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Política e Direito: da violência à democracia

Agenda 26/08/2018 às 17:56

Busca-se um recorte a partir de uma concepção do dever ser, o quanto a violência ocupa espaço na construção da política e do direito. Objetiva-se levar a uma (re)construção da política e do direito pela reabilitação de práticas contrapostas à violência.

INTRODUÇÃO

Por primeiro, é de se ter que o vocábulo direito pode assumir vários significados e sentidos, é também necessário alertar que este resumo não buscará tratar deste aspecto, então parte-se da premissa de que não serão aprofundados direitos humanos ou fundamentais, mas será abordado o direito enquanto uma criação humana e a sua razão de ser.

A política e o direito são por vezes criações, por outras necessidades da humanidade. Enquanto criações, apresentam uma incalculável gama de possibilidades de produção de situações para regular e promover o convívio social e a interação entre as pessoas. Já enquanto necessidades, a política e o direito ocupam lugar suplementar, atuando nas fissuras daquilo que o indivíduo não consegue por suas forças alcançar, mas com a ajuda da sociedade é possível de realização.

Todavia, o encontro do direito e da política com a violência, mais precisamente, o exercício de poder com violência, é responsável por efeitos mais que indesejáveis, efeitos repugnantes nas relações estabelecidas entre as pessoas e entre estas e o Estado.


PROBLEMATIZAÇÃO

A título de problematização, encara-se a concepção de política a partir de Arendt (1999), que deve promover ao máximo a pluralidade e a participação dos indivíduos no espaço público. Sob o aspecto do direito, a principal questão que se enfrenta é tê-lo como um instrumento ou como um fim em si mesmo. Entre a política e o direito, será apresentada a violência como elemento prisma para olhar os institutos.


METODOLOGIA

Este resumo, com base em uma pesquisa bibliográfica exploratória busca demonstrar a política e o direito sob a ótica da violência e através da metodologia da abordagem indutiva – partindo da análise de questões particulares para as conclusões gerais.


A POLÍTICA E O DIREITO SOB A ÓTICA DA VIOLÊNCIA - DISCUSSÕES

Desde Marx (2013), Weber (2007) e Schmitt (2008), o Estado detém a força, pelo que sujeita os indivíduos, por meios violentos. A política sob a ótica da violência, constitui-se em uma briga pelo domínio, onde o mais forte sujeita o mais fraco, conforme caracteriza Arendt (1999, p. 133):

Como nossas experiências com a política são feitas, sobretudo no campo da força, é bastante natural entendermos o agir político nas categorias do forçar e do ser forçado, do dominar e do ser dominado, pois nelas se manifesta o verdadeiro sentido de todo fazer violento.

A violência com que se promove a política é um elemento intrínseco, incrustado e quase que indissociável do modo atual de se realizar os processos políticos. Por vezes, numa tentativa de fuga dessa luta pelo poder, seja pelo protesto1 ou pela desobediência civil2 as pessoas são encaradas como criminosos políticos, quando na verdade, apenas querem evitar um conflito direito, notadamente, diante da disparidade de armas entre o cidadão e o Estado.

O Estado, por seu turno, organiza-se de forma padronizada e linear, fazendo a ruptura do homem com a política. O agir, elemento essencial para o desenvolvimento da política, especialmente pelo falar (ARENDT, 1999, p. 56), torna-se em atividade mecanizada e desprovida, portanto da própria política, instrumentalizando seus aspectos como se fosse um trabalho. Nesta linha que Hannah Arendt observa a associação do modo de proceder na política com a violência, como uma busca por “consenso”, que na verdade é homogeneidade:

A razão pela qual comunidades políticas altamente desenvolvidas, como as antigas cidades-Estados ou os modernos Estados-Nações, tão frequentemente insistem na homogeneidade étnica é que esperam eliminar, tanto quanto possível, essas distinções e diferenciações naturais e onipresentes que, por si só mesmas, despertam silenciosos ódio, desconfiança e discriminação, porque mostram com impertinente clareza aquelas esferas onde o homem não pode atuar e mudar à vontade, isto é, os limites do artifício humano. O “estranho” é um símbolo assustador pelo fato da diferença em si, e evoca essa esfera onde o homem não pode atuar e mudar e na qual tem, portanto, tendência de destruir.

