Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Atraso na entrega da obra: o viés econômico para fixar a justa indenização

Agenda 30/11/2019 às 10:00

Explana-se alguns comentários acerca de decisão do STJ nos casos que envolvem a possibilidade de cumulação de indenização por lucros cessantes com cláusula penal.

Em audiência pública realizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), discutiu-se matéria objeto de recursos especiais repetitivos, sobre a possibilidade de cumulação de indenização por lucros cessantes com cláusula penal, e nos casos em que não há essa previsão, a possibilidade de inversão da cláusula de mora do comprador contra a construtora, quando há atraso na entrega de imóvel adquirido na planta.

Num verdadeiro processo dialético, o debate ocorrido na audiência propiciou aos expositores a oportunidade de apresentar de forma fundamentada seu entendimento sobre o tema, trazendo elementos técnicos que poderão auxiliar os Ministros no julgamento dos referidos recursos, o que deve ocorrer em breve.

Algumas questões importantes sobre o tema merecem reflexão.

A primeira é que deve ser desmitificada a ideia de que o construtor é o vilão da história e os compradores as suas vítimas. A construção de um empreendimento é um projeto de longo prazo, sendo que a despeito de todo o planejamento que se possa realizar, muitas variáveis influenciam a sua concretização. É um desafio que depende diretamente da colaboração de vários terceiros (órgãos públicos, cartórios, prestadores de serviços, fornecedores, contratação de mão-obra, condições climáticas, etc.), sendo que estes fatores externos potencializam o risco de o prazo estabelecido para conclusão da obra não ser cumprido. 

Embora o risco em questão seja inerente à atividade da construção civil, esse não é um objetivo do construtor, uma vez que economicamente ele é diretamente afetado pelo atraso na entrega da obra.

Durante a construção, todos os encargos e tributos recaem sobre o construtor, sejam eles inerentes a conservação da coisa ou decorrentes de sua propriedade. Além disto, a maior parte do preço de aquisição do imóvel é paga após a conclusão da obra, sendo inegável o interesse do construtor em concluir a construção o quanto antes, evitando-se custos adicionais que podem impactar de forma relevante no retorno financeiro do empreendimento. E ainda, num cenário de política instável, diante das constantes alterações das regras de financiamento imobiliário, quanto antes o empreendimento for entregue, maior é a chance de o comprador conseguir a liberação do valor junto ao agente financeiro para o pagamento do saldo do preço.

Por fim, diga-se o impacto mais relevante, verifica-se que a reputação do construtor também é prejudicada. Apesar da entrega, no final o comprador acaba ficando insatisfeito.

Cabe lembrar, ainda, considerando-se os pedidos realizados nas demandas judiciais que envolvem a matéria, com as devidas atualizações, uma indenização pode chegar até 46% do valor do imóvel.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Portanto, diante dos diversos efeitos negativos advindos da mora, não se pode presumir que o construtor esteja agindo de má-fé quando uma obra atrasa, pois quando tal ocorre, ele não tem nenhum benefício.

Do ponto de vista do comprador, o critério econômico também pode dar um norte para a solução da questão. A compra de um imóvel pode ter duas finalidades: moradia ou obtenção de renda. No caso de atraso, na primeira hipótese, se o bem não foi entregue, possivelmente o comprador terá que locar um imóvel. Na segunda, o início do retorno do investimento ficará postergado. Portanto, para o comprador, independentemente do motivo da aquisição do bem, este é o único prejuízo que efetivamente será observado em razão do atraso na entrega da obra.

Diante da crise do setor imobiliário, verifica-se que o percentual que o valor do aluguel mensal representa sobre o valor do imóvel vem caindo consideravelmente. Dependendo da região, o que antes era 0,5% ao mês hoje é 0,33%. Nos casos em que no contrato de aquisição do imóvel foi estabelecida multa, em regra o percentual fixado é de 0,5% do valor do imóvel por mês por atraso. Nos casos em que a multa não foi estabelecida, atualmente é possível somente a fixação de uma indenização, que poderá ser  limitada a  0,5% ao mês. 

Assim, considerando-se o que seria uma justa indenização do ponto de vista econômico, vide os fundamentos acima expostos, espera-se que o STJ reconheça que nos casos em que previamente as partes fixaram cláusula penal, sem possibilidade de indenização complementar, o comprador deverá receber tão somente a multa.

Quanto à inversão da cláusula penal, hipótese que carece de previsão legal, considerando-se a natureza distinta das obrigações que cabem ao construtor (entregar o imóvel) e ao comprador (pagamento do preço), tal não será possível. Mantendo assegurado o seu direito, o comprador que se sentir lesado poderá tão somente via ação judicial pedir uma indenização, que deverá ser fixada considerando somente as despesas que o comprador teve em razão do atraso na conclusão da obra, ou eventualmente, desde que comprovado, a frustração da expectativa daquilo que ele poderia ganhar explorando economicamente o imóvel adquirido para tal finalidade e não entregue no prazo acordado.    

Sobre a autora
Vanessa Tavares Lois

Advogada da Área Corporativa do Marins Bertoldi Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOIS, Vanessa Tavares. Atraso na entrega da obra: o viés econômico para fixar a justa indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5995, 30 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69451. Acesso em: 21 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!