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Habeas data e dados sigilosos:passível de restrição?

Agenda 16/10/2018 às 18:32

O Habeas Data é importante remédio constitucional para assegurar ao cidadão acesso a informações que fazem referências a si próprio, entretanto, será passível de restrição em nome da segurança social e do Estado ?

   

Resumo

No presente estudo, serão analisadas as relações entre o remédio constitucional denominado de Habeas Data e os Dados Sigilosos. Como objetivo, busca-se entendimento sobre a existência ou não de limitação sobre a concessão de Habeas Data, sob o fulcro da segurança social e do Estado, conforme nosso texto maior. Para tanto, será explorado as teses doutrinárias de grande relevo, bem como uma observação da Constituição, visando esclarecer e delimitar a controvérsia sobre o tema. É imprescindível a discussão desta lide doutrinária, uma vez que incide diretamente sobre direitos fundamentais, e, tratando-se de texto constitucional, repercute sobre todo o ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Habeas Data; Dados sigilosos; Segurança Social; Segurança do Estado; Direitos Fundamentais.

Abstract


            In the present study, the relations between the constitutional remedy Habeas Data and the Confidential Data will be analyzed. As an objective, we seek to understand the existence or not of limitation on the granting of Habeas Data, under the social security and state framework, according to our major text. To do so, we will explore the doctrinal theses of great importance, as well as an observation of the Constitution, in order to clarify and delimit the controversy on the subject. It is essential to discuss this doctrinal line, since it directly affects fundamental rights, and, in the case of a constitutional text, it has repercussions over the entire legal system.

Keywords: Habeas Data; Confidential Data; Social Security; State Security; Fundamental rights.

Introdução

O instituto do Habeas Data é uma novidade trazida pela Constituição Federal de 1988, conforme a inteligência do artigo 5°, LXXII, constituindo uma ferramenta para acesso as informações pessoais, pela própria pessoa em questão, em banco de dados públicos, considerando a Lei n. 9.507, de 12.11.1997, que regulamenta o seu procedimento. Entretanto, surge controvérsia doutrinaria, quanto ao cabimento de Habeas Data, sobre dados sigilosos, que apesar de constantes em banco de dados públicos, possuí maior interesse estatal, desta forma, parte da doutrina, entende pela limitação da abrangência do referido remédio constitucional, assentando-se sobre o art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, que ressalva os casos em que incidem sobre a segurança da sociedade e do Estado[2].

Para uma melhor análise, se faz necessário um melhor entendimento do próprio Habeas Data, conforme exposto a seguir.

Do Habeas Data

O Habeas Data, conforme Edson Saleme[3], possuí dupla função, a primeira é a obtenção do próprio dado, inserido em banco de dados público, considerando o termo público em lato sensu, ou seja, banco de dados privados que possuem interesse público, como Serasa (Centralização de Serviços Bancários) e SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), que também poderão ser impetrados. A segunda função é atrelada a possibilidade de retificação dos dados em questão. Concernente ao artigo 5°, LXXII, da CF de 1988:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

           

            Ainda há uma terceira hipótese, conforme Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino[4] prelecionam:

O habeas data encontra-se regulado pela Lei 9.507, de 12 de novembro de 1997, que, no inciso III do seu art. 7.º, acrescentou uma outra hipótese de cabimento da medida, além das constitucionalmente previstas, a saber: "para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

            O Habeas Data tem como função, em suma, consoante a todas as liberdades individuais, limitar o poder estatal. Impedindo que ações discricionárias causem dano aos cidadãos, sejam danos físicos, patrimoniais ou morais. Para tanto, o referido instrumento constitucional, tem como fim garantir amplo conhecimento sobre os dados a seu respeito, impedindo arquivamento sigiloso de dados referentes a filosofia ou ideologia politica dos cidadãos, conforme destaca Alexandre de Moraes em citação a Michel Temer[5], ou qualquer outro tipo de informação.

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            Não há necessidade de motivação para impetração do Habeas data, por se tratar de direito garantido pela constituição, e deve haver a negativa de seu deferimento por parte da administração pública, conforme Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino.[6]

Do Direito à Informação e os Dados Particulares

Para que seja estabelecido, peremptoriamente, os limites do Habeas Data, é imperioso que se faça a diferenciação entre o direito à informação e os dados particulares, portanto, as informações de interesse público são encontradas no art. 5° XXXIII, CF, in verbis:

todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

O direito á informação é corolário do princípio da publicidade, no que tange à administração pública, concedendo direito a qualquer indivíduo, ou grupo de indivíduos, requererem informações sobre dados públicos, como forma de controle do aparelho estatal[7], como contrato de licitação.

Importante discriminação é realizada por Flávia Bahia:[8]

Dados pessoais são aqueles relacionados ao nome, saúde, escolaridade. Trabalho, estado civil, etc. Não confundir dados pessoais com dados públicos de interesse particular. Ex.: informação acerca de data de término da obra na rua da residência do sujeito. Dados públicos que não sejam de natureza pessoal devem ser objeto de mandado de segurança. se for o caso.

Para esta previsão legal, cabe direito de informação (art. 5° XXXIII, CF), impondo ao Estado a obrigação de informar, podendo incorrer em Mandado de Segurança, caso não o faça[9]. O artigo supracitado possuí abrangência maior se comparado ao art. 5°, LXXII, CF, que instituiu o Habeas Data, devido a referir-se à informação de caráter pessoal[10], sendo requerida pelo próprio titular dos dados, portanto, sendo qualificado como personalíssimo.

