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Os efeitos da sentença que decreta a falência em relação aos credores

Apesar de o legislador adotar o termo “sentença declaratória”, esta tem caráter constitutivo. Dela decorrem diversos efeitos.

RESUMO: O presente artigo tem como tema a sentença que decreta a falência e seus efeitos sobre os credores do falido. A temática abordada é relevante, tendo em vista a importância dos efeitos da sentença que decreta a falência dentro do processo falimentar, especialmente sobre os credores, os maiores interessados na massa falida, que almejam o recebimento de seu crédito. De forma específica, busca-se realizar uma abordagem histórica e conceitual da falência, bem como discorrer da sentença declaratória da falência e de seus efeitos sobre os credores do falido. No âmbito da metodologia, realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e documental, associada ao método dedutivo. Conclui-se que a sentença declaratória da falência possui caráter constitutivo, produzindo diversos efeitos nos credores como a formação da massa falida subjetiva; suspensão das ações individuais em curso contra a sociedade falida; suspensão do curso da prescrição; suspensão da fluência dos juros; vencimento antecipado dos créditos; suspensão do direito de retenção. Tais efeitos buscam facilitar o adimplemento das obrigações por parte do devedor, de forma a garantir aos credores o recebimento de seu crédito.

Palavras-chave: Falência; Direito Empresarial; Sentença Constitutiva; Credores; Direito Processual.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema a sentença que decreta a falência, abordando os seus efeitos sobre os credores do falido.

A temática abordada é relevante, tendo em vista a importância dos efeitos da sentença que decreta a falência dentro do processo falimentar, especialmente sobre os credores, os maiores interessados na massa falida, que almejam o recebimento de seu crédito.

No presente trabalho, utilizou-se a pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e documental, por meio do método dedutivo.

O objetivo geral pauta-se na análise dos efeitos da sentença que decreta a falência sobre os credores do falido. De forma específica, objetiva-se a abordagem histórica e conceitual da falência, bem como a análise da sentença declaratória da falência e de seus efeitos sobre os credores do falido.


1. A FALÊNCIA

1.1. As origens históricas do direito falimentar

Na Roma antiga, houve um período em que a pessoa do devedor era a garantia do credor, respondendo por suas obrigações com a própria liberdade e às vezes até mesmo com a própria vida. Assim, este poderia, por exemplo, tornar-se escravo do credor por certo tempo, bem como entregar-lhe em pagamento da dívida uma parte do seu corpo. Referido sistema perdurou até 428 a. C, quando surgiu a Lex Poetelia Papiria, em que o direito romano passou a conter regras que consagravam a responsabilidade patrimonial e não a responsabilidade pessoal do devedor (RAMOS, 2013).

Na Idade Média, o direito falimentar foi organizado e sistematizado pelos italianos, formando características, que podem até ser vistas como precursoras do atual direito falimentar. Contudo, ainda nesta época essas regras se aplicavam indistintamente a todos os devedores, sendo eles comerciantes ou não (RAMOS, 2013).

O marco da grande mudança em relação ao devedor insolvente ocorreu na França, em 1807, com a edição do Código Napoleônico, também chamado Code de Commerce (Código de Comércio), que dividiu o direito privado em dois ramos autônomos: direito civil e o direito comercial. Este último, responsável por reger as atividades mercantis, firmou-se como regime jurídico especial aplicável aos devedores insolventes que se revestiam da qualidade de comerciantes (RAMOS, 2013).

Nos dias hodiernos, a falência não é mais vista como uma punição ao devedor insolvente desonesto, mas sua grande preocupação “é a preservação da empresa, razão pela qual a legislação tenta fornecer ao devedor em crise todos os instrumentos necessários à sua recuperação, reservando a falência apenas para os devedores realmente irrecuperáveis” (RAMOS, 2013, p.616).

1.2. Definição de falência

Quando o ativo (bens) do devedor é insuficiente para a satisfação do seu passivo (débitos) caracteriza-se a sua insolvência. Diante desta, estabelece o arcabouço normativo uma execução especial:

na qual todos os credores deverão ser reunidos em um único processo, para a execução conjunta do devedor. Em vez de se submeter a uma execução individual, pois, o devedor insolvente deverá se submeter a uma execução concursal, em obediência ao princípio da par condicio creditorum, segundo o qual deve ser dado aos credores tratamento isonômico (RAMOS, 2013, p.619).

