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Limitação de juros nos contratos bancários:

aplicabilidade de normas infra-constitucionais e princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e função social dos contratos

Agenda 09/07/2005 às 00:00

Introdução

A questão da auto-aplicabilidade do §3º do art. 192 da Constituição Federal que limitava expressamente os juros em 12% (doze por cento) ao ano, durante longo tempo, foi alvo de acirrada celeuma em nossos tribunais e, mesmo após o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIN 4-DF decidir que o mencionado parágrafo 3º, do art. 192, da CF/1988 não seria auto-aplicável, carecendo ainda de regulamentação por Lei Complementar, não faltaram julgados decidindo pela limitação dos juros em 12% (doze por cento) ao ano com base no limite constitucional.

Entretanto, o que veio a ocorrer é que, após longos anos de discussão, ao invés da esperada lei complementar vir à tona, adveio a Emenda Constitucional nº 40, suprimindo o limite constitucional de juros com a revogação do §3º do art. 192 da CF.

Antes mesmo do advento da referida emenda constitucional, as instituições financeiras, baseando-se na Súmula 596 do STF e na Lei 4595/64, afirmavam estarem livres para estabelecer unilateralmente taxas de juros nas operações de empréstimo e crédito rotativo, vez que o limite constitucional carecia de regulamentação.

Este singelo texto pretende demonstrar que independentemente do limite constitucional, a limitação de juros encontra amparo nos princípios constitucionais da proporcionalidade, função social dos contratos e em leis infra-constitucionais expressas como o Código Civil, Lei de Usura e no próprio Código de Defesa do Consumidor.


Incompatibilidade da Livre Fixação da Taxa de Juros com os Princípios Constitucionais

Nos princípios constitucionais estão implícitos os valores pelos quais o interprete deve nortear sua análise por ocasião da interpretação da norma ou ato jurídico, vez que estes não podem ser incompatíveis com a fonte primária da lei maior.

O art. 192 da Constituição Federal, que trata da Ordem Constitucional Financeira do País estabelece in verbis:

"Art. 192 – O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade , em todas as partes que o compõem , (...)" .

A cobrança de juros na forma como vem sendo feita pelas instituições financeiras, em patamares elevadíssimos, revela-se desproporcional à realidade de mercado, onerando excessivamente o consumidor. É indiscutivelmente superior à remuneração da poupança, inflação e à taxa Selic. O desenvolvimento equilibrado do País só se alcançará se todos forem tratados em igualdade de condições, razão pela qual não se pode permitir que as instituições financeiras sejam privilegiadas, tratadas diferentemente do resto da sociedade.

Onde está a promoção do desenvolvimento equilibrado do País com a fixação de uma taxa de juros em torno de 163% ao ano? Forçoso reconhecer que de modo algum uma taxa fixada em tais patamares venha a promover qualquer desenvolvimento, muito pelo contrário, é indiscutivelmente oposta aos interesses da coletividade, violando os princípios do próprio sistema financeiro nacional.

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades (art. 3º da CF), na qualidade de objetivos fundamentais traçados pela carta magna, implicitamente impõem um limite aos interesses do setor financeiro.

Também o art. 173 § 4o da CF, dispõe que "A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.", razão pela qual não há que se falar em livre fixação de juros, pois entendendo de outro modo, significaria tornar incontrolável a forma de remuneração do capital nos empréstimos bancários, serviços sobre os quais incide o Código de Defesa do Consumidor.

Após o ano de 1994 com a redução do índice inflacionário que passou a ser inferior a um dígito ao ano, a cobrança de juros passou a ser cobrada de 20 (vinte) a 500 (quinhentas) vezes o índice de inflação mensal, afrontando diretamente o princípio implícito no artigo 173 § 4º da CF que visa justamente coibir o lucro arbitrário. Com a estabilidade econômica e controle da inflação, sendo esta reduzida a índices de um dígito ao ano, foge ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade a fixação da taxa de juros nos moldes como vem sendo feita.

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A limitação de juros também encontra amparo no princípio da função social do contrato que, sobrepondo-se ao princípio da autonomia da vontade, em harmonia com os ditames do Código de Defesa do Consumidor, confere ao consumidor de serviços bancários, medidas ou mecanismos jurídicos capazes de coibir qualquer desigualdade dentro da relação negocial.


Interpretação da Lei 4595/64 à Luz dos Princípios Constitucionais e Art. 5º da LICC.

As instituições Bancárias insistem em dar interpretação à referida Lei 4595/64 e afirmando-se na Súmula 596 do STF no sentido de que estariam livres para estabelecer taxas de juros nas operações de empréstimo. Trata-se de uma interpretação equivocada, isto porque de acordo com o inc. IX do art. 4º da referida Lei, cabe ao Banco Central limitar a taxa de juros e não liberá-las.

