Um dos princípios fundamentais da nossa Republica Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, bem como tem o objetivo fundamental reduzir as desigualdades sociais e regionais.
A dignidade da pessoa humana esta ligada a qualidade intrínseca de cada ser humano, fazendo-se merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. São direitos e deveres que lhe venham a garantir o mínimo de existência para uma vida saudável em sociedade, reduzindo as desigualdades sociais, preceitos fundamentais descritos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Com tantas evoluções dentro da sociedade e na propriedade, o Estado, Poder Público, bem como outros entes, trabalharam e ainda trabalham para fazer valer os princípios fundamentais, o que se compreende da inclusão do ser humano com deficiência física ou com a mobilidade reduzida.
A Constituição Federal (art. 22, II) estabelece competência comum dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências. Logo adiante, no art. 24, inciso XIV, determina que é competência da União, Estados e ao Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre a proteção e integral das pessoas portadoras de deficiência.
A questão de tão importante que, no nosso ordenamento brasileiro existem várias leis dispondo sobre tal.
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
Começamos com o Decreto nº 6.949/2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Esta Convenção tem status de emenda constitucional, ou seja, integra nossa Constituição de Federal. O propósito dela é:
promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. (Grifo nosso).
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
A importância deste decreto foi a introdução de diretrizes e políticas para influenciar a promoção, formação e programas em níveis nacional, regional e internacional, equiparando mais as oportunidades para as pessoas com deficiência, bem como integrando oportunidades de independência e liberdade para fazer as próprias escolhas.
Reconhecendo suas contribuições e participações na sociedade, a qual resultará um grande avanço para o desenvolvimento humano, social e econômico.
LEI FEDERAL Nº 10.098/2000
A Lei Federal nº 10.098/2000, a qual estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 5.296/2004, o qual destaco o art. 18:
Art. 18. A construção de edificações de uso privado multifamiliar e a construção, ampliação ou reforma de edificações de uso coletivo devem atender aos preceitos da acessibilidade na interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, conforme os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT.
Parágrafo único. Também estão sujeitos ao disposto no caput os acessos, piscinas, andares de recreação, salão de festas e reuniões, saunas e banheiros, quadras esportivas, portarias, estacionamentos e garagens, entre outras partes das áreas internas ou externas de uso comum das edificações de uso privado multifamiliar e das de uso coletivo.
O decreto também determina que os teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, casas de espetáculos, salas de conferência e similares, deverão reservar pelo menos 2% da lotação do estabelecimento para as pessoas usuárias de cadeira de rodas, distribuídos pelo recinto em locais diversos, de boa visibilidade, próximos aos corredores, devidamente sinalizados, evitando-se áreas segregadas de público e a obstrução das saídas, em conformidade com as normas técnicas de acessibilidade da ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas.
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Com relação aos condomínios, esta lei foi um grande avanço para sociedade, instituindo a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência), o qual destaco o art. 58:
Art. 58. O projeto e a construção de edificação de uso privado multifamiliar devem atender aos preceitos de acessibilidade, na forma regulamentar. (Grifo nosso)
§ 1o As construtoras e incorporadoras responsáveis pelo projeto e pela construção das edificações a que se refere o caput deste artigo devem assegurar percentual mínimo de suas unidades internamente acessíveis, na forma regulamentar.
§ 2o É vedada a cobrança de valores adicionais para a aquisição de unidades internamente acessíveis a que se refere o § 1o deste artigo.
A referida lei trouxe várias inovações e mudanças no tema, em respeito ao princípio da igualdade e autonomia individual, entretanto, em que pese o artigo 58 menciona sobre os preceitos de acessibilidade no projeto e na construção de edificações de uso multifamiliar, este carecia de efetividade por parte das incorporações imobiliárias, deixando de seguir a regra.
