O uso de medicamentos é, hoje, tão indispensável quanto o consumo de água potável, porquanto uma gripe, por exemplo, pode acometer indistintamente qualquer pessoa, o que denota ser inevitável o contato de consumidores com medicamentos.
Nesse sentido, de acordo com a publicação no site pfarma.com.br (2012):
O aumento da renda dos consumidores, a ampliação do acesso a planos privados de saúde e o envelhecimento da população devem fazer o mercado farmacêutico brasileiro de varejo mais do que dobrar em cinco anos, de acordo com estimativa da consultoria IMS Health. Após crescimento de 19% em 2011, movimentando R$ 38 bilhões em vendas, este segmento deve atingir R$ 87 bilhões em 2017.
Ademais, discutir sobre a aquisição desses componentes terapêuticos se mostra ainda mais relevante em face da potencialidade de manifestação de reações nocivas ao enfermo, que adquire o medicamento em busca da recuperação da saúde. Nesse sentido, a título ilustrativo, enquanto a aquisição de um tênis, por exemplo, pode, no máximo, não agradar esteticamente um comprador, ou desagradar por ser menos confortável que o esperado; a aquisição de um componente farmacológico pode implicar em graves danos à saúde do paciente.
É sob essa perspectiva que se faz oportuno indicar o conceito de reações adversas a medicamentos, como faz a Organização Mundial da Saúde (2004):
Reação adversa a medicamento é uma resposta a um medicamento que é nociva e não-intencional e que ocorre nas doses normalmente usadas em seres humano. Na definição de RAM, é importante frisar que se refere à resposta de cada paciente, cujos fatores individuais podem ter papel importante, e que o fenômeno é nocivo (uma resposta terapêutica inesperada, por exemplo, pode ser um efeito colateral, mas não uma reação adversa).
Nesse sentido, torna-se fértil a seguinte pergunta:
Seria possível responsabilizar o produtor de um medicamento por eventual dano produzido em decorrência do seu consumo?
Como em muitas respostas para perguntas jurídicas, a resposta pode ser positiva ou negativa, a depender das circunstâncias concretas do caso.
Para tornar mais concreta a problemática, faz-se oportuno transcrever trechos da bula de um medicamento conhecido por muitas pessoas, a título meramente ilustrativo. Nesse caso, será transcrita a bula do medicamento Paracetamol, registrado pela Medley Farmacêutica Ltda (2015).
A dose recomendada de paracetamol não deve ser ultrapassada. Muito raramente, foram relatadas sérias reações cutâneas, tais como pustulose generalizada exantemática aguda, síndrome de Stevens Johnson e necrólise epidérmica tóxica em pacientes que receberam tratamento com paracetamol. Os pacientes devem ser informados sobre os sinais de reações cutâneas sérias e o uso do medicamento deve ser descontinuado no primeiro aparecimento de erupção cutânea ou qualquer outro sinal de hipersensitividade.
Lido esse trecho, provavelmente muitos consumidores poderiam ser surpreendidos com a possibilidade do desenvolvimento de sérias reações cutâneas, como a síndrome de Stevens Johnson, em um medicamento largamente consumido. Contudo, há de se ressaltar que essas informações estão disponíveis nas bulas dos medicamentos, o que, a princípio, mitigaria a responsabilidade quanto à eventual manifestação dessa síndrome, por exemplo.
Nesse sentido, de acordo com BRASIL (2016):
RECURSO ESPECIAL Nº 1.599.405 - SP (2016/0038008-9) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE RECORRENTE : MERCK SHARP ; DOHME FARMACEUTICA LTDA ADVOGADOS : SÉRGIO PINHEIRO MARÇAL E OUTRO (S) - SP091370 VICENTE COELHO ARAÚJO E OUTRO (S) - DF013134 RENATO JOSÉ CURY - SP154351 LAURA BEATRIZ S MORGANTI E OUTRO (S) - SP189829 REGINA CÉLIA LOPES KOPP SILVA E OUTRO (S) - SP162691 LUCAS PINTO SIMÃO E OUTRO (S) - SP275502 RECORRIDO : SONIA MARIA LEAO DE CARVALHO PAES CRUZ RECORRIDO : LUCIANO SOUZA PAES CRUZ NETO ADVOGADO : ROBERTO LIMA GALVÃO MORAES E OUTRO (S) - SP246530 DESPACHO Dê-se ciência às partes acerca da inclusão do Recurso Especial n. 1.599.405/SP na pauta de julgamento da Terceira Turma desta Corte de Justiça, do dia 4/4/2017, sem prejuízo da correspondente disponibilização e publicação, feitas ordinariamente. Publique-se. Brasília (DF), 15 de março de 2017. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator (STJ - REsp: 1599405 SP 2016/0038008-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 17/03/2017)
Em relação a esse Recurso Especial, foi discutida, face à ação de indenização por danos morais e materiais inicialmente propostos, a incidência da responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, no caso um medicamento anti-inflamatório. Nessa lide, não foi verificada a inobservância do dever de segurança, pois o produto em questão tinha periculosidade inerente, e seus riscos eram informados na bula do medicamento.
