O ordenamento jurídico traz, para a Administração Pública, regras diferentes daquelas normalmente encontradas no âmbito do direito privado, consistentes não só em direitos, vantagens e prerrogativas, mas também em deveres e obrigações. Trata-se do regime de direito público, ao qual se submetem as relações e os negócios travados entre os entes públicos (ou de caráter público) e os particulares, ressalvados aqueles casos em que a Administração atua como se particular fosse. A imposição dessas regras especiais se dá porque o Poder Público não representa seus próprios interesses, mas sim os da coletividade, atuando, portanto, em nome do interesse público.
Vale mencionar como exemplos os meios de intervenção na propriedade de que dispõe a Administração, as cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, os atributos dos atos administrativos, a exigência de concurso público para contratação de pessoal, a necessidade de licitação para concessão de um serviço público e, ainda, o pagamento de seus débitos por meio de precatórios. É nesse último exemplo que se deterá o presente texto.
O precatório, sinteticamente, constitui-se em uma ordem final proferida em um processo judicial e, portanto, determinada por um juiz, para que a Fazenda Pública inclua quantia devida ao credor em seu orçamento. Como os bens públicos são inalienáveis e, conseqüentemente, impenhoráveis, o pagamento de credores da Fazenda Pública deve seguir um modo de execução específico.
Nesse quadro, para que se possa saber quais as entidades sujeitas a essa execução diferenciada, oportunas as lições de Vicente Greco Filho: "Fazenda Pública é a pessoa jurídica de direito público, União, Estados e Municípios, Distrito Federal e respectivas autarquias, inclusive os Territórios, cujo regime financeiro, orçamentário e contábil é público. Empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações que não têm regime orçamentário público e o privilégio da impenhorabilidade de seus bens não são a Fazenda Pública para os fins desta espécie de execução"(1).
O pagamento por meio de precatórios diferencia a execução movida contra a Fazenda Pública das demais, consoante se depreende do artigo 730 e seguintes do Código de Processo Civil. Porém, não se pode perder de vista que essa regra encontra seu fundamento de validade na própria Constituição Federal, conforme se verifica em seu artigo 100, caput e parágrafos:
"Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)
§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)".
Diante de tais normas tem-se que, após reconhecido o crédito e apurado o seu valor, o credor deve mover o competente processo de execução contra a Fazenda Pública a fim de que, ao final, o juízo de 1ª instância encaminhe ofício requisitório para que o Presidente do Tribunal correspondente determine o pagamento à entidade devedora, via precatório judicial. Ao dar entrada na respectiva Fazenda, o precatório recebe um número, conforme a ordem cronológica, salientando-se que todos aqueles apresentados até 1º de julho deverão ser pagos até o final do exercício seguinte e, os exibidos após essa data deverão constar do orçamento do ano posterior ao seguinte.
Nesse ponto, a uma, vale lembrar que o primeiro critério norteador para pagamento dos precatórios é a ordem cronológica de apresentação. A duas, lembramos que os dois outros critérios posteriores são: créditos de natureza alimentícia e não alimentícia e, dentre os não alimentares, aqueles definidos em lei como de pequeno valor. Verifica-se, assim, a existência de três filas de espera para pagamento, ou seja, a dos créditos alimentares, a dos créditos não alimentares de pequeno valor e a dos créditos restantes.
Com relação aos créditos de pequeno valor, dispõe o parágrafo 3º do citado artigo 100 da Constituição Federal que devem ser definidos em lei, sendo previdente o especificado no artigo 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (com redação dada pela EC 37/02) ao contar com a inércia do legislador infraconstitucional:
"Art. 87. Para efeito do que dispõem o parágrafo 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no parágrafo 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I – 40 (quarenta) salários mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II – 30 (trinta) salários mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Parágrafo único: Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no parágrafo 3º do art. 100."
No Estado de São Paulo foi editado o Decreto 47.237/02 a fim de definir o procedimento para pagamento de obrigações de pequeno valor previstas no § 3º do artigo 100 da Constituição Federal, e estipular como sendo de pequeno valor as obrigações cujo valor seja igual ou inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, nos termos do artigo 87, inciso I do ADCT. Dispõe, ainda, que o pagamento deve dar-se em 90 (noventa) dias, a contar do recebimento da requisição pela entidade devedora.
