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Políticas públicas, ativismo judicial e proteção à saúde: breves considerações

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Agenda 12/10/2018 às 15:20

6 - NORMAS JURÍDICAS: REGRAS E PRINCÍPIOS

Deve-se compreender que as normas jurídicas são divididas entre regras e princípios. Aquelas são aplicadas em um sentido de tudo ou nada. Assim, havendo algum choque entre as regras, apenas uma deverá prevalecer de acordo com o critério de interpretação a ser aplicado.

Em relação aos princípios, a aplicação é realizada de acordo com a ponderação, se houver dois princípios em rota de coalização. Nesses termos, Robert Alexy assevera que (p. 117):

Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de principio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão. 

Os direitos fundamentais têm uma natureza principiológica e assim devem ser aplicados. Isso significa que é preciso fazer uma ponderação na aplicação dos direitos fundamentais, permitindo, assim, a sua mais ampla eficácia. Esse caráter principiológico faz com que se limite a esfera da discricionariedade administrativa. Ë preciso, assim, na atuação estatal buscar harmonia das normas jurídicas, principalmente no sopesamento dos princípios aplicados. 

Os direitos fundamentais devem ser concretizados através de políticas públicas adequadas. É importante ter em mente que nem todas as políticas públicas produzidas pelo Estado estão ligadas a direitos fundamentais. Essas políticas, por exemplo, podem ser apenas uma proteção ou prerrogativa de grupos sociais que se encontram no comando de determinado país. As políticas públicas citadas no presente trabalho são consideradas apenas aquelas que tenham como finalidade a efetivação de direitos fundamentais. Faz-se, dessa forma, um recorte epistemológico para adequação nos limites do artigo cientifico ora apresentado.


7 - BALIZAMENTO NA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

A proteção do Estado aos direitos fundamentais precisa ser efetiva. Daí a lógica do Princípio da vedação da proteção deficitária. Como explica Felipe de Melo Fonte (p. 345):

O princípio da vedação de proteção deficitária consiste na projeção da teoria dos deveres de proteção. Segundo esta construção, cabe ao Estado não apenas a postura de abstenção em relação aos direitos fundamentais, mas também o dever de promovê-los e assegurá-los, sob pena de censura jurisdicional quando isto não for feito de maneira suficiente. Para o controle com base neste parâmetro, sugeriu-se que o magistrado utilize os planos público, inclusive as metas orçamentárias, e as leis que estabelecem patamares mínimos de qualidade aos prestadores de serviços. 

Assim, o Estado deve afastar-se apenas do conceito meramente liberal de direitos fundamentais, em que há uma limitação ao Poder Estatal, em proteção a valores caríssimos da sociedade como a liberdade, mas é necessário, sem deixar para traz esses direitos constitucionais de primeira dimensão, exigir da Administração Pública uma política eficaz para os direitos fundamentais. 

Tal papel cabe também ao judiciário, como já visto, principalmente em torno do desinteresse do Estado no compromisso com esses valores traçados pelo Ordenamento. Mas é preciso que haja certos balizamentos. Ao atuar, o juiz, em caso de omissão da Administração, vai determinar a realização dos direitos fundamentais, sendo necessário o total respeito à harmonia do Ordenamento. Há que se observar diversos fatores como a possibilidade fática e orçamentária do cumprimento da medida. 

Não adianta, por óbvio, determinar o respeito aos direitos fundamentais de uma pessoa ou classe, para deixar outras pessoas ou classes desassistidas. Incongruente, portanto, é decisão judicial que determina a internação de determinada pessoa em um hospital público, quando todos os leitos estão ocupados por doentes graves. É preciso que seja feita a ponderação dos valores envolvidos e que a decisão seja concretamente eficaz, como a internação, no caso citado, daquele cidadão em hospital particular, às custas do Poder Público.

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Aliás, um dos direitos fundamentais mais discutidos é o acesso à saúde. Com efeito, dispõe o art. 196 da Constituição Federal: 

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 

Como dever do Estado, é necessário que a política de saúde seja efetivamente cumprida. Caso o contrário, a norma constitucional restará desrespeitada. O STF sobre tal direito fundamental asseverou, em tema de repercussão geral que:

Direito à saúde. Tratamento médico. Responsabilidade solidária dos entes federados. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente. [RE 855.178 RG, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015, Tema 793.]

