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O que é política. Política ou política?

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Agenda 26/09/2018 às 13:13

O Brasil precisa de revoluções. Ao menos três. Uma mais à direita ou liberal, outra institucional, meio ao centro, e outra bem à esquerda.

RESUMO: O texto a seguir tem por objetivo trazer alguns sentidos e significados acerca do verbete política e de alguns correlacionados: Poder Político; políticos profissionais; realismo político e outros. Veremos, portanto, que política (minúscula), a qual temos em abundância na realidade da vida comum do homem médio, não se equipara como sinônimo de Política (maiúscula), esta como ideal de Pólis e de emancipação humana. No entanto, o intuito deste texto é meramente didático, visto que nesta forma adotada não se propõe como artigo científico – ainda que traga discussões com amparo em autores considerados como clássicos da Ciência Política e das Teorias do Estado. No conjunto, o texto revela a coletânea de vários pequenos textos produzidos para efeito didático, mas com a incumbência de serem publicados em jornais diários e em sites de consulta popular ou de debate político-jurídico. Portanto, o texto se dedica a iniciantes.

Objetivos específicos: 1º. Recuperar o período clássico – da Grécia antiga e do Renascimento –, a ideia de modernidade política com destaque especial para os clássicos de Maquiavel e de Hobbes (Estado Moderno); 2º. Apontar as principais diferenciações advindas com o período das grandes transformações, em que se destacam a Liberdade, a Emancipação, a Cidadania, o Poder, a Democracia e o Estado de Direito; 3º. Fundamentar alguns pontos de regularização e de funcionamento da República – em que pese a constância da violência no cenário político – e do Estado Democrático.


Justificativa e breve introdução

Observando-se as bases clássicas de formação do pensamento político ocidental, podemos avaliar com mais prudência a formação/organização (centralização) do poder, especialmente do Estado (Poder Político), do Direito – enquanto ciência e pressuposto da racionalidade (Princípio Civilizatório) –, bem como das principais instituições de gestão desse poder organizado, a exemplo da Política (Pólis), da Democracia (participação, sociabilidade), da República (o bom senso da coisa pública), da Cidadania (isonomia, inclusão), da Liberdade Negativa (autocontenção do poder/emancipação). O papel desempenhado pela educação, no sentido de função social – a essa altura de plena fundamentação política, pois não há neutralidade – é essencial desde as bases da Ética a Nicômaco até a Educação Pública, como universalidade da razão que viria com a Revolução Francesa e como sustentação da universalidade (objetividade, previsibilidade) do direito requerido desde então. Para efeito didático estará dividido em duas grandes partes: a 1ª mais conceitual, a 2ª mais ideológica.


1ª PARTE

Esta parte, iniciante, tem por objetivo apresentar um sentido bastante amplo do que se pode entender por política. Não há, por assim dizer, questões muitos controversas ou  provocativas.

Política para crianças

Crianças aprendem política quando são educadas para respeitar o espaço de outras crianças ou a não falarem com a boca cheia. Crianças também aprendem política quando ouvem "não" de seus pais porque faziam birra querendo alguma coisa indevida naquele momento. Mais crescidas, as crianças são avaliadas, na escola, a partir de seu desempenho, se fizeram as lições, se estudaram. Por isso, a avaliação ainda demonstra o empenho (ou não) das crianças. As crianças, de várias idades e mesmo em tom de brincadeira, aprendem política tanto em jogos e atividades coletivas quando exercitam as regras, como quando entendem o porquê de pôr o seu lixo no cesto, por exemplo.

Por vezes, em campanhas educativas propositalmente inseridas, como as que ensinam noções básicas de trânsito em carrinhos e pequenos percursos controlados, as crianças são levadas a conhecer regras propriamente públicas, estatais, além do convívio direto com as regras formais de respeito e de bom senso. Com essas noções de trânsito aprendem a necessidade do respeito aos outros, mas igualmente exercitam o cuidado consigo.