A falência trata-se, portanto, de execução concursal, que de acordo com a qualidade do devedor será regida por regimes jurídicos diferentes. Desta forma, se o devedor insolvente não é empresário, o procedimento que lhe será aplicado é o concurso de credores, estabelecido pelo Código Civil de 2002 (CC/2002). Mas, se se tratar de devedor insolvente empresário (empresário individual ou sociedade empresária), a execução concursal é outra, regulada pela legislação falimentar, atual Lei 11.101 de 2005 (LRF) (RAMOS, 2013).

Quando a falência é da sociedade empresária, os bens que serão arrecadados para integração à massa falida são exclusivamente os da sociedade e não os dos sócios, que não se sujeitam à constrição judicial da execução falimentar. Entretanto, em sociedades de tipo menor, os sócios têm seus bens arrecadados na falência da sociedade, nos casos em que eles têm responsabilidade solidária ou ilimitada pelas obrigações sociais (COELHO, 2012).

Nesse sentido, pode-se afirmar que a falência é um instituto típico do regime jurídico empresarial, aplicável tão somente aos devedores empresários. (RAMOS, 2013).

A falência é hipótese de dissolução total judicial, de modo que se dá por meio do Poder Judiciário, sempre, e desfaz todos os vínculos existentes entre os sócios ou acionistas, inaugurando o processo judicial de terminação da personalidade jurídica da sociedade (COELHO, 2012).

A dissolução-procedimento da sociedade empresária abrange a dissolução-ato, a liquidação e a partilha. A dissolução-ato, por sua vez, é a decisão do juiz expressa na sentença que instaura a execução concursal. A liquidação ocorre com a venda dos bens da massa, a cobrança dos devedores e pagamento dos credores pelo administrador judicial, no curso do processo falimentar. Por fim, se restarem recursos, estes rateados entre os sócios da sociedade falida, proporcionalmente à quota-parte de cada um no capital social (COELHO, 2012).


2. A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA

Conforme disposto pelo artigo 99 da LRF, a decisão que decreta a falência da sociedade empresária deve conter requisitos comuns às sentenças judiciais previstas pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) e requisitos especiais.

Os requisitos comuns são o relatório, a fundamentação e o dispositivo. Os especiais, por sua vez, são, por exemplo, a síntese do pedido, identificação do falido e os nomes dos que forem a esse tempo seus administradores; o termo legal da falência; e a determinação para que o falido apresente relação nominal dos credores, sob pena de desobediência; determinação de diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas (NEGRÃO, 2014).

Quanto à natureza jurídica, a sentença pode ser meramente declaratória, ou seja, torna indiscutível a existência de certa relação jurídica ou falsidade de documento; condenatória, aquela que atribui ao vencedor da demanda direito de promover a execução da parte vencida; ou constitutiva, que cria, modifica ou extingue relação jurídica (COELHO, 2012).

A sentença que decreta a falência, por sua vez, apesar de o legislador adotar o termo “declaratória”, possui caráter constitutivo, conforme entendimento majoritário da doutrina, “dado que ela constitui o devedor em estado falimentar e instaura o regime de execução concursal de seu patrimônio” (RAMOS, 2013, p. 648).

Nesse sentido, entende-se que:

Com a sua edição pelo juiz, opera-se a dissolução da sociedade empresária falida, ficando seus bens, atos e negócios jurídicos, contratos e credores submetidos a um regime jurídico específico, o falimentar, diverso do regime geral do direito das obrigações. É a sentença declaratória da falência que introduz a falida e seus credores nesse outro regime. Ela não se limita, portanto, a declarar fatos ou relações preexistentes, mas modifica a disciplina jurídica destes, daí o seu caráter constitutivo (COELHO, 2012, p. 337).