Em 23 de abril de 2.003, porém, a Lei Estadual Paulista nº. 11.377 passou a disciplinar a questão, definindo como de pequeno valor as obrigações que a Fazenda do Estado de São Paulo, Autarquias, Fundações e Universidades estaduais devam quitar em decorrência de decisão final, da qual não penda recurso ou defesa, inclusive da conta de liquidação, bem como os precatórios judiciários, em relação aos quais também não penda recurso ou defesa, cujo valor seja igual ou inferior a 1.135,2885 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs, independente da natureza do crédito. Em ambas as hipóteses o pagamento deve ocorrer em 90 dias, seja do recebimento da requisição (no caso das obrigações) ou da publicação da lei (para os precatórios).
Atenta aos critérios de definição dessas quantias, a citada Lei ainda dispõe que o valor da obrigação será o total apurado em conta de liquidação homologada ou aprovada no processo de origem, atualizado até a data de expedição do ofício judicial requisitório, incidindo, também, juros legais de 6% ao ano até a data do efetivo pagamento. Com relação ao precatório judiciário, seu valor será a importância expressa no ofício requisitório, ou a do respectivo saldo, atualizada até a data da publicação da lei.
Superada a questão da definição dos créditos de pequeno valor, cabe conjugá-la à situação daqueles que decidiram demandar em litisconsórcio.
Trata-se aqui do litisconsórcio ativo facultativo, fenômeno processual pelo qual duas ou mais pessoas, que poderiam propor ações isoladamente, resolvem intentar uma só demanda em face do mesmo réu por motivos de conveniência e para atender aos princípios da economia processual e da segurança jurídica.
O artigo 46 do Código de Processo Civil determina as hipóteses em que pode se dar o litisconsórcio facultativo: (I) havendo comunhão de direitos ou de obrigações em relação à lide; (II) na hipótese de direitos ou obrigações decorrentes do mesmo fundamento de fato ou de direito; (III) se entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; (IV) e quando ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
Assim, observa-se a hipótese em que, unidas pelo vínculo do litisconsórcio, duas ou mais pessoas, tendo acionado a Fazenda Pública, têm seu crédito reconhecido e seu valor liquidado por decisão judicial transitada em julgado. Nesse ponto é que surge o problema. Suponha-se que o crédito de cada um dos litisconsortes, individualmente considerado, não ultrapasse a quantia definida para que seja tido como de pequeno valor, mas que o crédito total, ou seja, a somatória do crédito de cada litisconsorte exceda essa quantia. Nesse caso, como prosseguirá a ação, pela totalidade dos créditos ou pelo valor de cada um?
Analisada de uma maneira singela, a questão poderia trazer aos credores duas opções: ou litigam em litisconsórcio, economizando recursos e diminuindo o risco de decisões conflitantes, mas terão de aguardar o pagamento de seus créditos conforme a ordem cronológica dos créditos em geral, ou o fazem individualmente e obtêm o benefício do pagamento rápido referente aos créditos de pequeno valor.
Não é difícil imaginar que a segunda opção parecerá mais atraente para o credor que pretende satisfazer-se logo perante a Fazenda Pública, principalmente se for considerada a demora na tramitação do anterior processo de conhecimento, cujo objetivo era apenas declarar a existência de crédito em seu favor. Todavia, os custos da demanda individual tornar-se-iam maiores para cada credor, além de trazer ao Poder Judiciário uma imensa quantidade de ações da mesma natureza, que poderiam ser evitadas com o agrupamento de diversas pessoas, cujo pedido é o mesmo, em um só processo. Além disso, aumenta-se o risco de decisões conflitantes, o que acaba por gerar outra série de recursos em busca de uma uniformização da jurisprudência sobre o caso.
Parece que a melhor solução seria a possibilidade de os autores demandarem em litisconsórcio e proceder à execução com base no crédito global e, ao final, quando da expedição do ofício requisitório, desmembrar o crédito de cada qual a fim de que recebam o pagamento consoante o procedimento definido para as dívidas de pequeno valor. Desse modo, seria expedido um ofício requisitório correspondente a cada autor litisconsorte.
Oportuno ressaltar que a execução só deverá ser desmembrada até a expedição do ofício requisitório endereçado ao Presidente do Tribunal respectivo, porque, expedido este, passará o precatório a figurar na ordem cronológica de credores.
Para melhor visualização do trâmite processual, vale lembrar que, após reconhecido definitivamente o crédito, os autos retornam ao juízo de origem (se aí não transitou em julgado a decisão), onde seguirá a execução. Compete, portanto, ao juiz da execução enviar os autos ao contador, a fim de que o valor do crédito seja corrigido monetariamente e acrescido dos juros cabíveis e, posteriormente, expedir o referido ofício mencionando a quantia a ser paga. Requerida a divisão do crédito, consoante o direito de cada litisconsorte, poderá o contador, seguindo ordem do juiz, apurar o valor de cada autor individualmente, expedindo-se um ofício requisitório correspondente a cada crédito, o que não poderá ser feito após a expedição pelo valor global da dívida, sob pena de quebra da ordem cronológica dos precatórios.