O direito fundamental à saúde dos portadores de transtornos mentais encontra arrimo não somente nos arts. 5º, 6º, 196 e 197 da Carta da República, como também nos arts. 2º, § 1º, e 6º, I, d, da Lei 8.080/1990, na Portaria 3.916/1998 do Ministério da Saúde, além dos arts. 2º, 3º e 12 da Lei 10.216/2001, que, conforme visto, redireciona o modelo assistencial em saúde mental no Brasil. A linha de argumentação desenvolvida pelo Estado requerido quanto à insuficiência orçamentária é inconsistente, porquanto comprovado que os recursos existem e que foram repassados pela União, não se podendo opor escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Comprovação nos autos de que não se assegurou o direito à saúde dos portadores de transtornos mentais no Estado do Pará, seja da perspectiva do fornecimento de medicamentos essenciais ao seu tratamento, seja no que diz respeito à estrutura física e organizacional necessárias à consecução dos objetivos previstos pelo legislador constitucional e também pelo ordinário ao editar a Lei 10.216/2001. A hipótese dos autos não cuida de implementação direta de políticas públicas, mas, sim, de cobrança realizada diretamente pela União, com fundamento na competência constitucional concorrente, para que os requeridos cumpram a sua parcela de responsabilidade no atendimento da política nacional de assistência aos pacientes com transtornos mentais. A omissão dos réus em oferecer condições de saúde dignas aos portadores de transtornos mentais exigiu a intervenção do Judiciário, tal como solicitado pela União para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes seja assegurada, não havendo margem para qualquer discricionariedade por parte das autoridades locais no tocante a esse tema, ainda mais quando demonstrados os repasses do Executivo federal para a concessão desse mister. Os usuários dos serviços de saúde, no caso, possuem direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação e, na hipótese, a União demonstrou que fez a sua parte, com o que se credenciou a cobrar dos requeridos a observância de suas obrigações. Os argumentos lançados nos agravos não são inéditos e já foram devidamente sopesados. A própria dedução de pedido alternativo de simples dilação de prazo para o adimplemento das medidas impostas indica que o recurso apresentado não deve prosperar. Ademais, ficaram bem divisadas as esferas de responsabilidade da União e da parte ré no atendimento aos portadores de transtornos mentais. Análise exaustiva do acervo probatório, tanto da perspectiva da falta de medicamentos, quanto no que se refere a instalações físicas, passando, ainda, pela reiteração de comportamento omisso por parte dos réus em oferecer condições de saúde dignas aos portadores de transtornos mentais. Assim, contrariamente ao sustentado pelas agravantes, in casu, o Judiciário está plenamente legitimado a agir, sobretudo em benefício dos portadores de transtornos mentais, pessoas vulneráveis que necessitam do amparo do Estado. Prazo razoável fixado para a adoção de medidas de extrema importância para o atendimento dos portadores de deficiência mental e a multa bem aplicada em patamar proporcional para estimular o cumprimento da obrigação, sem prejudicar a prestação pela parte ré de outras políticas públicas. [ACO 1.472 AgR-segundo, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 1º-9-2017, P, DJE de 18-9-2017.]

Mas também é preciso se analisar com proporcionalidade a aplicação de tais princípios ao caso concreto. A Suprema Corte, entendendo o acesso à saúde como direito fundamental, ponderou que é necessário que que os medicamentos ministrados na rede pública de saúde devem ter o registro nos órgãos competentes. Nesses termos:

Observem a organicidade do Direito e o âmbito da Lei 13.269/2016, autorizadora da comercialização de substância química não submetida previamente a testes clínicos em seres humanos. Ao suspender exigibilidade de registro sanitário da fosfoetanolamina sintética, o ato atacado discrepa das balizas constitucionais concernentes ao dever estatal de reduzir o risco de doença e outros agravos à saúde dos cidadãos – art. 196 da CF. (...) Ao dever de fornecer medicamentos à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do poder público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias. A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao ser humano. (...) Na elaboração do ato impugnado, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população. (...) A aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, segundo o art. 12 da Lei 6.360/1976. O registro ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela agência fiscalizadora, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Ante a ausência do registro, a inadequação é presumida. No caso, a lei suprime, casuisticamente, a exigência do registro da fosfoetanolamina sintética como requisito para comercialização, evidenciando que o legislador deixou em segundo plano o dever constitucional de implementar políticas públicas voltadas à garantia da saúde da população. O fornecimento de medicamentos, embora essencial à concretização do Estado Social de Direito, não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio conteúdo do direito fundamental à saúde. (...) É no mínimo temerária – e potencialmente danosa – a liberação genérica do medicamento sem a realização dos estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade da substância para o bem-estar do organismo humano. Salta aos olhos, portanto, a presença dos requisitos para o implemento da medida acauteladora. Ante o quadro, defiro a liminar pleiteada para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016, até o julgamento definitivo desta ação direta de inconstitucionalidade. [ADI 5.501 MC, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 19-5-2016, P, DJE de 1º-8-2017.]

