A terceirização da atividade principal e a Lei 13.467/2017
Pelas mais distintas razões, empregados e empregadores sempre reclamaram da ausência de lei que regulamentasse o instituto da terceirização. O que se tinha até então era apenas a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que regulamentava a terceirização.
Com o advento da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, o instituto da terceirização passou a ser regulamentado, ainda que de forma sucinta. Como em parte será visto mais a frente, a regulamentação consiste basicamente em cinco artigos, com seus incisos, parágrafos e alíneas. Por um lado, alguns esperavam que a regulamentação da terceirização fosse muito mais ampla e nesse sentido tivesse detalhado vários outros aspectos.
No entanto, sob outra lógica e com a qual concordo, a regulamentação da terceirização é redundante e assim totalmente desnecessária. Vez que o administrador[1] no ambiente empresarial tem total liberdade para fazer uso das diversas técnicas disponíveis, inclusive da terceirização.
Na contemporaneidade a globalização da economia se expande contínua e intensamente. As empresas competem mundialmente e em todos os países como num único mercado. Nesse mercado, a concorrência empresarial e a competição se ampliam e se tornam ainda mais acirradas. Em contexto econômico muito competitivo para que a empresa[2] se mantenha em condições plenas de competir, é necessário que busque superar as suas deficiências.
Esse é o contexto onde a terceirização é melhor compreendida, considerando-se em especial o ambiente empresarial e o conhecimento que se tenha do processo de produção.
Terceirização é a expressão/denominação que está consagrada pela doutrina. Em essência, a terceirização envolve as ciências da administração, do direito empresarial, da economia e também do direito do trabalho, etc. Por esses aspectos a terceirização é considerada interdisciplinar e como tal contempla diversas interpretações.
Para fins desse estudo, o mais adequado e melhor entendimento é o que considera a terceirização como sendo uma ferramenta ou uma técnica empresarial. Como técnica, a importância da terceirização está intensamente relacionada com a racional e adequada utilização que lhe for dada. Citem-se alguns exemplos, a importância poderá estar vinculada a diminuição de custos, ao aumento de produtividade ou à melhoria da qualidade do produto, ou ainda, a outras razões, a critério do administrador. E no limite, a terceirização poderá até tornar o produto final mais caro, obviamente contando que a qualidade final seja melhor. Veja-se que as razões para terceirização são inúmeras, a gosto do administrador.
Concebe-se a terceirização, essencialmente a partir da estrutura da empresa, sempre tendo em vista os seus processos de produção. Toda empresa compreende processo ou processos de produção, como tais contendo módulos, fases, etapas, etc, sendo que todos têm potencial para serem terceirizados.
Processo é um conjunto de procedimentos e atividades fundamentais dispostas sistematicamente e em regra, utilizado pelas organizações para realizarem tarefas e atingirem objetivos. Um processo de produção integral e completo poderá ter início na idealização e concepção do produto, passando pela elaboração, pela comercialização e sendo concluído com a entrega do produto e a consulta ao cliente para verificação de satisfação.
Nesse sentido afirmam Larry P. RITZMAN e Lee J. KRAJEWSKI[3] que individualmente processo é qualquer atividade ou conjunto de atividades que parte de um ou mais insumos, transformando-os ou agregando valor, criando um ou mais produtos ou serviços.
Segundo Reinaldo Oliveira da SILVA[4], projeto organizacional é o processo de elaboração e ajustamento da estrutura de uma organização, para o alcance das suas metas. Ainda, para este autor, “um processo é qualquer sistema operacional ou administrativo que transforma insumos (entradas) em produtos (saídas) valiosos”. Em síntese, processo de produção compõe-se de três elementos associados: trabalho, matéria-prima e instrumentos de produção.
Mas, o que é terceirização?
Terceirização é a transferência de parte do processo de produção a terceiro. Possivelmente esta é a forma mais simples de conceituar o tema. A doutrina diverge muito sobre como caracterizar e conceituar terceirização. Isso não causa surpresa, levando-se em conta que o seu conteúdo é bastante extenso. O Direito reconhece a terceirização como relação típica e oriunda do ambiente empresarial, bem como seus desdobramentos e implicações.
Portanto, estabelecer os seus limites constitui difícil tarefa, sendo que a maior dificuldade está relacionada com a vasta quantidade e diversidade de processos de produção, comportando distintas aplicações de terceirização.
Rubens Ferreira de CASTRO[5] conceitua terceirização como sendo o vocábulo utilizado para designar uma moderna técnica de administração de empresas que visa ao fomento da competitividade empresarial através da distribuição de atividades acessórias a empresas especializadas nessas atividades, a fim de que possam se concentrar no planejamento, na organização, no controle, na coordenação e na direção da atividade principal.