Desse modo, a sentença que declara a falência provoca a dissolução da sociedade empresária, havendo, normalmente, o encerramento da atividade empresarial para a liquidação do patrimônio social. Nesse sentido:

Trata-se de ato judicial que instaura uma forma específica de liquidação do patrimônio social, para que a realização do ativo e a satisfação do passivo sejam feitas pelo próprio Poder Judiciário, por meio do juízo falimentar, com a colaboração do administrador judicial (COELHO, 2012, p.356).

A falência da sociedade empresária não atinge somente a pessoa jurídica, mas também os membros que a compõem, de acordo com o tipo societário e com a função que eles exercem na sociedade (RAMOS, 2013).

Nas sociedades em que os sócios têm responsabilidade ilimitada, prevê o artigo 81 da LRF:

A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem (BRASIL, 2005).

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A função exercida na empresa e o tipo de sociedade devem ser analisados no exame dos desdobramentos da falência na situação jurídica dos sócios. No tocante a função exercida na empresa, os investidos de poder de representante legal da sociedade deverão, de forma diferente dos demais, contribuir para o processo falimentar, prestando informações e manifestando em juízo em nome dela (COELHO, 2012).

Em relação à responsabilidade civil pelas obrigações da sociedade, tanto os sócios diretores, administradores ou os que apenas prestaram capital para o negócio respondem pelas obrigações na mesma extensão. Entretanto, quando se trata de sociedade limitada ou anônima com o capital social inteiramente integralizado, o sócio ou acionista não tem responsabilidade pelas obrigações sociais, de forma que seus bens não são envolvidos no processo falimentar (COELHO, 2012).

Por outro lado, na hipótese de não integralização do capital social da falida, entende-se que:

Já se o capital social da falida não estiver totalmente integralizado, nos termos do contrato social da limitada ou da contabilidade da anônima, caberá ao administrador judicial promover a ação judicial de integralização. Após o devido processo legal, se o sócio ou acionista não provar o pagamento da contribuição com que se obrigara para a formação do capital da sociedade, o juiz proferirá decisão condenando-o ao cumprimento desse dever. Transitada em julgado, seguir-se-á a execução de sentença, com a penhora de bens do patrimônio do sócio ou acionista. Na ação judicial de integralização deve ser respeitada a regra da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. A rigor, os bens da sociedade falida devem ser vendidos antes dos penhorados em execução da sentença proferida na ação de integralização. Se acaso o produto apurado na venda daqueles bastar ao pagamento dos credores (satisfação do passivo), não serão vendidos os bens dos sócios, levantando-se a penhora. A dispensabilidade da prova de insuficiência dos bens sociais é mera condição processual para a propositura da ação desde logo, com vistas à celeridade do processo falimentar (COELHO, 2012, p. 361).

Nas sociedades de tipo menor, os sócios de responsabilidade ilimitada respondem de forma diferente dos que têm responsabilidade limitada pelas obrigações sociais. De acordo com o artigo 81 da LRF, os bens dos sócios de responsabilidade ilimitada são arrecadados pelo administrador judicial juntamente com os da sociedade, ficando sujeitos à mesma constrição judicial do patrimônio da falida (COELHO, 2012).


3 EFEITOS DA SENTENÇA QUANTO AOS CREDORES DO FALIDO

A sentença que decreta a falência instaura uma execução concursal que objetiva proporcionar a justa repartição dos recursos do ativo na satisfação do passivo. Nesse sentido, os credores são necessariamente envolvidos pela falência. (NEGRÃO, 2014).

3. 1 Credores Admitidos

A falência, sendo processo de execução concursal da sociedade empresária insolvável, abrange todos os credores da falida, civis ou comerciais. Os credores, qualquer que seja a natureza do crédito, devem submeter-se ao concurso falimentar para receber o que foi possível receber de seus créditos (COELHO, 2012).

