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A situação do preso provisório quanto ao exercício do direito ao voto no processo eleitoral brasileiro

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Agenda 22/10/2018 às 14:30

Pode-se afirmar que o direito ao voto pelo preso provisório, para ser realizado em sua plenitude, ainda terá de transpor várias barreiras impostas tanto pelo descaso do Estado, quanto pelo preconceito social.

1 – INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, logo em seu preâmbulo como também nos artigos de 1º a 4º, localizados no Título I, estabelece seus ideais e fundamentos. Destarte, ao analisarmos o texto contido na Carta Magna, faz-se evidente a ideia de um Estado Democrático de Direito cujo objetivo é de “[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]".

O Estado Democrático origina-se da necessidade dos cidadãos em assegurar o bem estar comum, garantindo a cada indivíduo o direito à dignidade e à igualdade social por meio da participação ativa destes na administração pública, seja de maneira direta ou indireta. Destarte, o Estado Democrático de Direito “tem a função de regulamentar as relações existentes entre os cidadãos, bem como entre o cidadão e o Estado, garantindo direitos e estabelecendo obrigações por meio de normas fundadas na democracia.” [1]

A atual realidade social não é condizente com o previsto no Texto Maior, considerando o contexto repleto de problemas sociais em que a sociedade brasileira está inserida atualmente. O exercício da cidadania caracteriza o indivíduo como parte de um povo. Logo, implica em uma relação jurídica de deveres e direitos. É exatamente em virtude dessa relação, que os presos provisórios, os quais sujeitam-se a deveres perante o Estado, não devem ter seus direitos civis totalmente cerceados, sem nenhum tipo de representação, sofrendo com a total neutralização diante da sociedade antes mesmo de serem julgados.

 Diante disso, denotam-se falhas na aplicação da Constituição Federal no tocante às garantias e direitos fundamentais definidos em tal diploma. Nesse contexto, por vezes pode-se constatar a violação dos direitos fundamentais constitucionais, como a suspensão dos direitos de sufrágio e voto, inerentes ao exercício da democracia, mesmo quando se trata de pessoas que sequer foram condenadas criminalmente.

Seguindo tal linha de pensamento, o presente trabalho abordará diversos temas visando enaltecer a proteção dos direitos fundamentais, como o direito ao voto, bem como ressaltar a importância de políticas públicas que possibilitem a realização de tais direitos pelo preso provisório, impedindo que este sofra com o cerceamento de direitos que lhe são garantidos constitucionalmente.


2 – DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais podem ser definidos como preceitos indispensáveis à realização plena do indivíduo na sociedade, tendo como premissas os princípios da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana. Tais direitos originaram-se a partir da evolução de várias fontes relacionadas ao desenvolvimento humano. Sobre o tema, o autor Alexandre de Moraes leciona:

“[...] surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”.[2]

A seguir, o presente trabalho apresentará uma análise mais profunda acerca dos conceitos existentes sobre o tema, bem como a aplicação de tais direitos.

2.1 CONCEPÇÕES GERAIS

Primeiramente faz-se indispensável à análise conceitual dos direitos fundamentais para melhor compreendê-los. Para José Afonso da Silva os tais direitos representam:

[...] no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que o ordenamento jurídico concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.[3]

Nesse mesmo sentido, afirma o autor Marcus Vinicius Bittencourt que, “Direitos Fundamentais consistem em preceitos jurídicos necessários para que a pessoa humana se realize de forma plena, num ambiente de liberdade, dignidade e igualdade.” [4]

Atribuindo aos direitos fundamentais a função de proporcionar dignidade e liberdade ao cidadão, o autor Paulo Bonavides refere-se a tais direitos da seguinte forma:

Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os diretos fundamentais almejam, segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo. Ao lado dessa acepção lata, que é a que nos serve de imediato no presente contexto, há outra, mais restrita, mais específica e mais normativa, a saber, direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.[5]

Nesse mesmo diapasão, os autores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano conceituam os direitos fundamentais como:

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).

[...]Com efeito, a ideia de direitos fundamentais tem um forte sentido de acúmulo histórico de direitos relativos à dignidade humana, que constituíram produto de um quadro evolutivo patrocinado pelos movimentos humanistas que pautaram a história do mundo.[6]

Por fim, considerando a consagração de tais direitos na Constituição Federal de 1988, segue o entendimento do autor Guilherme de Souza Nucci: “Direitos fundamentais: são os direitos consagrados na Constituição Federal, abrangendo os direitos individuais, os sociais, os coletivos e aqueles que interessam à humanidade de um modo geral.” [7]

Perante tais conceitos, pode-se afirmar que todos trazem os ideais de realização plena da pessoa humana, dignidade, liberdade (em suas diversas concepções), dentre outros que também são abarcados pela Constituição Federal de 1988.