Tal discussão jurídica se mostrou tão frutífera a ponto de integrar o Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça número 603, em 07 de junho de 2017.
De acordo com destaque desse Informativo (2017):
Em se tratando de produto de periculosidade inerente (medicamento), cujos riscos são normais à sua natureza e previsíveis, eventual dano por ele causado ao consumidor não enseja a responsabilização do fornecedor.
Após essa leitura, podemos, em linhas gerais, concluir que, no caso de medicamentos, estes são utilizados quando o corpo já está fragilizado, e é nesse momento que, após uma análise de custo-benefício, um paciente, com o auxílio de um médico, ou até mesmo por sua conta e risco, adquire esses itens farmacêuticos. Nesse caso, já existe um corpo fragilizado que assume o risco de reagir de forma adversa, envolvendo menor probabilidade, e uma expectativa de ver debelada a patologia que aflige o enfermo, que envolve uma maior probabilidade. Nesse cenário, a tomada de decisão quanto ao uso do produto terapêutico terá que sopesar o risco assumido e a expectativa de recuperar a saúde. Sob esse viés, se uma reação adversa se manifestou, essa ocorrência se deu somente após a assunção do risco previamente exposto em bulas do produto, logo não haveria, nesse caso, má-fé do fornecedor, porquanto esse advertiu textualmente sobre o risco a ser submetido o consumidor.
Também, de acordo com as informações do inteiro teor desse Informativo (2017):
Sobre a responsabilidade do fornecedor pelo chamado acidente de consumo, releva anotar, de início, que o Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade). Há que se bem delimitar, contudo, o fundamento desta responsabilidade, que, é certo, não é irrestrita, integral, na medida em que pressupõe requisitos próprios (especialmente, o defeito do produto como causador do dano experimentado pelo consumidor) e comporta eximentes. Assinala-se que o fornecedor não responde objetivamente pelo fato do produto simplesmente porque desenvolve uma atividade perigosa ou produz um bem de periculosidade inerente, mas sim, concretamente, caso venha a infringir o dever jurídico de segurança (adentrando no campo da ilicitude), o que se dá com a fabricação e a inserção no mercado de um produto defeituoso, de modo a frustrar a legítima expectativa dos consumidores. Este dever jurídico, cuja inobservância confere supedâneo à responsabilidade objetiva do fornecedor, está expresso no art. 8º do Código de Defesa do Consumidor, ao dispor que os produtos e serviços colocados no mercado não poderão acarretar riscos à segurança ou à saúde dos consumidores — revelando-se defeituosos, portanto —, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição. Daí ressai que o sistema protetivo do consumidor, na esteira do dispositivo legal acima destacado, não tem por propósito obstar, de modo absoluto, a inserção no mercado de produto ou serviço que propicie riscos à segurança e à saúde dos consumidores. Uma disposição com esse propósito afigurar-se-ia de todo inócua, pois ignoraria uma realidade intrínseca a todo e qualquer produto, qual seja, a de guardar, em si, um resquício, um grau mínimo, de insegurança. Esta realidade, a propósito, apresenta-se de modo muito contundente em relação aos medicamentos em geral (qualificados como produtos de periculosidade inerente), pois todos, sem distinção, guardam riscos à saúde dos consumidores, na medida em que causam efeitos colaterais, de maior ou menor gravidade, indiscutivelmente. Por conseguinte, os riscos normais e previsíveis, em decorrência da natureza ou da fruição do produto, são absolutamente admissíveis e, por consectário lógico, não o tornam defeituoso, impondo-se ao fornecedor, em qualquer hipótese, a obrigação de conferir e explicitar as informações adequadas a seu respeito. Coerente com tais diretrizes, o artigo 12 do CDC teceu os contornos da responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto. O defeito do produto apto a ensejar a responsabilidade do fornecedor é o de concepção técnica (compreendido como o erro no projeto, pela utilização de material inadequado ou de componente orgânico ou inorgânico prejudicial à saúde ou à segurança do consumidor), de fabricação (falha na produção) ou de informação (prestação de informação insuficiente ou inadequada), que não se confunde com o produto de periculosidade inerente. Neste, o produto não guarda em si qualquer defeito, apresentando riscos normais, considerada a sua natureza ou a sua fruição, e previsíveis, de conhecimento do consumidor, pela prestação de informação suficiente e adequada quanto à sua periculosidade.
