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O direito do trabalho e a prevalência do negociado sobre o legislado

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Agenda 06/10/2018 às 16:33

3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA: A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

Conforme Romar, a flexibilização das leis trabalhistas – um traço que se tem observado em vários ordenamentos jurídicos – coloca no centro de discussão a função primordial do Direito do Trabalho, a saber, a proteção do trabalhador. Segundo entende, tem-se observado, como efeito, uma piora das condições de trabalho, inclusive no que tange aos salários e às certezas quanto ao futuro (ROMAR, 2017, p. 34).[4]

O tema da flexibilização das leis trabalhistas está diretamente relacionado àquele da negociação coletiva. Conforme Romar, conceitualmente, flexibilização

[...] é um modelo que tem por objetivo tornar menos rígido o sistema de normas trabalhistas, permitindo a adoção de formas opcionais ou flexíveis de estipulação de condições de trabalho, tanto por intermédio da negociação coletiva como por negociação direta entre empregador e empregado, em detrimento da regulamentação normativa imperativa (ROMAR, 2017, p. 98).

Segundo essa jurista, deve-se fazer uma análise cuidadosa da teoria da flexibilização, sob pena de se adotar uma concepção equivocada e perigosa, em vista especialmente do próprio propósito da legislação trabalhista, uma vez que se corre o risco de que as necessidades de natureza econômica justificariam toda e qualquer postergação do dos direitos dos trabalhadores. Considerando que a proteção do trabalhador é inerente à razão de ser do Direito do Trabalho, o cuidado se justifica, pois que, contrario sensu, de sua inobservância, pode-se reavivar os traços distintivos e atentatórios à garantia de proteção do trabalhador, nos termos de uma liberdade de contratar fundada nos interesses do mercado e na fictícia igualdade jurídica entre as partes. Ainda na mesma direção, é certo que determinadas normas não podem ser objeto de flexibilização, conquanto referir-se à preservação de bens jurídicos fundamentais, entre os quais se contam a proteção da saúde e a segurança do trabalhador, bem como aquelas relativas à preservação da dignidade humana do trabalhador e à previsão de direitos econômicos básicos, tais como o salário mínimo (ROMAR, 2017, p. 98).

Com efeito, a negociação coletiva constitui um dos mais importantes sistemas de solução autônoma dos conflitos coletivos no mundo do trabalho. Seguindo a letra de Frediani, podem-se indicar as seguintes formas: a) autotutela; b) heterocomposição; c) autocomposição. De acordo com o jurista,

A autotutela manifesta-se com maior vigor no exercício do direito de greve; a heterocomposição, por meio da mediação, da arbitragem e da jurisdição, embora tal classificação não seja unanime entre os doutrinadores; finalmente, a autocomposição, mediante as praticas da negociação coletiva na busca da solução do conflito coletivo.

Constituem funções da negociação coletiva: a) geração de normas jurídicas, consistente no estabelecimento de regras que aderem aos contratos individuais de trabalho por meio de clausulas obrigacionais que vinculam os sujeitos da relação coletiva e daquelas que envolvem toda a categoria. Por isso mesmo são denominadas normativas; b) pacificação dos conflitos, representada pela celebração dos instrumentos autônomos, quais sejam, as convenções coletivas e os acordos coletivos. Dentre os diversos instrumentos básicos da negociação coletiva, podem ser destacados: a) convenções internacionais do trabalho; b) pactos sociais; c) contratos coletivos de trabalho; d) convenções coletivas de trabalho; e) acordos coletivos de trabalho; f) regulamentos de empresa (FREDIANI, 2011, p. 79).

Isso quer dizer que, na legislação trabalhista brasileira, todavia, o legislado resulta primordialmente na consubstanciação dos direitos trabalhistas previstos nos art. 7º ao 11º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, e daqueles previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em geral, a regulamentação tem em vista o trabalho subordinado, isto é, aquele que o trabalho realiza estando sob as ordens do empregador, recebendo, por sua vez, uma contrapartida, a remuneração. Inversamente, o negociado resulta dos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) ou das Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), os quais podem ser firmados pelos sindicatos

[...] que podem ser firmados pelos sindicatos das categorias dos trabalhadores com uma ou mais empresas (ACT) ou entre os sindicatos das categorias de trabalhadores e os sindicatos das categorias econômicas das empresas (CCT). Os primeiros aplicam-se apenas aos contratos de trabalho firmados entre os empregados e as empresas signatárias. Já as CCTs aplicam-se a todos os contratos de trabalho firmados entre os trabalhadores e as empresas, que estejam no âmbito de representação das entidades sindicais signatárias (TEIXEIRA & KALIL, internet).