Ciro Pereira da SILVA[6] explica que terceirização é a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e ganhando competitividade.
Por uma simples leitura facilmente se constata que os conceitos ora apresentados são anteriores ao surgimento da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. É que, de um modo geral, tais conceitos mencionavam a possibilidade de terceirizar várias atividades, contudo, faziam ressalvas quanto à possibilidade de terceirizar a atividade principal.
É possível verificar que a grande maioria dos doutrinadores (quase todos) considerava como sendo possível terceirizar apenas as outras atividades da empresa, que não a (considerada) atividade principal. Este entendimento se baseava nas decisões dos Tribunais Trabalhistas, fundamentadas na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Basicamente, esta Súmula previa que apenas as atividades-meio poderiam ser terceirizadas.
Com o advento da Lei 13.467/2017, não há mais restrição em relação a conteúdo ou amplitude, enfim nenhum tipo de limitação quanto ao que poderá ser terceirizado.
Sobre terceirização veja-se o que dispõe a Lei, nos termos do dispositivo específico.
Art. 2o A Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 4o- A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.” (NR)[7]
Depreende-se do dispositivo legal que a prestação de todo e qualquer serviço poderá ser transferida, inclusive daquele serviço que constitua a atividade principal da empresa.
Observe-se que “transferência (...) de quaisquer de suas atividades” e “inclusive sua atividade principal”, são expressões (até repetitivas) do texto legal que bem demonstram a intenção do legislador de destacar que a partir da vigência da Lei 13.467/2017 tudo poderá ser terceirizado. Portanto, é seguro afirmar que qualquer atividade poderá ser terceirizada, inclusive a atividade principal. Não há mais nenhuma dúvida quanto a isso. Este é o aspecto mais relevante da nova regulamentação, vez que anteriormente não era possível terceirizar a atividade principal, ao menos nos termos contidos na Súmula 331.
O foco na terceirização (da atividade principal) efetivamente constituirá a questão fundamental e mais importante a partir de agora. Certamente será a isso que os estudiosos e especialistas da administração irão se dedicar!
A previsão em lei de que a terceirização poderá compreender qualquer prestação de serviço, inclusive a atividade principal, significa claramente um espetacular avanço para o aprimoramento e enriquecimento do processo de produção. Portanto, a partir da vigência da Lei 13.467/2017, o conteúdo da terceirização passa a ser irrestrito e como tal não tendo nenhuma limitação quanto ao que possa ser terceirizado. O que poderá ou o que deverá ser terceirizado, em última análise, sempre esteve e estará a critério do administrador. Evidente que isso nem poderia ser de outra forma, já que um dos principais objetivos do administrador é melhorar a qualidade do produto para tornar a empresa mais competitiva.
Por fim, com a terceirização (ferramenta/técnica) ampla, portanto, sem restrições de nenhum tipo e de nenhuma natureza, é de se esperar um enorme incremento/aperfeiçoamento no processo de produção que seguramente redundará na qualidade final do produto (resultado). Isso é o que se projeta e se espera em termos de perspectiva considerando a ampla liberdade para terceirizar. Tudo dependerá da criatividade e da ousadia do administrador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>
CASTRO, Rubens Ferreira de. A terceirização no direito do trabalho. São Paulo: Malheiros, 2000.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
DIAS, Reinaldo. Quarteirização. Campinas: Editora Alínea, 1998.
DRUCKER, Peter Ferdinand. A Sociedade Pós-Capitalista. 6ª ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Tradução de Cristiana Serra e S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
GIOSA, Lívio Antonio. Terceirização: uma abordagem estratégica. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 12ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o Direito do Trabalho. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2001.
RITZMAN, Larry P. e KRAJEWSKI, Lee J. Administração da produção e operações. Tradução Roberto Galman, revisão técnica Carlos Eduardo Mariano da Silva. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.
SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997.
SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
[1] No contexto deste trabalho, o termo ‘administrador’ será utilizado para designar a pessoa a quem cabe à orientação, direcionamento e em última análise a gestão do processo de produção.
[2] No contexto deste trabalho, o termo ‘empresa’ será utilizado para caracterizar o organismo socioeconômico, integrado por elementos técnicos, materiais e humanos, orientados para determinada atividade que visa obter lucro, notadamente.
[3] RITZMAN, Larry P. e KRAJEWSKI, Lee J. Administração da produção e operações. Tradução Roberto Galman, revisão técnica Carlos Eduardo Mariano da Silva. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004, p. 2.
[4] SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 487.
[5] CASTRO, Rubens Ferreira de. A terceirização no direito do trabalho. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 78.
[6] SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997, p. 30.
[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm