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Previsão jurídica dada ao homem preso em decorrência de falsas informações no âmbito da Lei Maria da Penha

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Algumas mulheres, em proveito da aplicação imediata que a referida Lei ampara acionam o Poder Judiciário para representação criminal amparadas em falsas informações.

RESUMO: Destina-se com esta pesquisa identificar quais são os meios jurídicos que estão à disposição do homem que foi preso injustamente em consequência de informações falsas prestadas pela mulher com base na Lei 11.340/06. Para tanto, empregou-se método dedutivo-exploratório, mediante pesquisa bibliográfica e documental. Percebe-se que a Lei Maria da Penha trata-se de uma aplicação jurídica específica que visa a garantir de forma rigorosa, diante de fatos relatados pelas vítimas, a segurança da mulher, que a princípio é baseada apenas em coleta de dados levantada por meio de entrevistas realizadas por assistentes sociais, psicólogos e, em muitos casos, de forma emergencial, por policiais, para aplicação de medidas protetivas. No entanto, atentou-se para o fato de que muitas vezes o denunciado possa ser uma pessoa honesta, de bem, e esteja sendo lesionado em seus direitos, por não ter cometido crime algum, e a mulher prestando falsas informações às autoridades policiais e à justiça, apenas como forma de punir e condenar a outra parte. Observou-se, também, que não há na Lei Maria da Penha dispositivos de proteção ao homem, devendo a mulher que presta informações falsas, de forma dolosa ou ao menos culposa, ser punida por crime de denunciação caluniosa, no qual tal conduta se enquadra. Desta forma, concluiu-se que o homem, vítima de falsas informações prestadas pela mulher, falsa vítima, deverá buscar juridicamente a penalização desta por crime de denunciação caluniosa e a responsabilidade civil do Estado devido à aplicação de sanções penais infundadas e não baseadas em provas concretas.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Prisão. Medidas protetivas. Crime de Denunciação caluniosa. Responsabilidade civil do Estado.


INTRODUÇÃO

A Lei Maria da Penha visa garantir e resguardar a segurança da mulher, vítima de violência doméstica e que por meio de informações e representação realizada pela mulher é instaurado procedimento judicial para aplicação de medidas protetivas de urgência, o que acarreta no afastamento e/ou prisão do suposto agressor.

Tais medidas seguem um rito processual, na qual são coletadas informações por meio de entrevistas com assistente social, psicólogos, e em muitos casos de forma emergencial por policiais e posteriormente serão aplicadas as medidas protetivas.

Ocorre que, em determinados casos, esta Lei é utilizada por mulheres com o propósito diferenciado daquele estabelecido nas normas contidas na Lei Maria da Penha. Tratando-se o denunciado de pessoa correta e que esteja sendo lesionado em seus direitos, por não ter cometido crime algum e a mulher prestando falsas informações à justiça, como forma de punir e condenar a outra parte.

Diante desses fatos, questiona-se qual o meio jurídico pode amparar o homem preso em decorrência de falsas informações prestadas pela mulher nos termos da Lei Maria da Penha e qual a responsabilidade do Estado perante a concretização dessa prisão.

Nesse sentido, o homem, vítima do relato falso de informações prestadas pela mulher, suposta vítima, deverá buscar juridicamente a penalização da mulher e a responsabilização do Estado perante uma aplicação condenatória infundada e sem provas concretas. 


1 PREVISÃO JURÍDICA ASSEGURADA AO HOMEM NOS TERMOS DA LEI MARIA DA PENHA

1.1 A Igualdade Entre Homens e Mulheres e Ação Direta de Constitucionalidade nº 19 do Supremo Tribunal Federal

A CRFB/88 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo dessa forma, a igualdade de aptidão, na qual todos os cidadãos possuem o direito a tratamento idêntico pela lei, em detrimento as normas expostas no ordenamento jurídico (MORAES, 2003).

Segundo explanado por Moraes (2003), proíbem-se as diferenciações arbitrárias, discriminações, dando o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, sendo esta exigência do próprio conceito de Justiça, pois, o que se protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.

Sobre o assunto, Comparato (1996, p. 59) diz que “as chamadas liberdades materiais têm por principal objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.

No entanto, Moraes (2003) comenta que em consonância com o art. 5º, I, da CRFB/88, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da lei. Dessa forma, partindo dessa interpretação que não se pode aceitar o discrimen sexo, toda vez que o mesmo for mencionado como forma de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

No que refere à discriminação, Piovesan (2004) comenta:

A discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade. Ocorre quando somos tratados como iguais em situações diferentes, e como diferentes em situações iguais.

