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A regulamentação do teletrabalho pela lei da reforma trabalhista: flexibilização, aspectos normativos e princípios de aplicação do Direito

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Agenda 11/07/2018 às 21:30

3 A REGULAMENTAÇÃO DO REGIME DE TELETRABALHO PELA LEI 13.467/2017

Para debater o presente assunto da reforma legislativa, qual seja, da fixação de um regime uno para regulamentar o trabalho Home Office, é imprescindível compreender que houve o surgimento de um novo instituto no Direito Positivo do Trabalho.

A questão quanto à concepção do referido instituto não está na sua Gênese, posto que, é necessária a sua instituição e regramento frente ao desenvolvimento tecnológico crescente nos dias de hoje; está, por sua vez, em pontos específicos, porém fulcrais, relativos ao surgimento e “regimentação” do respectivo trabalho remoto.

Neste âmbito, releva esclarecer a diferenciação do teletrabalho, do já consagrado trabalho externo: enquanto que no trabalho externo, o exercício da função dá-se literalmente fora da empresa, pela real necessidade serviço (por exemplo, instaladores de aparelhos de internet Wireless em residências), o trabalho remoto ocorre parcial ou totalmente no ambiente externo por estrito interesse e acordo das partes da relação de trabalho.

Ademais, o teletrabalho foi institucionalizado com a promessa de fornecer segurança jurídica às “partes” que desejavam travar esse tipo de relação de emprego. Entretanto, o que se verifica é que a regulamentação do teletrabalho não veio a proteger o trabalhador remoto, pelo que apenas instituiu uma segurança jurídica formal, refletindo a garantia de interesses do patrão, consoante será mais bem analisado a seguir.

Neste plano, em segundo lugar, pertinente reiterar a ideia de transferência de risco empresarial que pode se considerar extraída até mesmo do texto expresso da Lei, in verbis:

Art.75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.  

Parágrafo único.  As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.’ 

Destarte, o dispositivo normativo traz expressamente que as despesas pagas pelo teletrabalhador serão reembolsadas, conforme o que consta propriamente no contrato de trabalho individual escrito. Isso reflete uma sujeição do empregado ao patrão, primeiro porque admite que o trabalhador submetido ao referido regime de trabalho remoto comprometa parcela da sua remuneração, para, no fim, atender aos interesses de produção do empregador; em segundo lugar, parece justamente dividir os riscos e custos da atividade da empresa, sem mencionar qualquer benefício ou contrapartida de compensação ao trabalhador.

O supramencionado artigo 75 – D da Lei 13.467 até traz a “possibilidade” de reembolso das despesas efetuadas pelo empregado. No entanto, determina que este “acordo de reembolso” será feito de forma individual, não dizendo, sequer, a necessidade de estipulação ou previsão em norma coletiva de direito do trabalho, pelo que enfraquece o sentido da negociação na seara trabalhista.

Válido aqui dizer que a relação de trabalho é sinalagmática, ou seja, o trabalhador prestará o serviço para o empregador, fornecendo a sua mão-de-obra, pessoal e habitualmente, e com subordinação jurídica às determinações e poder de direção do patrão. O empregador, porém, ao receber os serviços prestados pelo empregado, financia uma contraprestação pecuniária.

Portanto, o requisito da onerosidade, na relação de trabalho, é reflexo da própria prestação de serviços por parte do trabalhador ao patrão, não se coadunando com o texto do artigo acima descrito. E ainda, não só: o artigo preceitua que essas respectivas utilidades não integrarão a remuneração do empregado, pelo que vulnera a parte hipossuficiente da relação.

Em terceiro lugar tem-se o complemento do artigo 75 – E, do mesmo diploma normativo:

Art. 75-E.  O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.  