Contudo, constata-se na prática que a declaração de um direito não serve como garantia, considerando que por vezes pode-se violar, questionar e até modificar o seu conteúdo. Destarte, é preciso que se instituam mecanismos que assegurem a efetiva realização de um direito. Visando ilustrar as diferenças entre direitos e garantias, segue o entendimento doutrinário:

Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a função desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esfera jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos, na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.[8]

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Diante do exposto, pode-se analisar o conteúdo declaratório dos Direitos Fundamentais que delimitam o exercício dos atos praticados pelos indivíduos inseridos na sociedade. No tocante a análise das garantias fundamentais, deve-se ressaltar a natureza instrumental destas, cuja função é impedir a violação de qualquer direito.

Quando se fala em direitos fundamentais, logo depreende-se de tal expressão as condições necessárias para que o indivíduo possa desenvolver-se plenamente, tais como a dignidade e liberdade.

No qualificativo fundamental acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, á vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significam direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humano fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17.[9]

O presente trabalho abordará de forma mais aprofundada os princípios fundamentais da dignidade humana, liberdade e igualdade, relacionando-os com o direito ao voto do preso provisório.

2.2 O CIDADÃO PERANTE A SOCIEDADE

Ser cidadão significa ser detentor de direitos civis, tais como a liberdade, dignidade, igualdade perante as leis, bem como os direitos políticos e sociais dentre outros. O termo cidadania refere-se à possibilidade conferida ao cidadão de exercer seus direitos civis junto à sociedade e ao Estado. A cidadania está relacionada, portanto, com a participação efetiva do indivíduo nas relações e decisões sociais, cumprindo seus deveres e cuidando para que seus direitos sejam respeitados.

Para elucidar melhor o tema, segue o entendimento do autor José Afonso da Silva, o qual afirma que: “Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências." [10]

No mesmo sentido, Jaime Pinsky define o termo “cidadão” como:

Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à igualdade perante a lei, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar e ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania é ter direitos civis, políticos e sociais.[11]

Assim, pode-se extrair de tais conceitos que “cidadão” é o indivíduo que detém a possibilidade de exercer direitos políticos e, ao mesmo tempo, cumprir com seus deveres cívicos, participando da vida pública do país de forma direta ou indireta. Note-se que em todos os conceitos expostos acima, prevalece à ideia de que o cidadão é o indivíduo detentor de direitos civis, sociais e políticos.

A diferenciação teórica entre esses direitos deu-se na década de cinquenta, século XX, pelo autor Thomas Humphrey Marshall. Ele considerava que a cidadania era um status concedido a membros de uma determinada sociedade:

A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos àqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que esses direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação a qual o sucesso pode ser medido e em relação a qual a aspiração pode ser dirigida. A insistência em seguir o caminho assim determinado equivale a uma insistência por uma medida efetiva de igualdade, um enriquecimento da matéria prima de status e um aumento no número daqueles a quem é conferido o status. [12]

Tal análise evidencia um conceito de cidadania como sendo um status adquirido mediante a associação a uma coletividade, na qual o cidadão, como sujeito de direitos e deveres, deve respeitar os limites impostos pelo Estado referentes ao exercício de seus direitos, porém, também deve zelar para que não tenha nenhum direito violado, estando sempre em igualdade com os demais membros da sociedade.

Diante do exposto, conclui-se que cidadão é o indivíduo que possui direitos civis, políticos e sociais, bem como deveres inerentes ao bem estar social. Já o termo cidadania refere-se ao exercício dos referidos direitos bem como do cumprimento, por parte do cidadão, de seus deveres civis.

2.3 DO DIREITO À LIBERDADE

Primeiramente é importante salientar que o direito à liberdade não se relaciona exclusivamente com o direito de ir e vir, mas também refere-se à liberdade de expressão, decisão, reunião, dentre outras formas de liberdade, bem como com a ideia de livre-arbítrio.

Doutrinariamente os direitos fundamentais são classificados de acordo com a ordem cronológica, com relação ao aparecimento dos mesmos ao logo da história. Os chamados "direitos de primeira geração" são aqueles que surgiram durante a formação do Estado Liberal, em meados do século XVIII. Trata-se dos direitos de liberdade, os quais abrangem os direitos civis e políticos[13].