Ademais, no que diz respeito a questões do âmbito familiar, a CRFB/88, em seu art. 226, § 8º, impõe ao Estado assegurar a “assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”. Dessa forma, percebe-se a importância da criação de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica (DIAS, 2007).

Sendo assim, Dias (2007) diz que o intuito de prevenção e atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar é por considerar que hierarquicamente diante da lógica do poder machista, ainda não traz os merecidos privilégios às mulheres.

Assim, Dias (2007) comenta que para atender à necessidade da mulher, no respaldo à violência doméstica, é necessária programar ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como forma de corrigir desigualdades e promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que propicie uma compensação pelas desvantagens sociais decorrentes da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas.

Silva (1992, p. 74) comenta:

As iniciativas de ações afirmativas visam corrigir a discrepância entre o ideal igualitário predominante e/ou legitimado nas sociedades democráticas modernas e um sistema de relações sociais assinalado pela desigualdade e hierarquia.

Sobre o assunto, comenta Minayo (2000, p. 45) que a “violência doméstica fornece as bases para que se estruturem outras formas de violência, produzindo experiências de brutalidades na infância e na adolescência, geradoras de condutas violentas e desvios psíquicos graves”.

Diante disso, nota-se a devida participação do Ministério Público nos casos de violência doméstica, apoiando e auxiliando nas causas cíveis e criminais, requisitando a força policial e a colaboração dos serviços públicos, exercendo a fiscalização nos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência, possibilitando, de tal forma a adequação de seus órgãos.

Os artigos 18 a 24 da Lei n. 11.340/06 pretendem garantir às mulheres o acesso direto ao juiz, quando em situação de violência, possibilitando uma celeridade de resposta à necessidade imediata de proteção. A Lei n. 11.340/06 cria uma sistemática adicional ao critério da conexão, quando insere a ocorrência da violência doméstica e familiar, na modalidade de crime, conforme exposto no artigo 13 e 14 da referida lei:

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (BRASIL, 2006).

A lei Maria da Penha teve sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal, tendo o Presidente da República atualizado a ação declaratória de constitucionalidade nº19, presentes os artigos 1, 33 e 41 da lei 11.340/06, conforme mencionado nas notícias do STF (2012, s/p), abaixo transcrita:

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995 (BRASIL, 2012).

Dessa forma, foi proposto pela Advocacia Geral da União em nome da Presidência da República o ADC/19, que tem como fundamento a suposta afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres (artigo 5°, I da Constituição Federal de 1.988), sobre a competência atribuída aos Estados para fixar a organização judiciária local (artigo 125, § 1° combinado com o artigo 96, II, "d" da Constituição Federal de 1.988) e sobre a competência dos juizados especiais (artigo 98, I da Constituição Federal de 1.988).

Conforme a página de notícias do STF (2012), o ministro Marco Aurélio, relator das ações que envolvem a análise de dispositivos da Lei Maria da Penha (ADC 19) no Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela procedência da ADC 19, a fim de declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Essa norma cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Dessa forma, relata o ministro Marco Aurélio diante da ADC 19:

A mulher é vulnerável quando se tratam de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. “Não há dúvida sobre o histórico de discriminação por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem se é que acontecem contra homens em situação similar” (BRASIL, 2012).

Segundo entendimento do Ministro Marco Aurélio, a Lei Maria da Penha “retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou um movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça”. Entende-se que a norma demonstra realidade de discriminação social e cultural “que, enquanto existente no país, legitima a adoção de legislação compensatória a promover a igualdade material sem restringir de maneira desarrazoada o direito das pessoas pertencentes ao gênero masculino”, ressaltando que a Constituição Federal protege, especialmente, a família e todos os seus integrantes (NOTÍCIAS DO STF, 2012, s/p).

Ocorre que, segundo o relator, o ordenamento jurídico brasileiro assegura tratamento distinto e proteção especial a outros sujeitos de direito em situação de hipossuficiência, como é o caso do idoso, da criança e do adolescente.

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Segundo entendimento do ministro Marco Aurélio também é constitucional a descrição do artigo 33, da Lei 11.340/2006, que menciona que enquanto não estiverem prontos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, às varas criminais acumularão as competências cíveis e criminais para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, “observadas às previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente”, ressaltando que não há ofensa ao artigo 96, inciso I, alínea “a” e 125, parágrafo 1º, da CRFB/88, mediante os quais se confere aos Estados a competência para disciplinar a organização judiciária local (NOTÍCIAS DO STF, 2012, s/p).