Parágrafo único.  O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Destarte, a questão que surge consiste na expressa previsão de atribuir ao trabalhador a responsabilidade de implantação da infraestrutura necessária e adequada ao exercício do trabalho, pelo que o art. 75 – E complementa que o patrão deve instruir o empregado, “de maneira ostensiva”, quanto à prevenção de doenças ocupacionais e acidentes.

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Porém, ao indicar que o trabalhador assinará termo de responsabilidade (parágrafo único do artigo), as indicações do empregador muito provavelmente não serão feitas de forma ou modo ostensivos.

E mais. O artigo 75 – E acaba por desonerar o empregador de assegurar a estrutura mínima inerente à segurança e saúde quanto à salvaguarda do trabalho, pelo que vulnera as normas de proteção do empregado que dispõem sobre saúde, medicina e segurança, e provocando autêntico retrocesso social.

Necessário, finalmente, mencionar o artigo 75 – C da Lei 13.467, de 2017:

Art. 75-C.  A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. 

§ 1o  Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

Em suma, a respectiva Lei, em seu art. 75 – C prenuncia que a “faculdade” de alteração do regime de trabalho remoto para o presencial está condicionada ao mútuo consentimento, através da modificação por aditivo feito no contrato. Quer dizer: vincula a substituição pelo regime presencial, ao requisito da bilateralidade, visto que exige a concordância e o posicionamento das partes no mesmo sentido.

Questiona-se, portanto, que ao admitir a possibilidade de “delegação” ou transferência ao empregador, da responsabilidade de implantar a infraestrutura adequada e correta para o exercício da função de trabalho, possibilita que o custeio da “estrutura produtiva” seja pago pelo trabalhador, que irá receber reembolso consoante a existência ou não de estipulações no contrato individual de trabalho.


4 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E O PAPEL DE INTERVENÇÃO DO ESTADO

Em primeiro lugar, releva indicar o papel do Estado no contexto da relação juslaboral, pelo que a função de ente estatal, como uma instituição neutra - e acima da relação de trabalho “inter partes” -, é estabelecer o reequilíbrio das forças díspares e opostas dessa relação, através da titularidade do poder (capacidade e aptidão).

E, primordialmente, convém refletir sobre quais as medidas mais adequadas a serem desenvolvidas ou praticadas pelo Estado, a fim de preservar as “contrapartidas” e os princípios protetivos do trabalhador (apenas, em sede de exemplo, a redução dos encargos trabalhistas em termos tributários, que resultam num custo expressivo para o empreendedor, mas que não são diretamente revertidos para a classe trabalhadora).

Destarte, é essencial que se compreender a desproteção do empregado e a precarização do emprego, advindas das alterações de 2017, pelo que esclarece as tendências ideológicas e interesses subjacentes a esta modificação, tornando-se impositivo entender as desvantagens oriundas desta alteração legal.

Observa-se, no que diz respeito ao instituto da precarização, segundo Ricardo Antunes e Luci Praun, “é por um lado, um fenômeno intrínseco à sociabilidade construída sob o signo do capital” (ANTUNES, R.; PRAUN, L. 2015). E, aprofundam ainda os referidos autores, in verbis:

Não existem, nesse sentido, limites para a precarização, mas apenas formas diferenciadas de sua manifestação. Formas capazes de articular em uma única cadeia produtiva desde o trabalho terceirizado, quarteirizado, muitas vezes realizado nas casas dos próprios trabalhadores” (ANTUNES, R.; PRAUN, L. 2015).

Nesta seara, a medida coerente que aqui se propõem refere-se à intensificação do papel dos “aplicadores” na garantia dos direito do trabalho. Portanto, cabe esclarecer a importante função dos intérpretes do direito e juristas, pois serão eles os responsáveis pela aplicação legítima das normas trazidas pela reforma trabalhista.

Destarte, propõe-se a aplicação dos postulados e princípios basilares do Direito Trabalhista, havendo um verdadeiro sopesamento e proporcionalidade entre as regras fixas positivadas e o sentido das normas principiológicas maleáveis.

