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DO SENSO COMUM AO BOM SENSO

O caminho da informação (individual) ao conhecimento (coletivo)

Agenda 26/08/2018 às 22:19

Afinal, só aprende quem apreende.

A proposta desse texto não é metodológica e sim política. A principal atividade é desconstruir o senso comum que se espraia com a replicação de informações, portanto, sem a obrigatória intermediação da crítica, da pergunta indigesta, de quem duvida das aparências ou não se contenta com a mesmice: “o mesmo de sempre”.
(Obter a informação é uma fase necessária, inicial, mas não suficiente ao conhecimento). Construir o conhecimento, para além de um amontoado de informações e/ou de citações, é uma tarefa para quem requer e procura pelo conhecimento pautado na reflexão, na crítica, quando se é levado a “tomar o conhecimento para si”, como ato consciente de quem “apreende”. Só aprende quem apreende.
 O objetivo aqui é destacar a contemporaneidade de temas, pautas e propostas enunciadas em sala de aula, na vida comum do homem médio, no trabalho, na militância social ou política. Afinal, é no cotidiano que melhor se desenham as principais, substanciais relações entre teoria e prática, bem como se alinham política e educação.
Por exemplo, é mostra de que não ultrapassamos o nível da informação (se queremos conhecer de fato), quando vemos que a economia nacional pode crescer, incluindo milhares, milhões no emprego e no consumo, mas ainda assim observarmos a distância de sua consciência (senso comum) de alguma concepção analítica, científica e filosófica.
Em parte, esse distanciamento entre teoria (consciência “acima”, “para além” dos fenômenos em si) e prática (“opinião formada” e manifesta no trabalho, nas ruas, nas casas, nas redes sociais) reflete ou explicaria o longo alcance, contemporâneo, do assim chamado Analfabetismo Funcional. Lê-se o texto, porém, ignora-se a interpretação do conteúdo do texto.
É um conteúdo que está longe do alcance, porque o instrumento da crítica e da reflexão não se forma facilmente, como ato de consumo. Por isso, é fácil perceber que se pode comprar informação (assinando sites ou jornais, ou comprando livros), mas jamais o conhecimento – que é uma leitura provocativa, intencional, dirigida contra o que se já falou sobre a realidade e que não basta mais, não mais satisfaz a quem quer aprender “algo novo” ou ver de novo o que já conhecia de antemão.
No fenômeno mais recente/presente a partir das redes sociais, em outro exemplo, agora como manifestação de um tipo ultramoderno de “consciência maquínica” ou “consciência imagética”, a suposta informação – conhecimento superficial e supérfluo, desconectado do real – não passa do título, da chamada que anuncia o texto.
Em seguida, rapidamente, a postagem é replicada. E assim se anuncia a verdade dos fatos; mas, sem fatos. Por isso, “ler o cotidiano”, de posse das premissas, das teorias, das análises, do conhecimento adquirido anteriormente, tem, precisamente, o objetivo de demonstrar os limites do senso comum e a perspectiva de “olhar mais longe”; sendo que esta mirada para além só é permitida pela leitura completa de materiais filosóficos, históricos e científicos – em confronto à realidade exposta.
Desse modo, o primeiro passo seria a leitura crítica e atualizada de cada link destacado, trazido ou provocado, quando se acentua alguma relação entre educação e política. (Ao longo da experiência de cada um, novos links são descobertos e estabelecidos, e isto também contando com as sugestões de muitos outros interlocutores).
Nos parágrafos seguintes, seguem sugestões de como proceder a uma leitura inicial – que fica a cargo de cada um seguir ou tomar um caminho próprio. As questões/sugestões comuns e avaliativas são – ou podem ser: observar responsabilidades; destacar controvérsias; sondar objetivos “reais”; observar o alcance dos possíveis resultados aferidos; destacar alternativas (se for o caso). Além dos itens básicos de informação: como, onde, quando, quem fez o que? Também o(s) porquê(s) podem ser revelados com leitura atenta e crítica, especialmente quando relacionada a outros conhecimentos adquiridos.
E aqui teríamos o encontro da educação com a qualidade: nem tanto a quantidade do que se lê (ainda que seja parte do esforço dialético do conhecimento), mas como e o que se lê. É o início do bom senso, em substituição, em fase de superação do senso comum; pois, da mera informação (quantitativa) avançamos para o conhecimento: a qualidade do que se sabe de fato.
