Empregado público possui direito à estabilidade do Art. 41 da Constituição?
Preliminarmente, importante diferenciarmos entre o servidor público ocupante de cargo de provimento efetivo, regido por lei específica (estatuto), chamado então de servidor estatutário; e o servidor público com vínculo de emprego, regido pela CLT, conhecido como empregado público ou "celetista". Ambos exigem prévio concurso público de provas ou provas e títulos, o que muda é o regime - ou vínculo - jurídico. A competência jurisdicional para julgar as lides resultantes de cada relação também muda dependendo do vínculo: para os estatutários, é da Justiça comum (Federal ou Estadual), para os celetistas, a competência material é da Justiça do Trabalho.
O entendimento dominante no TST é que apenas o servidor público efetivo e o empregado público celetista contratado pela Administração Pública direta, autárquica e fundacional, da União, Estados, DF e Municípios, possuem direito à tal estabilidade. Os empregados de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, não adquirem tal direito.
Tal diferenciação, em grosso resumo, ocorre devido à diferença de personalidade jurídica, funções e atividades desempenhadas entre as entidades da administração direta, autárquica e fundacional de um lado e as EP e SEM do outro. As primeiras, possuem personalidade jurídica de direito público, prestam serviços públicos e realizam atividades estatais – seus servidores precisam de maiores garantias para desenvolver suas atividades livre de ingerências e pressões políticas, de acordo com os princípios da Administração Pública – daí a necessidade de estabilidade - mesmo para os empregados públicos regidos pela CLT, se contratados por tais entidades.
As EP e SEM, possuem personalidade jurídica de direito privado e exercem atividade econômica que possuem alguma relevância para o interesse público (em tese), mas, na maioria dos casos, atuam em igualdade de condições no mercado. Justamente por atuarem em igualdade de condições, o regime de seus funcionários precisa igualar ao das outras empresas privadas, sob pena de ficarem obsoletas e não conseguirem acompanhar o dinamismo próprio do mercado onde a iniciativa privada atua. Seus empregados, portanto, estão submetidos às regras da CLT e do FGTS, sem a estabilidade definitiva do Art. 41 da CF.
O entendimento do TST sobre o tema encontra-se consubstanciado na Súmula 390, in verbis:
SUM-390 ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
Há peculiaridades, como a da ECT (Correios), pois atuam em monopólio parcial, realizando serviço público essencial. Ao empregado público de EP ou SEM que presta serviço público (Com tais entidades ocorre, inclusive, uma mudança no regime de bens, sendo alguns considerados como bens públicos, se vinculados ao serviço público prestado), não se reconhece estabilidade, mas sim a necessidade de motivação para sua dispensa:
TST - OJ-SDI1-247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE
I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais. (grifos acrescentados).
Quanto ao entendimento do STF, devemos ficar atentos ao andamento e às decisões no Recurso Extraordinário nº 589.998. Segue Acórdão publicado em 12/09/2013:
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO.
I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes.
II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa.
III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir.
IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho.
(STF - RE: 589998 PI, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/03/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO).
A discussão não está encerrada mas, aparentemente, o STF só reconhece estabilidade aos empregados públicos (CLT) que a adquiriram até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 19/1998. Antes dessa Emenda, o texto do Art. 41 da CF era: “Art. 41 – São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público.”, sob a vigência desse texto, não há distinção entre empregados e estatutários para obtenção de estabilidade.
Com o advento da EC 19/1998, o texto passou a ser: "Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.". Tal redação limitou, em tese, a estabilidade aos servidores estatutários.
A Súmula 390 do TST continua valendo. Até que o STF pacifique a matéria, no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda vale a premissa contida na Súmula 390, I e II, ou seja: empregados públicos de entidades de direito público possuem direito à estabilidade; empregados públicos de entidades de direito privado, não possuem tal direito.
REFERÊNCIAS:
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 23ª Ed. São Paulo: Método, 2015.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018
LOPES, Líssia Maria Eugênio. A dispensa de empregados públicos e a necessidade de motivação. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul. 2017. Disponivel em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.589402&seo=1 >. Acesso em: 06 ago. 2018.