Esses são apenas alguns exemplos e se referem, logicamente, às crianças escolarizadas e que têm algum suporte em casa – entretanto, há crianças, muitas crianças, que nem conhecem seus pais – mas, no geral, esse jogo de regras básicas ajuda no amadurecimento delas. O "não" de hoje pode fazer, sim, toda a diferença amanhã, haja vista as crianças serem capazes de muitas coisas, se educarmos bem. No fundo, faz tanta diferença que explicaria porque temos tantos adultos mal-educados (mal-intencionados) abusando e ferindo a política. É provável que esses adultos abusadores da política não foram educados em jogos e práticas políticas na infância, o que teria lhes elevado o padrão moral.

Em outras palavras, é como se o adulto corrupto não passasse de uma criança mal-educada, mimada, que nunca teve limites para suas vontades. A criança egoísta de hoje, se não for bem tratada e educada, certamente, será o adulto egocêntrico de amanhã. Daí o extremo egoísmo, o cinismo, a atitude psicótica com que lidam com a coisa pública (a corrupção também é um problema de saúde mental).

O dilema, então, é que a má educação desses adultos acaba por degradar a vida de milhões de outros adultos e crianças. Por fim, são exemplos simples de que não há instância da vida sem política e de que toda educação – boa ou má – é extremamente politizada. Até as crianças sabem disso.

A política é cotidiana

  1. A política é a arte do humano, do “fazer-se humano”.
  2. Somente se é, ao "fazer-se política". Porque só nos tornamos humanos, fazendo política.

Desde quando os homens discutiam entre si as melhores condições para assentar seu grupo social (onde haveria o melhor campo de caça e água limpa e abundante, por exemplo) até a definição de regras para a propaganda político-eleitoral nas redes sociais (algo primordial em tempos de Fake News), somos resultado da política. 

A sociabilidade, pré-requisito da Interação Social, assim como a empatia, inicia-se quando se debate politicamente se haverá um agrupamento humano, em que condições, para que fins: contornando, negociando o melhor caminho a seguir. Essa dialética entre meios e fins é, obviamente, política, não só porque impõe escolhas, mas também porque estabelece limites à divergência de interesses.

Então, o Homem se constitui como ser social; porém, somente após ter firmado a opção de se constituir como animal político: zoonpolitikón. A definição dos fins e a escolha dos meios eficazes para sua construção destacam tanto a opção política quanto a racionalidade, maior ou menor, no manejo das escolhas – diante das opções/possibilidades – e na operacionalização dos recursos para a consecução dos objetivos propostos. 

Quando o estudante indaga a seu professor ou orientador sobre os critérios de avaliação, ele aborda duas questões ou dimensões políticas: seu julgamento é racional, “qual a razão de tal nota ou conceito?”. Porém, também acentua sua preocupação com a legitimidade do resultado: “os meios foram bem empregados? O combinado foi cumprido? A aferição é justa?”. 

A dona de casa, a mulher, a senhora que pechincha ou reclama dos preços, que não compra itens encarecidos, que os troca por outros que estão no tempo da safra, elas fazem política. Trata-se da racionalidade da economia: “não é racional – nada razoável – permitir que me explorem se tenho a capacidade de evitar”.

Essas mesmas mulheres fazem política quando se aliam contra a cultura do machismo. E os homens que se engajam na luta contra o machismo e contra a misoginia fazem política para si, porque atuam em prol do(a) Outro(a). 

As trabalhadoras e os trabalhadores que lutam por direitos, evidentemente, fazem política. Por isso fazem greves – algumas vezes são enrolados pelos empregadores, em locautes ou blecautes. 

A política se faz dentro e fora dos partidos políticos, por cidadãos motivados ou indiferentes às objetivações sociais. Há política com mais, ou menos militância, quando se luta a favor ou contra essa ou aquela lei.

Faz política quem diz que ela é a “arte do exercício do acúmulo de poder” tanto quanto quem a defende como a forma humanizada de se prover recursos a uma determinada organização social

Há política na fome. Há política na seca. Há política no desenvolvimento. Há política na qualidade do ar que se respira ou na cor e na saúde da água que se bebe (ou não se bebe). Há política na quantidade de bebês que nascem, (sobre)vivem ou morrem. Há política nos direitos reprodutivos e há política no aborto.