O conhecimento pode ser formulado, adquirido a partir da especulação (quando se projeta outro caminho para as investigações, chamado de contracorrente, contra majoritário), mas não pode se limitar à especulação; isto é, a especulação pode/deve ser um meio para se indagar (a “contrapelo”) sobre as verdades de uma época; no entanto, não se sustenta como fim em si mesmo. Como objetivo inicial de uma investigação, a especulação é bem vinda, porque nos traz perguntas “novas”, que aguçam a procura por outras respostas ainda não formatadas.
Entretanto, como fim em si mesmo a especulação será esvaziada, só nos permitirá ter uma pergunta após a outra, sem que a própria premissa da primeira questão seja avaliada adequadamente. Seria a diferença, por exemplo, entre a ironia e os trocadilhos, o poema de rima rica ou pobre – ou o que limita uma conversa chata. Ou conversa de criança: Por quê? Por quê?
Assim, se e quando bem empregada, a especulação é um ótimo recurso à indução: quando se levantam mais teses, questões, perguntas do que respostas. A curiosidade é essencial à pesquisa, uma vez que antecipa a crítica (serendipidade), assim como um método que não se aparta do objeto e nem permite ao conhecimento ficar perdulário nas “nuvens”.
Uma observação, ainda que mais retórica do que analítica, diz respeito ao uso de tecnologias na produção do conhecimento. É obvio que não se refuta seu emprego, inclusive porque há conhecimentos que não seriam obtidos sem o amplo recurso das tecnologias: das ciências exatas à manifestação das Multidões, a partir das redes sociais.
Um esforço notável, em mais um exemplo, seria fazer dialogarem os clássicos com a contemporaneidade, vale dizer, defrontar-se o passado que nos ronda com as tecnologias e a visão científica do século XXI. Na Modernidade Tardia, o passado nos alcança e acompanha.
Sabemos, desde sempre, que não há ciência, conhecimento real, repetindo-se o passado, invocando-se as glórias de quem foi precursor. Mesmo os clássicos – excepcionais, atemporais, porque abriram as comportas do futuro (e que somos nós) – devem ser enfrentados (com honestidade intelectual) e checados diante do que sabemos ou temos como confirmar hoje em dia.
Não se faz ciência com palavras de ordem, chavões ou métricas discorridas em suntuosos textos. Por isso, uma pergunta bem posicionada (a ironia é seu recurso) pode fazer muito mais pelo conhecimento do que as citações de livros abarrotados de barrocos. Não há ciência sem crítica.
Esta conversa dialogaria entre pragmatismos e a Prudência, o economicismo e a política de resultados, a educação clássica e a educação popular (ambas políticas). Este esforço, entre passado e presente, faria ver significados longevos do Renascimento: o período histórico que formulou os paradigmas (aí sim está correto seu uso) da Ciência Moderna: o empirismo.
Não há ciência sem tecnologia e inovação, isso é básico; tanto quanto a história da Humanidade é marcada pela imbricação entre técnica, política e arte. E muito menos há educação que não seja política, que não produza resultados (libertários ou egocêntricos) e, desses resultados, novas propostas.
Tudo isto é política: como propostas e visões de mundo, quer sejam autônomas quer sejam outorgadas (monocráticas), emancipadoras ou acondicionadas ao status quo, à passividade anticientífica – exatamente porque desprovidas de crítica.
No entanto, cabem algumas breves observações: a tecnologia não produz ciência e nem conhecimento, é o seu uso correto que propicia uma crítica aos modelos e teorias que se quer revigorar. (Desconhece-se, é preciso frisar, “paradigma” ou tecnologia que abdique do empirismo). Neste sentido, quando se vê uma chamada nas redes sociais – dizendo assim: “respeite os mais velhos, eles aprenderam sem o Google” –, devemos parar e pensar.
Em frases feitas, diríamos que: “o Google se chamava livro e seu suporte era a biblioteca”; “os antigos também tinha memória, porque não usavam HD externo”; “interagiam olhando nos olhos”; “faziam política nas ruas e não nas redes”, a exemplo da crítica de “advogados de Whatsapp”; “nunca entenderam muito bem o que se quer por redes, afinal, a vida sempre lhes pareceu holística”; “é preciso desanuviar a mente”, retirar os véus, a ideologia, o senso comum que encobre/recobre a interpretação da realidade. Ou seja, onde está a crítica e a obviedade?
