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O princípio da insignificância como causa de exclusão da tipicidade

Agenda 15/08/2018 às 12:38

Analise de importantes princípios afetos ao direito penal e apontamentos aos elementos do crime, em especial, a tipicidade.

Podemos perceber, na prática forense, a multiplicação de casos que, por envolverem importâncias mínimas- do ponto de vista da relevância social - sobrecarregam as delegacias e repartições nos fóruns em todo país. Tais casos, por sua baixa lesividade, não justificam o uso de todo aparato da Justiça Penal. Esses casos de baixa lesividade nos mostram que a utilização do ordenamento Penal e suas sanções são desproporcionais e muitas vezes injustificáveis para proteger determinados interesses jurídicos.

Do ponto de vista legislativo, percebemos uma inflação de leis casuisticamente elaborada e aprovadas no afã de atender uma circunstância social polêmica de grande repercussão na mídia. Esquecem toda boa prática legiferante e, principalmente, ignoram os princípios orientadores da prática legislativa. Pública-se leis Penais a esmo e de forma desproporcional, muitas vezes, abrindo mão de outros instrumentos que poderiam resolver um conflito quer na seara administrativa ou civil.

A multiplicação dessas leis penais formam uma complexa teia que gera uma inevitável dificuldade de interpretação da norma pelo aplicador do direito e, na mesma proporção, aumenta-se o número de conflitos entre essas normas.

De forma singela faremos apontamentos para questões pertinentes a boa prática Penal ressaltando a importância de se observar os princípios informadores do Direito Penal.

Concentrado no estudo da tipicidade, elemento do crime, trazemos um breve histórico e a evolução cronológica de seu conceito, abordaremos a importância da sua vertente material destacando a tipicidade no conceito contemporâneo e o conceito analítico de crime.

Executado o estudo da tipicidade torna-se possível abordarmos o princípio da insignificância. Inicialmente abordaremos seu surgimento no direito Romano e sua evolução durante o século XIX.

A posteriori vamos analisar o princípio da insignificância e demonstrar a possível aplicabilidade do Princípio da Insignificância como Causa de Exclusão da Tipicidade pela sua vertente material.

Princípios Informadores do Direito Penal.

A etimologia nos ensina que a palavra PRINCÍPIO, vem do Latim principium, formado da junção da palavra primus (primeiro) e o sufixo ium (-i efeito ou resultar). Ou seja, é o resultado de lidar ou tomar primeiro. No dicionário Wikipédia Princípio significa começo ou causa de algum fenômeno. Na esfera jurídica, princípios são fontes criadoras de regras, sendo essa última hierarquicamente inferior aos princípios devido ser deles dependentes. Em um Estado Democrático de Direito a Constituição de um pais será a principal fonte onde encontraremos seus princípios fundamentais. Segundo o Professor Fernando Capez:

“A constituição Federal Brasileira, em seu art 1, caput, definiu o perfil Político constitucional do Brasil como um Estado Democrático de Direito. Trata-se do mais importante dispositivo da Carta de 1988, pois dele decorrem todos os princípios fundamentais de nosso Estado”¹.

Na seara penal os doutrinadores destacam como princípios informativos do direito penal, princípios da legalidade ou da reserva legal, principio da intervenção mínima, principio da fragmentariedade, principio da proporcionalidade dentre outros.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL.

Nossa Constituição da República declara, como valor máximo do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana elevando o cidadão a sujeito autônomo e capaz de ser responsabilizado pelo seus atos. Ainda, em sua fase inicial, encontramos na Constituição da República, declarações que orientam a atividade jurisdicional em matéria penal, através do propósito de construir uma sociedade livre e justa expresso em seu art 3, inc.I.

Mas, efetivamente, encontramos a clara intenção de limitar o poder punitivo do Estado no artigo 5 da Constituição da República de 1988. O princípio da legalidade está expresso no artigo 5, XXXIX da Constituição da República onde declara não há crime sem lei anterior que o defina. Sobre o principio da legalidade e a limitação do poder de legislar em matéria penal assim no ensina Cezar Roberto Bitencourt:

“O princípio da legalidade constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal. O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado. Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”.²

O instituto da legalidade relaciona-se intimamente com o princípio da reserva legal que determina que somente a lei pode definir crimes e cominar penalidades. A matéria penal deve ser expressamente disciplinada por uma manifestação de vontade do poder constitucionalmente competente. Para tanto que, conforme art 22, I da CF/88 estabelece que compete privativamente ‘a União legislar em matéria penal. Desta forma, nos ensina Cezar Roberto Bitencourt:

” Quanto ao princípio de reserva legal, este significa que a regulação de determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, de acordo com as previsões constitucionais a respeito”³.

Neste mesmo sentido Luiz Regis Prado:

“O direito penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada (..)”4.