Entretanto, há créditos excluídos da falência, que são titulados por credores que não podem participar do concurso porque o atendimento a seus direitos creditórios seria, para os demais, injusto. Nesse sentido, tem-se o credor por obrigações a título gratuito:

Se a sociedade empresária havia, por exemplo, se obrigado a patrocinar um evento cultural e vem a falir, o atendimento a essa obrigação subtrairia da massa recursos em prejuízo do pagamento dos demais credores. O promotor do evento não pode reclamar a verba do patrocínio na falência, porque a lei considera injusto dos credores por título oneroso (vendedor de mercadorias, prestador de serviços, mutuante etc.) para aos beneficiários de obrigação por título gratuito (COELHO, 2012, p.397).

Bem como existem as quantias despendidas pelos credores para habilitação ou declaração de crédito:

As despesas, custas e honorários de advogado pagos por um credor, ao postular sua participação no concurso falimentar, não serão ressarcidos pela massa. Cada um deve arcar com seus dispêndios. Abre, contudo, a lei exceção para albergar as custas judiciais em litígio com a massa falida. Se o credor não dispunha de título líquido e certo, e, por isso, teve de mover prévia ação de conhecimento contra a massa falida para obtê-lo, o valor das custas da demanda é acrescido ao do crédito para fins de habilitação (os honorários de sucumbência devidos pela massa são crédito do advogado que patrocinou a ação e devem ser objeto de habilitação específica (COELHO, 2012, p.397).

Há também o crédito relacionado à multa contratual ou pena pecuniária cuja constituição decorre da decretação da quebra do devedor:

Se a própria falência é a fonte da obrigação pelo pagamento da multa contratual ou pena pecuniária, então o crédito não pode ser nela reclamado. Se, porém, essas obrigações por ilícito já estavam constituídas quando sobreveio a falência do devedor, elas podem ser reclamadas e devem ser pagas, obedecida a classificação dos credores (COELHO, 2012, p. 397).

Em situação específica encontram-se os credores fiscais, titulares de garantia legal que os exclui de qualquer concurso, devendo respeitar, contudo, a ordem de classificação dos créditos. Isso significa que a Fazenda Pública não precisa formular pedido de habilitação de crédito ao administrador judicial. Nesse sentido: “O próprio juízo da execução fiscal comunica ao juízo falimentar o valor do crédito tributário exequendo, o qual será devidamente inscrito no quadro geral de credores” (RAMOS, 2013, p.696).

Desse modo, excepcionando, de um lado, o credor fiscal (que não está sujeito a concurso) e, de outro, os excluídos da falência (em atenção aos interesses da comunhão dos credores), os demais têm na execução concursal falimentar o único meio de cobrança de seus créditos.

3. 2 Ordem de Classificação dos Créditos

Na falência confere-se à comunidade de credores o tratamento paritário, que, se de um lado assegura a igualdade entre credores de mesma natureza, de outro, impõe a desigualdade no estabelecimento de hierarquias e preferências. Dessa forma, a natureza do crédito importa para a definição de uma ordem de pagamento, que deve ser observada pelo administrador judicial na liquidação das obrigações da falida. Essa ordem é, hoje, resultado da convergência de um conjunto variado de dispositivos legais (COELHO, 2012).

Nesse sentido, dispõe o artigo 83 da LRF que os credores trabalhistas possuem preferência entre todos os outros, compreendendo o seu crédito todos os pagamentos devidos pela sociedade empresária a seus empregados e indenização por acidente de trabalho no limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos. Insta salientar que os valores que ultrapassarem essa quantia serão reclassificados como créditos quirografários (BRASIL, 2005).

Os créditos por acidente de trabalho e créditos trabalhistas compreendem toda a sorte de pagamentos devidos pelo empresário aos seus empregados; nessa mesma classe, estão os créditos dos representantes comerciais. No entanto, para a proteção dos trabalhadores de menor renda, a lei determina que o administrador judicial proceda à antecipação do devido a título de salários vencidos nos 03 (três) meses anteriores à quebra, desde que limitados a 05 (cinco) salários mínimos por credor trabalhista. Essa antecipação deve ser feita mesmo que não tenham sido ainda atendidos os credores extraconcursais, consoante previsão do artigo 151 da LRF (BRASIL, 2005).

Em seguida, possuem preferência os credores com garantia real, até o limite do valor do bem onerado, sendo o restante reclassificado como crédito quirografário (BRASIL, 2005).