Conforme mencionado pelo Ministro Marco Aurélio, no Notícias do STF (2012), diante do comento referente ao art. 41, até 2006, data em que criou a Lei Maria da Penha, não existia na legislação brasileira, legislação específica para coibir a violência contra a mulher, uma vez quer tais penalidades, resultantes de crimes de violência doméstica eram julgados pelos Juizados Especiais, criados pela Lei 9.099 para julgar crimes de menor poder ofensivo.

Nota-se que existem discussões acerca da constitucionalidade da Lei 11.340/06, uma vez que supostamente afronta ao princípio da igualdade contida na CRFB/88, alegando desigualdades, uma vez que atribui tratamento diferenciado a mulher com relação ao homem.

Assim, diante da procedência ADC 19, alegada afronta ao princípio da igualdade, foi afastada uma vez que demonstrado que a Lei nº 11.340/06 confere efetividade ao princípio da igualdade material e que o tratamento diferenciado dado à mulher decorre da realidade social brasileira.

Sobre o princípio da igualdade Souza (2008, p. 39) comenta:

O princípio da igualdade, preconizado no art. 5º da CRFB não proíbe, e, ao contrário, impõe que o legislador leve em conta a necessidade e conveniência de dar um tratamento diferenciado para viabilizar a efetiva realização dos valores ‘justiça’ e ‘igualdade’ que a Constituinte consagrou já no preâmbulo da Carta Política vigente e que esse papel foi desenvolvido na elaboração desta Lei.

No entanto, diante dessas premissas, o fundamento de todo este tratamento diferenciado está sendo discutido conforme o princípio da igualdade, que se divide em formal e material. Conforme entendimento de Dias (2007), Silva (1999) e Souza (2008), a igualdade formal encontra-se na legislação e assegura o mesmo tratamento a todos, sem levar em conta critérios pessoais ou distinção de grupos. Em contrapartida, a igualdade material é a oportunidade de se alcançar não apenas por lei, mas por políticas públicas, por aqueles que precisam de proteção especial à igualdade de condições sociais.

Sendo assim, conclui-se que o princípio da igualdade deve assegurar às pessoas em situações desiguais os mesmos direitos, de forma a manter o equilíbrio entre todos na sociedade e não admitindo discriminações. Isto porque, os tratamentos diferenciados possuem respaldo junto a CRFB/88, sendo que estas devem ser razoáveis e proporcionais, pois caso isso não ocorra serão incompatíveis com a norma constitucional (ALEIXO, SARTORI, 2010).

Aleixo; Sartori (2010) explica que as desigualdades entre homens e mulheres nasceram devido aos papéis sociais impostos a ambos pela sociedade, diante da dominação masculina ao longo dos tempos e da proteção da mulher como hipossuficiente, fruto da cultura patriarcal. No entanto, foram se transformando com a chegada das convenções internacionais que foram ratificadas pelo Brasil, sendo responsáveis pelos avanços das mulheres ao efetivar seus direitos.

1.2 Crime de denunciação caluniosa e a titularidade da ação penal

Dando início à explanação do que se trata denunciação caluniosa é interessante demonstrar primeiramente que não há na legislação penal ou na Lei Maria da Penha algum dispositivo específico para os homens que sofram constrangimento oriundo das informações falsas prestadas pela mulher e que acarretam representação aos crimes praticados no âmbito da Lei Maria da Penha.

Sendo assim, a referida Lei Maria da Penha condiciona proteção e garantias às mulheres vítima de crimes domésticos, deixando a mercê o direito material descrito em lei diante dos homens sobre aspecto de defesa processual, no sentido de garantir sua causa verdadeira perante uma representação falsa.

Diante disso, conforme explanado por Estefam (2011) a Denunciação Caluniosa encontra previsão jurídica no Código Penal, na parte “Dos Crimes Contra a Administração Pública”. No entanto, pouco mencionada, chegando às vezes a ser confundida com denúncia, crime previsto no Código Penal na parte “Dos Crimes Contra A Pessoa” ou crime de calúnia.

Isto porque, os crimes atingem a honra do indivíduo, mesmo que em vezes de forma direta e outras vezes de forma indireta, cabendo ao direito penal proteger a honra da pessoa atingida, em cumprimento ao que está previsto na CRFB/88 pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Sobre o delito da calúnia e denunciação caluniosa, destacam-se os artigos 138 e 339 do Código Penal:

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a Calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Denunciação Caluniosa

 Art. 339 -  Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção (BRASIL, 1940).