Na prática, na luta pelo controle do espaço público e pela requisição de direitos e de legitimidade, os adjetivos são incorporados: Política Social; Política Econômica; Política Cultural; políticas (im)populares; Política Financista; Política Trabalhista; Política Judicial; Política Ambiental; Política Educacional; Política de Estado.

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Nesse sentido, o homem é um animal político que se torna um ser social, pois tanto fazemos política para garantir uma organização social quanto para modificar ou revolucionar o status quo.

Assim, há política quando se constroem escolas ou hospícios, ainda que os últimos não sejam edificados rotineiramente. Até porque muitos de seus idealizadores há muito não vão às escolas e, talvez, se tornassem clientes assíduos dos hospícios.

Contudo, a pior forma de se "fazer-política" é própria daquele ou daquela que fala com "convicção" que detesta a política. Isso porque promove entropia desagregadora, caos social, uma vez que a luta pela democracia promove energia social positiva.

Tanto o apático quanto aqueles interessados na apatia (os cínicos) são os piores atores da política, porque sua forma de “fazer-política” compactua com a desumanização – se lembrarmos que o Homem é um animal político. 

Concluindo, o melhor político é o cidadão que emprega suas forças para que o pior indivíduo, aquele que se diz "apolítico" (ser humano despolitizado, dessocializado) não prospere em suas intenções mentirosas e desumanizadoras.

O que é política, afinal?

Comumente se diz que política é a arte de governar, e está também relacionada à nossa capacidade de fazer escolhas a partir dos conceitos que temos das coisas que nos cercam, ou ainda, das coisas que nos são impostas pela própria condição que a política nos apresenta. Porque a política está diretamente relacionada à vida em sociedade, no sentido de que cada pessoa possa expressar suas ideias, diferenças, escolhas e conflitos – sem, contudo, criar um caos social.

O ideal seria que, ao fazer suas escolhas, nenhum cidadão pudesse com isso prejudicar as escolhas do outro. Daí se afirmar que o surgimento da política aconteceu para assegurar uma determinada estabilidade social. Depois, historicamente, essa estabilidade se desenvolveu como “status” e, por fim, solidificou-se como Estado.

No entanto, a origem do termo vem do grego antigo politeia que significa tudo aquilo que é relativo ao cidadão e ao Estado; de, para, ou relacionado a grupos que integram a Pólis e que, por sua vez, designa tudo aquilo que é público e pertencente à cidade.

Diz-se, ainda, que a palavra política decorre da união de duas palavras gregas Pólis, que significa cidade, e tikós, que significa boa coisa pública – boa no sentido de ética pública. A partir dessa conjunção etimológica é que se pode dizer que, quando se fala de política fala-se, automaticamente, em relação de poder.

O Poder Popular, conforme a Constituição Federal de 1988, artigo 1°, parágrafo único, emana do povo e em um processo de escolha é atribuído a algumas pessoas que, em seu nome, o representa para cuidar das coisas públicas. Portanto, o poder legitimamente emana do povo e a ele deve se dirigir visando às coisas públicas, dos Estados da Federação, do país e de todos os cidadãos.

Nesse sentido, política refere-se a tudo aquilo que diz respeito ao espaço público, à organização, direção e administração da Nação ou do Estado, tendo por finalidade o exercício do poder público para a coisa pública.

Para Aristóteles, um dos maiores filósofos da Grécia clássica, a política é a ciência que tem por objetivo trazer felicidade ao homem e divide-se em ética e em política propriamente dita. No sentido ético, a política deve trazer felicidade ao cidadão/indivíduo, habitante da Pólis; em termos políticos, essa felicidade seria atribuída a toda coletividade, ao bem-estar da Pólis.

Em suma, pode-se dizer que a Política é o exercício ético do poder, da organização, do gerenciamento da coisa pública em razão do “bem público”, da felicidade individual e coletiva dos habitantes do Estado e da Nação.