A CRFB/88, contudo, permitiu a flexibilização de algumas normas de suas normas, de forma a estabelecer a possibilidade, por meio de negociação coletiva, de redução salarial, de compensação de jornada de trabalho e de fixação de jornada diferenciada para os turnos ininterruptos de revezamento. Nesse sentido, a negociação coletiva foi eleita pelo legislador constituinte como o meio principal através do qual se levaria a efeito a resolução dos conflitos coletivos de trabalho[5], além de estabelecer como garantia dos trabalhadores o reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho.[6] Nesse sentido, os ACTs e CCTs são normas coletivas de trabalho reconhecidas na Lei Maior. Sobre isso, Teixeira e Kalil explicam:

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O art. 7º da CF/88 dispõe e elenca os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Este artigo consagra o que chamamos na doutrina jurídica de princípio da vedação do retrocesso social, aplicável aos direitos humanos em geral e também aos direitos humanos do trabalho. Segundo este princípio, a inovação legislativa ou normativa deve ocorrer para beneficiar os trabalhadores. Contudo, o próprio Texto Constitucional, ao dispor sobre os diversos direitos dos trabalhadores, também estabelece aqueles em que os atores sociais (sindicatos de trabalhadores, empresas e respectivas organizações sindicais) podem dispor de outra forma, para adequar as condições de trabalho à realidade das empresas (TEIXEIRA & KALIL, internet).

Disso se segue que a Constituição autoriza a negociação coletiva para redução de salário e/ou de jornada, assim como a CLT permite a redução do intervalo mínimo de 1 hora para almoço, desde que atendidas as exigências do Ministério do Trabalho. Mas, para esses autores, diferentemente da previsão constitucional da flexibilização, o teor da reforma trabalhista que se pretende tem em vista a redução dos direitos dos trabalhadores, como forma de diminuir os riscos e os custos para as empresas e, consequentemente, aumentando suas margens de lucro. Assim explicam:

Fazemos referência à nova reforma trabalhista, porque a CLT, tanto criticada pelo empresariado mais conservador, vem sendo reformada desde a segunda metade do século passado. A principal reforma, que enfraqueceu fortemente o direito à proteção do emprego, ocorreu com a criação da Lei do FGTS. A partir de então, admitiu-se que o empregador pode dispensar o empregado, a qualquer tempo, sem qualquer motivação, bastando pagar a indenização prevista em lei (40% do saldo do FGTS).

Muitas outras se seguiram: a regulação do contrato por prazo determinado; a contratação de trabalho temporário, por interposta empresa; possibilidade de alteração do contrato de trabalho; as hipóteses de exclusão do limite e controle de jornada de trabalhadores; o trabalho a tempo parcial e o regime de compensação de jornada, com banco de horas (TEIXEIRA & KALIL, internet).

A negociação coletiva é o meio pelo qual se resolvem conflitos coletivos no Direito do Trabalho. Mas, seguindo a direção da reforma trabalhista em curso, há um inegável prejuízo ao trabalhador, que é, naturalmente, o polo fraco dessa relação de emprego.[7] Com efeito, as decisões a respeito dessa questão, quando chegam às Cortes Supremas Brasileiras, seja a Constitucional (o STF), seja a Trabalhista (o TST), têm resultados diversas e colidentes. Esse será o objeto do tópico seguinte.


4. REPERCUSSÃO NO TST/STF

Em 26 de Setembro de 2016, o TST decidiu uma matéria que é polêmica: por ampla maioria, 22 votos contra 4 outros, reafirmou que a lei e a Constituição são as normas últimas a serem respeitadas em matéria trabalhista. O TST admite maior flexibilidade nos Acordos e Convenções de Trabalho desde que incluídas contrapartidas explícitas e compensatórias relacionadas ao que é negociado, isto é, tem se posicionado contra a supressão de direitos por meio de negociação coletiva de trabalho.

