental – vergonhoso habitat. Inúmeros os episódios em que a razão política da sociedade, modus faciendi et operandi de sua democracia, rendeu-se ante a força da demagogia. A década de 1990 foi nisso fecundo e Débora Pastana elenca alguns exemplos.
Em 1999, infeliz projeto de emenda constitucional foi apresentado por um grupo de seis parlamentares, liderados pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho. Queriam que se pudesse condenar os sujeitos ativos de crime hediondo a prisão perpétua e trabalhos forçados. Contaram com o apoio do então Ministro da Justiça, Renan Calheiros. (5)
A própria Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072 de 25.07.1990), autêntica contra-reforma legislativa aos princípios liberais que impregnaram a Reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n. 7.029 de 10.7.1984 (6), recebeu abomináveis – como já não fora abominável a própria lei – achegas repressivas ao tempero das modas midiáticas relacionadas aos tipos penais supostamente mais praticados em determinado momento histórico. Assim em 1994, quando foi alterada a primeira pela Lei n. 8.930, de iniciativa do gabinete do então Presidente da República Itamar Franco, com o fito de incluir em sua enumeração o crime de homicídio qualificado. Dita alteração teve inspiração em campanha organizada pela escritora de novelas Glória Perez, cuja filha, anos antes, fora vítima dessa espécie de crime, em rumoroso evento. (7)
Já no final daquela década, com base em "escândalo nacional" de venda de pílulas anticoncepcionais feitas somente de farinha, incluiu-se, mediante a Lei n. 9.695/98, o inciso VII-B no sobrecitado corpo normativo, aderindo o crime de falsificação de "produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais" ao seu afrontoso elenco de restrições a direitos de liberdade (8).
Por fim, registre-se que somente após episódio na Favela Naval de Diadema, quando policiais protagonizaram embaraçosas arbitrariedades, foi dada à luz Lei integradora do mandamento constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia limitada que fazia alusão ao crime de tortura, até a então não tipificado em nosso sistema penal. Fala-se da Lei n. 9.455 de 07.04.1997. (9)
Estes exemplos são a mostra cabal de que o sentimento triste de que nos enche o medo exerce decisiva influência nos rumos político-criminais dados ao país, principalmente após a redemocratização na década de 1980. (10) A propósito, faz Vera Malaguti Batista a seguinte advertência:
"[...] a análise da transição da ditadura para a democracia (1978-1988) levou à percepção do deslocamento do inimigo interno para o criminoso comum que permitiu que se mantivesse intacta a estrutura de controle social e mais investimentos na ‘luta contra o crime’. As campanhas maciças de pânico social produziram um avanço sem precedentes na internacionalização do autoritarismo." (11)
Mais crédito deve ser dado a Espinosa se se contrastarem dados mais recentes sobre criminalidade, brasileiros e alienígenas, com o incremento desmesurado que para com o temor da violência criminal se tem visto nos mesmos períodos.
Barry Glassner, sociólogo americano que de há muito pesquisa o medo social, apresenta estatísticas e cruzamentos de dados por demais elucidativos, dentre os quais se destaca este: um estudo da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, mostra que a maior causa de mortes dentre os homens (doenças cardíacas) não foi tão coberta pela mídia quanto a 11ª (homicídios); e que de 1990 a 1998, o número de assassinatos naquele país decresceu 20%, enquanto o número de reportagens sobre tais crimes ascendeu 600%. (12)
Ainda nos Estados Unidos, a taxa geral de crimes per capita em 2002 é a menor desde 1973. A taxa de crimes violentos declinou 21% no período de 2001-2002, em relação aos dois anos precedentes. Mais respeitante ao assunto deste artigo, 66% dos crimes violentos em terras norte-americanas não envolveram armas em 2001. A utilização de armas de fogo em tais tipos de crime mostrou-se, neste período, menor do que no de 1993 a 1996 (13). Por fim, de 1993 a 2001, ao passo que o número de homicídios caiu 36%, a mesma estatística correlata a homicídios praticados com armas de fogo apresentou queda de 41%. A taxa geral de crimes violentos acompanhados de porte de arma de fogo apresentou declínio de 63% (14).