Após o pagamento desse crédito, possui preferência a dívida ativa de natureza tributária ou não tributária. Nesse caso, excetuadas as multas, os credores dessas dívidas são a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias. Estabelece a lei uma ordem interna de pagamento entre os credores desta categoria. Assim, primeiro são satisfeitos os créditos da União e suas autarquias; em seguida, os dos Estados, Distrito Federal, Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata; finalmente, os Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata, conforme artigo 29, parágrafo único da Lei no 6.830 de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal).

Gozam da mesma prioridade da dívida ativa federal os chamados créditos parafiscais, que são as contribuições para entidades privadas que desempenham serviço de interesse social ou o devido a programa social administrado por órgão do governo (COELHO, 2012).

Posteriormente, os credores com privilégio especial terão o direito de reaver seu crédito. São exemplos de credores com privilégio especial: o credor por benfeitorias necessárias ou úteis sobre a coisa beneficiada; o autor da obra, pelos direitos do contrato de edição, sobre os exemplares dela na falência do editor; os credores titulares de direito de retenção sobre a coisa retida; os titulados por microempreendedores individuais (MEI), microempresários e empresários de pequeno porte; os subscritores ou candidatos à aquisição de unidade condominial sobre as quantias pagas ao incorporador falido; o credor titular de Nota de Crédito Industrial sobre os bens referidos pelo artigo 17 do Decreto-Lei 413/69; crédito do comissário; os segurados e beneficiários credores de indenização ajustada ou a ajustar sobre as reservas técnicas, fundos especiais ou provisões da seguradora ou resseguradora falidas e outros (COELHO, 2012).

Satisfeitos os credores com privilégio especial, na hipótese de ainda existir patrimônio a saldar as dívidas, concorrem os credores com privilégio geral. Por sua vez, são exemplos de crédito com privilégio geral, além dos mencionados no artigo 965 do CC/2002, o decorrente de debêntures com garantia flutuante e os honorários de advogado (COELHO, 2012).

Em seguida, os credores quirografários terão direito a seu crédito. Essa espécie de crédito corresponde à grande massa das obrigações do falido. São dessa categoria os credores por títulos de crédito, indenização por ato ilícito (salvo acidente de trabalho) e contratos empresariais em geral (COELHO, 2012).

Após o pagamento desses créditos, restando ainda recursos na massa, deve o administrador judicial atender às multas contratuais e penas pecuniárias por infração à lei, inclusive multas tributárias, de acordo com o artigo 83, VII da LRF (BRASIL, 2005).

Ao final, concorrem os credores subordinados. Por crédito subordinado ou subquirografário entende-se aquele que é pago somente após a satisfação dos credores sem qualquer garantia, prevendo a lei duas hipóteses: os créditos dos sócios ou administradores sem vínculo empregatício e o crédito por debêntures subordinadas emitidas pela sociedade anônima falida (BRASIL, 2005).

Noutro giro, os créditos extraconcursais, previstos pelo artigo 84 da LRF, correspondem à remuneração do administrador judicial, às despesas com a arrecadação e administração dos bens do falido, às custas judiciais, bem como às restituições em dinheiro (BRASIL, 2005).

Por força das exceções ao princípio da universalidade do juízo falimentar, ou das referentes à suspensão das ações individuais contra o falido, pode ocorrer de um credor ser satisfeito com inobservância da ordem estabelecida. Nesta hipótese, terá o preterido direito creditício contra aquele que recebeu indevidamente, no valor do que lhe caberia, segundo a natureza de seu crédito e as forças da massa (COELHO, 2012).

3.3 Efeitos da Falência em Relação aos Credores

Além do pagamento das dívidas, de acordo com a possibilidade do patrimônio da empresa, a sentença que decreta a falência produz os seguintes efeitos em relação aos credores: formação da massa falida subjetiva; suspensão das ações individuais em curso contra a sociedade falida; suspensão do curso da prescrição; suspensão da fluência dos juros; vencimento antecipado dos créditos e suspensão do direito de retenção (COELHO, 2012).