Nesse sentido, confira-se a decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 369.942-5/9 - São Paulo - 7ª Câmara de Direito Público - Relator: Milton Gordo - 24.05.04 - V. U., do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:
EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - Litisconsórcio ativo - Débito remanescente, individualmente considerado de "pequeno valor" - Execução individual, de forma a beneficiar cada autor, nos termos do artigo 100, § 3º da Constituição Federal e da Lei Estadual n. 11.377/2003 - Inadmissibilidade - Precatório em que já houve depósito e levantamento - Incidência na espécie do disposto no § 4º do artigo 100 da CF, que veda o "fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório " - Norma reproduzida no artigo 4º da Lei Estadual n. 11.377/2003 - Recurso improvido. (grifo nosso)
Até a expedição do ofício requisitório, no entanto, não caberá falar em fracionamento, repartição nem quebra do valor da execução, hipóteses vedadas pelo acima transcrito artigo 100, § 4º da Constituição Federal porque representam burla ao sistema de pagamento dos créditos de pequeno valor. Em verdade, tem-se um único processo comportando várias execuções distintas, cada qual referente ao crédito de um autor perante a mesma fazenda Pública e em razão de idêntico fundamento de fato ou de direito. Assim, não há fracionamento da execução e sim do processo, tudo a fim de facilitar a celeridade da Justiça e a economia processual, bem como evitar o risco de decisões desarmônicas.
No intuito de exemplificar tal episódio, pode-se apontar o caso de agentes públicos que resolvam requerer em juízo a elevação do valor de suas remunerações, negada administrativamente, em virtude de vantagem trazida por determinada lei que entendam aplicável à situação em que todos se encontram. Se pretendem discutir o mesmo direito, em face de idêntica pessoa jurídica, por se encontrarem em igual posição, nada mais lógico que possam intentar uma só ação capaz de solucionar o caso da mesma maneira para todos. No entanto, necessário entender que ação, nesse caso, significa processo, pois, em realidade, há várias lides sendo discutidas em um único processo, agrupadas, repita-se, por motivos de economia processual e segurança jurídica.
Nesse contexto, tem-se que todos os atos que pudessem a todos aproveitar seriam feitos nesse mesmo processo, desmembrando-se a execução somente quando da expedição do ofício requisitório ao Presidente do Tribunal, que ordenará o pagamento à entidade devedora respectiva, a fim de beneficiar aqueles que optaram por não abarrotar o Judiciário com diversas lides idênticas, valendo-se de instrumento conferido pela própria lei processual vigente - o litisconsórcio.
Vale informar que a questão é controvertida na jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo. Há decisões que não acatam o pedido de desmembramento da execução em momento algum, se movida em litisconsórcio; outras que o acolhem, desde que requerido até a expedição do ofício requisitório, corroborando nosso entendimento, como se vê a seguir:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - Decisão que determinou a expedição de ofícios requisitórios individuais para créditos de pequenos valores - Cabimento - Hipótese de litisconsórcio facultativo, nos termos do art. 48 do CPC - O pagamento do crédito deve submeter-se às disposições da Lei n. 11.377, de 14 de abril de 2003, que disciplinou o § 3º, do art. 100 da CF/; 88, limitando o pagamento das obrigações definidas como de pequeno valor, até 1.135.2885 UFESPs, ou R$ 13.044,46 - O somatório dos créditos dos demandantes não significa débito único a ensejar expedição de precatório - Não aplicação das disposições do § 4º do art. 100 da CF/88, pois este se refere a quebra ou fracionamento do precatório, hipótese diversa - Súmula 258, de 21.03.02 do C. STJ - Recurso improvido. (Agravo de Instrumento n. 365.236-5/8 - São Paulo - 9ª Câmara de Direito Público - Relator: Antonio Rulli - 03.03.04 - M. V.)"
"PRECATÓRIO - Demanda agitada por servidores públicos - Fracionamento dos créditos - Possibilidade. A Lei Estadual n. 11.377/03 fala em ´´obrigação de pequeno valor´´, não em ´´processo de pequeno valor´´, os autores litigam em litisconsórcio facultativo e mantém sua individualidade processual, nos termos do artigo 48 do Código de Processo Civil - Cada autor é titular de seu crédito, podendo executá-lo individualmente ou em grupo. (Agravo de Instrumento n. 371.677-5/9 - São Paulo - 7ª Câmara de Direito Público - Relator: Guerrieri Rezende - 21.06.04 - V. U.)"