Por se tratarem de crimes semelhantes, a denunciação caluniosa já foi abordada por vezes como sendo Calúnia Qualificada, uma vez que os elementos tipificadores da Calúnia (imputar, falsamente, a outrem um delito) encontram-se na Denunciação Caluniosa.

No entanto, no crime de Denunciação Caluniosa, é necessário que o autor comunique à autoridade competente e instaure investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, para que o crime se configure (ESTEFAM, 2011).

Sobre o crime de denunciação caluniosa, Estefam (2011, p. 347) descreve:

A incriminação do ato de imputar falsamente um crime a alguém, sabendo-o inocente, remonta à antiguidade romana, quando o fato era considerado calumnia (Le remmia). Houve um período, no qual se deixou de punir o ato, com o escopo de estimular o denuncismo, mas logo se retornou à situação anterior. Boa parte do período romano, notadamente após o Imperador Constantino (319 d. C), a pena aplicada baseava-se no princípio do Talião, ou seja, impunha-se ao agente a mesma sanção do delito falsamente imputado. Esta solução draconiana perdurou ao longo da Idade Média e foi adotada no Brasil nos Códigos de 1830 e 1890. O imperial classificava o delito como crime contra a honra (art. 235) e o Republicano (art. 264), como infração lesiva à fé pública. De melhor técnica o atual, pois situa corretamente o ilícito entre os crimes contra a administração da Justiça.

Bitencourt (2003) comenta que o dolo na Denunciação Caluniosa se dá por meio da vontade de provocar investigação policial ou processo judicial, fazendo com que o autor da ação leve ao conhecimento da autoridade, mediante o delatio criminis, e sendo o fato falso, provoque investigação sobre uma determinada pessoa. Sendo assim, só se configura o crime de Denunciação Caluniosa quando for provada a inocência de tal pessoa, seja por uma decisão judicial ou administrativa inocentando-a, ou arquivamento de inquérito policial.

Complementa Bitencourt (2003, p. 350):

Muitas vezes, a imputação da autoria de crime, quer por particular, que por autoridade pública, mesmo dando causa à instauração de investigação policial ou processo judicial, pode não tipificar o crime de denunciação caluniosa. Ou seja, pode caracterizar o tipo objetivo, importante, necessário, mas insuficiente para configurar o crime, que exige também o elemento subjetivo, que compõe o tipo subjetivo. A denunciação caluniosa, em especial, é um tipo peculiar, cujo elemento subjetivo está representado pela expressão de que o sabe inocente. Exige, em outras palavras, a consciência da inocência do imputado, quer por não ter sido o autor do crime, quer porque o crime não existiu. E o único dolo possível é o direto, que não se confunde com o elemento subjetivo especial que acabamos de referir, mas é representado pela vontade de dar causa á instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém através de denunciação falsa.

Dessa forma, percebe-se que no caso da Calúnia, a honra é atingida de forma mediata e imediatamente e no caso da Denunciação Caluniosa, a honra da pessoa é atingida mediatamente, e a administração da Justiça imediatamente. Sendo que neste caso, são dois os sujeitos passivos: o Estado e a pessoa atingida pela falsa denunciação (BITENCOURT, 2003).

Estefam (2011) ainda menciona que existe um traço distintivo entre a calúnia e a denunciação caluniosa, uma vez que ambas se dão por meio de falsa imputação de um fato criminoso. No entanto, na denunciação caluniosa, além de ferir a honra do imputado, provoca uma gravame ainda maior, uma vez que tal informação é levada ao conhecimento direta ou indiretamente aos órgãos públicos e com base nessas falsas informações empreendem-se esforços inúteis para apuração de um fato criminoso contra um inocente.

Segundo Bitencourt (2003) a ação penal no crime de Denunciação Caluniosa é pública incondicionada, em que o ofendido poderá solicitar a lavratura do Boletim de Ocorrência e instauração do Inquérito Policial, se for o caso. Tal crime tem como objetivo fazer com que o ofendido noticie diretamente ao Ministério Público e para que isso aconteça é necessário que haja prova plena da inocência do ofendido; existindo tal prova, não será preciso instauração de Inquérito Policial e o Ministério Público poderá oferecer denúncia para instauração da ação penal.

