Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A prescrição intercorrente no âmbito do artigo 921 do Novo Código de Processo Civil

Agenda 18/07/2018 às 10:34

O artigo tem como objetivo abordar a aplicabilidade da prescrição intercorrente, agora regulada pelo artigo 921 do Código de Processo Civil, com foco no caso de suspensão dos autos por ausência de bens passíveis de penhora.

A prescrição, como instituto de direito material, define-se pela extinção da possibilidade de exigir, perante o Judiciário, sua efetiva prestação jurisdicional.  

De acordo com o artigo 189 do Código Civil: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Neste sentido, a prescrição caracteriza-se como uma sanção ao titular do direito, que devido à ausência de atividade humana, em determinado lapso temporal, tem a sua pretensão extinta. Desta forma, entende o doutrinador Flavio Tartuce[1] que:

 “Se o titular do direito permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre aos que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais.”

Trata-se de um instituto extraprocessual que se extingue antes de uma ação ser ajuizada.

A princípio, exercida a pretensão através do ajuizamento da ação, restaria afastada a possibilidade de reconhecimento da prescrição.

Ocorre que, com a institucionalização da prescrição intercorrente, mesmo com o despacho que determina a citação e interrompe o prazo prescricional (art. 240, §1, CPC[2]), pode voltar a correr o prazo prescricional se o demandante deixar de exercer os atos que lhe competem. Assim é que se define a prescrição intercorrente.

Sergio Mattos[3], em doutrina coordenada pela brilhante processualista Teresa Arruda Alvim Wambier, define os pressupostos para configuração da prescrição intercorrente nos seguintes dizeres:

“Se consuma no curso da execução, desde que se configurem os respectivos pressupostos, ou seja, que o (a) exequente deixa de promover diligencia a seu cargo e (b) transcorra, na inércia, o período de tempo estabelecido como prescricional para a execução” (Teori Albino Zavaski, Comentários ao Código de Processo Civil, v.8, p. 392). Entende-se, ainda, que “é necessária a intimação pessoal do autor da execução para o reconhecimento da prescrição intercorrente” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1422606/SP, 3.ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, v.u., j. 19.08.2014, DJe 02.09.2014; e STJ, AgRg no AREsp 585.415/SP, 4.ª T., rel. Min Maria Isabel Gallotti, v.u., j. 25.11.2014, DJe 09.12.2014).”

 No ordenamento jurídico, a prescrição intercorrente teve o primeiro indício de aplicabilidade no Decreto Lei nº 20.910/1932, em seu artigo 9º [4], norma esta que regula a prescrição quinquenal nas dívidas passivas da União, Estados e municípios, bem como a Fazenda Pública.

Ainda que não seja de forma clara a possibilidade de ocorrência de prescrição após iniciado o processo, foi a partir deste decreto que iniciaram os primeiros sinais.

            Posteriormente, a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830/1980), com a alteração feita em 2004, dispôs em seu artigo 40, §4º: “Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”.

No âmbito das relações jurídicas privadas, não havia legislação que regulasse referido instituto. Em meados dos anos 60, foi editada a Súmula 150 pelo Superior Tribunal Federal, a qual tinha a seguinte redação: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.

A partir deste marco, foi apenas um passo para que o instituto passasse a ter aplicabilidade em diversos casos, além dos previstos na lei de execução fiscal.

A divergência quanto a sua aplicação, bem como o elastecimento da vigência da regra fora do âmbito exclusivamente material, causou grande controvérsia, até que fosse incorporada ao novo ordenamento processual, com o início de vigência do atual Código de Processo Civil.

O novo Código de Processo Civil previu expressamente a possibilidade de extinção dos autos quando da ocorrência de prescrição intercorrente. Assim é o que dispõe o artigo 921, IV do Código de Processo Civil[5]{C}. Esta somente ocorre nos processos de execução, entendida como execução de título extrajudicial ou mesmo para os cumprimentos de sentença, não sendo possível a sua ocorrência em fase de conhecimento.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Isto porque, nesta fase (conhecimento), em caso de inércia do Autor em praticar os atos que lhe eram cabíveis durante prazo superior ao de 30 (trinta) dias, o fenômeno que se dá é o do abandono da causa. Neste caso, cabe ao magistrado intimar a parte pessoalmente para, no prazo de cinco dias, suprir a falta e, permanecendo este inerte, proferirá uma sentença terminativa, ou seja, sem análise do mérito, com base no artigo 485, III do vigente Código de Processo Civil[6].

A divergência que se encontra é no sentido que o artigo 921 expressamente prevê a possibilidade de suspensão dos autos quando não existirem bens passíveis de penhora. Referida suspensão não implica em inércia do credor, o qual praticou todos os atos que lhe eram cabíveis para promover o regular andamento ao feito e obter a integral satisfação de seu crédito, porém, por não possuir o devedor bens para honrar com sua obrigação, não há mais atos a serem praticados.