No Brasil, estatística do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que o número absoluto de homicídios por mês no Estado do Rio de Janeiro diminuiu de aproximadamente 650 em julho de 1991 para menos de 600 em janeiro de 2003, posto que houvesse no longo interregno grandes oscilações. (15)
Vale ressaltar que as estatísticas oficiais à disposição de pesquisadores e, de quando em vez, ventiladas pela imprensa sedenta de notícias de impacto ou por políticos em busca de aceitação da população às custas da exploração de seus medos, são precárias e eivadas pelo fenômeno das cifras negras da criminalidade (16). Não oferecem, pois, grandes subsídios para a compreensão do fato social criminoso neste país, senão quando visam a reproduzir a simbologia do medo (17). Salvam-se raras, em geral organizadas pelas próprias pesquisas de campo de organizações universitárias e não-governamentais.
É, dessarte, de convir em que a simbologia operada pela difusão da paixão triste que é o medo só causa o prosperar da falta de liberdade. Os cidadãos se escondem, prendem-se, afastam-se. Nada é suficiente para lhes saciar a busca por uma segurança que nunca virá, pois combate um inimigo mais simbólico, psicossocial, do que concreto. Correção há atribuir a Jean Claude Chesnais, quando diz:
"Não se pode levar em conta a insegurança que sentimos para orientar uma política penal. Seria a mesma coisa que levarmos em conta nossa percepção da inflação para orientar uma política econômica." (18)
2. Ilegitimidade
Em verdade, a situação de medo acima descrita ataca o próprio princípio democrático. Já se disse que a liberdade de quem tem medo, e por ele se deixa dominar, sofre censura de uma compreensão inadequada da realidade. Perde-se, pois. Não se cuida apenas da liberdade pessoal, que encontrou em José Afonso da Silva feliz conceituação: "liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal" (19). Cuida-se, mais abrangentemente, da liberdade de participar na geração de direito legítimo, por isso mesmo que justo. Cuida-se da liberdade de influir conscenciosamente nos processos de produção e aplicação da lei. Cuida-se da liberdade comunicativa (20).
O processo de lento definhar das relações sociais contínuas, cuja interrupção deriva deste mesmo medo, enfraquece os espaços públicos (21), a interação cidadã. Sem a efetiva atividade da comunidade de participantes no processo social, queda-se inefetiva a garantia democrática. As normas produzidas passam a sê-lo emanadas do arbítrio de alguns: os que têm o controle do poder demagógico da atemorização.
Tamanho o poder da propaganda anitlibertária que inclusive autoproclamados defensores dos direitos humanos e da racionalização da repressão penal tombam diante da ingência do apelo "contra a violência urbana". Só assim se explicam, por exemplo, textos como o do advogado e professor Leonardo Isaac Yarochewsky (22). Após admitir, como linha de argumentação moral a priori, as máximas de direito penal mínimo, a objurgatória ao movimento da lei e da ordem, etc.; tergiversa o professor a tudo isso, nos seguintes termos:
"Sendo assim, a princípio, qualquer lei criminalizadora que visa o aumento de crimes e o endurecimento de penas deve ser rechaçado. Contudo, no que diz respeito ao tipo penal que prevê para o uso e o porte de arma de fogo sem a devida autorização penas que podem chegar até quatro anos de reclusão, urge outro enfoque." (23)
Também nesta esteira, o prof. Adelido Nunes, que brinda freqüentemente os leitores do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais com suas serenas e ponderadas ponderações acerca dos mais candentes temas da ciência penal, aparenta ter capitulado perante o falacioso argumento do estímulo à repressão penal como panacéia ao "crescente índice de cometimento de delitos e atos de violência". No artigo que referimos, urde o professor inúmeros argumentos que justifiquem o exacerbado status conferido à compra e ao uso de armas de fogo na qualidade de causas primeiras de quase todos os crimes violentos dados à realidade nesta terra. Dentre todas as furiosas passagens, destaca-se esta, exaltando o potencial de incentivar tais crimes que teria a liberdade provisória com arbitramento de fiança – direito constitucional reconhecido no art. 5º, LXVI, diga-se de passagem:
"Tão logo publicada [a lei n. 9.437/97, antecessora da 10.826/2003 e por ela revogada], houve a certeza de que em qualquer caso a ação delituosa [...] era absolutamente afiançável. Naquela oportunidade já se sabia que quem fosse pego irregularmente usando qualquer tipo de arma de fogo, quando muito perderia o instrumento, mas jamais haveria privação de sua liberdade [...]. Até hoje é essa a realidade nacional: uma lei branda e estimuladora da comercialização e porte indevido do fatal e crucial instrumento do crime comum e organizado." (24)
Impende apor, em censura ao considerado pelo autor, que mesmo em crimes de dano (delitos de lésion, como gostam os espanhóis) cujo objeto jurídico é a vida, tirante o caso do homicídio qualificado, incluído por vias sinuosas no rol dos hediondos, garante-se, ope constitutionis, a liberdade provisória. Não se ouve, nada obstante, tanto contra a lassidão na repressão destes crimes quanto na do porte ilegal de arma de fogo.