Há que se facilitar o acesso ao Judiciário, contribuindo para sua celeridade e desburocratização, por meio do incentivo à diminuição de inúmeros processos que versam sobre o mesmo assunto, utilizando-se de mecanismos já existentes nas leis processuais.
Aliás, foi justamente buscando tais objetivos de efetividade do processo e de acesso à justiça que o Código de Defesa do Consumidor inovou nosso sistema processual, introduzindo regras específicas para ações coletivas. Além de complementar as normas da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/90) para a tutela de interesses difusos e coletivos, a Lei 8.078/90 regrou as ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos.
É nesse último ponto que a matéria se assemelha à questão do litisconsórcio tratado neste texto, devendo-se, porém, antes de tudo, trazer uma breve explicação sobre os direitos individuais homogêneos.
Como o próprio Código do Consumidor define, em seu artigo 81, parágrafo único, inciso III, direitos individuais homogêneos são aqueles decorrentes de origem comum, sendo legitimados para a propositura da respectiva ação coletiva, nos termos do artigo 82 da mesma Lei, em nome próprio e no interesse das vítimas e seus sucessores, o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica; e as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
Assim, se uma mesma situação de fato ou de direito ocasionar danos a interesses de pessoas distintas, poderá qualquer dos legitimados do artigo 82 da Lei 8.078/90 propor uma só ação para a defesa coletiva desses direitos pessoais lesados, desde que tais interesses sejam homogêneos. Dá-se a homogeneidade nos direitos quando há "prevalência da dimensão coletiva sobre a individual", ou ainda, "das questões comuns sobre as individuais", como ensina Ada Pellegrini Grinover (2).
Tem-se, nesses casos, consoante escreve a mesma autora, uma "legitimação extraordinária, a título de substituição processual. Não só porque assim o afirma o legislador, quando expressamente se refere ao litigar, em nome próprio e no interesse das vítimas e seus sucessores, mas ainda porque, na hipótese, os legitimados à ação não vão a juízo em defesa de seus interesses institucionais, como pode ocorrer nas ações em defesa de interesses difusos ou coletivos, mas sim exatamente para a proteção de direitos pessoais, individualizados nas vítimas dos danos" (3).
Aliás, relata Patricia Miranda Pizzol, "em se tratando de interesse individual homogêneo, não se verifica controvérsia, sendo unânime o posicionamento adotado na doutrina, conforme afirma Rodolfo de Camargo Mancuso, que atribui à legitimidade em tela natureza extraordinária, seja para a propositura da ação coletiva de conhecimento ou cautelar seja para a execução coletiva (...)" (4).
Nessa espécie de ação, sendo procedente o pedido, nos termos do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, haverá uma condenação genérica que fixará a responsabilidade do réu pelos danos causados.
Prossegue o artigo 97 do mesmo diploma legal dispondo que "a liquidação e a execução da sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82". A liquidação é um novo processo que visa quantificar o dano sofrido por cada das vítimas, tornando, como o próprio nome diz, líquida a condenação imposta na sentença para a propositura de futuro processo de execução.
Cabível, nesse quadro, a observação feita pela mesma autora quanto à liquidação nessas ações: "(...) se se tratar de ação de responsabilidade civil por dano a direito individual homogêneo, a liquidação será sempre necessária e deverá ser realizada sob a modalidade de artigos (...). Nesse caso, a liquidação poderá ser: a) coletiva, se promovida por um dos entes legitimados do art. 82 do CDC, na hipótese do art. 100 do mesmo diploma legal, hipótese em que os recursos obtidos posteriormente, com a execução coletiva, serão revertidos ao Fundo da LACP; b) individual, se promovida por cada um dos indivíduos que sofreram o dano, individualmente ou em litisconsórcio, ou, ainda, quando promovida por um ente coletivo, na qualidade de representante (legitimado extraordinário) dos indivíduos." (5).
Do exposto, percebe-se que foi criada uma só ação para tutelar diversos interesses de maneira conjunta, cujos titulares são substituídos por um ente legitimado pela lei, tudo com o único objetivo, segundo Ada Pellegrini Grinover, de "facilitar o tratamento processual de causas pulverizadas, que seriam individualmente muito pequenas, e a de obter a maior eficácia possível das decisões judiciárias. E, ainda, mantém-se aderente aos objetivos de resguardar a economia de tempo, esforços e despesas e de assegurar a uniformidade das decisões" (6).
Nessa linha de pensamento, e retomando o exemplo dos agentes públicos que litigam em litisconsórcio, questiona-se a possibilidade de o sindicato da categoria propor uma ação coletiva fundada em interesses individuais homogêneos em face da Fazenda respectiva para a defesa do direito que afirmam ter – elevação da remuneração em virtude de vantagem trazida por certa lei – em razão de todos encontrarem-se na mesma situação jurídica. Admitiria esta situação o ajuizamento de uma ação coletiva?