Por isto o artigo 921 por bem entendeu em suspender os autos. Ou seja, estando suspenso o processo, não há que se falar em desídia do credor em promover o regular andamento ao feito, somente depois de findo o prazo a que alude o §1, sem manifestação do exequente.

Em que pese à nova lei processual tenha regulamentado prazo para suspensão, assim não o era quando da vigência do CPC/73. O que causou muita contradição foi a jurisprudência, durante longo decurso de tempo, subordinar o instituto da prescrição intercorrente ao abandono da causa. Ora, na ausência de regulamentação legal sob a vigência daquele códex, tal instituto jamais poderia ser aplicado às causas suspensas por ausência de bens.

Isto porque, enquanto suspenso o processo, não foi deixado de praticar nenhum ato que lhe era inerente. A suspensão em verdade, é alheia a vontade do Autor, não havendo que se falar em abandono da causa. Conforme ressaltado, o abandono processual em muito se difere do instituto da prescrição intercorrente, não sendo admissível que tais institutos sejam equiparados a fim de punir o credor em face da ocultação de bens pelo devedor. Não é medida razoável que se impõe, fugindo da justiça que se espera do Estado.

Acerca do tema, o doutrinador Flávio Tartuce[7] entende que:

[...] Em uma realidade de justiça cível célere, o instituto da prescrição intercorrente até poderia ser admitido. Sendo assim, se o Novo CPC realmente agilizar os procedimentos e diminuir a demora das demandas, a prescrição intercorrente poderá ser saudável. Caso contrário, poderá ser um desastre institucional.

Em complemento, temos sustentado em palestras e exposições sobre o Novo CPC que, em casos de patente má-fé do devedor que, por exemplo, vende todos os seus bens e se ausenta do País, para que corra a prescrição intercorrente, esta não deve ser admitida. Para dar sustento a tal forma de pensar, lembramos que a boa-fé objetiva é principio consagrado não só pelo Código Civil, mas também pelo Estatuto Processual Emergente, especialmente pelo seu artigo 5º.”

Conforme ressaltado pelo I. Prof. Mestre e Doutor Jorge Amaury Maia Nunes, em artigo publicado conjuntamente com o Mestre Dr. Guilherme Pupe da Nóbrega:

“O Judiciário, por acúmulo de trabalho, inércia, ou qualquer outro motivo, não age e transfere a consequência do seu não-agir para o cidadão, declarando a ocorrência da prescrição intercorrente, premiando o executado ladino, hábil prestidigitador da ocultação patrimonial, que, após a declaração da ocorrência da prescrição poderá “repatriar” seu patrimônio para a claridade solar, em verdadeiro deboche ao direito do credor, que nada mais poderá fazer.”

 

Imputar tal encobrimento em nome do princípio da segurança jurídica, como é o argumento utilizado pela jurisprudência, é de causar muita indignação. Afinal, a quem prestigia essa segurança? Ao que tudo indica, favorece apenas o devedor que, com meios ardilosos, ocultou seus bens durante o período de tempo necessário para ver-se acobertado pelo manto da prescrição intercorrente. Esta é a justiça que decorre do referido instituto criado.


[1] TARTUCE, Flávio. Direito Civil v. 1: lei de introdução e parte geral. 14ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 502.

[2] Art. 240.  A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). § 1o A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

[3] Wambier, Teresa Arruda Alvim. Didier Junior, Fredie. Talamini, Eduardo. Dantas, Bruno. Breves Comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1795.

[4] Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo.

[5] Art. 921.  Suspende-se a execução: IV - se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis;

[6] Art. 485.  O juiz não resolverá o mérito quando: III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

[7] TARTUCE, Flávio. Direito Civil v. 1: lei de introdução e parte geral. 14ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 512.

REFERÊNCIAS

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

MELO FILHO, João Aurino de. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/enquadramento-constitucional-da-prescri%C3%A7%C3%A3o-intercorrente-jurisprudencial-e-legal-nas-execu%C3%A7> Acesso em 26 de junho de 2018.

Nunes, Jorge Amaury Maia; Nóbrega, Guilherme Pupe da. Disponível em: <http://m.migalhas.com.br/coluna/processo-e-procedimento/256480/prescricao-extintiva-e-prescricao-intercorrente-vistas-sob-a-otica-do#curriculum>  Acesso em 26.06.2018.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil v. 1: lei de introdução e parte geral. 14ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Wambier, Teresa Arruda Alvim. Didier Junior, Fredie. Talamini, Eduardo. Dantas, Bruno. Breves Comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

Sobre a autora
Amanda Vivoda

Advogada Pós-Graduanda em Direito Processual pela PUC/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado para conclusão de semestre na especialização em Direito Processual Civil junto a PUC/SP.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!