Devem levar em consideração as “características” da irrenunciabilidade e irredutibilidade do trabalho, referentes às condições de trabalho, e não apenas restritas ao salário do empregado, a fim de que ocorra a garantia do patamar mínimo civilizatório e dos direitos sociais do trabalhador, protegendo também a dignidade da pessoa humana e o valor social do emprego.

Válido confirmar, para tanto, o papel preponderante dos juristas e intérpretes, frente à Reforma Legislativa, pelo que estes deverão interpretar e aplicar os princípios protetivos do empregado, observando os “sobre-princípios” e os postulados da primazia da realidade, da condição mais benéfica ou favorável ao trabalhador e da adequação setorial negociada.

Por último, merece destaque excerto da obra de Ronald Dworkin, em “Levando os Direitos a Sério”, 2010, quanto à problemática do “Poder discricionário”, e da  interpretação com base nas “normas principiológicas” e aplicação dos princípios jurídicos, pelo Julgador no “enfrentamento” do caso concreto, in verbis:

 “Sem dúvida, qualquer uma dessas linhas de inferência trata um corpo de princípios e políticas como padrões obrigatórios para as autoridades de uma comunidade, padrões que regulam suas decisões a propósito de direitos e obrigações jurídicas.” (Pg 61; Cap. 1)

Ou seja, confirma-se a “obrigação” de observar o parâmetro da Proteção como pilar para o exercício do direito do trabalho, com o respeito e valorização das condições favoráveis ao empregado, e para que a reforma trabalhista não represente um verdadeiro retrocesso aos direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora visando à preservação da dignidade humana do trabalhador.

Por fim, nos termos de André Vitorino Alencar Brayner, “Quando uma norma do direito do trabalho estiver cercada de duvida interpretativa, devem-se adotar critérios que melhor favoreçam o empregado, deve-se interpretar de modo mais favorável ao empregado”.


5 CONCLUSÃO

O presente estudo pretendeu visualizar algumas das modificações advindas da Reforma trabalhista, que devem ser debatidas de maneira ampla, no contexto social brasileiro, pois a Reforma Legislativa afeta todas as esferas e classes trabalhadoras.

Portanto, o trabalho acadêmico tem como propósito verificar a problemática da regimentação do regime de teletrabalho, pela Lei 13.467 de 2017, pelo que prenuncia breves análises acerca desse instituto, não possuindo, porém, o objetivo de esgotar ou finalizar as reflexões e críticas sobre o tema.

Outrossim, este artigo científico trata a respectiva temática sob um viés principiológico, indicando a ideia de protecionismo ao empregado, e aos seus direitos, condições e garantias conquistados, e enuncia a defesa do mínimo ético existencial.

Pretende indicar também a questão da contrapartida em benefício do empregado, e da eminente função social do trabalho, exaltando a relevância de se proteger as conquistas sociais da classe trabalhadora. E, para isso, levanta a necessidade de participação das instituições estatais e das pressões sociais, a fim de salvaguardar os direitos e liberdades do trabalhador.

Ademais, no artigo acadêmico se pretende levantar a necessidade da intervenção e fiscalização do teletrabalho por parte do aparato estatal, com o fito “protecionista” a favor dos trabalhadores, importando ainda mais a ação proativa dos entes públicos na defesa dos interesses trabalhistas da sociedade.

No que envolve o tema da flexibilização, é impositivo que o referido fenômeno ocorra sempre visando a ideia postulada da Contrapartida ao trabalhador, estabelecendo condições minimamente vantajosas ao empregado e protegendo a parte hipossuficiente.

Finalmente, a relação do poder discricionário trazido por Dworkin e a regulamentação do teletrabalho apela para as atribuições dos juristas a fim de que assegurem as garantias e condições de trabalho, enfrentando as mitigações trazidas pela Lei 13.467, nas normas de saúde, medicina e segurança do trabalho.

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