Recorrendo-se, mais uma vez, às lições de Patricia Miranda Pizzol, verifica-se que "(...) para sabermos se uma ação é coletiva, devemos observar todos os elementos da ação, quais sejam, pedido, causa de pedir e partes; logo, não basta, para a sua propositura seja atribuída a um ente coletivo" (7).
Pelo exposto, necessário avaliar se a ação coletiva será proposta por um ente coletivo – no caso, o sindicato, que têm qualidade de associação civil e, portanto, legitimado pelo artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumido para a propositura da referida ação. Tal ente ajuizaria a ação em nome próprio para a defesa de direito alheio, ou seja, dos agentes públicos de determinada categoria e que cumpram os requisitos para a percepção do benefício trazido pela nova lei.
Já a causa de pedir revela-se nos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, consoante dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil e, para que enseje uma ação coletiva, imprescindível que tal fato seja comum a todos os detentores do direito material pleiteado. Na hipótese aventada, a situação comum a todos seria a edição da lei que previu vantagem nova capaz de elevar a remuneração de todos os que cumprem certos requisitos.
Por fim, quanto ao pedido, que é o provimento jurisdicional esperado pelo autor, para que tenha natureza coletiva, deve ser igual para todos e possível no âmbito da legislação processual que regula as ações coletivas lato sensu – Lei da Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor, dentre outros. No exemplo criado, o pedido seria a condenação da Fazenda Pública respectiva no pagamento da vantagem salarial, desde a publicação da lei, para os que já cumprem os requisitos legais para a percepção do benefício, ou desde o cumprimento desses requisitos para os que vierem a preenche-los posteriormente, conforme a situação de cada indivíduo. Nota-se, assim, inteira adequação do pedido no sistema processual coletivo.
Desse modo, parece possível o ajuizamento, pelo sindicato da categoria, da aludida ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos, ressaltando-se que o processo de conhecimento provavelmente ensejaria uma sentença condenatória genérica, apenas reconhecendo o direito ao benefício legal a todos que se encontrem na situação jurídica apontada na lei, partindo-se sempre do pressuposto de que os agentes públicos realmente fizessem jus a esse benefício. Nesse caso, necessária seria a propositura da ação de liquidação pelos indivíduos lesados pelo não pagamento da vantagem salarial, para quantificar o direito de cada um, culminando o processo com a execução dos valores individualmente, por meio de precatórios.
Essa solução, certamente, seria mais cômoda para os agentes públicos, que só passariam a integrar a lide no momento da liquidação, acaso procedente a ação, salientando-se que a decisão de procedência beneficiaria a todos os membros da categoria.
Dito isso, pode-se perceber as semelhanças práticas entre a ação coletiva para defesa dos direitos individuais homogêneos e a ação movida em litisconsórcio que ensejará o pagamento de precatórios de pequeno valor. Ambas possuem a mesma finalidade: um processo prático, ágil e eficaz para fazer valer o direito reconhecido em juízo, o que se traduz em acesso à justiça e em segurança jurídica. A ação proposta em litisconsórcio é, por sua vez, menos complexa, pois não se vale de mecanismos usados na ação coletiva como a substituição processual, já que seus autores são, de fato, titulares do direito material pleiteado, nem da habilitação posterior dos interessados, porque já figuram desde o início como partes no processo.
Nesse quadro, não se pode seguir na contramão da evolução processual e desprezar os benefícios de um instrumento processual tão útil quanto o litisconsórcio em razão de questões formais e burocráticas, quando todo o Direito moderno converge para a adoção de soluções mais práticas, econômicas e eficazes, a exemplo da radical mudança processual trazida pelo Código de Defesa do Consumidor.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Vicente Greco Filho, in Direito Processual Civil Brasileiro, v. 3, cit. p.94.
(2) Ada Pellegrini Grinover e outros, in Código Brasileiro de Defesa..., cit., p. 794.
(3) Idem, p. 799.
(4) Patricia Miranda Pizzol, in Liquidação nas Ações..., cit., pp. 126-127.
(5) Idem, pp. 183-184.
(6) Ada Pellegrini Grinover e outros, in Código Brasileiro de Defesa..., cit., p. 788.
(7) Patricia Miranda Pizzol, in Liquidação nas Ações..., cit., pp. 182.
BIBLIOGRAFIA
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2. GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do Anteprojeto, 7ª ed, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2.001, p.788, p.794, p. 799.
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