O art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil assim dispõe:

"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Não se pode perder de vista o fim social a que se destina a Lei, assim, deve o intérprete nortear sua análise por este ângulo, dando correta interpretação à Lei 4595/64, resgatando seu verdadeiro espírito, relido à luz da CF de 88, cujo cerne indica a busca do equilíbrio econômico social.

Portanto, convém questionar: qual a função social do art. 4º inc. IX da lei 4595/64? A interpretação que lhe é dada pelas instituições financeiras atende ao bem comum? Atende ao princípio do equilíbrio contratual e função social? Certamente que não! Cumpre uma disfunção social, incompatível com os objetivos fundamentais da Constituição Federal.

À luz do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e dos princípios constitucionais, deve-se extrair da Lei 4595/64 que o Conselho Monetário Nacional poderia "limitar" ainda mais os juros de modo a ensejar a aplicação de percentual inferior àquele máximo estabelecido na Lei de Usura e indicado pelo princípio da razoabilidade (12% ao ano) quando se tratar das atividades indicadas no inc. IX do art. 4º, ou seja: recuperação e fertilização do solo; reflorestamento; combate a epizootias e pragas, nas atividades rurais; eletrificação rural; mecanização; irrigação; investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias.

Essa interpretação é a que melhor condiz com o disposto no art. 5º da LICC, vez que não é razoável supor que a cobrança dos juros nos patamares fixados pelas instituições financeiras e cobrados na forma como vem ocorrendo, venha a surtir efeito positivo nas atividades acima descritas. A toda prova, a interpretação dada pelas instituições bancárias de modo algum atende ao fim social a que se destina referida lei e muito menos ao bem comum, mas apenas ao bem do "bolso" delas próprias (instituições financeiras).

Considerando a realidade sócio-econômica do País, interpretação dada ao art. 4º inc. IX da Lei 4595/64 pelas instituições financeiras não se harmoniza com a economia atual, revela-se protetiva aos bancos e onerosa à sociedade. Seria outra a função social do art. 4o inc. IX da Lei 4595/64 senão a de limitar ainda mais os juros, visando "facilitar" as atividades descritas no inciso ou possibilitar livre fixação de juros, tornando incontrolável a remuneração de capital?

A 4ª Turma do C. STJ, no RESP nº 124.780-RS, de que foi relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu que "somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei nº 4.595, de 1964, o artigo 4º Do Decreto nº 22.626, de 1933".

Portanto, mesmo com a supressão da limitação constitucional do juros, permanece a limitação infra-constitucional.


Incompatibilidade da Livre Fixação de Juros com os Princípios Consumeiristas

Assim dispõe o art. 39, inc. V do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;"

A partir do momento em que determinada prática ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico, como a busca do equilíbrio social, por exemplo, estamos diante de uma vantagem manifestamente excessiva. Indubitável que a fixação de juros em patamares exorbitantes configura um desequilíbrio em razão de sua excessiva onerosidade em comparação com outros índices econômicos, razão pela qual, configura como sendo prática abusiva.

O princípio da boa-fé objetiva, introduzido em nosso ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do Consumidor, tem por escopo o equilíbrio das relações de consumo. Portanto, havendo cláusula com fixação de juros excessivos, esta pode ser anulada e os juros reduzidos ao limite legal, restabelecendo a ordem jurídica e equilibrando a relação jurídica estabelecida entre as partes.

Na lição do consagrado Nelson Nery Junior, Código de Defesa do Consumidor Comentado, obra coletiva, 5ª edição, pág. (367) "No regime jurídico do CDC as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito porque contrariam a ordem pública de proteção ao consumidor. Isso quer dizer que as nulidades podem ser reconhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo o juiz ou tribunal pronunciá-las, porque normas de ordem pública insuscetíveis de preclusão."

Pelo que se demonstrou, resta inconteste que a livre fixação de juros também não se coaduna com os princípios consumeiristas, princípios estes que se harmonizam perfeitamente com os já mencionados constitucionais.


Incompetência do Conselho Monetário Nacional para Dirigir a Política de Juros no País e a Conseqüente Aplicabilidade da Lei de Usura sobre os Contratos Bancários.

O art. 48 inciso XIII da Constituição Federal atribui ao Congresso Nacional a competência para dirigir a política de Juros, razão pela qual o art. 4o, inc. IX da Lei 4595/64 que atribuía tal função ao Conselho Monetário Nacional não teria mais eficácia por expresso impedimento constitucional.

Ocorre que, por força do disposto no art. 25 do ADCT, que prorrogou por cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, todos os dispositivos que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, o Conselho Monetário Nacional continuou a dirigir a política de juros.

