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Ação, pretensão e execução

Vários temas sobre ação, pretensão e execução são tratados de forma diferente das percepções tradicionais

Ação, pretensão e execução

Introdução

Direito é poder jurídico; e um poder só é jurídico se for dotado de coerção: caso violado puder ser reconhecido/realizado coativamente pelo Estado. Um poder carente de coerção não é, na acepção jurídica, um direito. E porque o uso legítimo da força (a coerção) é exclusivo do Estado, ficou coibida a justiça privada, e a função de dizer/realizar – se necessário de modo coativo – o direito passou ao exercício exclusivo do Estado, cuja atuação, na seara privada, se faz mediante provocação de quem alegue a violação do direito. Esse poder de provocação da atividade jurisdicional é o direito de ação, que é público subjetivo (do jurisdicionado em face do Estado, o detentor do uso legítimo da força) e abstrato (meio único para veiculação de pretensão relativa a qualquer direito violado).

Ação e pretensão

Quando se diz ação declaratória, ação condenatória, ação constitutiva, ou mesmo subespécies como ação de usucapião, ação de cobrança, ação de investigação de paternidade, com isso apenas se quer expressar a natureza da pretensão material veiculada a juízo. Aquilo que se pretende em juízo, de teor material (fundado na relação jurídico-material do caso litigioso), é que pode – e convém – ser classificado em declaratório, condenatório e constitutivo, a depender da pretensão veiculada.

            Ao ver do ensaísta, a ação é o gatilho de deflação do processo, portanto meio de propulsão da pretensão, tendo como momento de materialização a protocolização da petição inicial. O modo como os atos do processo se desenrolam é procedimento. Se a preordenação dos atos for para obtenção de um provimento final declaratório, constitutivo ou condenatório – que poderá ter um procedimento comum ou especial – o processo será de conhecimento (bem melhor é a designação reconhecimento). Sendo o processo preordenado à realização de obrigação certa, líquida e exigível, constante de um dos instrumentos previstos em lei, tem-se um processo executivo autônomo. A execução também se faz em fase do processo de (re)conhecimento: a chamada execução ou cumprimento de sentença (em alguns casos a execução de decisão judicial comporta atos típicos da execução em processo autônomo: a citação, mas, ainda assim, a defesa se faz por impugnação; na realidade, o novo CPC bem que poderia se ter despido dos formalismos estéreis que sustentam dois modos de execução, perfeitamente passíveis de fusão em um só, apenas destacando alguns diferenciais  na disciplina una. A unificação romperia o tradicionalismo exacerbado e improdutivo.

             Embora única (gatilho de deflagração do processo), a ação veicula, todavia, as mais variadas pretensões, que são imanências de direitos materiais. O procedimento, modo como o processo tramita, guarda conformação com o direito material que suporta a pretensão ajuizada, pois é através do processo e na forma do procedimento pertinente que se opera o reconhecimento/realização do direito material violado.

            A rigor, não é correto falar-se em classificação de ações; classificam-se, sim, pretensões: pretensão ao reconhecimento da existência/inexistência de uma relação jurídica ou do modo de ser de uma situação jurídica; pretensão à imposição de  satisfação de prestação devida; e pretensão à obtenção de uma situação jurídica em face de quem a ela está sujeito, e mediante alteração/extinção de situação existente. Classificar ações é figura de linguagem: dá-se o continente (ação) pelo conteúdo (pretensão).

            De outra parte, tem-se como didática e rendosa a classificação usual em direitos a prestação, cuja violação faz emergir pretensão a um provimento condenatório, e direitos a situação jurídica (os chamados direitos potestativos ou formativos), cujo exercício se dá para obtenção, pelo só provimento jurisdicional, de uma situação jurídica nova mediante alteração/extinção de outra já existente.

            A pretensão é declaratória quando se queira apenas a certificação da existência/inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica, estende-se a qualquer das duas espécies de direito: direito a prestação ou direito a situação jurídica.

            Veiculada uma pretensão condenatória, o acionante quer que o juízo imponha ao acionado a satisfação de uma prestação devida e exigível. Se condenado, o acionado deverá satisfazê-la voluntariamente a prestação imposta, no prazo estabelecido; não o fazendo; se seguirão atos materiais, em nova fase do mesmo processo, para sua realização coativa.