De qualquer sorte, não ficaram sós os dois últimos e doutos professores citados. O deputado Luiz Eduardo Greenhalg, defensor dos direitos humanos e relator do projeto – em verdade, Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado n. 292/1999 – que, na Comissão Mista criada pelo Ato Conjunto n. 1 de 2003, deu origem ao que viria a ser a Lei n. 10.826 de 22.12.2003, também caiu na esparrela. Instado por secretários de segurança dos estados federados a deixar de lado a absurda inafiançabilidade que se queria dar – ao arrepio da constituição, como veremos – a um crime de perigo abstrato, assim respondeu, infelizmente, Sua Excelência:
"Tornar o crime afiançável é deixar a situação como está hoje, ou seja: a pessoa é presa com uma arma ilegal, é levada à delegacia; o delegado apreende a arma e fixa uma modesta fiança; meia hora depois, o portador da arma ilegal está na rua. Temos que terminar com essa farra." (25)
Valha embora aqui ressalva igual à feita acerca da opinião do prof. Adelido Nunes, importa perceber em todas elas o abandono de argumentos morais de há muito esposados por eles próprios, em prol de uma adequação pseudopragmática à "realidade". Com efeito, se antes podiam acordar, na posição de participantes de discursos racionais de formação de normas e na posição de potencialmente afetados por estas normas (26), em que se devem proteger os direitos fundamentais da pessoa humana, mormente o de liberdade, em face do arbítrio e do excesso de poder de que o "EstadoGuarda-Noturno" (27) se arrogue por intermédio de discursos demagógicos; defenestraram este princípio moral para privilegiar um outro pragmático, que "resguardasse" a sociedade da "escalada da violência urbana". Valeram as armas de fogo por desculpa. Tudo isto posto que à custa da exprobação de direitos fundamentais conseguidos com muita luta depois de séculos de prevalência do autoritarismo. Aliás, no Brasil, padeceu-se de décadas de regimento militar ilegítimo, consubstanciado, justamente, para manter a "ordem da nação", supostamente sob a álea de uma "baderna generalizada".
Os direitos fundamentais, de fato, especialmente em um país como o Brasil, cuja tradição democrática mal se desmamou (28), são o que de mais precioso nos legou o constitucionalismo democrático. Sem eles, fenece a própria idéia de Estado Democrático de Direito. Os cidadãos jamais terão aquelas liberdades necessárias para legitimar a formação racional de vontade legiferante, a todos atribuída, nem tampouco gozarão dos direitos políticos e econômicos, sociais e culturais que daquele esperam, justificadamente, receber (29).
Manifesta-se, destarte, o sistema de direitos fundamentais não só como um complexo de limitações ao poder do Estado (30) – embora em muitos casos ainda persista este o seu objeto principal –, mas como um momento inicial de possibilidade democrática. Através da concepção, interpretação e proteção de seu sistema de direitos fundamentais, uma aglomeração política pode fundir os momentos de autonomia privada e autodeterminação pública, para garantir, a um só tempo, o nascedouro de Direito legítimo e sua legitima aplicação (31).
José Afonso da Silva, em sentença lapidar, da qual tomamos ensinamento, asseverou, definitivamente, sobre tal classe de direitos: "No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive[...]." (32)
Não foi neste quadro de respeito e resguardo de direitos, entretanto, que se logrou aprovar a Lei n. 10.826 de 22.12.2003. Realmente. A característica populista que sempre impregnou a atividade legiferante no Brasil concebeu, neste particular, mais um rebento defeituoso. Por muito ainda se vai ter de passar até espontar a República Democrática, pretensamente reintroduzida nestas terras desde 1988, das manchas multíplices que desembocam em diplomas tais como o sobredito.