Por sua vez, a massa falida, objetivamente considerada, é o conjunto de bens arrecadados do patrimônio da sociedade falida. Subjetivamente, forma-se pela reunião de credores, que concorrerá ao produto da venda dos bens da empresa, segundo a ordem de classificação estabelecida na própria lei. Em síntese, é o sujeito de direito despersonalizado voltado à defesa dos interesses gerais dos credores de uma sociedade empresária falida (RAMOS, 2013).

Outro efeito da falência em relação aos credores do falido é a suspensão das execuções individuais em curso contra a falida, conforme previsão do artigo 6º da LRF. Nesse sentido:

Essa suspensão será decretada na própria sentença que decreta a falência. Seria de fato despropositado que os credores pudessem continuar exercendo individualmente seu direito à cobrança judicial, concomitante à tramitação do concurso. Estariam, nesse caso, sendo desenvolvidas duas medidas judiciais de idênticas finalidades, a execução individual e a concursal. Por essa razão, suspendem-se as execuções em que seja executada a sociedade falida (aquelas em que ela é exequente prosseguem). Essa suspensão, na grande maioria das vezes, será definitiva, isto é, corresponderá à extinção do processo. As execuções individuais apenas retornarão seu curso regular caso a decretação da falência seja reformada no julgamento de recurso (agravo ou embargos) (COELHO, 2012, p.401-402).

A regra que estabelece a suspensão das ações e execuções contra o devedor falido admite exceção, como nos casos de ações que demandam quantia ilíquida, porquanto a falência é processo de execução, razão pela qual essas ações não se suspendem nem são atraídas para o juízo falimentar, devendo prosseguir na vara em que tramitam até que o valor devido seja devidamente apurado e liquidado (RAMOS, 2013).

Quanto às demandas em curso na justiça do trabalho, entende-se que:

[...] cabe à própria justiça trabalhista processar e julgar a ação, até que seja definido e liquidado o respectivo crédito. Somente então deverá remeter a execução desse crédito ao juízo falimentar, que o incluirá na ordem correspondente, assegurando- lhe a preferência que a legislação falimentar lhe confere (RAMOS, 2013, p.672)

Todavia, pode ser que a demora na definição dos créditos discutidos nessas ações comprometa o direito dos respectivos credores. Nesse sentido, o artigo 6º, §3º da LRF prevê a reserva da importância devida a esses credores, a ser determinada pelo juiz (BRASIL, 2005).

Em relação às execuções fiscais, uma vez que a Fazenda Pública não se sujeita a nenhum tipo de concurso de credores, a LRF dispõe em seu artigo 6º, §7º, que “As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica” (BRASIL, 2005).

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a execução fiscal contra a massa falida não se suspende. O crédito fiscal deve, porém, respeitar a ordem de classificação dos créditos prevista na legislação falimentar (RAMOS, 2013).

Importante salientar que alguns doutrinadores se posicionam no sentido de que a única exceção da lei à regra da suspensão das execuções diz respeito às fiscais. Isso porque, em tese, as ações que demandam quantia ilíquida e as reclamações trabalhistas não são execuções, mas processos de conhecimento (COELHO, 2012).

Há, contudo, mais duas situações a considerar, em que cabe ao juiz ampliar o leque de exceções à regra geral de suspensão das execuções individuais contra a falida. Ressalta-se que não se trata de previsão legal, mas apenas medidas que atendem aos princípios da celeridade e da economia processual. Assim, devem continuar tramitando simultaneamente à falência a execução individual com hasta já designada, tendo em vista que:

O juiz da falência pode, na sentença, determinar que não se suspendam as execuções individuais com hasta já designada, como medida de economia processual. Sendo um dos objetivos da falência a venda dos bens do ativo da falida, e a execução individual estando já adiantada a ponto de se encontrar às vésperas da alienação judicial, recomenda o princípio da economia que se realize o ato nesta última. Nesse sentido, a hasta (praça ou leilão) é realizada na época da designação, mas o seu produto não é levantado pelo exequente, e sim entregue à massa. O credor que movia a execução individual deverá habilitar o seu crédito na falência. (COELHO, 2012, p.402).