Sendo assim, perguntemo-nos: quem terá essas qualidades na eleição nacional de 2018? Quem tem noção e compromisso efetivo com as pautas da saúde e da educação pública? Quem seria capaz de desenvolver a economia, gerar empregos, mas sem retirar ainda mais direitos dos trabalhadores? Quem tem um programa de recuperação do bem-estar, sem aniquilar o meio ambiente? Quem prefere distribuir renda a liberar a venda de armas de fogo? Quem defende as minorias, especialmente os pobres, as mulheres e os negros? Quem sabe que, sem bem-estar e gestão pública (não privada) do dinheiro do povo, não se enfrenta a violência social?

Na política não há impunidade

Às vezes, os acertos têm mais custo do que benefício. Por isso também se diz, muito apropriadamente, que “o inferno está cheio de boas intenções”. Afinal, ao contrário da (in)justiça e do Poder Judiciário, nas atribulações políticas não há impunidade. De um modo ou de outro paga-se o custo – e pode ser bem alto. No direito há um brocardo[1] bem claro: “o direito não socorre a quem dorme”. Ou, como diz o ditado popular, “não há almoço grátis”.

Ao agir ou deixar de fazer, sempre haverá consequências – e um alto preço no final das contas. A escolha de um vice, para compor uma chapa eleitoral, por exemplo, pode resultar na criação de um opositor dentro de casa, e muito interessado em que haja impeachment.

Se na política pode-se dizer que sempre há ônus e bônus, custo e benefício – para qualquer um dos lados envolvidos – também podemos supor que tanto vamos à frente, quanto retroagimos.Se por um lado há os Donos do Poder cobrando por mais privilégios, igualmente há que se ponderar que na Política (Pólis) há uma força histórica guiada pela perfectibilidade e pela teleologia. É isso que resume o “fazer-política” no tocante ao processo civilizatório; ao contrário do senso comum e do poder instaurado que se movem pela “política de resultados”.

É verdade que ambas as formas trarão resultados: bons e maus para alguns, bons e maus para outros. A diferença é que os Donos do Poder querem os bons resultados somente para si, via de regra, socializando os prejuízos da própria história.

No processo civilizatório, em que se olha sobre os ombros da Humanidade – num esforço teleológico para se ver mais longe – os ganhos é que são socializados. Assim se deu com o Direito, com a Ciência e com a própria Política, se entendermos que a República moderna tem melhores substratos e resultados do que o pensamento republicano na sua origem romana.

Ainda que idealmente, pode-se dizer que a República moderna dispõe de mecanismos de autocontrole – “freios e contrapesos” – e que a instituição romana só contava com o dictator. Todavia, como há fluxo e refluxo no organismo político da atualidade, as ditaduras constitucionais são muito piores (porque são mais elaboradas) do que a existência do dictator.

Desse modo, se na República e na Democracia – resguardadas pelo Estado de Direito – ganham destaque a perfectibilidade (melhorar sempre que possível) e a teleologia (a razão que guia a humanização), na falta de ambas ocorrem corrupções, abusos, exceções.

Se o processo civilizatório transcorre pela condução de “regras claras e reconhecíveis”, pela maioria, no seu retrocesso vigoram as “regras de exceção”. E mesmo as exceções são boas e más: há as que incluem (políticas afirmativas) e as que excluem: “tratar com isonomia os que são desiguais”.

De todo modo, há custo envolvido. E, por isso, quer seja o “fazer-política” inerente à política de resultados (Realpolitik), quer seja na Política – diante do ideário de que a Humanidade é formada por “animais políticos” (Pólis) que se afirmam na racionalidade de suas escolhas, incluídos e emancipados do jugo externo à sua consciência – não há impunidade.

Basta-nos pensar quanto custa – não apenas financeiramente – manter o processo democrático, o direito à justiça, ou seja, manter o “fazer-política” sob as mínimas condições éticas. Se houvesse melhor educação – popular, de qualidade, democrática, laica – o “custo judicial/penal” não seria menor?