Destarte, pode-se compreender a liberdade de expressão, no sentido de manifestação do indivíduo, como um direito relacionado à liberdade de comunicação. Considerando as diversas hipóteses de expressão humana, o direito à livre expressão abrange diferentes “liberdades fundamentais que devem ser asseguradas conjuntamente para se garantir a liberdade de expressão no seu sentido total.” [14]

Nesse contexto, o autor Jose Afonso da Silva conceitua a liberdade de comunicação da seguinte forma:

A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII, e XIV do art. 5º combinados com os arts. 220 a 224 da Constituição. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação, esta sujeita a regime jurídico especial.[15]

A liberdade de ação em geral é expressa no inciso II do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, que define o princípio da legalidade e preceitua: “que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Considerando a liberdade de expressão como direito fundamental bem como a relação desta com o direito ao voto, que não deixa de ser uma forma de manifestação consagrada pela Constituição Federal de 1988, o Texto Maior também assegura em seu artigo 1º, parágrafo único, que: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nesse mesmo sentido, o artigo 14º do referido Diploma estabelece que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito , II – referendo; III – iniciativa popular”.

Sendo assim, o direito ao voto caracteriza-se também como meio de expressão popular para cidadãos que não possuem nenhum impedimento legal para exercê-lo. Ainda sobre tal tema, afirma o autor José Afonso da Silva:

As palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimas. A Constituição, no entanto, dá-lhes sentidos diferentes, especialmente no seu artigo 14º, por onde se vê que o sufrágio é universal e o voto é direito, secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo de participação do povo no governo, expressando: um, o direito (voto); outro, o seu exercício (voto),e outro, o modo de exercício (escrutínio).[16]

Conclui-se, então, que o voto é um instrumento político cuja função é exprimir a vontade do cidadão em um processo democrático, no qual o povo tem participação no governo. Deste modo, é evidente que diante da relevância do poder de voto, bem como de seu status de direito fundamental, este deve ser protegido de todo e qualquer tipo de cerceamento ilegal.

2.4 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Atualmente, a cidadania está totalmente vinculada à seara dos direitos fundamentais, os quais visam estruturar as relações sociais e possibilitam ao indivíduo o exercício da cidadania política em um sistema democrático. Acerca da relação entre a cidadania, os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito, segue o entendimento de Ingo Sarlet:

[...] verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação de um povo por intermédio de cada indivíduo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidades), de um espaço de liberdade real, bem como por meio de outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), na conformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que a positivação e a garantia do efetivo exercício dos direitos políticos (no sentido de conformação e participação do status político) podem ser considerados como fundamento funcional da ordem democrática e, nesse sentido parâmetro de sua legitimidade.[17]

A Constituição Federal de 1988 consagra a igualdade no caput de seu artigo 5º: "todos são iguais perante a lei". Assim, deve-se salientar que o texto constitucional não refere-se apenas à uma igualdade formal, pois a garantia de igualdade entre os cidadãos não se resume apenas como igualdade perante a lei, mas também como igualdade entre homens e mulheres, vedando toda e qualquer forma arbitrária distinção e ou discriminação. Nesse contexto, deve-se ressaltar a importância do tratamento desigual aos desiguais, objetivando-se a igualdade material e respeitando-se as diferenças e limitações diversas de cada indivíduo.

Deste modo, cumpre ressaltar que a igualdade a qual se refere o Texto Constitucional diz respeito à todos os cidadãos, conforme a realidade social de cada um. Nesse sentido, segue uma explanação sobre o tema feita pelo autor Alexandre de Moraes:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico perante a lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda, são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, com ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais [...].[18]

A Constituição refere-se às situações elencadas acima em virtude dessas ocorrerem com maior incidência, porém, deve-se ressaltar que o trecho constitucional analisado trata de um rol exemplificativo e não taxativo, pois é vedada a discriminação de qualquer natureza, de acordo com o entendimento de José Afonso da Silva.[19]

Continuando o raciocínio do autor José Afonso da Silva[20], este explana que quando se fala em "igualdade perante a lei", levando em conta apenas a caracterização da isonomia formal, as normas contidas no texto legal deverão ser aplicadas ao caso concreto, mesmo que acarretem em uma forma de discriminação.

Assim, segundo o autor supracitado, a igualdade está contida na lei, não se permitindo qualquer outro tipo de distinção que não sejam as regulamentadas pela Constituição Federal. Aplicar-se-á tal exigência tanto ao legislador quanto a quem compete a aplicação da lei.