Tão evidente a inoperância. Tão patente a solução que nasce dissociada de qualquer efeito prático. Tão límpidos os fins simbólicos a serem implantados pelo advento de um conjunto de normas que vão de encontro a qualquer fundamento lógico, característico daquelas resoluções que tencionam solucionar o problema. O Estatuto do Desarmamento, um rebelde sem causa; um condenado ao imediato malogro. E o pior: seu destino iniludivelmente traçado em direção ao fiasco procederá não sem conspurcar todo tipo de direitos individuais fundamentais, todo tipo de garantias internacionais liberais às quais se uniu este país com significativa delonga.
Dúvidas não deixa o atual estágio da perspectiva penológica quanto ao descabimento do mero incremento da cominação de penas com vistas à diminuição da incidência social de determinado comportamento tipicamente descrito em norma penal incriminadora. Vale dizer: A autonomia intimidatória da lei penal, notadamente em sociedades políticas como a nossa, encontra embotamentos consideráveis. Vê-se sensivelmente reduzida.
As teorias utilitaristas da pena, que a advogam como um elemento de auxílio jurídico à redução do cometimento futuro de delitos, desde logo, obtemperaram em que muito pouco pode o direito penal nessa área. Intervenção primária, secundária e terciária, conceitos da criminologia e da sociologia criminal dispõem de potencial para muito melhores resultados.
A proteção de bens jurídicos essenciais mediados pelos interesses públicos primários, de dignidade constitucional (33), contra condutas que os profligam, gerando dano social, é a solitária incumbência ainda afeta ao Direito Penal (34). Ditos bens jurídicos, broquelados por um conteúdo normativo, cuja expressão imediata é o tipo penal, recebem incremento em sua autoridade por intermédio, precisamente, de sua inserção no ordenamento jurídico-penal. Revestem-se da posição de bens jurídico-penais (35).
Ora, esta proteção que pode o ordenamento penalístico fornecer perde muito de sua magnitude em face do vagar da prestação jurisdicional, que afasta o cometimento do fato da aplicação da correlata sanção; da escassa e seletiva publicidade aos julgamentos de crimes, salvante os que envolvam situações ou pessoas famosas; do não-alcance penal de alguns tipos de delitos, tipicamente conduzidos à socapa por pessoas que não figurariam entre os tradicionais clientes da justiça punitiva; do desconhecimento de grande parte da lei repressiva pela maioria da população. (36).
À teoria da prevenção geral negativa (37), portanto, como único móbil de prudência a orientar a produção legislativa (38), comete-se inegável fracasso. Nada obstante, precisamente esta a mentalidade norteadora de conjuntos legais tais qual o Estatuto do Desarmamento. Sob influxo do incrível – no sentido etimológico da palavra – sofisma de que quanto maior for a pena jungida a determinada conduta criminosa, menor será sua perpetração, edita-se este esquizofrênico cadinho de punições desproporcionais, de violações dos direitos fundamentais mais diversos, de agressão à boa técnica jurídica.
Ao lume das considerações já tecidas, ressalta a obviedade de que as penas altas, a vedação à liberdade provisória com fiança e à sem fiança, nada disso necessariamente ilide a motivação criminosa do agente. Até porque, se se busca desbaratar organizações, quadrilhas criminosas, pense-se em que, à evidência, jamais dispuseram elas de armamento legal. Nem quando a ilegalidade consubstanciava mera contravenção, tampouco a partir da edição da Lei n. 9.437 de 20.02.1997, agora tida por ab-rogada pela lei n. 10.826 de 22.12.2003. Tendo em vista que não se podem ver ao jugo da autoridade administrativa, ou sob sua fiscalização, suposto que o próprio Estado-Administração leva a cabo a persecutio criminis, os criminosos profissionais, habituais, sempre se valeram de armas ilegais, muitas delas de uso exclusivo do exército.
O simples editar de novas sanções penais, sejam mais rigorosas ou mais flébeis, traz antes insegurança jurídica;quase nunca, segurança pública. É que, especialmente no caso de armas ilegais, muito mais importante do que a dureza da resposta penal, sempre post facto, afigura-se a fiscalização que proíba a entrada de armas contrabandeadas no país e sua venda, assim como a das de alienação e fabrico permitido no Brasil a quem não as pode adquirir, já porque não as quer registrar, já porque busca aquelas de uso não-permitido exceto para as Forças Armadas.
Abancada a deslegitimidade e irracionalidade do Estatuto do Desarmamento, em sua parte penal, resta, agora, analisar em que arrosta ele, diretamente, a deontologia constitucionalmente posta.