Nesse sentido, a execução individual com hasta já realizada:

Esta execução não se suspende porque, na verdade, o bem da devedora já foi liquidado. Considera-se, então, que a execução individual atingiu seu objetivo antes da decretação da falência. Nesta hipótese, o credor que movia a execução individual levanta, do produto apurado em hasta, o valor de seu crédito. Se o produto da venda judicial do bem penhorado não for suficiente para a integral satisfação do crédito exequendo, o credor poderá habilitar na falência o saldo em aberto. Se, após o pagamento do exequente individual, restar ainda produto da hasta, ele será entregue à massa. (COELHO, 2012, p.402).

Noutro giro, a prescrição das obrigações da falida suspende-se com a decretação da falência, voltando a fluir com o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, conforme dispõem os artigos 6 º e 157 da LRF (BRASIL, 2005).

Não se suspendem, no entanto, a prescrição das obrigações de que era credora a falida e a fluência de prazos decadenciais, mesmo das obrigações devidas por ela (COELHO, 2012).

Desse modo, se a sociedade falida era a devedora de uma duplicata mercantil, vencida 6 meses antes da sentença de falência, susta-se a fluência da prescrição, que no caso é de 3 anos, a contar do vencimento. Proferida a sentença de encerramento, os 2 anos e 6 meses restantes passam a fluir do trânsito em julgado desta. Caso se encontrem bens da sociedade falida durante esse prazo, o credor pode executá-los singularmente, já que a duplicata ainda não prescreveu. Se, ao revés, a sociedade falida era a credora do título, o administrador judicial tem os mesmos 3 anos, a contar do vencimento para ajuizar a execução contra o devedor, uma vez que a decretação da falência não altera o curso da prescrição nesse caso (COELHO, 2012, p. 396).

Em relação às dívidas ativas, aquelas em que o falido ou os sócios da falida com responsabilidade ilimitada são credores, o prazo corre normalmente (RAMOS, 2013).

A sentença que decreta a falência também determina a suspensão da fluência de juros, consoante artigo 124 da LRF. Nesse sentido:

Apenas os juros devidos à data da decretação da falência podem ser cobrados da massa. Após a quebra, não mais correm juros enquanto não se pagar o principal corrigido devido a todos os credores. Se a venda dos bens da falida gerou produto suficiente para pagar as dívidas da massa e a totalidade dos credores do falido (isto é, o valor da obrigação com correção monetária até a data do pagamento) e ainda sobraram recursos, então pagam-se os juros posteriores à quebra, observando-se novamente a ordem de classificação. (COELHO, 2012, p. 403).

Essa regra comporta uma exceção, relativa aos juros das debêntures emitidas com garantia real e dos créditos com garantia real que terão seu pagamento subordinado exclusivamente ao produto dos bens que constituem a garantia.

Contudo, esta exceção somente tem aplicação após paga a classe imediatamente superior, que é a  dos credores derivados da legislação do trabalho (LRF, art. 83, I). A precedência do crédito trabalhista inviabiliza o recebimento dos valores referentes à dívida principal e aos juros do credor com direito real de garantia, sem que primeiro sejam satisfeitos os credores laborais. Se, entretanto, pagos os credores trabalhistas e os extraconcursais (LF, art. 84), nada obsta que, restando garantias, sejam estas atribuídas exclusivamente aos credores com garantia real (NEGRÃO, 2014, p. 200).

Outro efeito da sentença que declara a falência em relação aos credores do falido relaciona-se ao vencimento antecipado das dívidas do falido e dos sócios com responsabilidade ilimitada. Neste caso, os juros contratados ou legais devem ser abatidos, de forma proporcional ao período antecipado. Nesse sentido:

Anoto que essa antecipação não tem, e não poderia ter, o sentido de obrigar o pagamento da dívida na data da quebra. Cada credor terá seu direito atendido, ou não, após a consolidação do quadro geral de credores, observada a ordem de classificação dos créditos. A antecipação do vencimento decorrente da falência tem implicação meramente contábil, ou seja, que do valor dos créditos antecipados serão abatidos os juros legais, se outra taxa não tiver sido convencionada entre as partes (COELHO, 2012, p. 404).