Do Habeas Data e os Dados Sigilosos

É justamente nesta convergência entre o direito de informação e a restrição imposta pelo art. 5°, XXXIII, CF, que incide grande debate doutrinário. Parte da doutrina entende que, em nome da segurança da sociedade e do Estado, pode-se limitar o acesso á informação, mesmo que para o próprio requerente, tendo como arcabouço jurídico a hipótese alavancada pelo artigo supracitado, in verbis:

ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

Nesta esteira encontram-se: Hely Lopes Meirelles, Diomar Ackel Filho, José Cretella Jr., Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco.[11] [12] [13] [14]

Conforme salienta Alexandre de Moraes, referindo-se à ressalva de Canotilho sobre a Constituição Portuguesa, que expressamente indica a restrição a obtenção de informação:

Canotilho e Vital Moreira afirmam que essa restrição ao conhecimento de dados está submetida aos limites constitucionais, impedindo-se que ‘a pretexto do segredo do Estado, ou do segredo de justiça, os dados pessoais sejam aqui remetidos para um simples domínio interno da administração secreta, livre da lei com inobservância dos princípios fundamentais de transparência, finalidade, proporcionalidade, actualidade e reserva da vida privada e familiar[15]

            Em contrário entendimento, argumenta-se que isto concederia poderes exorbitantes ao Estado, conforme opinião supra exposta, e contrariaria o sentido da própria constituição, uma vez que ela mesmo criou a figura do Habeas Data, e em seu bojo não a restringiu, portanto, está limitação não possuiria embasamento constitucional, limitando um direito fundamental arbitrariamente.[16]

            Para ilustrar e consubstanciar este posicionamento, Alexandre de Moraes explicita o voto vencido do ministro Ilmar Galvão, do antigo Tribunal Federal de Recursos, no HD que tratou desta controvérsia:

Por isso mesmo, a atual CF, ao instituir o habeas data, no art. 5º, LXXII, para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, ou a retificação dos respectivos dados, fê-lo sem qualquer restrição, residindo o malentendido no fato de haver a Consultoria-geral da República conjugado o mencionado dispositivo com o inc. XXXIII, que não trata de informes pessoais, mas de dados objetivos, acerca de outros assuntos porventura de interesse particular ou de interesse coletivo, coisa inteiramente diversa[17]

Importante observar que, o deferimento do Habeas Data em nada prejudica o Estado, uma vez que o impetrante já conhece as informações consideradas sigilosas, por se referirem a sua própria pessoa, e caso estejam erradas, pode retificá-las, servindo, justamente, para melhorar a informação estatal, em consonância ao pensamento do ministro Alexandre de Moraes.[18]

Nesta linha doutrinária, situam-se Alexandre de Moraes, Michel Temer[19], José da Silva Pacheco[20], Vicente Grecco Filho[21].

Contudo, a jurisprudência atual se inclina ao acolhimento da tese em que o Habeas Data não possuí restrição, justamente por ser intrínseco a sua própria finalidade, a liberação da informação. Verba Gratia:

Constitucional e Administrativo. Habeas Data. Concurso Público de Juiz de Direito. Sindicância. Procedimento sigiloso de investigação social. Pedido de Informações. Acesso negado. Conceder-se-á Habeas Data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes do registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público. As limitações constitucionalmente previstas, quanto ao acesso às informações de interesse pessoal ou coletivo, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, não são aplicáveis ao Habeas Data, vez que o direito garantido por esse remédio constitucional não é relativo nem limitado, mas prerrogativa que não admite se lhe oponha qualquer restrição, se preenchidos todos os requisitos exigidos em lei.

(TJ-MA - HD: 81501999 MA, Relator: JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO, Data de Julgamento: 30/04/2002, SAO LUIS)’’

Considerações Finais

Através da observação da controvérsia doutrinária, analisando as diversas opiniões, todas com muita propriedade e apontando as teses adotadas por renomados juristas, podemos constatar, data máxima vênia às posições em contrário, que o judiciário, na atualidade, optou por trilhar o caminho mais correto. Deve-se observar que, a finalidade do remédio constitucional antes analisado, é justamente liberar a informação para o próprio referido por ela, ou seja, não trará malefício a segurança do Estado, porque o paciente já as conhece, trazendo a lúmen a irrestrição deste instituto constitucional, que é verdadeiro direito fundamental, importante liberdade individual, e forte obstáculo ao poder discricionário do Estado. Logo, conclui-se pela total liberdade de conceder Habeas Data, se cumprido os requisitos legais.

Bibliografia

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[1] 

[2] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional– 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas,2017.

[3] SALEME, Edson Ricardo. Direito constitucional - Barueri, SP: Manole, 2011.

[4] DE PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado - 16. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

[5]MOAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op.cit.

[6]DE PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado Op. Cit. Pgs. 227 e 228.

[7]DE PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado Op. Cit.

[8] BAHIA, Flávia. Direito Constitucional. Dourado, Sabrina(coord.). 3ª Edição- Recife, PE: Armador, 2017.

[9]MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op.cit.

[10]Bahia, Flávia. Direito Constitucional. Op.cit.

[11]MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 18.ed. (atualizada por Arnoldo Wald). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

[12]ACKEL FILHO, Diomar. Writs constitucionais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

[13]CRETELLA JR., José. Os writs na Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

[14]MENDES, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional– 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017.

[15]MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op.cit.

[16] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op.cit.

[17] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op.cit.

[18] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.  Op.cit.

[19]TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

[20]PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

[21]GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.

Sobre o autor
Matheus Teodoro

Acadêmico do curso de Direito no Unasp – Centro Universitário Adventista de São Paulo.

Informações sobre o texto

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