Esclarecido isso, faz-se oportuno transcrever o artigo 12 da Lei 8.078 (BRASIL,1990):
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
O artigo supracitado pode, em uma leitura apressada, sugerir que o fabricante responderia, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de fórmulas ou manipulação, o que pareceria se adequar ao caso dos medicamentos. Contudo, se fosse essa a conclusão, os medicamentos nem poderiam mais ser comercializados, porquanto a previsão de possíveis reações adversas já impediria, a princípio, uma segurança absoluta para a aquisição pelo consumidor. Dito isso, tal raciocínio não consegue, de forma alguma, sustentar-se com a realidade, logo é o Direito quem deve oferecer uma melhor leitura desse dispositivo, visto que a realidade parece destoar da previsão legal.
Com isso, concluímos metade do nosso raciocínio, visto que, como dito anteriormente, também, sem prejuízo de nossa primeira reflexão, seria possível responsabilizar o produtor de um medicamento por eventual dano produzido em decorrência do seu consumo.
Para a construção do raciocínio que permite a responsabilização do produtor de medicamento por defeito em medicamento, refletiremos sobre o recurso de Embargos de Declaração proferido pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Nesse sentido, de acordo com PERNAMBUCO (2017):
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DEFEITO EM MEDICAMENTO. COLORAÇÃO E CONSISTENCIA DIFERENTES DA NORMALIDADE. CRIANÇA COM PROBLEMAS SÉRIOS DE SAÚDE E QUE UTILIZA O MEDICAMENTO TRILEPSAL HÁ MUITOS ANOS. DIREITO DO CONSUMIDOR.FATO DO PRODUTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 12. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO EM R$30.000,00 (TRINTA MIL REAIS). PROPORCIONALIDADE DO VALOR. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO CONHECIDO APENAS COM O ESCOPO DE PREQUESTIONAR O ASSUNTO EXPOSTO. DECISÃO MANTIDA. 1. Recurso de embargos de declaração que possui estreita via de conhecimento, devidamente estabelecida nos incisos I, II, III do art. 1.022 do novo CPC, cingindo-se a ocorrência de omissão, contradição, obscuridade ou para corrigir erro material. É cabível, excepcionalmente, com propósito de prequestionamento. 2. Inexistência de omissão no acórdão recorrido. Julgado que apreciou a demanda de modo suficiente, com o pronunciamento acerca de todas as questões relevantes. Manutenção da decisão do juiz de primeiro grau que condenou a empresa apelante em R$30.000,00 (trinta mil reais), com fulcro na responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto (art. 12 da Lei nº 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor), após constatar defeito em medicamento, que gerou reações adversas e agravou a situação da criança portadora de sérios problemas de saúde e que utiliza a droga há muitos anos.3. Recurso conhecido apenas para fins de prequestionamento, contudo, negado provimento. Decisão Unânime.
Apreciado o conteúdo desse recurso, podemos, em linhas gerais, concluir que, em alguns casos, será cabível a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, em conformidade com o artigo 12 da Lei no 8.078/1990, nos casos de defeitos excepcionais, ou imprevisíveis, que venham a fugir dos riscos já esperados e definidos na própria bula do medicamento.
Destarte, torna-se cabível o desenvolvimento do raciocínio que nos permitirá distinguir esse último caso, que permite a responsabilização objetiva do fornecedor, daquele apresentado primeiramente, que não permitia a mesma responsabilidade.
A responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto se deu, no caso em tela, também, porque o medicamento adquirido apresentava a coloração e a consistência diferentes da normalidade. Tal variação deveria ser prontamente reconhecida pela empresa fornecedora, pois essa deveria possuir setores de controle de qualidade, responsáveis pela detecção de determinados desvios, que vetariam, de forma preventiva, a disponibilização de produtos que pudessem estar em desacordo com os padrões estabelecidos de fabricação.