O conhecimento, a dialética, está na transformação da quantidade de informação (conseguida/consultada) em qualidade do conhecimento produzido, ofertado. Está na negação das informações recebidas – após a checagem e confronto das fontes – com a afirmação de “novos” resumos da vida, fichamentos de livros, sínteses que formatam outras bases de dados.
É certo dizer que “não há conteúdo sem forma”. É igualmente correto pressupor que a formação conteudista (em si) não é libertária, democrática, emancipadora, porque pode estar limitada à erudição (normalmente elitista, oligárquica), vazia então de uma perspectiva de oferta pública do conhecimento.
Por outro lado, é preciso saber logo de início que não existe forma sem preenchimento e que, aplicar-se em demasia à forma, ocorre, não poucas vezes, de se esvaziar todo o conteúdo, ou seja, não há forma sem significado implícito. A que se deve o belo vaso vazio? O que é uma pessoa que, rotineiramente, acusamos de ser sem conteúdo?
Não somos tábulas rasas ou fórmulas vazias. Essas mesmas “bases de dados” (do próprio indivíduo, leitor e pesquisador) serão continuamente investigadas, a partir de sua interlocução com outros atores, sujeitos e outras bases de dados: individuais (críticas, ideológicas); políticas (partidos políticos, sindicatos); educacionais (escolas, propostas); grupais (ONGs); institucionais (governamentais); universitárias (teorias, concepções); coletivas (família, grupos sociais), difusas (meios de comunicação de massa).
De todo modo, o fundamental é superar a concepção/consciência de que “a teoria na prática é outra” – até porque a teoria que não se espelha na prática é ideologia, e não teoria. A ideologia é o oposto do conhecimento do real, aferido analiticamente, criticamente.
Portanto, ou a teoria é um conhecimento honesto (ainda que especulativo), provindo da prática sobre o concreto, a realidade das coisas e das situações, ou é ideologia, retórica, senso comum, replicação de fragmentos: filamentos soltos da realidade.
Outra barreira a superar diz que “os fatos falam por si”. Não falam. Quem retrata e analisa, expande ou subtrai os fatos (a subtração não tem um quê de traição?), são os indivíduos que os querem investigados ou aprisionados a seus interesses. Outro primo pobre dessa afirmação assegura que “os números não mentem”. Mentem sim, tanto quanto a estatística, a prima pobre da matemática (ciência primal), possa permitir.
Ou ainda a afirmação, bastante imagética, da imagem que pula direto para a consciência, alegando-se que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Ledo engano, pois quem afirmou isto nos legou a frase (a assertiva) e não suas imagens preferidas.
Ou seja, herdamos o pensamento, o raciocínio, a lógica de quem admirava determinadas imagens. Além do que, com a tecnologia atual, as imagens podem ser manipuladas a ponto de indicarem o exato contrário de seu instantâneo.
Enfim, alguns podem destacar mais as “formas” e outros mais os conteúdos – além de se ter em destaque os meios e os fins. O que importa é ver na ciência, na busca pelo conhecimento, uma viagem que, mesmo tendo-se um fim projetado, não se impeça o desvio do curso (caso seja necessário) e nem se furte às paradas inesperadas. Se nesta viagem o barco é necessário – e se “viajar é preciso” – é porque o sujeito, o(a) condutor(a) está preparado(a).
 Concluindo, pudemos ver que não há ciência sem crítica. Pois bem, é preciso não esquecer que a crítica tem evidente conteúdo político – criticar o status quo – o que, portanto, acarreta na conclusão de que não há ciência sem política. A ciência é política! – independentemente de pesarmos a Ciência Política.
Se a ciência não responde a critérios políticos claramente expostos, ainda assim seu pressuposto será político, porque a crítica (obrigatória ao avanço do conhecimento) é política. Criticar para mudar, mas não para retroagir.
As críticas do irracionalismo, em um último exemplo, propõe o retrocesso do conhecimento e das práticas sociais. Iludidos, em paralelo a estes, costumam sonhar com os tempos de “passado idílico”.
Por fim, cabe reforçar o pressuposto científico de que não há crítica inofensiva; pois, mesmo a “crítica para o nosso bem”, de quem nos quer bem, espera ver alguma modificação no indivíduo criticado. O cientista não se contenta nem com “o que está certo”, imagine-se então com os erros, os equívocos (planejados ou não).
Se você é capaz de se ver aqui, então, está nos passos de ser um(a) cientista – em qualquer área ou ramo do conhecimento.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/PPGCTS/DEd
 

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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