            Se a pretensão for constitutiva, o acionante quer do juízo a alteração/extinção  de uma situação jurídica, constituindo uma nova em face de acionado, e isso independente de colaboração deste. O provimento final que acolhe a pretensão opera independente de conduta do acionado-sucumbente: por si só constitui a situação jurídica nova (o provimento opera no mundo das normas e só por decorrência haverá reflexos no dos fatos; quando muito poderá haver necessidade de providências registrais, que se farão à vista do provimento ou de positivação dele; por isso, dispensa-se a instauração de nova fase processual para a realização do direito). Quando, em razão da sentença constitutiva, houver algo dependente de realização material, essa parte do julgado será um efeito anexo ou acessório: é possível a execução de um dever de prestação decorrente de sentença constitutiva, mas isso é distinto da constituição em si mesma.

            Assim também ocorre quando se trata de pretensão declaratória; acolhida esta, instala-se com o só provimento a certeza da existência/inexistência da relação jurídica objeto da declaração.

            A pretensão não é, como visto, exclusiva das ações condenatórias. E, por isso, parece desacertada percepção como esta:

A decadência está atrelada, fundamentalmente, aos direitos potestativos. É que sendo exercidos através de mera manifestação de vontade do próprio titular, independendo da submissão de terceiros, inadmitem os direitos potestativos violação e, via de conseqüência, não trazem consigo pretensão (típica dos direitos subjetivos – que, por isso, submetem-se a prazos prescricionais).  (Nelson Rosenval et al. Curso de Direito Civil. et al. P. 575) 

            A rigor, os direitos potestativos (ou formativos) não se exercem pela vontade exclusiva do titular. Seu exercício se faz por meio de provimento jurisdicional constitutivo. O titular do direito formativo, para exercê-lo, deve ajuizar a pretensão constitutiva. É o provimento jurisdicional que opera seu exercício: constitui a situação jurídica nova pretendida. Também é ao provimento que se submete o acionado independentemente de qualquer colaboração sua (não carece de execução, ou melhor, executa-se por si), e não à simples vontade do acionante. (Salvo melhor juízo, parece adequado entender que nos procedimentos de jurisdição voluntária há pretensões constitutivas despidas de litigiosidade; em alguns casos, emergindo litígio, dá-se a conversão em procedimento contencioso.)

            Pelo entendimento exposto nestes ensaios, a ação apenas veicula (propele) a pretensão emergente do direito material nucleado no caso litigioso. E quando nasce a pretensão? Nos direitos a prestação, a pretensão condenatória deve ser exercida a partir do momento em que se caracteriza o descumprimento da prestação devida; nos direitos a situação, a pretensão deve ser ajuizada a partir do momento em que fica positivada a recusa do sujeito passivo de cooperar voluntariamente para a alteração/extinção de situação jurídica, para constituição da nova. Em regra, a norma que institui o direito formativo, estabelece prazo ao seu exercício, e também explicita o termo inicial de seu exercício; na falta dessa previsão, é certo que o direito formativo não tem prazo extintivo de exercício (não decai: decair é o nome específico do prazo extintivo relativo ao exercício do direito formativo).

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            Suponho incorreta a lição rotineira de que apenas as ações relativas às pretensões constitutivas são necessárias. De fato, a parte não pode por si mesma, sem colaboração da outra, constituir a situação jurídica nova pretendida. Mas também precisa ser ponderado que, havendo resistência do devedor à satisfação voluntária da prestação exigível, não pode o credor por si só forçar o cumprimento; terá de ajuizar a pretensão condenatória para compelir o devedor a tanto (só que, nesse caso, haverá uma fase processual para a realização material da prestação não satisfeita voluntariamente, embora imposta sentencialmente). Cumpre ver igualmente que, criada a incerteza acerca de uma relação ou situação jurídica, não pode o titular do direito estabelecer a certeza por si.