Por outro lado, sabe-se que apenas a elevação dos investimentos (gastos em dinheiro) em educação não modifica positivamente os ganhos gerais. Escolas mais pobres podem ter melhores resultados do que outras com grande aporte financeiro. No entanto, tal fato revela que as circunstâncias sociais e culturais são determinantes – e não que se deve reduzir os investimentos em educação.

Cada real aplicado na preservação/conservação do meio ambiente não traz economia para o combalido sistema público de saúde?

Agindo na melhor das condições, para acertar ou errar (ocasionalmente ou de forma proposital), há custos que todos pagarão em cotas – ainda que não iguais. E mais uma vez pode-se indagar: a reforma trabalhista aqueceu o mercado, o consumo, a geração de mais empregos ou estimulou a informalidade, reduzindo a arrecadação de tributos para a previdência pública, elevando-se o próprio endividamento público? 

O custo, entre bônus e ônus, portanto, de alguma forma será repartido. Daí que ninguém escapa e, por isso, não há impunidade. Mais cedo ou mais tarde a história faz seu preço e nos acerta enquanto grupo, sociedade, povo ou Humanidade.

Vê-se isso no meio ambiente, na concentração de capitais que nos afoga em miséria, tanto quanto no aprofundamento da consciência política frente à necessidade imperiosa de se concretizar os direitos humanos como valor e “realidade” universal.

Ainda que concordemos, os direitos humanos – como instrumental civilizatório – têm uma apreciação no Ocidente e enfrenta entrechoques culturais no Oriente. Assim, até onde é legítimo que queiramos para os outros o que queremos (ou não) para nós?

Ou seja, para frente e para trás, os autores das ações políticas certas e justas ou equivocadas e indefensáveis, bem como seus filhos e netos, terão um acerto de contas que comprovará a premissa de que “na política não há impunidade”.

Para o bem e para o mal, o “fazer-política” não é indefeso, muito menos seus gestos e intenções são neutros. Quando se aponta o extremo individualismo, em que os atores políticos sequer pensam na família – na forma de um “dane-se” geral – isolado da Política, como Tio Patinhas, se diz que essa pessoa é incompleta como animal político.

O custo a ser revelado dimensiona o seguinte: o sujeito que é só um “meio” animal político, que faz a política “só para si” é, também, incompleto como ser social diante da indiferença que esbarra na psicopatia. Todavia, requer para si a condição de sujeito de direitos. Curiosamente, é o mesmo sujeito antipolítico, o animal político incompleto (e socialmente indefensável) quem requisita os mesmíssimos direitos que nega aos demais, com suas ações de descrédito social. No difícil equilíbrio entre autoridade e alteridade, quanto mais “ordem” (heteronomia) menos autonomia; quanto mais segurança, menor a liberdade.

Ainda que alguns efeitos possam ser “neutralizados” – especialmente quanto aos resultados mais graves – estaremos aqui, ainda que geneticamente presentes nas próximas gerações, para ter consciência de que não sairemos impunes.

Em muitas situações, tamanha a volúpia dos envolvidos por poder, ocorre uma perda constante. Chama-se de “soma-zero” o resultado em que todos perdem, porque todos querem muito o mesmo, sendo que isso não pode ser dividido. Exemplos claros são a Democracia, a República, o Estado de Direito que se esfacela quando os atores investem contra a Política.

Quem ganha num país em que a corrupção é sistêmica e sistemática? Os mais corruptos? Porém, mesmo os mais corruptos não corrompem uns aos outros, não tiram uns dos outros? Equivale ao “roto falando do rasgado”.

Quem pode conter uma peste avassaladora, se os médicos são os primeiros a serem empesteados? Também é o retrato de quem toma o poder sem ter com o que governar. É como chegar ao “mais” sem ter o mínimo a oferecer. Nessa tática de “fogo contra fogo” todos saem queimados. Ou seja, em política não há impunidade.