Estefam (2011, p. 348) descreve:

O objeto jurídico é, primariamente, a administração da Justiça, pois o mecanismo repressivo do Estado é posto em marcha inutilmente, e, em caráter secundário, o status libertatis (direito de liberdade) ou dignatis (honra) do sujeito a quem o fato foi falsamente atribuído e contra quem se instaurou o procedimento. Outras infrações há que também apresentam a mesma nota, porquanto retratam situações em que o aparato persecutório criminal é colocado indevidamente em ação por conta de uma falsa informação: isso ocorre com a falsa comunicação de crime ou contravenção (art. 340) e com a autoacusação falsa (art. 341).

Dessa forma, Estefam (2011) explica que a conduta se desdobra em dois momentos, sendo que no primeiro momento demonstra a conduta de efetuar falsa imputação de um crime a uma pessoa determinada ou indeterminada, sabendo o agente que se cuida de um inocente. No segundo momento, é no caso do resultado e deixa ser instaurado um procedimento legal, a que a autoridade praticou em virtude da imputação mentirosa que foi deduzida.

Embora demonstrado que o objeto jurídico reside na tutela da administração da Justiça é que diante da denunciação caluniosa, além da imputação a honra, tem como agravante o fato de levar a conhecimento de agentes públicos, que com base a falsas informações medem esforços para apuração de um fato criminoso inexistente (ESTEFAM, 2011).

Estefam (2011, p. 356) descreve:

Muito embora, consoante alerta a maioria da doutrina, não exista disposição legal condicionando a apuração do crime de denunciação caluniosa ao desfecho do procedimento instaurado contra o inocente, recomenda-se que o aguarde a conclusão da investigação penal ou administrativa instauradas, bem como do inquérito civil, processo judicial ou ação de improbidade administrativa, de modo a evitar decisões judiciais antinômicas.

Nucci (2013) comenta que se trata de crime material ou de resultado, na qual pode ser desdobrado em dois momentos, o primeiro na conduta criminosa, trazido por meio da denúncia falsa e o do resultado material e o segundo consistente na instauração do procedimento legal, cuja responsabilidade incube ao agente público.

Assim, com a representação da vítima em desfavor do homem e posterior ajuizamento de ação criminal e andamento processual diante da Lei Maria da Penha, não há juridicamente nenhum procedimento de defesa em favor do homem para comprovação da veracidade das informações inicialmente prestadas pela vítima e que consequentemente é aplicado ao homem medidas de urgência.

Diante desses fatores, caberá ao homem por meio da figura típica da denunciação caluniosa, demonstrar a verdade dos fatos e expor sua inocência perante a descrição de ocorrência descrita no processo da Lei Maria da Penha. 

1.3 Responsabilidade civil do Estado

Conforme anteriormente explanado, caberá ao homem por meio da denunciação caluniosa, demonstrar que as sanções a ele imputadas foram realizados com base na falsa informação prestada pela mulher, suposta vítima de Lei Maria da Penha.

Sendo assim, a mulher ao representar o homem e dar prosseguimento jurídico, só não apenas cometeu crime em desfavor do homem, como também induziu a um procedimento jurídico legal a que a autoridade foi levada a fazer em razão da imputação mentirosa que se deduziu.

Dessa forma, segundo Venosa (2003) colocou em prova a responsabilidade do Estado, exercida por meio de seus agentes, diante de um ato jurídico legal, mas baseada em falsas informações. Isto porque, a responsabilidade civil do Estado é definida como o dever que este possui em ressarcir os danos que forem causados a terceiros em detrimento das atividades que realiza, sendo que tal dano deve ser apreciado sem a necessidade de configuração de dolo ou culpa.

Diante disso, a responsabilidade civil desde a antiguidade é observada no sentido de ocorrência da ofensa e, em consequência disso à responsabilização por um dano causado, levará à restauração do equilíbrio moral e patrimonial desfeito, fazendo com que o outro não fique prejudicado (VENOSA, 2003).

Dessa forma, Venosa (2003) comenta que o intuito é diminuir na sociedade vítimas de danos sem sua devida reparação, o que reflete o instituto da responsabilidade civil, na qual tem proporcionado um fenômeno de expansão dos danos suscetíveis de indenização.

Sobre a responsabilidade civil Diniz (2002, p. 34) comenta:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

De outro entendimento, a responsabilidade civil pode ser definida como forma de aplicação das medidas que obriguem os responsáveis a reparação dos danos por eles causados, em virtude da ação ou omissão de seus atos, conforme explica Cavalieri Filho (2008, p. 40):

Um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.

