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Posso resolver um contrato por falta de pagamento?

A resposta é depende! Entenda o porquê.

ORIGEM DA OBRIGAÇÃO

Em razão de um acordo de vontades, pela manifestação unilateral de uma só vontade ou até mesmo por ato ilícito, a pessoa se compromete a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Essa obrigação assumida constitui um ônus cujo cumprimento é, via de regra, obrigatório.

EFEITOS DA OBRIGAÇÃO

Nascida a obrigação, cria-se para o devedor o encargo de realiza-la e para o credor o direito de recebê-la, nos moldes contratados. No decorrer dessa relação obrigacional e até mesmo do cumprimento das obrigações, quando por vezes parceladas, diversas situações podem ocorrer.

Desse modo, o devedor pode simplesmente cumprir com sua obrigação ou pode deixar de assim proceder, ficando obrigado à indenização dos prejuízos sofridos pelo credor, salvo se o não cumprimento se deu por ato ou fato alheios à sua vontade.

EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO

Cumprida a prestação por parte do devedor, tem-se a extinção da obrigação e o contrato resolvido. Contudo, e se o devedor não cumprir com a obrigação, posso resolver o contrato?

EXTINÇÃO DO CONTRATO PELO NÃO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.

Nos contratos denominados por bilaterais, onde surgem obrigações para ambas as partes contratantes, é sabido que cada um deve cumprir com a obrigação que lhe cabe.

Ocorre que, algumas vezes, uma das partes não cumpre, de forma total ou parcial, a obrigação que originou o contrato, permanecendo o credor prejudicado pela inércia da parte contrária frente a obrigação assumida. Pode, assim, a parte prejudicada ensejar a resolução do contrato.

Existe nesses contratos uma cláusula denominada por resolutiva tácita, prevista de forma a evitar que uma das partes seja prejudicada pelo inadimplemento da outra e prevista no art. 475 do Código Civil.

Essa primeira cláusula está SUBENTENDIDA no contrato e precisa de interpelação judicial. Por outro lado, existe a cláusula resolutiva expressa, descrita claramente no contrato, denominada como pacto comissório e com o mesmo objetivo da primeira. (art. 474 do Código Civil).

Mas será que não há limites para extinção por tal caso?

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E SUA APLICAÇÃO

O adimplemento substancial se trata de um instituto cuja aplicação pode, eventualmente, restringir a prerrogativa da resolução contratual autorizada pela primeira parte do art. 475 do CC/2002. E mesmo quando prevista cláusula expressa sobre a extinção do contrato no caso da falta de pagamento, a clausula poderá ser julgada INEFICAZ.

Esse instituto nasce a partir da observação da desproporcionalidade que pode resultar uma resolução contratual aplicada de forma incondicional em determinadas situações, em especial aquelas nas quais a obrigação havia sido cumprida pelo devedor de modo praticamente integral, evidenciando a insignificância do inadimplemento.

Otavio Luiz Rodrigues Junior (Revisão Judicial dos contratos: Autonomia da vontade e teoria da imprevisão . 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006), citando a obra de Edward Errante, refere-se a um exemplo hipotético de adimplemento substancial que também permite compreender esse instituto em sua concepção inglesa, vejamos:

“a) Uma empreiteira foi contratada para construir uma mansão, “tendo o contratante fornecido o projeto e as especificações da obra”. No prazo de sua entrega, a empreiteira “apresentou a casa ao proprietário, ficando evidente a observância de todas as indicações arquitetônicas e o uso dos materiais acordados, exceto por faltarem maçanetas em duas portas”.
b) Nesse caso, “considerou-se ter havido o cumprimento substancial da obrigação” pela empreiteira, “dada a insignificância das maçanetas no contexto da empreitada”.
c) Assim, o contratante “não estaria liberado da prestação que lhe imputava o contrato – que é o pagamento da obra. Ser-lhe-ia lícito, porém, deduzir o valor das peças ausentes e o custo da instalação por terceiros”.
d) De tal modo, em situações tais, a parte não poderá resolver a avença invocando a exceção do contrato não cumprido e será compelida a cumprir a sua respectiva prestação.”