Trata-se de uma das lições clássicas da Teoria Política, mas muito bem apreendida pela cultura política nacional. Uma história de golpes e de contragolpes. Uma longa jornada de quem tenta “levar vantagem em tudo”, sabendo-se que tudo se perde na porta de saída – na primeira ação de quem corrompe a Pólis.

Nessa arte política de “soma-zero” somos especialistas, por isso dormimos gigantes e acordamos anímicos. Quando crescemos, alguém acha que devemos diminuir o custo-país. O pior é que muitos acreditam que, politicamente, o “menos é mais”. Os acertos acabam prejudicados pelos erros, bem como os “pequenos erros podem ser agigantados”, especialmente se o lado que acertou (ou errou) não for o mais forte.

Um exemplo simples ao final: uma multinacional do setor de medicamentos compra uma das gigantes do ramo de agrotóxico; em conglomerado, investem e elegem poderosa bancada legislativa. Aprova-se o uso de agrotóxico a granel, elevam-se os casos de abalo na saúde pública, crescem indubitavelmente as vendas de remédios.

O ciclo de soma-zero está fechado, contudo, só não o desprezo com a saúde pública e com a República. Pois, desse modo, o capital financia a doença e o Estado legitima a morte lenta do povo – afinal, quanto mais lenta for a morte (mantida a vida por medicamentos que não “saram”) mais lucrativa é a medicina do agrotóxico e outras que tais.

Outros casos podem/devem ser colecionados, como o desembargador que profere uma decisão em base insustentável – ainda que em seu direito – e que não é cumprida por um juiz singular (comum). No primeiro momento, o desembargador feriu decisão de um colegiado (de outros desembargadores) em que ele mesmo se vincula ocasionalmente. No segundo momento, o juiz feriu de morte o Princípio da Hierarquia.

O resultado disso é que a disputa se revelou provinciana, pessoal/política (nada jurídica) e a instituição do Judiciário acumulou descrédito. E, como o alto custo é o primeiro a ser cobrado, a culpa maior pelo imbróglio vem de cima, das cortes políticas e dos tribunais superiores que se empenham em decidir pela “exceção que faz as regras”.

A última consideração assinala que a assim chamada “arte da política” não se esgota na capacidade de liderança, organização, composição ou negociação, ainda que nisso incida grande virtude; pois, avaliar conexões, consequências, desdobramentos, presentes e futuros é o que interliga projeto e esperança, utopia e realidade, teleologia e pragmatismo.

Somente quando a realidade não permite sonhar (projetar) é que advém a desilusão. E, muito pior do que a ilusão é ser desiludido das tarefas políticas que devemos implementar. Esse também é o momento que enfrentamos, no mundo e no Brasil, entre pragmatismo e ontologia.

A Política no Direito

Não há direito que não nasça da política!

A realidade que nos é apresentada, infelizmente, transformou a política em sinônimo de politicagem, malandragem, degeneração, desagregação, quando deveria nos aproximar da Pólis, da liberdade, do direito justo e da emancipação humana.

Nesse contexto, o ano de 2018 será lembrado por muitos aspectos, mas dois chamam a atenção: i) os policiais fazem muita política; ii) nunca se viu o Direito tão reduzido, quando deveria ser elevado pela condição da politeia.

Sobre o primeiro aspecto, os policiais fazem política quando são candidatos a cargos legislativos ou executivos – ou quando reprimem movimentos populares (ou se alinham com Milícias) ou, inversamente, quando se aliam à comunidade na construção de níveis mais confiáveis de sociabilidade.

O exemplo das Polícias Comunitárias, em países desenvolvidos, é esclarecedor: o policial que vive a rotina social e é reconhecido pelo grupo tem possibilidade de agir preventivamente com maior margem de sucesso. Promove-se empatia. A presença do policial comunitário não será exclusivamente ostensiva. Também será ostensiva, mas o lastro principal é o reconhecimento e não a coerção. Essa é uma ideia da política como Potência, como força aglutinadora (preventiva) e não temerária (exclusivamente repressiva). 