A responsabilidade se divide em subjetiva ou objetiva. Sendo subjetiva quando depende de constatação do elemento subjetivo culpa e objetiva quando prescindir da culpa. Pois, segundo Fiúza (2009, p. 284) “a responsabilidade sem culpa recebe o nome de responsabilidade objetiva, por se basear apenas na ocorrência do dano.” Enquanto a responsabilidade subjetiva decorre necessariamente de ato ilícito; a responsabilidade objetiva pode decorrer de ato lícito (teoria do risco) ou ilícito.

Cavalieri Filho (2008) comenta que a responsabilidade civil encontra respaldo na sanção que possui como pressuposto uma infração ou um ato ilícito. Assim, na responsabilidade civil objetiva, contida na teoria do risco, é irrelevante a conduta do agente, necessário apenas que exista o dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano, e consequentemente o dano deve ser reparado independente de culpa.

Conforme o artigo 186 do Código Civil de 2002 (CC/2002) é possível verificar os elementos da responsabilidade civil, quais são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, 2002).

Sobre o entendimento de Noronha (2010, p. 468/469), para existir a obrigação de indenizar são necessários os seguintes pressupostos:

Que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências; que o fato possa ser imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; que tenham sido produzidos danos; que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta.

Para melhor entendimento Vitta (2003, p. 29) comenta que:

O ilícito é a conduta (ação ou omissão) que contravém o mandamento da norma, a qual estabelece consequência jurídica, institucionalizada, organizada normativamente: a sanção. Assim, conforme se vê, apenas quando houver descumprimento do mandamento da norma jurídica, poder-se-á falar em ilícito e sua consequência (a sanção).

Nota-se que existindo a privação da liberdade ou cárcere injusto do direito constitucional do indivíduo de ir e vir, o art. 5º, inc. LXXV, da CF/1988, prevê que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”.

Stoco (2007, p. 1066) entende que os atos ofensivos da liberdade individual, o cárcere privado, a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé e a prisão ilegal, são indenizáveis.

Há inúmeras hipóteses de prisão indevida por abuso por parte da autoridade policial, sem que venha a vítima a ser objeto de investigação ou de ação penal. Também nesses casos impõe-se a responsabilização do Estado, posto que o abuso do direito, como o abuso do poder, são ensancha à reparação por parte do Estado, respondendo o servidor civil e penalmente e, ainda, no plano administrativo, para efeito de demissão. Do que decorre que nem a Constituição, nem a Lei Civil estabelecem hipóteses clausuladas de ofensa à liberdade pessoal. [...] São, portanto, hipóteses de prisão indevida por erro judicial (e não erro judiciário) que se traduzem em ofensa à liberdade pessoal e que também empenham a responsabilidade do Estado, por força das garantias asseguradas no art. 5º da CF/88 e art. 954 do CC, pois, como estabelece o §2º do art. 5º daquela Carta, 'os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados.

Assim, a atuação do Estado diante da responsabilidade civil em consequência de danos gravosos, segundo a teoria do risco administrativo, é fundada na responsabilidade objetiva, contido no artigo 37, § 6º, da CRFB/88.

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).

Sobre essa descrição compreende-se como sendo responsabilidade objetiva uma vez que não é necessário provar a ocorrência da culpa, somente a relação de causa entre o dano e seu causador. No entanto, a culpa do Estado é inferida do ato lesivo da Administração; necessário que haja comprovado pela vítima o dano causado, ou o fato danoso e injusto decorrente de ação ou omissão do agente público para que o Estado seja obrigado a recompor o dano causado (CAVALIERI FILHO, 2008).

Mello (2001, p. 802) esclarece que:

No que atina às condições para engajar responsabilidade do Estado, seu posto mais evoluído é a responsabilidade objetiva, a dizer, independentemente de culpa ou procedimento contrário ao Direito. Essa fronteira também já é território incorporado, em largo trecho, ao Direito contemporâneo. Aliás, no Brasil, doutrina e jurisprudência, preponderantemente, afirmam a responsabilidade objetiva como regra de nosso sistema, desde a Constituição de 1946 (art. 194), passando pela Carta de 1967 (art. 105), pela Carta de 1969, dita Emenda 1 à Constituição de 1967 (art. 105), cujos dispositivos, no que a isto concerne, equivalem  ao atual art. 37, § 6º.