Quanto à cor, vale salientar que muitos medicamentos têm colorações que estão estreitamente relacionadas às suas finalidades terapêuticas. Com isso, por exemplo, os ditos antigripais costumam ser compostos por comprimidos de cores diferentes, conforme sua indicação farmacológica, circunstância comumente notada pelo consumidor do produto.
Ademais, a responsabilização parece também ser cabível porque a criança que tinha sérios problemas de saúde era consumidora do produto por muitos anos. Nesse cenário, é possível concluir que o medicamento produzido pela empresa foi seguro durante todo o histórico de utilização do produto, com exceção, especificamente, do uso do item terapêutico com a coloração e a consistência diversas daquelas que o consumidor já reconhecia como características. Nessa situação, o consumo de medicamento pelo paciente, mesmo com características incomuns, pareceria crível, porquanto o paciente, em virtude dos anos de uso, adquiriu confiança legítima de que se o produto estava disponível no mercado, é porque a qualidade seria mantida.
Enfim, após divagar sobre essas duas possibilidades, ainda entendemos que o assunto pode render ricas discussões doutrinárias. Manifestamos esse pensamento pelo fato de esse debate nos parecer transcender as mais variadas épocas, abrangendo, inclusive, casos emblemáticos de um passado recente, como foi o caso do medicamento Talidomida, que merece, também, uma análise um pouco mais detida.
Destarte, de acordo com MORO (2017):
Apresentada nos anos 1950 como droga mágica, a talidomida foi posteriormente proibida por seus efeitos deletérios, e nos últimos anos tem retornado para o tratamento de pacientes com doenças como o câncer e a hanseníase. Dada a tragédia que a circundou, foi um dos medicamentos mais importantes do século XX em termos de mobilização da legislação de saúde, constituindo o ponto de partida para a aplicação dos conceitos de segurança e farmacovigilância dos medicamentos. Desencadeou, também, debates éticos sobre o comportamento da indústria farmacêutica e sobre as condições de vida e os direitos das pessoas com deficiências causadas pelo medicamento. No Brasil, apesar de o desastre ter ocorrido no início da década de 1960, ainda se tem notícias de casos de teratogenia envolvendo a talidomida. Isso se explica pelo amplo uso da droga para tratar a hanseníase, doença que coloca o país na segunda posição mundial em número de afetados.
A publicação supramencionada se mostra importante por vários aspectos, dentre os quais escolheremos alguns que estejam mais relacionados com o Direito do Consumidor e sua interface com medicamentos. Como primeiro aspecto, faz-se oportuno registrar que essa mesma droga acabou oscilando de solução mágica de enjoos, comuns em gestantes; à teratogenia que implicou, por exemplo, na má-formação de membros dos fetos expostos à substância. Quando lemos esses efeitos causados pelo produto, podemos, em um primeiro momento, pensar que esse medicamento não é mais utilizado, dada ao seu potencial efeito teratogênico. Contudo, não é isso que ocorre, pois tal medicamento ainda é bastante utilizado no Brasil, visto que em nosso território há registro de muitos casos de hanseníase, conforme apontado na publicação anteriormente mencionada.
Diante disso, seria previsível que surgisse o seguinte questionamento:
Se esse medicamento causou consideráveis danos em pacientes, como esse produto ainda poderia ser utilizado? Quais cuidados o fornecedor teve para que não pudesse ser responsabilizado de forma objetiva pelo fato do produto?
Quanto à primeira pergunta, o uso de qualquer medicamento é justificado pela sua efetividade em combater determinada patologia, mesmo que aceitando um risco associado ao uso do componente terapêutico. No caso da hanseníase, o seu tratamento é de vital importância para o enfermo, tendo em conta a gravidade da doença, que, no passado, era vulgarmente chamada de lepra.
Quanto à segunda pergunta, podemos apontar pelo menos um cuidado que hoje é tomado pelo fornecedor: a inequívoca referência à formação de crianças sem braços e sem pernas para a gestante que vier a tomar o medicamento.
Ademais, outro cuidado relevante teve previsão normativa, como disposto em Ministério da Saúde (2011):
Art. 43. A substância Talidomida e/ou o medicamento que a contenha, existentes nos estabelecimentos, disponíveis ou não para utilização, deverão ser obrigatoriamente guardados sob chave ou outro dispositivo que ofereça segurança, com acesso restrito e monitorado, sob a responsabilidade do responsável técnico pelo estabelecimento.