De certo modo, essa ideia moderna de força é uma herança da Grécia clássica, uma vez que políticos e policiais alternavam-se em suas funções. A Politia (polícia) também derivou de politeia (ordenamento político-constitucional da vida social) e de Pólis: o espaço público em que se desenvolve a racionalidade política.

Já, em relação ao segundo aspecto pelo qual o ano de 2018 será lembrado – a redução do Direito – vemos que o Direito está nos jornais, na voz rouca das ruas, no senso comum ou ocupa o discurso dos mais equilibrados. Entretanto, poucas vezes o Direito se apresentou tão claramente imerso na política, vale dizer, na disputa por poder. Isso vale tanto para quem defende a liberdade e as garantias fundamentais (dos próprios direitos) quanto para os embalados pela “judicialização da política”.

Assim, há políticas públicas e há políticos profissionais que degradam as políticas sociais. Faz-se política dentro e fora do país; faz-se política dentro e fora do direito. Fazemos política a favor ou contra determinado direito. Mas, não há Política sem Direito.

Tanto faz política quem defende a tese de que "os fins justificam os meios" quanto quem vive para defender o princípio da inocência, da ressocialização como princípio civilizatório, da humanização da pena. Juízes e juízas que decidem pela lei (ou contra a lei) ou em favor da justiça social (nesse caso, até em desacato à lei) estão fazendo política. Faz-se política contra o punitivismo, do mesmo modo quando se fecha os olhos para a existência de presos políticos. Há política dentro e fora do apartheid social ou dos regimes de exceção.

Vê-se, então, que a melhor forma de se "fazer-política" é lutar para que prevaleçam as formas mais humanizadoras de se "fazer-política", com menos irracionalidade e violência, com mais virtuosidade e pacificação social. Nesse ponto, haveria um encontro entre a virtù[2] – a capacidade de influenciar o mo(vi)mento político: as objetivas condições em que o sujeito “faz-política” – e a teleologia: o olhar futuro que o direito permite. Pode-se dizer que, idealmente, esse é o encontro entre o direito e a política. Afinal, não há direito (pacificação, por oposição à violência: vendeta) sem uma previsibilidade, uma constância, e essa previsibilidade (recorrência) é o presente que se quer ver prolongar no tempo.

O Direito (directum) é um projeto político, como Ciência da Justiça, se conterá uma previsão libertária ou conservadora, isso depende da política. No entanto, historicamente, é possível verificar que no curto prazo o direito (prática judicial) é refém do status quo; mas, no longo prazo, o Direito é emancipador. O que promove tal dialética é, exatamente, a Luta Política que diferencia, inexoravelmente, o Direito (emancipador, civilizador) da Lei, como mera ressonância do poder.

Portanto, há política quando se sonha, assim como há política quando já se abateu à desilusão. Porque há política no processo civilizatório e há política no fascismo.

O animal político e o analfabeto político

No dia a dia, além da confusão preordenada entre Direito – Lei – Constituição, ainda se confunde propositalmente Política com política: a primeira sendo a matriz da condição de sermos humanos – “animais políticos”, logo, seres sociais –, e a política minúscula: o toma lá, dá cá, ao sabor dos interesses mais mesquinhos dos chamados “políticos profissionais”.

Do mesmo modo, imiscui-se o Político com o Poder Político: que é sinônimo do próprio Estado. Como instância da Política, é no Político que se desenvolvem as instituições políticas: o habeas corpus é a garantia ofertada à liberdade pelo Poder Judiciário. No Político, enquanto percurso histórico, demarca-se a relação espaço-tempo em que surgem as representações políticas, como o voto livre e a cidadania e, assim, também se afirmam as instituições em que a representação política afirmar-se-á: Parlamento, Estado-Juiz, Poder Executivo (onde ocorre), Administração Pública.

Nessa incidência ainda se apregoa o Estado (enquanto referência das demais instituições) com a Razão de Estado; essa que, em síntese, é a razão de o Estado existir. A justificativa deve ser plausível, sobretudo, porque o Estado representa o poder político centralizado. O poder político (minúsculo) indica a existência de outras formas de poder além ou aquém do Estado: Poder Político por excelência. O poder político de uma liderança indígena, por exemplo, é destacado e decisivo – ainda que não se organize como estrutura estatal, no máximo como nação.