As ditas condições da ação

Como dito antes, a ação nada mais é que o gatilho de deflação do processo, veiculando pretensão. Ela é una: o meio de provocar o processo – qualquer que seja a pretensão –, onde se exercerá a atividade jurisdicional com vistas ao exame, no provimento final, da pretensão veiculada. A despeito de ser postulação de acolhimento da pretensão, é claro que o provimento final pode ser de rejeição dela. Num caso ou no noutro, o juízo solucionará o caso litigioso.

            Daí decorre que, a partir da propositura da ação, o que passa a tramitar não é a ação, mas, sim, a pretensão, que será solucionada pelo provimento final. É em função da pretensão que se desenha o procedimento. Mas para que a pretensão possa tramitar, deve satisfazer certos requisitos, que chamo de requisitos de procedibilidade: legitimidade das partes quanto à pretensão, possibilidade jurídica da pretensão e interesse de agir em razão da pretensão. Mesmo quando o processo é extinto sem julgamento de mérito, a ação foi exercida e o processo foi deflagrado, tanto que foi extinto; mas a pretensão não tramitou. Assim, claramente, esses requisitos não concernem à ação, e, sim, à procedibilidade da pretensão, os quais, se ausentes, impedem o exame final de procedência ou improcedência da pretensão.

            Os requisitos de procedibilidade da pretensão se revelam uma espécie de janela pela qual se visualiza, à luz das afirmações da inicial, a relação jurídico-material que a suporta: se autor e réu detêm titularidade nessa relação; se a pretensão deduzida é, em tese, possível pelo ordenamento jurídico (possibilidade jurídica do pedido); e se há necessidade/utilidade no ajuizamento da pretensão (interesse de agir). Presentes esses requisitos, o processo poderá, sob esses aspectos, tramitar rumo ao julgamento de mérito no provimento final; ausente qualquer deles, o processo será extinto de logo e, portanto, não tramitará até o julgamento de mérito. 

            Vê-se, assim, cumpre repetir, que não se trata de condições da ação, mas, sim, de requisitos de procedibilidade da pretensão.

Ação condenatória e fase de cumprimento

 A execução é a realização coativa de prestação devida, quer seja imposta jurisdicionalmente (execução de título judicial ou cumprimento de sentença), quer conste de instrumento escrito, de determinado conteúdo, a que a lei confira força executiva (títulos executivos extrajudiciais). No primeiro caso, tem-se execução em fase do procedimento cognitivo (processo sincrético); no segundo, a execução em processo autônomo. Provimento declaratório não impõe ao acionado a satisfação de prestação; confere certeza de existência/inexistência à relação jurídica litigiosa (excepcionalmente a fato: falsidade/veracidade de documento e tempo serviço para fim previdenciário). De igual modo, o provimento que cria situação jurídica, pois a constituição independe de qualquer colaboração do acionado-sucumbente.

            Daí a execução de título judicial – dita execução de sentença – estar restrita a provimento condenatório. Ainda que hoje se tenda a admitir que provimento declaratório dê lugar a fase de cumprimento quando declara a existência de um direito a uma prestação – a declaração torna certa a obrigação; assim, quando muito, se exigirá aí a liquidação e a fixação da exigibilidade; essa execução certamente enfrentará grandes percalços na liquidação da sentença: fase antecedente à propriamente executiva.

            Os atos de execução são predominantemente materiais: em vez de meros provimentos (pronunciamentos com implicações apenas no mundo jurídico), importam, de fato, invasão física da esfera jurídica do condenado. Consistem eles, pois, em medidas executivas, que, por natureza, são coercitivas. Destinam-se à satisfação específica da prestação imposta ou, na impossibilidade disso, à obtenção de resultado prático equivalente, e, só em última instância (ou por vontade expressa do titular do direito), reparação pelo equivalente monetário (indenização).