O Direito português impede a resolução do negócio "se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse [do credor], tiver escassa importância"(art. 802, 2, do Código Civil). A "Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias" (Viena, 1980) autoriza que o comprador declare resolvido o contrato, mas apenas se "a inexecução pelo vendedor (...) constituir uma infração essencial (...)" (art. 49, 1, a).

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No direito brasileiro esse instituto ainda não ganhou previsão expressa, mas é adotado largamente pelos tribunais, em especial o STJ. Acontece que existe uma controvérsia de sua base quanto aos princípios como a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

O primeiro acórdão do STJ que registra abordagem sobre o tema é o Resp n. 76.362/MT, julgado em 11 de dezembro de 1995 pela Quarta Turma (DJ de 01/04/1996). Vejamos sua ementa:

"SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO DO PRÊMIO, POR TRÊS RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIÁS, PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSÍVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUÍZO, QUANDO SERA POSSÍVEL AVALIAR A IMPORTÂNCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (REsp 76.362/MT, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917)

No seu turno, nos casos onde o contexto fático está devidamente delineado nas decisões proferidas anteriormente, o STJ veio invocando a teoria do adimplemento substancial para afastar os efeitos da mora:

a) Atraso na última parcela: REsp. 76.362/MT.
b) Inadimplemento de 2 parcelas: REsp. 912.697/GO.
c) Inadimplemento de valores correspondentes a 20% do valor total do bem: REsp. 469.577/SC.
d) Inadimplemento de 10% do valor total do bem: AgRg no AgREsp 155.885/MS.
e) Inadimplemento de 5 parcelas de um total de 36, correspondendo a 14% do total devido: Resp. 1.051.270/RS.

A questão é que o entendimento dos tribunais brasileiros vem sendo de forma a analisar minuciosamente cada caso apresentado, medindo-se a extensão, intensidade e demais características do inadimplemento e do contrato em jogo.

“O uso do instituto da substantial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações. Definitivamente, não. A sua incidência é excepcional, reservada para os casos nos quais a rescisão contratual traduz solução evidentemente desproporcional. Sua aplicação, ademais, exige o preenchimento dos seguintes requisitos, bem delineados no julgamento do antes mencionado Recurso Especial n. 76.362/MT: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. É a presença dessas condições que justifica a excepcional intervenção do Judiciário na economia do contrato.” (STJ - MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA)

Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial não pode ser utilizada de forma a ferir os direitos do credor e modificar a relação oriunda do contrato. A verdade é que, a longo prazo, os efeitos colaterais dessa medida podem encarecer os custos do contrato, “socializando os prejuízos da inadimplência praticada por alguns em detrimento de todos”. (STJ - MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA)

“O Direito dos Contratos e a liberdade contratual não são fins em si mesmos. São meios para permitir às partes exercer seu direito de autodeterminação. Evidentemente, um contrato deve ser o resultado de um ato de autodeterminação de ambas as partes. E o Direito precisa garantir que ambas as partes de fato possam tomar uma decisão autodeterminada" (RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. RODAS, Sérgio. Entrevista com Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schimidt. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 329/362. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais).

Conclui-se que a regra é que as partes que celebram um contrato se obrigam aos parâmetros contratados, sendo responsáveis por seus atos e inércias frente aos direitos e deveres oriundos dessa relação. A aplicação do instituto do adimplemento substancial é uma EXCEÇÃO e deve ser sempre avaliada pelo magistrado a significância do inadimplemento para sua efetivação.

Sobre a autora
Lauren Juliê Liria Fernandes Teixeira Alves

Graduada em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Especialista em Direito Contratual pela Universidade Estácio de Sá. Especializanda em Direito da Proteção e Uso de Dados pela PUC Minas. Membro ANPPD®.Advogada e Sócia nominal da Teixeira Camacho & Brasil Advogados. Presidente da Comissão da Jovem Advocacia da 10ª Subseção da OAB/MT. Colunista da Aurum Software. Já foi professora do Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso Campus de Barra do Bugres. Administradora do Blog contratualista.com e Instagram @papodecontratualista

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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