1. Na teoria do processo penal, avultam dois princípios, sobre todos venerandos, a saber: a certeza é a única base legítima de condenação; a dúvida aproveita sempre ao acusado.
Em atenção a suas consequências deletérias, e pelo comum irreparáveis, uma decisão condenatória deverá apoiar-se em prova plena e cabal da materialidade do fato criminoso, de sua autoria e da culpabilidade do agente.
Não há o que opor a essa providencial cautela. Eis porque, ao tratar da condenação, a unanimidade dos juristas faz caso e cabedal da prova excelente.
Cai a ponto a antiga fórmula, de voga desembaraçada nos pretórios da Justiça Criminal: “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).
Destarte, pela razão contrária, desde que inidônea a prova a que se abordoe a pretensão punitiva, será força absolver o acusado, em obséquio à máxima de jurisdição universal: “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu).
A lição do maior de nossos penalistas é, a esse respeito, constantemente invocada:
“A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).
Aqui entra, como em seu lugar, um elemento inerente à função judicante: apurado senso ético ou dignidade de inteligência do magistrado, em que reside sua força moral (1).
Da mesma sorte que lhe é defeso desconhecer nas hipóteses que o autorizam a cláusula salutar do “In dubio pro reo”, também lhe não cabe invocar o vetusto e retrilhado aforismo jurídico por âncora de salvação do culpado.
2. Muita vez, a imposição da pena — que Platão chamava de medicina da alma — será inelutável, pois “traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais, 1945,p. 131).
Ao demais, não é para esquecer que, segundo doutrina altamente reputada, “o valor probante dos indícios e presunções, no sistema do livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas” (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual, 1a. ed., vol. II,p. 378).
Vigente a regra de direito “Nemo tenetur se ipsum accusare” (ninguém é obrigado a acusar-se), a verdade raramente chega ao templo da Justiça pela boca do réu; aliás, quando este entra a falar, parece que é para acrescentar o prestígio daquele prolóquio atribuído a Talleyrand, ministro de Napoleão: “A palavra foi dada ao homem para esconder o pensamento” (apud Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-‑Penais, 1945, p. 233).
Na apuração da verdade real — alma e escopo do processo — todo elemento de convicção se mostra atendível, nenhum é excluído“a priori”.
A advertência de Bento de Faria (1876-1959), preclaro ministro do Supremo Tribunal Federal, faz ao nosso intento:
“Se o espírito humano, consoante a observação de Framarino, na maioria das vezes não atinge a verdade senão por via indireta (Lógica das Provas, I, p. 1, cap. III), esse fato mais acentuadamente se observa nos Juízos criminais onde cada vez mais a inteligência, a prudência, a cautela do criminoso tornam difícil a prova direta” (Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 125).
3. À derradeira, versando a questão jurídica da simulação, discorreu por este feitio o consagrado jurista José Beleza dos Santos:
“Raras vezes se pode obter uma prova direta da simulação, porque aqueles que efetuam contratos simulados, em regra, ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as trevas, como já diziam os velhos praxistas”.
E logo mais abaixo diz que:
“Produzidas todas as provas com que possa demonstrar-se a simulação, é do seu exame ponderado e escrupuloso que o Juiz pode concluir se o ato jurídico foi ou não simulado.
E para chegar a uma conclusão vedadeira, que o possa conduzir a uma decisão justa, mais que as regras formuladas pela doutrina, podem auxiliá-lo a sua experiência dos homens e das coisas, o seu desejo de julgar honestamente, e esse obscuro sentimento da justiça que é, na bela frase de Maeterlinck, uma estrela que se forma na nebulosa dos nossos instintos e da nossa vida incompreensível” (A Simulação em Direito Civil, 1999, pp. 441 e 454; Lejus; São Paulo).
Em suma: ao Juiz cabe não só proclamar a inocência do réu, se incomprovada sua acusação, mas também decretar-lhe a condenação quando o incriminarem com segurança as provas dos autos.
A quebra de tal preceito implicará por força aberração: no primeiro caso, por iniquidade e arbítrio do juízo; no segundo, à conta de lassidão e pusilanimidade do aplicador da lei e executor de sua vontade.
A toga do Magistrado converter-se-á, então, em sudário; a Justiça (alento e esperança dos fracos e oprimidos), essa decairá da confiança do povo, que já não saberá recomendar bem aqueles que a administram.
Nota
(1) Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “O novo desembargador, antes de tomar assento, prestará perante o Presidente, o compromisso formal de cumprir com retidão, amor à Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os deveres do cargo (...)”.