No dia 31 de março de 1989 veio a tona a Medida Provisória nº 45 com a finalidade de estender o prazo acima referido até o dia 30 de abril de 1990, entretanto, o prazo para que tal medida fosse convertida em lei esgotou-se no dia 03 de abril de 1989. Um mês depois, quando nova medida provisória, a de nº 53, veio à tona com a finalidade de estender o prazo até 30 de outubro de 1989, apesar de sua conversão em lei (Lei nº 7770 de 31 de maio de 1989), não havia mais como prorrogar um prazo que já havia sido expirado, pois com a perda da eficácia da medida provisória nº 45, o prazo ditado pelo art. 25 do ADCT esgotou-se, passando a plena produção de efeitos o art. 48 inc. XIII da Constituição Federal, ou seja, a competência para digirir a política de juros já era do Congresso Nacional e não mais do Conselho Monetário Nacional.

Portanto, referida lei não teve condições de prorrogar um prazo que já havia se esgotado. Igual raciocínio se aplica em relação a todas as leis que lhe se sucederam, razão pela qual os bancos e instituições financeiras estão sim, sujeitas ao limite de juros estampados pela Lei de Usura, não podendo ser superiores a 12% (doze por cento) ao ano.

Ainda que se concluísse pela eficácia da Medida Provisória nº 53, ainda assim, a conclusão não poderia ser diversa da já estampada quanto à competência exclusiva do Congresso Nacional para dirigir a matéria, conforme restará demonstrado.

A sucessividade de leis continuou e estando para se esgotar o prazo estipulado pela MP nº 53, sobreveio nova Medida Provisória, a de nº 100/89, com o fim de prorrogar o prazo até a vinda da Lei Complementar que regulamentasse o art. 193 da Constituição Federal. Com sua conversão em lei (Lei 7892/89) o prazo foi novamente limitado até 31 de maio de 1990, seguindo-se a Medida Provisória de nº 188/90, convertida na Lei 8201/91, mais uma vez tendo-se a prorrogação, agora até 30 de junho de 1991.

Mais uma vez, estando para esgotar o prazo, seguiu-se a Lei 8201/91, prorrogando o prazo até 31 de dezembro de 1991, que por sua vez foi fixado finalmente como termo final, a prorrogação do prazo até que surgisse lei complementar que regulamentasse o art. 192 da CF, regra que foi repetida pela Lei 9069/95 que instituiu o Plano Real.

Assim, o que se demonstra é que sucessivas leis e medidas provisórias tiveram por finalidade a prorrogação do prazo estabelecido no art. 25 do ADCT e até hoje o Congresso Nacional, a quem caberia competência para regular a matéria não se manifestou.

Em que pese a previsão de prorrogação do prazo de 180 dias, não se harmoniza com o princípio da razoabilidade a elasticidade do prazo por tempo indeterminado, não sendo esta a vontade da lei maior, razão pela qual, ainda que se considerasse a eficácia da MP nº 53, convertida em lei fora do prazo, a ultima lei que tratou da matéria não se harmoniza com a Constituição Federal, padecendo do vício de inconstitucionalidade.


Conclusão

A Constituição Federal de 88 resgatou o Estado Democrático de Direito, não havendo mais espaço para privilégio de uns em detrimento da sociedade. A dignidade da pessoa humana, a função social dos contratos, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade devem servir de base para a celebração de contratos de crédito, não havendo mais espaço para a súmula 596 do STF, datada de 1976 quando o Brasil estava ainda sob a égide da Constituição de 1969.

Salvo melhor juízo, desde a perda da eficácia da Medida Provisória nº 45, a competência para regular os juros passou a ser do Congresso Nacional, estando, portanto, revogada a Lei 4595/64, razão pela qual, as instituições financeiras estão sujeitas ao limite de juros fixado pela Lei de Usura, ou seja, de 12% ao ano.

Ainda se entendesse de outro modo, interpretação da mencionada Lei 4595/64 à luz dos princípios constitucionais e do art. 5º da LICC, temos que a competência do Conselho Monetário seria de limitar ainda mais a taxa de juros e não libera-las.

A Sucessividade de leis com o objetivo de prorrogar a delegação de competência do Conselho Monetário Nacional, razoavelmente fixado em 180 dias, afronta a Constituição Federal, razão pela qual deve-se entender por inconstitucional dispositivo da Lei 9069/95 que prorroga o prazo por tempo indeterminado.

Tomando como base a lei de usura, os princípios constitucionais e infraconstitucionais, os juros remuneratórios nos contratos de mútuo devem ser limitados em 12% (doze por cento) ao ano.


Bibliografia:

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Decreto n.22.626. 07 de abril de 1933. Dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências. Constituição federal, código civil, código de processo civil / organizador Yussef Said Cahali. 3ª ed. rev. atul. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

NASCIMENTO, Tupinanba M. C. Do. Comentários ao código de defesa do consumidor. 1991.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Ricardo Dolacio. Limitação de juros nos contratos bancários:: aplicabilidade de normas infra-constitucionais e princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e função social dos contratos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 734, 9 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6963. Acesso em: 17 nov. 2024.

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