Instrumentalidade: O descumprimento dos requisitos formais previstos no art. 319 do CPC não leva necessariamente à nulidade do ato processual ou à necessidade de emenda da petição inicial. Em algumas hipóteses, aplica-se o princípio da instrumentalidade das formas e a petição é considerada formalmente válida, sem a necessidade de complementação.
Como visto no artigo anterior, a ausência de manifestação expressa sobre a realização da audiência de conciliação ou mediação (art. 319, VII) não impede o seguimento do processo, porque se interpreta a omissão como ausência de oposição ao ato.
Além disso, a impossibilidade de cumprimento imediato da qualificação das partes (art. 319, II) pode levar a qualquer uma das seguintes situações:
(a) o requerimento de diligências ao juiz, na própria petição inicial, para a obtenção de todos os dados. Desse modo, antes de indeferir a petição inicial, o juiz pode deferir o requerimento de diligências para obter as informações necessárias à qualificação do réu;
(b) não se indefere a inicial quando, mesmo sem todas as informações exigidas pelo inciso II do art. 319 (como a falta de CPF do réu, ou de seu endereço eletrônico), for possível a citação do réu. Logo, ainda que não seja possível à parte autora especificar toda a qualificação do réu, a citação deve ser efetuada, quando for possível a sua realização com os dados informados;
(c) o descumprimento parcial da qualificação das partes não leva ao indeferimento da inicial, se a obtenção das informações pelo autor tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça (§§ 1º a 3º do art. 319 do CPC). Assim, a qualificação integral do réu pode ser dispensável quando a sua indicação parcial for suficiente.
Portanto, ainda que a petição inicial seja um ato processual regido pela formalidade, admite-se em algumas situações a aplicação da instrumentalidade, quando a finalidade do ato for atingida, ainda que tenha sido praticado de modo diverso do previsto em lei (art. 277 do CPC).
Emenda da Petição Inicial: Em decorrência do princípio da primazia do julgamento do mérito (art. 4º) e do poder-dever do juiz de determinar o saneamento de vícios processuais (art. 319, IX), o descumprimento dos requisitos formais não leva automaticamente ao indeferimento da petição inicial. Antes disso, na realização do juízo de admissibilidade da petição inicial, o juiz deve determinar a sua emenda.
A emenda da petição inicial é o ato de correção dos seus vícios formais. Trata-se de um direito subjetivo da parte autora, a quem deve ser dada a oportunidade de corrigir eventuais defeitos da petição. O indeferimento da petição inicial sem a intimação prévia para a emenda viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição). Ademais, é um ato processual que também se destina a proteger o réu, ao corrigir as falhas processuais e permitir o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa.
Por isso, quando constatar que a petição inicial não cumpre os requisitos formais exigidos pelos arts. 319 e 320 do CPC (e, eventualmente, outros requisitos legais específicos), ou que contém defeitos e irregularidades que possam dificultar o julgamento de mérito, o juiz deve determinar que, no prazo de 15 dias, a parte autora a emende ou a complete (art. 321 do CPC).
Por exemplo, caso a parte autora não apresente todos os documentos indispensáveis e não requeira diligências para a sua apresentação, o juiz deve intimá-la para emendar a petição inicial no prazo de 15 dias úteis (ou 30 dias, para aqueles com o direito à contagem em dobro), especificando quais são os documentos faltantes.
A determinação de emenda não viola a imparcialidade do julgador, que se restringe ao exame dos requisitos formais da petição inicial, especialmente do atendimento dos arts. 319 e 320 do CPC.
Assim, o art. 321 do CPC contém o direito de emenda da petição inicial, que impõe ao juiz o dever de especificar as providências necessárias para a emenda, no prazo de 15 dias (que pode ser ampliado pelo magistrado, com fundamento no art. 139, VI, do CPC).
É possível ainda a emenda da emenda da petição inicial (ou emenda sucessiva), que ocorre quando a parte autora não cumpre integralmente a determinação, ou quando, após o cumprimento da decisão de emenda, o juiz verifica que existem outros vícios formais na petição, que não foram percebidos no juízo de admissibilidade realizado na primeira decisão.
Decorrido o prazo de 15 dias sem o cumprimento da diligência determinada na decisão de emenda, ou com o seu cumprimento parcial, o juiz deve indeferir a petição inicial (art. 321, parágrafo único, do CPC).
Ademais, a emenda é possível mesmo após o término do período estipulado, porque se trata de um prazo dilatório (e não peremptório). Sobre o assunto, o STJ fixou a seguinte tese no Tema nº 321 dos Recursos Especiais Repetitivos: “O prazo do art. 284 do Código de Processo Civil não é peremptório, mas dilatório, ou seja, pode ser reduzido ou ampliado por convenção das partes ou por determinação do juiz”. A tese foi elaborada em 28/03/2012, ou seja, faz menção ao art. 284 do CPC/73, similar ao art. 321 do CPC/2015.