Autonomia da vontade nos contratos de trabalho e a reforma trabalhista
Na esteira da postagem anterior, sobre a restrição da autonomia da vontade nos contratos trabalhistas (link aqui), trago à baila a discussão sobre como a Reforma Trabalhista afetou tal restrição.
A Lei 13.467/2017, alcunhada de “Reforma Trabalhista”, afetou sobremaneira a limitação imposta à autonomia da vontade nos contratos de trabalho, devolvendo às partes uma liberdade contratual incompatível com a relação de emprego, ignorando totalmente a hipossuficiência do trabalhador, que é fato inconteste. A liberdade plena de ajustar as cláusulas de um contrato requer que ambas as partes possuam forças iguais, tenham paridade de armas, o que não ocorre na relação de emprego, principalmente quando se permite a negociação individual ou a renúncia e transação de direitos trabalhistas indisponíveis.
Vólia Bomfim Cassar, em artigo intitulado “A Reforma Trabalhista e a autonomia da vontade do empregado”, aponta e comenta os dispositivos alterados e incluídos pela Lei 13.467/2017 que vieram mitigar a interferência estatal na relação entre empregado e empregador:
Autônomo - Vínculo de Emprego - Art. 442-B da CLT
Para a autora, se presentes as características da relação de emprego (art. 2º e 3º da CLT), pouco importa que haja contrato formal de trabalho autônomo ou de prestação de serviços, já que a legislação trabalhista não pode ser afastada pela vontade das partes, pois o reconhecimento do liame empregatício é direito irrenunciável.
Trabalho Intermitente - Arts. 443 e 452-A da CLT
Segundo CASSAR, além de transferir os riscos da atividade ao empregado, fere os princípios da segurança jurídica e da proteção ao trabalhador, e continua a autora: “Muitos defenderão a validade do ajuste ao argumento da livre-autonomia da vontade do empregado em aceitar esta modalidade de contrato. Todavia, aquele que aceita negócio jurídico que lhe é prejudicial só o faz por necessidade ou por ignorância.”
Contrato de Trabalho - Livre-Autonomia - Art. 444, Parágrafo Único, da CLT
O dispositivo supra prevê a negociação individual pelo trabalhador com diploma de nível superior que recebe valor maior ou igual ao dobro do teto do RGPS.
Considerando que muitos direitos trabalhistas são irrenunciáveis, indisponíveis, a formação acadêmica do trabalhador ou o valor do salário não modifica a natureza irrenunciável do direito. Ademais,
“Entender que os empregados que recebem valor igual ou maior que R$ 11.063,00 podem livremente dispor sobre os direitos trabalhistas relacionados no art. 611-A da CLT e das próprias normas coletivas é negar a vulnerabilidade do trabalhador, que depende do emprego para sobreviver e, com relativa facilidade, concordaria com qualquer ajuste para manutenção do emprego.” (CASSAR, 2018).
Programa de Demissão Voluntária - Norma Coletiva - Quitação Geral - Art. 477-B da CLT
Especificamente sobre a autonomia da vontade: “Mais uma vez, o legislador quis prestigiar a negociação coletiva e dar à autonomia da vontade do trabalhador a força que teria nas relações civis. ‘Se o empregado aderiu ao programa de demissão voluntária o fez porque quis’: esse será o fundamento de alguns.” (CASSAR, 2018).
Distrato - Direitos - Art. 484-A da CLT
Aqui, temos a previsão de rescisão por mútuo acordo, quando se paga por metade o aviso prévio e a multa do FGTS, permitindo o levantamento de 80% do mesmo.
Segundo CASSAR, a novidade só seria positiva no caso de real vontade do empregado de se desligar do emprego, livre de coações.
Arbitragem - Art. 507-A da CLT
O artigo supra prevê a possibilidade de se incluir cláusula compromissória de arbitragem nos contratos de emprego cujo salário supere ou iguale o dobro do teto do RGPS.
A Lei da Arbitragem, Lei 9.307/1996, em seu artigo 1º, restringe a arbitragem aos litígios que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. Considerando que muitos direitos trabalhistas são indisponíveis, irrenunciáveis, e o valor do salário não modifica essa natureza, a arbitragem não poderia ser utilizada na relação contratual empregatícia individual.
Quitação Anual - Sindicato - Art. 507-B da CLT
A autora critica a quitação geral “da parcela” e não “dos valores” de cada parcela, pois isso abre espaço para que, mesmo não pagando o valor devido, haja quitação total da parcela.
Outrossim, “Criar a possibilidade de quitação anual em relação a cada parcela mencionada, na vigência do contrato, quando o empregado está presumidamente submetido às ordens do patrão é de duvidosa liberdade de vontade. (...) Que empregado livremente concorda em dar quitação, durante a relação de emprego, de direito não pago? A coação é presumida, diante de sua hipossuficiência. Se a parcela foi paga, não há necessidade da assistência sindical para a eficácia liberatória.”
Vólia Bomfim, em sua conclusão, afirma:
“Infelizmente a Lei nº 13.467/2017, chamada de "reforma trabalhista", prestigia a negociação individual e coletiva entre as partes sobre os direitos previstos em lei, permitindo que o negociado prevaleça sobre o legislado, pois parte da falsa premissa de que o trabalhador quer livremente abrir mão de seus direitos, ignorando sua vulnerabilidade jurídica. Também autoriza renúncia de direito e torna disponíveis direitos que deveriam ser indisponíveis.”
Para ler o artigo na íntegra:
Conclusão e observações:
A Reforma Trabalhista busca limitar a intervenção estatal na relação laboral, sob influência dos ideais neo-liberais de minimização do Estado, tentando trazer de volta a liberdade total de contratar, a autonomia (quase) plena da vontade das partes, para a relação contratual de trabalho subordinado.
Acrescente-se que, se presente a subordinação, a contratação como autônomo só serve para burlar a legislação trabalhista, pois tal requisito é o que melhor caracteriza a relação de emprego.
Sobre o trabalho intermitente, como o tema é fértil, tentarei tratar num momento oportuno com maior profundidade.
Sobre a rescisão por mútuo acordo, esta pode ter sido criada em resposta às falsas demissões, a pedido do empregado, para que este pudesse sacar o FGTS e ainda receber SD, comprometendo-se a devolver a multa de 40% ao ex-empregador.
A prevalência da autonomia privada coletiva é bem vinda, mas todo cuidado é pouco quando se pretende colocar um empregado, que depende do emprego para sobreviver, considerando a dificuldade em conseguir outro, frente a frente com o empregador para que, individualmente, aceite ou não as condições "ofertadas" (impostas?) para que seja contratado ou para que continue no emprego. Ter curso superior ou receber o dobro do teto da Previdência não elimina essa vulnerabilidade.
Se as empresas buscam segurança jurídica, negociar coletivamente, no momento, é o caminho mais seguro, considerando a atual indefinição quanto à constitucionalidade ou não do instituto.
REFERÊNCIAS
CASSAR, Vólia Bomfim. A Reforma Trabalhista e a autonomia da vontade do empregado. Lex Magister: Doutrinas. São Paulo, 25 abr. 2018. Disponível em: <https://www.lex.com.br/doutrina_27640581_A_REFORMA_TRABALHISTA_E_A_AUTONOMIA_DA_VONTADE_DO_EMPREGADO.aspx>. Acesso em: 14 mai. 2018.