O Superior Tribunal de Justiça entende que é necessário oferecer medicamento para aqueles que necessitam da atuação do Estado para proteção à saúde, mas com certos condicionamentos. Assim: 

Inicialmente cumpre ressaltar que a questão de fornecimento de medicamentos já possui ampla jurisprudência nesta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que tem entendido que o inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1991, incluído pela Lei n. 12.401/2011, permite que seja deferido o fornecimento de medicamento não incorporado em atos normativos do SUS. Dos julgados existentes é possível extrair alguns requisitos necessários para que o pleito seja deferido. O primeiro requisito consiste na demonstração da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento no tratamento, por meio de laudo médico circunstanciado e fundamentado, devidamente expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS. Quanto à questão, consta das Jornadas de Direito da Saúde, realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, algumas diretrizes sobre a comprovação da imprescindibilidade do medicamento, sendo que no enunciado n. 15 da I Jornada de Direito da Saúde asseverou-se que o laudo médico deve conter, pelo menos, as seguintes informações: "o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI); o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância; posologia; modo de administração; e período de tempo do tratamento; e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica". O segundo requisito consiste na devida comprovação da hipossuficiência daquele que requer o medicamento, ou seja, que a sua aquisição implique o comprometimento da sua própria subsistência e/ou de seu grupo familiar. Não se exige, pois, comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito. Por fim, o terceiro requisito a ser considerado é que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Esta exigência decorre de imposição legal, tendo em vista o artigo 19-T, inciso II, da Lei n. 8.080/1991, o qual dispõe que são vedados, em todas as esferas de gestão do SUS a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa. (REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018 (Tema 106) 

Assim, o balizamento lançado pelo STJ para determinar a Administração para fornecer o medicamento é bem claro. São estabelecidos os seguintes requisitos: a) comprovação, por meio de laudo medico fundamentado e circunstanciado expedido por medico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; c) existência de registro na ANVISA do medicamento. Essa é expressão do mais claro ativismo judicial, pois ao interpretar as normas jurídicas e sopesar os princípios, efetivamente criou direito ao prever quais são as condições para que a Administração seja obrigada ao fornecimento de medicamentos. 


8 - CONCLUSÃO

O ativismo judicial é elemento essencial de viés democrático para que o Estado seja obrigado a garantir a efetivação dos direitos fundamentais. Essa determinação, no entanto, deve observar os balizamentos necessários para a eficácia prática da ordem, permitindo, assim, que a Constituição Federal seja respeitada, estando o magistrado limitado pela harmonia do sistema jurídico e as incidências no caso prático, inclusive quanto ao orçamento e a outros direitos fundamentais que não podem ser desassistidos.

Assim, a ponderação dos valores envolvidos através da proporcionalidade na aplicação dos princípios faz com que todas as circunstâncias sejam analisadas e que com a interpretação lançada pelo magistrado leve a criação de uma norma jurídica, integrando o direito para sua melhor aplicação. Isso deve ocorrer, por óbvio, na proteção à saúde, nos termos previstos na Constituição e que precisam ser efetivados pelas políticas públicas aplicadas pela Administração. Caso haja omissão, o Judiciário deverá atuar como forma de concretizar tais direitos. 


9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito; tradução João Baptista Machado.8 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015.

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional.10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos.2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direito fundamamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia.2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

WALD, Arnold. Os métodos modernos de interpretação. Revista de Direito Civil – RDCiv 31/07 – jan.-mar./1985.

Sobre o autor
João Paulo Oliveira

Especialista em Direito Público. Advogado fundador da banca Colossi Oliveira Advogados Associados. Professor do Complexo de Ensino Renato Saraiva e de diversos cursos de pós gradução no país. Autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Paulo. Políticas públicas, ativismo judicial e proteção à saúde: breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5581, 12 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68123. Acesso em: 23 nov. 2024.

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