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O abuso de direito do credor consoante à teoria dos atos próprios

Atos em abuso de direito, pelo óbvio, implicam em desatendimento do princípio geral de boa-fé objetiva. Existem algumas situações que tem sido padronizada pela doutrina e pela jurisprudência, como evidenciadoras desses abusos de direito.

São considerados atos próprios do credor, ou até mesmo conhecidos ainda como atos emulativo, àqueles praticados com abuso de direito.

No anterior Código Civil de 1.916, muito se discutia no que se remetia a sua natureza jurídica. No entanto, atualmente com o Código Civil de 2002 vigente, este tema tem sido abarcado de modo categórico em seu disposto legal, artigo 187 CC/02, onde afirma que “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Como advogado no âmbito civil, compreendo que no processo civil esses atos próprios, como não poderia deixar de ser, são contrários ao princípio da boa-fé objetiva, dever geral de probidade que nos é imposto pelo artigo 422 CC, que diz que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Esses atos em abuso de direito, pelo óbvio, implicam em desatendimento do princípio geral de boa-fé objetiva. Existem algumas situações que tem sido padronizada pela doutrina e pela jurisprudência, como evidenciadoras desses abusos de direito.

São elas a vedação de comportamentos contraditórios “venire contra factum proprium”, a vedação da surpresa por conduta inesperada “tu quoque”, o dever de mitigar as próprias perdas que se encontra elencado no enunciado nº 169 das Jornadas de Direito Civil, conhecido pelo brocardo anglo-saxão duty to mitigate the loss, a substancial performance, adimplemento substancial que evidencia abuso do direito do credor em retomar a coisa quando parcelas substanciais do contrato já foram quitadas.

Temos ainda a supressio e surrectio, onde na supressio abandona-se a posição jurídica a que se tem direito, por razoável lapso de tempo, mas após, para causar prejuízo ao outro, exercer o direito abusivamente se um perde por supressio o direito nessas condições a outra parte prejudicada passa ter uma direito nascido, surreição “surrectio”, no sentido contrário.

É sabido lembrar, no que tange o venire contra factum proprium, este impende ponderar que implica em verdadeiro desdobramento do princípio da confiança, não se admitindo que, após se gerar certa expectativa na outra parte se altere o comportamento.

A proibição de comportamento contraditório, O nemo potest venire contra factum proprium, é uma modalidade de abuso de direito que surge da violação do princípio da confiança decorrente da função integrativa da boa fé objetiva conforme disposto no artigo 422, do CC/02, desse modo, a vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer seu próprio comportamento, após ter produzido em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois, a proibição da inesperada mudança de comportamento, vedando uma incoerência, e contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros.

Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa, nesta esteira, a vedação do comportamento contraditório tem ganho tal relevância que, inclusive, tem se espraiado para outras esferas do direito.

Atualmente a  jurisprudência dos Tribunais Superiores tem reconhecido tal dever até mesmo no processo penal, impedindo seja acusação ou a defesa do réu de se portarem em desacordo com o venire contra factum proprium.

Vejamos um exemplo a cerca do tema;

HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. RÉU FORAGIDO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO. PROCESSO NA FASE DE ALEGAÇÕES FINAIS.

1 – À luz do disposto no art. 105 da Constituição Federal, esta Corte de Justiça não vem mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, recurso especial, ou revisão criminal, sob pena de se frustrar sua celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional.

2 – Uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante, nada obsta que seja deferida ordem de ofício, como forma de coarctar o constrangimento ilegal, situação inocorrente na espécie.

3 – Improcede a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, pois o processo, além de complexo, envolve vários réus, circunstância que exigiu o desmembramento dos autos e a expedição de cartas precatórias, encontrando-se o feito já na fase de alegações finais (Súmula nº 52 do STJ).

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4 – Ademais, o paciente encontra-se foragido. O processo penal não se compraz com comportamentos contraditórios (“venire contra factum proprium”). O réu que rejeita submeter-se à determinação judicial de prisão cautelar não pode valer-se da alegação de excesso de prazo.

5 – Ordem não conhecida.

Em assonância, como deriva do princípio da confiança, que permeia o direito público, também não tem sido incomum encontrar-se julgados no âmbito do direito tributário e do direito administrativo versando sobre a questão da incidência do venire contra factum proprium, como igualmente se cuida de princípio acolhido no processo do trabalho.

Dentre essas condutas abusivas, ainda se encontra a vedação do que se tem denominado o duty to mitigate the loss, ou “dever do credor de minimizar as próprias perdas”, mencionado no Enunciado nº 169 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal’. Estes são exemplos de abusos corriqueiramente verificados no dia a dia. Muito comuns em ações de acidente de veículos.