A política, por sua vez, é um espaço plural e que tem por escopo a inclusão do outro em todas as suas nuances, pois é no espaço público que são desenvolvidas as potencialidades do ser humano. É neste sentido que Hannah Arendt (1995, p. 67) escreveu:

Ser visto e ouvido por outros é importante pelo fato de que todos veem e ouve, de ângulos diferentes. Este é o significado da vida pública, em comparação com a qual até mesmo a mais fecunda e satisfatória vida familiar pode oferecer somente o prolongamento ou a multiplicação de cada indivíduo, com os seus respectivos aspectos e perspectivas. A subjetividade da privatividade pode prolongar-se e multiplicar-se na família; pode até tornar-se tão forte que o seu peso é sentido na esfera pública, mas esse “mundo” familiar jamais pode substituir a realidade resultante da soma total de aspectos apresentados por um objeto a uma multidão de espectadores. Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspetos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que veem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade manifestar-se de maneira real e fidedigna.

Nas condições de um mundo comum, a realidade não é garantida pela “natureza comum” de todos os homens que o constituem, mas sobretudo pelo fato de que, a despeito das diferenças de posição e da resultante variedade de prospectivas, todos estes estão sempre interessados no mesmo objeto.

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Conforme a violência repele o indivíduo do espaço político, sem a discussão e sem a heterogeneidade que dá sentido à convivência, instaura-se um falso consenso3 que torna a política em uma atividade burocrática de administrar assuntos coletivos e necessidades puramente biológicas ou fisiológicas das pessoas, pela violência, a política dá lugar à biopolítica4.

Como Habermas (2012, p. 231) pontua, no mundo da vida, que se pode dizer o espaço público e, portanto, o campo político, é onde as pessoas se encontram para ouvir e falar, ou seja é onde, politicamente se potencializam para resolver o dissenso e obter o consenso.

Ao encarar o direito como um instrumento do Estado, para institucionalizar a violência contra o indivíduo, o que se propõe é reconhecer – no direito – um afastamento da razão.

Em que pese o direito seja concebido como um instrumento, a tarefa, deveras difícil, de torná-lo em racional e campo para a exposição de ideias e proteção de pessoas é o desafio enfrentado pelos juristas, na produção de textos críticos e doutrinas para propor uma leitura do direito. E, quanto mais o direito se aproxima da violência, mais se reafirma como um instrumento de autoafirmação do Estado, de poder e de controle, de um sobre o outro5.

A medida de resolver conflitos pelo direito, impõe a presença do Estado, como o organizador e fonte de solução dos problemas sociais, todavia é com isso que os indivíduos assumem publicamente a sua incapacidade de autocomposição e, por óbvio, deixam de lado a razão, a fim de que o Estado apresente um remédio pré-concebido e que aguarda tão somente a aplicação no caso concreto – legislação – que quase sempre tem efeitos colaterais.

Essa idealização do direito enquanto um método de organização e solução dos conflitos da sociedade é o que lhe aponta sua total característica de instrumento e que, na academia e no campo prático, vem sendo, de certa forma, apresentada sob a roupagem de jurisdição.

Todavia, essa jurisdição tem mais o caráter de dizer o direito – que não precisa ser dito, pois já é velho conhecido de todos –, do que de se afirmar como uma atividade de dizer o justo, dada à violência com que o Estado engendra o direito.

Como afirma Bauman (2015, p.70), aqui já falando de direito e política, ao passo que pode-se verificar uma atuação do Estado, é com base no exercício autoritário que a decisão se desliga de seu objetivo de buscar a justiça:

Una autoridad moral aparentemente incuestionable puede marginarse fácilmente asumiendo su nombre, pero cambiando la lógica de sus decisiones morales, en silencio y de forma casi inadvertida. Una práctica burocrática segura y una rutina bien establecida pueden ser tan peligrosas para la autenticidad de la defensa de los derechos humanos como una aproximación selectiva a los mismos.