§ 1º O local destinado à guarda da substância Talidomida ou de medicamento que a contenha deverá armazenar exclusivamente substâncias ou medicamentos sujeitos a controle especial, conforme na Portaria SVS/MS nº. 344/98 e na Portaria nº 6/99 ou as que vierem a substituí-las.
§ 2º Em relação aos hospitais, é proibido o estoque do medicamento Talidomida fora da farmácia hospitalar.
§ 3º O disposto neste artigo se aplica a todas as áreas e setores do estabelecimento, no que couber.
Por fim, tal como a Talidomida adverte ao potencial consumidor sobre os males que podem causar, mitigando a responsabilidade objetiva pelo fato do produto, os outros medicamentos deveriam indicar com precisão sobre a possibilidade de causar algum dano a quem utilizá-lo. Fazendo isso, o paciente ao tomar algum produto que pudesse causar algum distúrbio, o faria por não ter outra escolha menos danosa; ou seja, às vezes, em casos extremos, o paciente teria que decidir entre um fármaco que poderia matá-lo e a recusa em tomá-lo, o que acabaria o levando à morte.
Nessa toada, em síntese, se há uma disponibilização de um produto farmacêutico que informa sobre todos os males potenciais que um medicamento pode desencadear, não será possível, em tese, responsabilizar o fornecedor de forma objetiva.
Contudo, não é porque um produto é inerentemente danoso à saúde que o fornecedor se exonerará de qualquer dano que o produto venha a causar. Assim, se um medicamento, por exemplo, indica sua toxicidade renal, não poderá esse produto causar mal aos pulmões, se não for previsto de nenhum modo, seja na embalagem, na bula, ou qualquer outro meio idôneo.
Por fim, registre-se o manejo da quimioterapia como uma situação de sopesamento entre a esperança de uma cura e um sofrimento experimentado por aquele que se submete à toxicidade do fármaco, como indicado por MOURA (2014):
Os principais efeitos colaterais da quimioterapia são: toxicidade hematológica, toxicidade gastrintestinal, cardiotoxicidade, hepatotoxicidade, toxicidade pulmonar, neurotoxicidade, disfunção reprodutiva, toxicidade vesical e renal, alterações metabólicas, toxicidade dermatológica e reações alérgicas e anafilaxia. Causando dores, mal-estar e desconforto tanto aos pacientes quanto aqueles que o rodeiam.
Assim, feita essa leitura, concluímos que a responsabilidade objetiva pelo fato do produto do fornecedor de medicamentos se dará na hipótese de violação de deveres de informação, de violação da confiança legítima, entre outros deveres afins.
Mas, agindo o fornecedor com lealdade, conservando a confiança legítima depositada pelo consumidor, tal personagem tende a não ser responsabilizado de forma objetiva pelo fato do produto.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 12 out. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência número 603. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0603.pdf>. Acesso em: 12/10/2018
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1599405 - SP (2016.0038008-9). Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, 17 de março de 2017.
MORO, Adriana; INVERNIZZI, Noela. A tragédia da talidomida: a luta pelos direitos das vítimas e por melhor regulação de medicamentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.3, jul.-set. 2017, p.603- 622.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dispõe sobre o controle da substância Talidomida e do medicamento que a contenha. Resolução n. 11, de 22 de março de 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2011/res0011_21_03_2011.html>. Acesso em 13/10/2018.
MOURA, J. W. S. Ciências biológicas e da saúde, Recife, v. 1, n.3, p. 11-20, jul. 2014.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Segurança dos medicamentos: um guia para detectar e notificações de reações adversas a medicamentos. Por que os profissionais de saúde precisam entrar em ação. Disponível em: <http://www.sbrafh.org.br/site/index/library/id/55>. Acesso em: 12/10/2018.
PARACETAMOL: suspensão oral. Responsável técnico Conceição Regina Olmos. Campinas, SP: Medley, 2015. Bula de remédio.
PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração n° 3.782.9703 - PE (ED 3782903 PE). Embargante: Novartis Biociências S.A. Embargado: M.A.L.M. (criança/adolescente).Relator: Eurico de Barros Correia Filho. Recife, PE, 7 de abril de 2017.
REIS, Fábio, Mercado farmacêutico deve atingir R$ 87 bilhões em 2017. Disponível em: < https://pfarma.com.br/noticia-setor-farmaceutico/922-mercado-farmaceutico-87-bilhoes-2017.html>. Acesso em: 12/10/2018