De acordo com a obra de Streck e Morais[21], o Estado Democrático de Direito objetiva a igualdade dos indivíduos perante a lei, bem como a constante transformação da sociedade visando sempre acompanhar a evolução das relações sociais. Deste modo, ocorre a fusão do liberalismo com o sistema democrático, resultando aparentemente na diminuição das diferenças econômicas e sociais, sempre prevalecendo o interesse da maioria. Contudo, nota-se na prática que muitas vezes a exclusão social é legitimada por quem detém o poder de controle social, como afirmam Streck e Morais:

Sabemos que a maioria do povo é capaz de esmagar ”democraticamente” a minoria, em nome do interesse nacional. Ou – o que é cem vezes pior – que a minoria, detentora do poder de controle social, pode-se utilizar periodicamente do voto majoritário popular, para legitimar todas as exclusões sociais, em nome da democracia. [22]

Além do exposto, na obra supracitada os autores afirmam que o sistema democrático exige justiça social, não havendo a possibilidade de se falar em democracia quando indicadores econômicos e sociais revelam classes de cidadãos ainda marginalizadas.

Sobre tal assunto, Pedro Lenza[23] ressalta a importância da busca não só pela igualdade formal aparente, mas principalmente da busca pela realidade material, respeitando-se a igualdade entre os iguais e desigualdade entre os desiguais, na medida exata de suas desigualdades.

Destarte, conclui-se que a busca pela igualdade de direitos dos cidadãos deve ser fundada na realidade material, ou seja, particularmente, sempre com o cuidado se aplicar as leis de acordo com a realidade dos indivíduos envolvidos, garantindo-se, assim, a igualdade dos mesmos perante a lei.

2.5 DA RELAÇÃO ENTRE A CIDADANIA E A DEMOCRACIA

De acordo com o pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), assim como Aristóteles, o homem pode ser considerado como um ser condicionado naturalmente para viver em sociedade: “O homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que evidencia pela natural necessidade.” [24] Destarte, o homem por vezes depende da coletividade para que suas necessidades sejam supridas e, para isso, fez-se necessária a implantação de regras de organização social.

Contudo, tais regras não devem ser impostas de forma arbitrária e absoluta, mas sim, devem ser constituídas junto à participação popular. Assim, surgem os primeiros traços de um Estado Democrático de Direito, garantindo a participação ativa do povo na política por meio do exercício da cidadania. Sobre a democracia, Paulo Bonavides afirma em sua obra Ciência Política, “[...] deve ser o governo do povo, para o povo.” [25]

O princípio democrático é consagrado pela Constituição Federal de 1988 em seu Capítulo IV, como um conjunto de normas reguladoras do exercício da soberania popular. Assim, no artigo 1°, parágrafo único da referida Constituição, ao determinar-se que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, a democracia passou a abranger todos os indivíduos integrantes do Estado brasileiro, inclusive os cidadãos titulares de direitos políticos.

Assim, o exercício da cidadania relaciona-se diretamente com a democracia, já que esta pode ser definida como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados.” [26] 

Cidadania, portanto, é atributo dos indivíduos titulares do poder de participação política na vida do Estado. Nesse sentido, afirma o autor José Afonso da Silva que:

Cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política.[27]

Deste modo, pode-se definir a cidadania como o exercício, pelo indivíduo, direitos civis, políticos e sociais, bem como deveres inerentes ao bem estar social. Ressalte-se que tais direitos são exercidos utilizando-se como instrumento a democracia.

Visando salientar a importância da participação política dos cidadãos no Estado Democrático de Direito mediante o exercício da cidadania, existem vários documentos que asseguram tal possibilidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos[28], em seu artigo 21, preceitua:

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no Governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

(...)            

3. A vontade do povo será a base da autoridade do Governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Nesse diapasão, o Pacto de Direitos Civis e Políticos[29], em seu artigo 25, define que:

Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de restrição mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação de vontade dos eleitores;

c) de ter acesso, em condições de igualdade, às funções públicas de seu país.

Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos[30], em seu artigo 23, estabelece que:

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e de ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Pelo exposto, conclui-se que a participação política do cidadão no âmbito social é garantida sobre diversos aspectos e fundamentos. Deste modo, é evidente que tal direito dever ser respeitado e exercido por todo cidadão que possua condições legais de exercê-lo.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAVARRETE, Murilo Faria. A situação do preso provisório quanto ao exercício do direito ao voto no processo eleitoral brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5591, 22 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69581. Acesso em: 23 dez. 2024.

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