OBJETIVO

Encara-se como objetivo, demonstrar que a violência, enquanto mantida sob o véu da política e do direito, serve apenas ao interesse daquele que detém o domínio destes. E, por isso, afastam-se – a política e o direito – de seus objetivos de bem comum.

Quando Hanna Arendt (1999) apresenta a política em sua pureza, que remete à Grécia antiga, sua intenção não é promover um retrocesso utópico, mas é justamente mostrar o quanto o homem se distanciou das suas virtudes, principalmente quando busca em Protágoras reavivar a noção de que “o homem é a medida de todas as coisas”.

Ao passo que no direito, quando a violência permeia, tem-se, pelas palavras de Benjamin (2013, p. 77):

(...) a função do poder como violência na instituição do Direito é dupla, na medida em que essa instituição se propõe ser aquilo que se institui como Direito, como seu fim, usando a violência como meio; mas, por outro lado, no momento da aplicação dos fins em vista como Direito, a violência não abdica, mas transforma-se, num sentido rigoroso e imediato, em poder instituinte do Direito, na medida em que estabelece como Direito, e nome do poder político, não um fim livre e independente da violência, mas um fim necessária e intimamente a ela ligado. A instituição de um Direito é instituição de um poder político e, nesse sentido, um ato de manifestação direta da violência.

Fixa-se assim o objetivo de mostrar a violência, ainda que velada, incidente na política e no direito.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se apresenta impossível uma (re)construção da política a partir de um critério capaz de trazer as pessoas para o espaço público. Todavia, o caminho que aponta para esta inclusão é o do debate plural, da inclusão e do respeito dos indivíduos em todos os seus aspectos (sociais, econômicos, culturais). A democracia é o plano que melhor comporta a ideia de Arendt, ao possibilitar um amplo acesso à política e a ideia de Habermas, ao mencionar que o mundo da vida é o lugar onde se expõem dissensos e consensos que leva à participatividade integral, que só é obtida em uma democracia deliberativa.

Falar de um abolicionismo do direito, reconhecendo nele um instrumento de violência é no mínimo estabelecer um caos ou uma anarquia em meio à sociedade. Partindo da premissa de que a sociedade não sabe viver sem o direito e que não aprendeu a manejar a política – ou que não quer aprender -, a solução mais óbvia é a de que, necessariamente, precisa-se repelir a violência, a fim de não tornar o direito em um biodireito – processo semelhante ao da biopolítica que Agamben explica.

No entanto, o procedimento de solucionar o problema por meio de uma teoria ou de uma medida, por assim dizer, pacificadora do direito, implicaria por aquela ineficácia e por esta mais violência. Assim, o caminho para a pacificação do direito é compreendê-lo não como um fim, mas como um meio. Meio este que serve à justiça e à pacificação dos conflitos e não para a institucionalização da violência e da hegemonia de um sobre o outro.

Ao final, a proposta de inserir a participação popular na política com espaços deliberativos e repensar o modo representativo atual é um meio de recuperar a política e no campo do direito, com uma horizontalização do poder, este vai se tornando muito mais um meio de acesso e alcance da justiça do que um objeto em si mesmo que precisa se reafirmar como válido – coercitivo – a todo instante intervindo na vida das pessoas.

A medida da pluralidade, da inclusão e da participação ativa dos indivíduos nas decisões do Estado, e pode-se dizer, da democracia, é a mesma em que se afere o nível da legitimidade e da (não) violência da política e o alcance dos fins a que o direito se afirma enquanto existente no meio social.


REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.

_____. Homo sacer o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Luis Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

_____. Crises of the republic: lying in politics; civil disobedience; on violence; thoughts on politics and revolution. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1972.

_____. O que é política. Tradução de Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

BAUMAN, Zygmunt; DONKIS, Leonidas. Ceguera moral: la pérdida de sensibilidade en la modernidad líquida. Traducción de Antonio Francisco Rodríguez Esteban. Barcelona: Paidós, 2015.

BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Organização e tradução de João Barrento. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e comunicação. Tradução: Paulo Rodrigues. Revisão da tradução: Pedro Bernardo. Lisboa: Edições 70, 1996.