Em relação aos contratos em moeda estrangeira:

 a conversão em moeda nacional deve ser feita pelo câmbio do dia em que for declarada a falência e, se não houver preço fixado pelo Banco Central neste dia, a conversão se dará no primeiro dia de cotação após esta data. A conversão, contudo, não aproveita aos fiadores e garantidores do falido, contra os quais se operará pelo câmbio do dia do efetivo pagamento. A situação do garantidor é melancólica: pagando o título pelo preço maior (conversão na data do pagamento) somente pode sub-rogar-se contra o devedor principal (falido) até o limite do valor correspondente à conversão na data da falência (NEGRÃO, 2014, p.199).

Desse modo, percebe-se que as regras adotadas pelo direito falimentar visam beneficiar o falido, auxiliando no adimplemento de suas dívidas, ainda que isso venha a prejudicar certos credores (COELHO, 2012).

Por outro lado, com a falência está suspenso o direito de retenção, devendo a coisa retida ser arrecadada pela massa. Em seus aspectos conceituais, “direito de retenção é a guarda de coisa alheia em garantia enquanto não satisfeita, a favor daquele que a retém, obrigação lícita prevista na lei ou em contrato” (NEGRÃO, 2014, p. 200).

Dessa forma, o credor que, por força de exercício do direito de retenção, mantiver em seu poder coisa sujeita a arrecadação, “deverá, a partir da decretação da falência, entregá-la ao administrador judicial, podendo habilitar seu crédito junto à massa, na classe dos créditos com privilégio especial” (NEGRÃO, 2014, p. 200).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se do presente trabalho que falência é um instituto advindo da Roma antiga e que evoluiu ao longo do tempo para adquirir a roupagem do direito falimentar atual, consubstanciando-se em um processo de execução coletiva. 

No âmbito da sentença declaratória da falência, verifica-se que, apesar de o legislador adotar o termo “sentença declaratória”, esta tem caráter constitutivo, conforme entendimento da doutrina majoritária.

Os seus efeitos sobre os credores são: formação da massa falida subjetiva; suspensão das ações individuais em curso contra a sociedade falida; suspensão do curso da prescrição; suspensão da fluência dos juros; vencimento antecipado dos créditos; suspensão do direito de retenção.

Nesse sentido, observa-se pela análise do presente trabalho que tais efeitos buscam facilitar o adimplemento das obrigações por parte do devedor, de forma a garantir aos credores o recebimento de seu crédito.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei no 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília (DF). (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/110406.htm. Acesso em: 25/05/2018 às 15h).

BRASIL. Lei no 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília (DF). (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15/08/2017 às 14h).

BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília (DF), 1990 (Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso em 02/10/2017 às 14h).

BRASIL, Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Brasília (DF), 2005 (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm> Acesso em 01/10/2017 às 14h).

BRASIL, Lei 9.512 de 18 de novembro de 1997. Lei de Abertura de Orçamento. Brasília (DF), 1997 (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1995_1997/L9512.htm> Acesso em 01/10/2017 às 15h).

BRASIL, Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979. Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Brasília (DF), 1979 (Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm> Acesso em 01/10/2017 às 18h).

BRASIL, Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991. Lei de Locação dos Imóveis Urbanos. Brasília (DF), 1991 (Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8245.htm> Acesso em 02/10/2017 às 16h).

BRASIL, Lei no 6.830 de 22 de setembro de 1980. Lei de Execução Fiscal. Brasília (DF), 1991, (Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L6830.htm> Acesso em 05/10/2017 às 19h).

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 13. ed. vol.3. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 28. ed. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais, 2016.

NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial: Estudo Unificado. 5. ed. São Paulo (SP): Editora Saraiva, 2014.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3. ed. São Paulo (SP): Editora Método, 2013.

Sobre as autoras
Daniella Barbosa Pereira

Graduanda no curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Marcela Souza; MENDES, Juliana Rielli Silveira D'Angeles et al. Os efeitos da sentença que decreta a falência em relação aos credores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5695, 3 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68120. Acesso em: 25 nov. 2024.

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