De quebra, os mais inusitados atores políticos, da formação de opinião pública (como os cientistas da política) aos gerentes dos partidos políticos, dizem que tudo ocorre como se fosse uma naturalidade decorrente do realismo político. Querem dizer, em outras palavras, que o “fazer-política” (a essencialidade da Política: Pólis) invariavelmente, está submetido aos desejos dos políticos profissionais, aqueles que manipulam e mascaram a realidade da política. Ou seja, o povo só verá nas relações políticas aquilo que os mandantes consentirem. Afinal, os donos da seara política são os profissionais e nós somos amadores(as).

Por realismo político subentende-se que, para sermos alçados à condição de animais políticos, somos obrigados a comprar ou ganhar uma carteirinha ou diploma de iniciado nas artimanhas e nos escaninhos do poder.

Diante desse falso profissionalismo, a assim chamada “política de resultados”, entre tantas, desde a década de 1990 vem mitigando, negando a convivência dos direitos sociais no interior da República. O que se chamou de neoliberalismo da Era FHC, na década de 1990. Todavia, a partir do Golpe de 2016 os direitos fundamentais foram dissolvidos. No primeiro momento os direitos foram negados (neoliberalismo), no segundo fluxo os direitos seriam simplesmente destruídos: neocolonialismo.

E sem que todos possam entrar nesse seleto clube do poder, a maioria do povo brasileiro deveria se contentar em apreciar o espetáculo de desmoralização e de desmanche da própria Política e da coisa pública.

Por seu turno, sem que todos(as) possam se realizar mediante as relações políticas (sic), apenas os invitados ao poder gozam do prestígio de “fazer-política”. Aliás, o que em si é outro absurdo, pois não há um instante da vida social em que não façamos política: com filhos, com empregadores, com amigos e familiares – ou contra inimigos e adversários.

Mesmo sabedores disso, é fato que muitos dos alijados do conhecimento inerente e óbvio ao “fazer-política” – o primeiro deles é ter a consciência do “animal político” – manifestam-se como “analfabetos políticos”.

Desconhecedores de que todos devem conhecer a Política – esmiuçando-se os planos sóbrios e sórdidos da política minúscula – o “animal político” que não reconhece a si mesmo faz o jogo do contente, reproduz a primeira impressão dos fatos importantes das relações políticas e, por fim, agrada aos profissionais da política.

Isso é, evidentemente, “fazer-política”. Só que às avessas, uma vez que os resultados favorecem apenas os políticos profissionais que impõem a dureza da alienação, no realismo político, aos analfabetos da política.

Há várias formas de se aprender a aprender a arte (ciência) da política, mas é sabido, historicamente, que os resultados são melhores quando aliamos um estudo mais aprofundado (conceitual) com alguma atividade de organização e de manifestação política. Nesse sentido, além dos termos já destacados alguns outros deveriam ser levados em consideração, especialmente para uma leitura acadêmica, de formação de massa crítica em Teoria Política – tanto quanto são teses/regramentos que acolhem a essência da Carta Política. Assim, o ideal seria que analisássemos, tanto na prática quanto na teoria, os verbetes que seguem:

À parte, de forma complementar, pode-se/deve-se elaborar resenhas sobre:

  1. O que é Política?
  2. O que é poder?
  3. O que é Estado?
  4. O que é Direito?
  5. O que é Constituição?
  6. O que é Educação Política?

Por fim, mas não menos importante, há muitos dicionários especializados em Política ou Filosofia Política que devem ser consultados para completar o leque de entendimento inicial[3].

Nesse sentido, podemos avançar sobre a análise de aspectos especiais ou especialidades da política, a exemplo da Educação Política e de nuances da política como ciência ou de uma “política científica”.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O que é política. Política ou política?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5565, 26 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68956. Acesso em: 26 dez. 2024.

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