A marcha infinita de afirmação dos direitos das pessoas com deficiência, fez com que, recentemente, este artigo foi regulamentado pelo Decreto nº 9.451, de 26 de julho de 2018, passando a dispor sobre os preceitos de acessibilidade relativos ao projeto e à construção de edificação de uso privado familiar. Destacamos o art. 2:
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I - edificação de uso privado multifamiliar - aquela com duas ou mais unidades autônomas destinadas ao uso residencial, ainda que localizadas em pavimento único;
II - unidade internamente acessível - unidade autônoma de edificação de uso privado multifamiliar, dotada de características específicas que permitam o uso da unidade por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, observado o disposto nos Anexos I e II;
III - unidade adaptável - unidade autônoma de edificação de uso privado multifamiliar cujas características construtivas permitam a sua adaptação, a partir de alterações de layout , dimensões internas ou quantidade de ambientes, sem que sejam afetadas a estrutura da edificação e as instalações prediais, observado o disposto neste Decreto;
IV - unidade com adaptação razoável - unidade autônoma de edificação de uso privado multifamiliar, com modificações e ajustes realizados por meio de tecnologia assistiva e de ajuda técnica, a que se refere o Anexo II, que permitam o uso da unidade por pessoa com deficiência auditiva, visual, intelectual ou nanismo; e
V - data do início da obra - a data de emissão do Cadastro Específico do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - CEI. Parágrafo único. A alteração da quantidade de ambientes a que se refere o inciso III do caput somente poderá ser efetuada nas unidades autônomas com área privativa de, no máximo, setenta metros quadrados.
Merecem atenção também os artigos 7º e 8º, do Decreto acima referido:
Art. 7º As áreas de uso comum das edificações de uso privado multifamiliar deverão ser acessíveis e atender aos requisitos estabelecidos nas normas técnicas de acessibilidade vigentes.
Art. 8º Serão reservados dois por cento das vagas de garagem ou estacionamento, vinculadas ao empreendimento, para uso comum, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, sem prejuízo do disposto no art. 47 da Lei nº 13.146, de 2015.
§ 1º Na hipótese de o percentual previsto no caput resultar em número menor do que um, os empreendimentos deverão garantir, no mínimo, a reserva de uma vaga de garagem ao estacionamento para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade.
§ 2º Ressalvado o disposto no § 1º, na hipótese de a aplicação do percentual previsto no caput resultar em número fracionado, as casas decimais da fração serão desprezadas.
§ 3º As vagas a que se refere o caput deverão ser localizadas próximo às rotas acessíveis de pedestres ou aos elevadores, atender aos requisitos estabelecidos nas normas técnicas de acessibilidade vigentes e ficar sob a administração do condomínio em área comum. (Grifo nosso).
§ 4º O morador com deficiência com comprometimento de mobilidade e que tenha vaga vinculada à sua unidade autônoma poderá solicitar uma das vagas sob a administração do condomínio a qualquer tempo, hipótese em que o condomínio deverá ceder a posse temporária da vaga acessível em troca da posse da vaga vinculada à unidade autônoma do morador.
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica aos empreendimentos que não ofertem vagas de estacionamento vinculadas às unidades autônomas da edificação.
Os requisitos estabelecidos na norma técnica de acessibilidade vigentes, do qual fala o artigo acima, se refere a Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 9050/2004, a qual tem como objetivo estabelecer critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade.
Este Decreto visa assegurar a pessoa com deficiência, uma maior acessibilidade no acesso as suas unidades e áreas comuns, bem como determinando a reserva de vagas para pessoas com mobilidade reduzida e em especial, estabelecendo diretrizes para construção de tais vagas no estacionamento nos condomínios edilícios.
Portanto, se tornará obrigatório, após 18 (dezoito) meses da data de sua publicação, as incorporadoras em suas edificações novas, devem incluir nos projetos as diretrizes estabelecidas pelo Decreto nº 9541/2018, e incorporando a acessibilidade em todas as áreas comuns, bem como as unidades autônomas, que deverão ser adaptáveis de acordo com o comprador, sem custo extra aos proprietários.
Segundo o secretário nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Marco Pellegrini, “com a regulamentação de mais um artigo da LBI, o Brasil avança ainda mais na garantia de direitos das pessoas com deficiência. Com a assinatura do Decreto 9.451/2018, a pessoa com deficiência, poderá adquirir qualquer apartamento e solicitar que sua unidade seja acessível de acordo com sua condição".
