Em maio de 2017, o Superior Tribunal de Justiça determinou a afetação dos Recurso Especiais nº 1.614.721/DF e nº 1.631.485/DF, em que se discute a possibilidade de inversão, em desfavor da construtora, de cláusula penal estipulada exclusivamente em prejuízo do promitente comprador, nos casos em que a empresa atrasa a entrega de imóvel em construção.
O julgamento seguirá pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do Código de Processo Civil), sendo recebido como Tema 971, e terá por objetivo uniformizar o posicionamento das cortes brasileiras.
No âmbito dos negócios imobiliários, é corriqueira a previsão contratual de penalidades unicamente em favor do fornecedor. Tais disposições deram azo a diversas ações judiciais que buscam a declaração de tais cláusulas como abusivas.
Ocorre que a relação entre as partes nos contratos de promessa de compra e venda é de consumo, tendo em vista a adesão dos promitentes compradores a uma forma preestabelecida para a venda de imóveis das construtoras/incorporadoras, em situação de hipossuficiência com relação a elas.
A propósito, já é pacífico o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no sentido de que “[a] relação jurídica estabelecida entre as partes em um contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária é de consumo, pois o comprador é destinatário final do produto oferecido pela construtora”[1].
Assim, a controvérsia discutida nas ações judiciais gira em torno da possibilidade de determinação da aplicação de cláusula penal em favor do consumidor, mesmo que estabelecida apenas em benefício do fornecedor.
A tese de inversão da cláusula penal em desfavor do consumidor é acompanhada por diversos tribunais, inclusive por parcela do STJ, justamente com base no entendimento de que, como dito, em contratos de compra e venda de imóveis, a vontade das partes deve ser interpretada sob a ótica consumerista.
Assim, ao prefixar penalidade sofrida em caso de inadimplemento do consumidor, o fornecedor preconcebe perdas e danos inerentes à relação contratual. Impedir a inversão seria impor ao consumidor (hipossuficiente) o ônus da prova do prejuízo já preestabelecido contratualmente. Portanto, com o fito de restaurar o equilíbrio da relação, a possibilidade de declarar a aplicação inversa da penalidade prevista é entendimento de parcela dos tribunais.
Divergem, entretanto, parte da doutrina e jurisprudência. A interpretação dada ao artigo 51 do CDC, que trata das hipóteses de nulidade das cláusulas contratuais, pela parte da doutrina que entende pela impossibilidade da prática de inversão das cláusulas, é no sentido de que é rol taxativo — portanto, inexiste vedação legal, de modo que deveria prevalecer a vontade declarada das partes.
Ademais, essa parcela da doutrina versa que a determinação de penalidades presta não só a recompor prejuízos, mas a alocar riscos contratuais. A inversão das penalidades levaria à desestabilização da relação contratual, gerando frustração de legítima expectativa do fornecedor que se vê obrigado a devolver grande montante de capital recebido e, não obstante, é obrigado a adimplir obrigação inexistente no contrato.
Por fim, os mesmos doutrinadores argumentam pela impossibilidade de “criação” de cláusulas contratuais pelo juiz. Uma vez que não houve determinação de multa bilateral, a inversão seria inovação contratual, indo de encontro ao pacta sunt servanda e à primazia da vontade das partes. Entendem que, caso o dispositivo seja declarado abusivo, deve o julgador apenas afastar a sua aplicação e não alterar sua redação para que beneficie a parte contrária — o que causaria enriquecimento ilícito.
As demandas com esse objeto não param de ser ajuizadas, e, ao ficarem sobrestadas aguardando julgamento dos repetitivos, gera-se tamanho prejuízo de ordem econômica e social tanto aos consumidores, os quais terão que aguardar o Poder Judiciário para pleitear direitos, como as construtoras e incorporadoras, que veem o risco de sua atividade aumentar de maneira significativa em decorrência da inversão de cláusulas que, no momento da assinatura, não se encontravam no contrato, levando a possíveis prejuízos advindos de ônus que não anuíram originalmente.
Nota
[1] Acórdão n. 899089, 20150110142228APC, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Revisor: VERA ANDRIGHI, 6a Turma Cível, Data de Julgamento: 07/10/2015, Publicado no DJE: 21/10/2015. Pág.: 247.