Contudo exposto, Medauar (2005) comenta que a responsabilidade estatal, é fundada na obrigação do Estado em reparar os danos por ele causados a bens juridicamente protegidos pertencentes a seus administrados, no desempenho de seus atos ou omissões, tanto lícitos quanto ilícitos. Cabendo ao Estado o dever constitucional de indenizar terceiros lesados por atos praticados por seus agentes pela deficiente consecução das atividades da administração, sem suprimir o direito de regresso estatal contra o causador direto do dano.

Medauar (2005, p. 430) demonstra que:

Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nesta linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal e o nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da administração. Demonstrando o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir.

Carvalho Filho (2009, p. 448) ao tratar da responsabilidade do Estado, também comenta:

Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três  pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. (...) O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano, tanto é indenizável o dano patrimonial como o do dano moral. (...) O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou culpa. (...) O nexo de causalidade é fator de fundamental importância para a atribuição de responsabilidade civil do Estado. (...) A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos - o fato administrativo, o dano e o nexo causal.

Ainda sobre a responsabilidade objetiva do Estado, Sundfeld (2002, p. 181) diz que o Estado não é responsabilizado aleatoriamente, mas perante o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano:

Para, diante de um evento lesivo, configurar-se a responsabilidade estatal, necessária a existência de relação de causa e efeito entre o comportamento do Estado (positivo ou negativo, isto é, uma ação ou omissão) e o dano provocado. A responsabilidade objetiva não faz do Estado um segurador universal, mas apenas o obriga a suportar os prejuízos que gere, direta ou indiretamente [...]. Quando se tratar de dano derivados de comportamento positivo (por ação), pouco importa a juridicidade ou ilegitimidade da conduta estatal: havendo nexo de causalidade entre esta e o dano, surge a vinculação do Estado [...]. Entretanto, quando em pauta a responsabilidade por comportamento negativo, o Estado só responderá se houver omitido dever que lhe tenha sido prescrito pelas normas; não se sua inação for  lícita. É que o ‘conceito de omissão, em direito, está ligado ao de ilicitude’. Sob o ponto de vista jurídico, a mera inação não configura omissão; esta só se apresenta quando, tendo o dever de agir, o sujeito fica inerte.

Diante do exposto, ocorrendo à prisão do agressor, em virtude de representação da mulher baseada nos crimes da lei Maria da Penha, poderá haver responsabilidade civil do Estado.

Sem que antes seja facultado o direito de defesa ao homem, e aplicadas às medidas protetivas de urgência, o agressor poderá sofrer sanção prisional, com o intuito de garantir a segurança física à vítima.

No entanto, perante o fato ocorrido nos ditames da lei Maria da Penha, as ações indenizatórias baseadas em prisão ilegal têm supedâneo na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, incisos LVII, LXV e LXXV), no Código de Processo Penal (art. 630) e no Código Civil de 2002, nos arts. 186, 927, 954 "caput" e parágrafo único.

Art. 5º. [...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...]

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; [...]

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (BRASIL, 1998).

O Código de Processo Penal, ao tratar da ocorrência em revisão criminal:

Art. 630 O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1º. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

§ 2º. A indenização não será devida:

Se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; se a acusação houver sido meramente privada (BRASIL, 1941).

Complementa do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:

- o cárcere privado;

- a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;

- a prisão ilegal (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do Poder Público em cumprir ordem judicial e o evento danoso, qual seja, a prisão ilegal do autor, impõe-se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, conforme descrito por Hentz (1996, p. 70).

Ao entender necessário, para a boa convivência entre o poder do Estado e  o respeito ao direito do cidadão, a menção explícita da possibilidade de indenização por prisão indevida, o legislador buscou um equilíbrio indispensável à vida social por intermédio da boa aplicação do Direito. O intuito principal, numa projeção ainda da dignidade da pessoa humana, proclamada como fundamento do Estado Democrático de Direito que se instaurava, poderá ser visto como o soerguimento da pessoa humana à estatura de único e verdadeiro destinatário das ações estatais. Desse modo, da atuação do Estado não pode advir à coletividade senão benefícios. E a prisão de alguém, sem correspondência com a condenação legítima emanada do órgão estatal com poderes para tanto, fere não só o direito abstratamente considerado, mas também in concreto a esfera de direitos do cidadão protegidos constitucionalmente, como se dá com a liberdade.

Conforme demonstrado por jurisprudência sobre reparação oriunda de caso de decretação de prisão de maneira ilegal, conforme exposto pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme Recurso de Apelação nº 0001934-74.2009.8.19.0033. 1ª Ementa. Des. Célia Meliga Pessoa. Julgamento: 01/04/2011 – 18ª CC.