_____. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão funcionalista. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

JASPER, James M. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Tradução Carlos Alberto Medeiros. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I – O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

SCHMITT, Carl. O conceito do político. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo horizonte: Del Rey, 2008.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007.


Notas

1 As pessoas protestam de todas as formas possíveis. Escravos, servos e outros sob vigilância estrita encontram meios sutis, como cuspir na comida do senhor, fazer-se de ignorantes ao receberem ordens, realizar tarefas malfeitas, roubar ou quebrar objetos de valor. Caso questionados, podem às vezes negar qualquer intenção de resistência, embora isso nem sempre evite que sejam espancados. Algumas dessas armas dos fracos proporcionam apenas compensações ou ganhos privados, mas outras são usadas tendo o público em mente. Algumas exigem solidariedade, tais como piadas, fofocas e rumores no âmbito privado que solapam o poder e a dignidade dos opressores. Algo tão simples como arregalar os olhos pode minar uma autoridade, sugerindo que o chefe é tolo e confuso (JASPER, 2016, p. 37).

2Civil desobedience arises when a significant number of citizens have become convinced either that the normal channels of change no longer function, and grievances will not be heard or acted upon, or that, on the contrary, the government is about to change and has embarked upon and persists in modes of action whose legality and constitutionality are open to grave doubt (ARENDT, 1972, p. 74).

Hannah Arendt define a desobediência civil como um ato público, coletivo, não violento e distinto de um ato revolucionário – embora o desobediente civil compartilhe com o revolucionário o desejo de “mudar o mundo”, e as mudanças que desejam realizar possam ser drásticas –, sendo a última associação voluntária, geralmente ligada a antigas tradições do país, sob o aspecto da forma de associação (ARENDT, 1972, p. 76-78).

3 O falso consenso é obtido por meios que não levam em conta a verdade e a racionalidade. Para elucidar o contraponto, traz-se o consenso formulado por Habermas (1996, p. 199):

“Como é evidente, há uma diferença entre a existência de uma concordância (Einvertändnis) relativamente a um facto entre os participantes no acto de comunicação e o mero chegar a um entendimento por parte de ambos (sich vertändigen) relativamente à seriedade as intenções do falante. A concordância no sentido restrito apenas se obtém se os participantes forem capazes de aceitar uma pretensão de validade pelas mesmas razões, enquanto que um entendimento mútuo (Verständigung) também pode surgir quando um participante vê o que o outro, à luz das suas preferências, tem boas razões, naquelas circunstâncias, para a intenção que declarou – ou seja, razões que são válidas para si – sem ter de fazer suas estas razões à luz de suas preferências”.

4Como nos campos de concentração do nosso século [século XX], o caráter totalitário da organização da vida no castelo de Silling, com seus minuciosos regulamentos que não deixam de fora nenhum aspecto da vida fisiológica (nem ao menos a função digestiva, obsessivamente codificada e exposta em público), tem a sua raiz no fato de que aqui, pela primeira vez, se pensou uma organização normal e coletiva (e, portanto, política) da vida humana baseada unicamente sobre a vida nua (AGAMBEN, 2007, p. 142).

5 Marx explica os conflitos entre o empregador e o trabalhador sob o aspecto de uma luta. Por suas palavras, “tem-se aqui, portanto, uma antinomia, um direito contra outro direito, ambos igualmente apoiados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais, quem decide é a força” (2013, p. 394). Para demonstrar o aspecto violento do direito apoiamo-nos no trecho a seguir:

“Todos eles [métodos capitalistas], porém, lançaram mão do poder do Estado, da violência concentrada e organizada da sociedade, para impulsionar artificialmente o processo de transformação do modo de produção feudal em capitalista e abreviar a transição de um para o outro. A violência é a parteira de toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova. Ela mesma é uma potência econômica” (MARX, 2013, p. 998).

Sobre o autor
Vinícius Scherch

Graduado em Direito pela Faculdade Cristo Rei, Cornélio Procópio - Paraná (2010). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes - Paraná (2014). Graduado em Gestão Pública pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná (2015). Mestre em Ciência Jurídica pela UENP -Jacarezinho. Advogado na Prefeitura Municipal de Bandeirantes - Paraná.

Informações sobre o texto

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