As adaptações devem facilitar a vida das pessoas com deficiências e pessoas com mobilidade reduzida, tais como idosos, pessoas que necessitam do uso de andadores, bengalas de apoio, cadeirantes, mães com crianças no colo ou carrinhos, deficientes visuais, todos aqueles que dependem de acessibilidade especial, tendo todos o pleno gozo dos mesmos direitos que os demais.
Em vários julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vêm dando provimento aos recursos para aqueles que necessitem que modificações em partes no condomínio, conforme segue abaixo:
(cn) EMENTA APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – MORADORAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA – AUSÊNCIA DE ACESSIBILIDADE – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – VAGAS DE GARAGEM – DILAÇÃO DE PRAZO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS NO LOCAL.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê que as regras de acessibilidade se aplicam às edificações já existentes – rampa de acesso, porta de vidro, rebaixamento dos interfones, vagas na garagem; - Dano moral configurado: negligência da síndica e do condomínio para com as autoras, pois mesmo após pedidos de auxílio e mudanças internas, as medidas não foram feitas, além de ter sido negado auxílio dos funcionários; - Dilação do prazo para realização das obras na garagem do condomínio. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-SP 10218477620168260003 SP 1021847-76.2016.8.26.0003, Relator: Maria Lúcia Pizotti, Data de Julgamento: 28/02/2018, 30ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 07/03/2018).
Em relação a este julgado, merece ser transcrito parte do voto da relatora: “Além de o condomínio não apresentar edificações compatíveis com a legislação vigente – mesmo que seja uma edificação antiga (construção dos anos de 1990) –o que se relata nos autos é uma negligência e indiferença com as autoras. Isso porque, mesmo após a procura por mudanças, a síndica sequer permitiu que os funcionários do prédio auxiliassem as autora, ao argumento de que seria “um desvio de função”. Referido auxílio era prestado por funcionários nas gestões anteriores, o que indica que tal proibição configura má fé, ou até mesmo “perseguição” por parte da síndica. Logo, indiscutível o abalo na honra e imagem das moradoras, que diariamente se viam privadas de usufruir das áreas comuns e de ter pleno gozo dos mesmo direitos que os demais condôminos”.
Este voto da Desembargadora Maria Lúcia Pizotti, mostra que, apesar de se tratar de um edifício antigo, a necessidade de se observar os princípios balizadores do EPD, devendo inclusive ser efetivados por todos, inclusive pelo poder Judiciário em favor da pessoa com deficiência para fazer garantir os direitos fundamentais.
Muito embora não haja o dever de realizar as obras de adaptações, deve-se adotar um olhar mais humanizado ao próximo, repreendendo-se cada vez mais a desigualdade, valorizando cada vez mais a pessoa humana em seus direitos.
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. OBRA DE ACESSIBILIDADE. EDIFICAÇÃO DE RAMPA DE ACESSO. MORADORES COM CAPACIDADE DE LOCOMOÇÃO REDUZIDA. INSTALAÇÃO QUE SE IMPÕE. LEI FEDERAL Nº 10.048/2000 C/C ARTIGOS 5º E 244, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O ATENDIMENTO À DISPOSIÇÃO LEGAL E À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DEVE SER PRESTIGIADO, EM PREJUÍZO A DECISÕES ASSEMBLEARES. SENTENÇA MODIFICADA PARA DETERMINAR A ADAPTAÇÃO DOS ACESSOS, MEDIANTE MULTA DIÁRIA. RECURSO PROVIDO. (Grifo nosso).
(TJ-SP – APL: 00055817620118260562 SP 0005581-76.2011.8.26.0562, Relator: Coelho Mendes, Data de Julgamento: 08/04/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de publicação: 10/04/2014).
Portanto, garantir o bem estar do cidadão é um dos valores supremos da sociedade, transformando essas ações de modo uniformizado, sendo um grande avanço para os condomínios edilícios, facilitando a vida das pessoas e reduzindo as desigualdades existentes.