APELAÇÃO CÍVEL.  RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. DANO MORAL. Sentença de improcedência. Inconformidade recursal que merece acolhida. Em face da teoria do risco administrativo (art. 37, § 6º, da CF), o Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Prova dos autos a demonstrar a indevida restrição da liberdade. Ordem de prisão originariamente legal. Demora de quase 27 anos para seu cumprimento. Prescrição da pretensão punitiva e abolitio criminis. Ordem judicial que impeliu os policiais a efetuaram a prisão, que possuía aparência de legalidade. Todavia, naquele momento, o direito estatal de punir já estava extinto, a impor o reconhecimento de ilegalidade da prisão. Decisão proferida em sede de Habeas Corpus, que ratifica a ilegalidade do ato de prisão. Precedentes do eg. STJ, no sentido de que, para o ressarcimento do particular, basta a discussão sobre a responsabilidade objetiva, sendo desnecessária e irrelevante a verificação da responsabilidade subjetiva do agente causador do dano. Indevido cerceamento do direito de ir e vir e ofensa à dignidade da pessoa humana. Induvidosa responsabilidade civil do Estado. Precedentes do eg. STJ. Dano moral. Ofensa à liberdade e à dignidade da pessoa humana, que não exige a comprovação dos seus reflexos, os quais emergem in re ipsa. Verba indenizatória. Parâmetros. Intensidade do sofrimento da vítima, reprovabilidade do ato do causador do dano e caráter punitivo da reparação. Valor de R$ 20.000,00, que guarda observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além de estar em consonância com a média fixada pelo eg. STJ para casos desse jaez. Art. 557, §1º-A do CPC. Sentença em testilha com jurisprudência dominante do eg. STJ (BRASIL, 2009).

Assim, diante de todo o exposto na CRFB/88 acerca da indenização pelo Estado ao sujeito que for preso ilegalmente, é discursivo o dever de indenização pelo Estado, conforme Hentz (1996, p. 73) explica: “submetido o réu à prisão indevida, não importa o motivo, fará jus à indenização às custas do Estado. O caso é de responsabilidade ex vi legis, atribuindo o legislador obrigação ao poder público.”

Maia Neto (2003, p. 34) informa que o pagamento feito à vítima de indenização resultante de condenação por prisão ilegal, é cabível dentro do orçamento do ente estatal que gerou o dano, conforme se depreende:

No contexto do Estado Democrático de Direito a configuração de um erro judiciário cometido por magistrados ou representantes do Ministério Público, o “quantum” da indenização e/ou o valor monetário do ressarcimento financeiro, não mais deve sair somente dos cofres do Executivo, propriamente dito, como ocorrida outrora, mas sim do orçamento de cada Poder ou instituição estatal. O ordenamento jurídico enquadra esta questão no sistema republicano de governo, seja a nível federal, estadual ou municipal à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios...” (art. 1º CF), assim deve ser respeitada  a divisão dos Poderes, as competências e as atribuições específicas, as previsões orçamentárias definidas na Carta Magna, na Lei de Responsabilidades Fiscais e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, em observância aos princípios da representação popular, da responsabilidade funcional ou administrativa, da indelegabilidade de funções  “no judex ex officio” -, como reitores do Estado Democrático de Direito que proíbe transferências de encargos públicos, delegações de funções judiciais e/ou entre Poderes Públicos.Nesta ótica jurídica e em base a devida aplicação e interpretação do dispositivo constitucional referente ao erro judiciário, todos os agentes políticos, servidores e funcionário públicos estão obrigados a atuarem sob o maior e estrito respeito às leis e à Constituição federal, especialmente no que se refere às garantias fundamentais individuais e coletivas da cidadania.

No caso da prisão do ofendido, em virtude do procedimento jurídico da Lei Maria da Penha, em caso de omissão, o Estado não é o autor do dano pelo simples fato de que não o causou, sendo que sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não a causa, conforme entendimento de Zockun e Freitas (2006).

Sendo assim, considerando-se que se trata de atuação estatal, a responsabilidade civil pelo evento danoso deve ser analisado perante a teoria do risco administrativo, fundamento para a responsabilidade objetiva, preceituada no artigo 37, § 6º, da CRFB/88 (ZOCKUN; FREITAS, 2006).

Assim caberá ao Estado o dever de indenizar o homem, vítima de prisão ilegal, que resultou em virtude da noticia criminosa imputada pela mulher, amparada pelas medidas protestivas descritas na Lei Maria da Penha, como forma de correção de ação incoerente e imprudente.

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