A decisão é polêmica porque reafirma a hierarquia da legislação trabalhista, contra a qual o STF já se havia posicionado, em 2015, e que entende que existe prevalência dos acordos e convenções coletivas sobre a legislação trabalhista. Explicando o tema, Loguercio assim lavra:

No ano de 2015, em surpreendente mudança de comportamento, o STF julgou o RE-590.415, caso que ficou conhecido como PDI-BESC. A Justiça do Trabalho não reconhecera a validade da cláusula de acordo coletivo do BESC, que previa uma quitação geral sobre indenização recebida em programa de demissão incentivada (PDI) instituído pelo Banco e incluído em acordo coletivo de trabalho. O Besc, agora sucedido pelo Banco do Brasil S/A, recorreu ao STF. O Supremo, seguindo voto do Ministro Barroso, reformou a decisão para reconhecer a validade da cláusula. A decisão, na ocasião, jogou mais lenha nessa fogueira de ao sinalizar uma possível mudança sobre as decisões da Justiça do Trabalho acerca das limitações impostas às negociações coletivas.

Neste precedente, embora seja fato que o Ministro Barroso tenha feito várias incursões pelo tema da autonomia privada coletiva, é igualmente certo que deixou explícito e registrado que, no caso concreto, estavam presentes alguns elementos decisivos, tais como: (a) cláusula de quitação em programa de demissão incentivada – portanto se aplicava fora da vigência da contratualidade; (b) ausência de lei concedendo a indenização pela adesão ao programa de demissão incentivada; (c) comprovação de ampla participação dos interessados nas assembleias – e comprovação da efetiva representatividade das entidades sindicais; (d) dupla adesão – coletiva e individual – a adesão ao programa era voluntária e dependia de adesão individual; (e) exame das condições reais da categoria – assembleias realizadas e independentes; (f) vantagem compensatória recebida e devidamente comprovada (LOGUERCIO, 2016, Internet).

Essa questão, como já se assinalou, está associada à da reforma política. Segundo Loguercio, uma interpretação jurídica, como essa apresentada por Barroso, pode significar a destruição da CLT e das garantias fundamentais dos trabalhadores, pois que coloca sobre os ombros dos trabalhadores e dos seus sindicatos a responsabilidade de hierarquizar ou de retirar direitos com a condição de se manter os postos de trabalho. Assim vista, uma tal posição não valoriza a negociação coletiva, mas a desqualifica. Dessa feita, advoga que

O discurso da valorização da negociação coletiva vem, portanto, sendo indevidamente apropriado por setores que não querem efetivamente essa valorização. Querem, ao contrário, surfando na onda da flexibilização e desregulação -- que volta com força total por aqui e em outros cantos do mundo--, simplesmente fragilizar os parcos direitos trabalhistas conquistados a duras penas ao longo do Século XX, após muitas batalhas, confrontos e lutas sindicais. O que está em jogo vai muito além do verniz da "modernização" onde se esconde um Brasil com trabalho indecente, trabalho infantil, situações análogas a de escravo, convivendo com setores mais organizados e melhor preparados para a negociação. Mas, a prevalência do negociado sobre o legislado põe todos no mesmo buraco da história (LOGUERCIO, 2016, Internet).

Para além das questões que envolvem a temática, as duas Cortes Supremas têm posições diferentes. E, conforme o caso caminhar, terá ou uma decisão favorável à prevalência do legislado sobre o negociado (TST), ou entenderá a prevalência do negociado sobre o legislado.

Sobre o autor
Marcos Rohling

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (IFC, Campus Camboriú) e do Ensino, Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense (IFC, Campus Rio do Sul). Doutorado em Educação (UFSC), Doutorando em Direito (UFSC), Mestrado em Filosofia (UFSC), Bacharelado e Licenciado em Filosofia (UFSC) e Bacharelado em Direito (UNOESC). É autor de "Rawls e o Direito: o Sistema Jurídico e a Justificação Moral da Obediência ao Direito em Uma Teoria da Justiça de John Rawls" (2020); "Direito à Educação e Princípios de Justiça" (2024). Seus principais interesses são postos na confluência de três áreas: Filosofia, Direito e Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1426156565430729. E-mail: marcos_roh@yahoo.com.br.

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