Por exemplo, alguém que tem um carro muito usado, bastante antigo, sem originalidade nenhuma, mas que, em colisão com veículo de empresa de transportes, busca fazer três orçamentos para reparos em empresas que reparam e restauram automóveis de luxo e concessionárias de veículos importados. Certamente os valores serão extorsivos ante o que se buscaria em oficinas mais modestas que consertariam o carro, com qualidade.

De igual sorte, ao invés de se buscar melhores preços no google, a suposta vítima, vai a casa de peças originais de fábrica, este, obviamente que se busca utilizar de uma esperteza, onerando-se desmedidamente quem vai indenizar, e, muitas vezes, após a procedência da ação e o percebimento de valores nababescos, constata-se que a vítima, às mais das vezes, acaba fazendo o serviço nos estabelecimentos que cobram preços mais módicos, com peças do mercado paralelo.

Tal conduta é abusiva, oneram-se propositadamente as próprias perdas, que deveriam ter sido mitigadas, o que se busca, geralmente, seria o enriquecimento sem causa, outra providência vedada por lei, conforme disposto no artigo 884CC, onde “aquele que, sem justa causa, se enriquecer a custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

Para os fins objetivados no presente estudo, conceitua-se duty to mitigate the loss como a possibilidade de se exigir da vítima um comportamento voltado para a minimização da ofensa que lhe foi provocada de forma antijurídica, mediante o emprego de medidas razoáveis.

Este conceito, partiu-se da consideração de que o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a lesão suportada pela vítima restou consolidado e, ainda assim, poder-se-á exigir do ofendido uma atuação visando à redução do próprio prejuízo, beneficiando, com isso, o ofensor, que, então, pagará uma indenização menor justamente em virtude de um comportamento da vítima que, igualmente, será beneficiada pela redução do seu dano, devendo os seus esforços serem recompensados, por meio do ressarcimento do montante empregado para a minimização do prejuízo, havendo ainda que se considerar a vantagem da redução do custo social que, inevitavelmente, todo o dano representa.

Neste sentido, vale relembrar as expressões Supressio e surrectio, estas, relacionam-se com supressão, que diz respeito à perda e nascimento, como ressurectio, ressureição que significa nascer de novo. Estas expressões, significa dizer que se supre o direito de um que apenas o utiliza abusivamente após longo abandono, fazendo nascer para o outro, um direito no mesmo sentido.

Muitas situações tem autorizado o reconhecimento da supressio e da ressurectio no direito brasileiro, como pensões de ex-cônjuges ou mesmo filhos que não são executada durante anos e depois se busca tudo de uma só vez, nos casos onde proprietários de imóveis ocupados que vem reclamar da invasão quando se avizinha o lapso de usucapião, perdendo tutela possessória, eis que permitiram a ocupação por anos a fio etc.

Por fim, mas não menos importante, tem-se considerado prática abusiva quando o credor retoma o bem quando a dívida está quase toda adimplida.

Não que o credor não possa receber seu crédito, o abuso estaria na pretensão de retomar todo o bem quando ocorre esse adimplemento substancial.

Tal tese vem sendo amplamente acatada pelo Superior Tribunal de Justiça como se observa, por exemplo, no julgamento do REsp 1051270-RS, 4ª Turma, Ministro Luiz Felipe Salomão, reafirmando posicionamento anterior do Tribunal, vejamos:

“ALIENAÇÃO FÍDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial.

O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante.

O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso.

Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.

Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse.

Recurso não conhecido.”  Recurso Especial no 76.362-MT, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Com todo exposto, pode-se observar, a inércia do credor em exercer seu direito subjetivo de crédito por tão longo tempo, e a consequente expectativa que esse comportamento gera no devedor, em interpretação conforme a boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do direito do credor, com base no instituto da supressio.

Sobre os autores
Wander Barbosa

Advocacia Especializada em Franchising ****DIREITO EMPRESARIAL**** ****DIREITO CIVIL***** ****DIREITO PENAL**** ****DIREITO DE FAMÍLIA**** Pós Graduado em Direito Processual Civil pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela EPD - Escola Paulista de Direito Pós Graduado em Recuperação Judicial e Falências - EPM - Escola Paulista da Magistratura Autor de Dezenas de Artigos publicados nas importantes mídias: Conjur | Lexml | Jus Brasil | Jus Navigandi | Jurídico Certo

Manoela Alexandre do Nascimento

Assistente Jurídica, escritório de advocacia Wander Barbosa

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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