Desta forma é nítido que nosso ordenamento jurídico, ao se fundar nesse princípio, limita o poder Estatal, quer legislando ou interpretando normas jurídicas, impondo regras formais para a elaboração de normas incriminadoras.

Entretanto, o principio da legalidade e o da reserva legal não limita que o Estado edite novas normas incriminadoras se observado os critérios formais para tanto. Quanto a relevância do conteúdo da norma incriminadora façamos observações a respeito do principio da intervenção mínima.

PRINCIPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.

Princípios limitadores do alcance de legislar em matéria penal como os princípios da intervenção mínima ou subsidiariedade e o princípio da fragmentariedade são esquecido pelo legislador. Tais princípios são de suma importância e de observância obrigatória em um Estado Democrático de Direito. Esses princípios preceituam que o direito penal só deve atuar na defesa de bens jurídicos essenciais e indispensáveis a existência humana. Segundo o professor Luiz Regis Prado:

“ O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade decorrente das ideias de necessidade e de utilidade da intervenção penal estabelece que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais”5.

“Por mais que Mezger tenha negado as consequências pontadas de sua doutrina, não obteve êxito na tentativa de demonstrar o contrário. Por isso, de um modo geral, concluem os doutrinadores que a concepção de Mayer, definindo a tipicidade como ratiocognoscendi da antijuridicidade, é a que melhor se adapta ao Direito Penal Praticado um fato típico, presume-se antijurídico até prova em contrário. Em tese, todo fato típico é também antijurídico, desde que não concorra uma causa de justificação.”19.

Também em Damásio de Jesus:

“É de Mayer a concepção que melhor se adapta à prática penal. A tipicidade não é a ratio essendi da antijuridicidade, mas seu indício (ratio cognoscendi). Praticado um fato típico, presume-se também antijurídico, até prova em contrário: o tipo legal indica a antijuridicidade. Quando o legislador, na Parte Especial do Código, cunha as condutas em tipos, não as supõe neutras em face do injusto, mas acredita que sejam ilícitas. Com isso não se quer dizer que o típico seja a razão de ser do injusto, mas sim que o concretiza e assinala”.20

Concepção material da Tipicidade

Ao perpassarmos pela história do conceito de Tipicidade notamos uma constante : esta sempre foi vista como um juízo de subsunção do fato à descrição legal e abstrata do delito, ou seja, tipicidade é a correspondência entre uma conduta e o tipo legal. Desta forma qualquer conduta, efetivamente tipificada, pode configurar um delito. Essa é a concepção formar de tipicidade.

Insatisfeita com essa concepção de mero juízo formal de tipicidade busca-se hoje restringir a área de abrangência do Direito Penal pois, como visto no capítulo que tratamos dos princípios informativos do direito penal, temos o princípio da fragmentariedade em que busca-se uma restrição do alcance do direito de punir limitado àquilo que é fundamental para o corpo social pois deriva da própria natureza da concepção de Estado Democrático de Direito.

É preciso não só atentarmos para uma tipicidade formal, mas também estarmos atento a tipicidade material. Tipicidade material que entrega ao tipo um conteúdo valorativo e não somente descritivo.

Bem, foi dito antes que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, dispensando bagatelas. É preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade.

REFERÊNCIAS

1.Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002. p. 07

2. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 89.

3 . BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 91.

4 . PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 149

5. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 148.

6. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.96.

7. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 150.

8. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas . São Paulo:Martin Clare, 2000, p. 229.

9.BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.124.

10 . PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 122.

11.Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002.p. 23.

12. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 207.

13. Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002.p. 102.

14 BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.727.

15. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 728.

16. Ernest, Max Mayer (1915 Tratado de Direito Penal apud JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 305.

17. LAZZARI, Cássio Vinicius D. C. V. O Principio da Insignificância como Causa excludente da Tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória jurídica 2003, p. 29

18. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 306.

19. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.734.

20. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 307.

21. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 194.

22. LAZZARI, Cássio Vinicius D. C. V. O Principio da Insignificância como Causa excludente da Tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória jurídica 2003, p. 38.

23. MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. 13ͣ. Edição, São Paulo: atlas, vol. 1, 1998, p. 114.

Sobre o autor
Diemes Vieira Santos

Advogado. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2015. Especializado em Direito Penal e Processo Penal pela PUC - MG Possui incondicional amor ao desafio e vê o estudo como uma forma de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Apaixonado pelo conhecimento jurídico, psicológico e científico. Experiente em Direito Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Afim de especificar em que meandros se aplica o principio da insignificância, faz-se necessário criteriosa análise de outros princípios afetos ao direito penal para, então, se chegar a uma analise contemporânea sobre os elementos que constitui o crime, em especial, uma análise sobre a tipicidade formal e tipicidade material.

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