            As medidas coercitivo-executivas podem ser:

I – de substituição (medidas executivas substitutivas: aquelas que substituem a vontade do condenado recalcitrante, dando-se a satisfação da prestação mediante atos do próprio juízo e prescindindo de conduta do condenado; consistem elas em apossamento – realizado por busca e apreensão de móvel e imissão na posse de imóvel –, expropriação (conversão de bem em dinheiro para satisfação do crédito), remoção de coisas, busca e apreensão, interdição de estabelecimento, impedimento de atividade nociva, fazimento ou desfazimento de obra por outrem à custa do condenado ou assemelhado, ou qualquer providência que importe realização da prestação por atos ou determinações do juízo;

II – de indução (medidas executivas indutivas: aquelas que, pondo o condenado recalcitrante em situação de desvantagem, tendem a induzi-lo à realização da prestação, ainda que a contragosto (desde que não impliquem compelimento físico): multa (por tempo de atraso – em regra, por dia – no cumprimento da prestação imposta) e até prisão civil (se e quando houver expressa previsão legal de acordo com a Constituição). (A prisão civil como medida executiva indutiva, não tem caráter punitivo, diferentemente da prisão penal – prende-se para castigar –, daí que, satisfeita a prestação pelo devedor recalcitrante, deve cessar imediatamente a coerção.)

            A requisição de força policial é medida de apoio, aquela de que o juízo se serve para respaldar as medidas coercitivas propriamente ditas.

            Cumpre reter que toda realização coativa de prestação devida é execução e acrescer que sejam as medidas executivas indutivas ou substitutivas (ditas também sub-rogatórias) a execução é direta. Parece equivocado dizer que uma execução é indireta porque as medidas executivas adotáveis são indutivas. A final de contas, induzir é rigorosamente modo de forçar o cumprimento; portanto, execução direta.

Sentença executiva

Afronta a realidade dizer que há, em processo cognitivo, sentença executiva, correlata a uma pretensão declaratório-executiva. A rigor, a distorce. Apesar de sua adoção por renomados acadêmicos, essa idéia merece reparos, e não calha distinção entre execução direita e execução indireta. Execução é realização coativa de prestação imposta, seja por substituição, seja por indução. Em qualquer delas há recalcitrância do condenado à realização da prestação imposta e também há medidas coercitivas para coagi-lo à satisfação forçada dela.

            Somente calharia falar-se em sentença executiva autônoma, se houvesse provimento final condenatório que por si só realizasse a prestação imposta na sentença condenatória (enfatize-se: independente de qualquer medida coativa além do conteúdo condenatório da sentença). Uma “medida executiva indireta” e, portanto, uma “execução indireta” não prescinde de ato(s) do condenado; se ele recalcitra, se terá de adentrar a fase de execução para obtenção da prestação imposta (entregar coisa, fazer ou não fazer algo). E isso é execução (realização coativa da prestação imposta), decorrente de um provimento final condenatório. Indução é também modo de execução.

            Daí, a despeito de influente corrente doutrinária sustentar uma classificação quinária das ações (na realidade, pretensões), não há, além das três tradicionais de conhecimento, outras que sejam realmente executiva ou mandamental.

            Todo processo cognitivo-condenatório, seja qual for a prestação imposta (pagar quantia, entregar coisa, fazer ou não fazer algo) deságua em fase de execução (cumprimento de sentença), se a prestação imposta não for satisfeita voluntariamente, no prazo estabelecido. Não se conhece sentença que, a exemplo das declaratórias e constitutivas, já realize por si e de logo o que determina. A sentença, por exemplo, que julga procedente despejo, rigorosamente não é executiva. Ela é constitutiva e tem o efeito anexo de condenação à restituição do bem locado (uma condenação anexa); se isso não ocorre, no prazo estipulado, segue-se o despejo, que é um modo de execução da obrigação de dar coisa distinta de dinheiro.           

            O novo CPC, a esse propósito, em vez de adotar uma percepção realista (ou menos dogmática), optou por encampar a corrente doutrinária atualmente dominante: tratar como se não fora uma execução o cumprimento de sentença que impõe prestação de fazer, não-fazer e dar coisa distinta de dinheiro. Também, de modo inusitado, confere ao juiz poder de iniciá-lo de ofício. Por essa percepção, o procedimento de cumprimento já se inicia na sentença, onde já se fixa a multa ou outra medida executiva para o caso de, a despeito da indução, não haver satisfação voluntária da obrigação imposta. Prossegue com a manipulação, se necessário, de um granel de medidas executivas postas ao talante do juiz, num grande espaço combinado de discricionariedade e atipicidade. Certamente isso evitável, e com ganhos.

            Seria bem mais lógico – menos dogmático – que se falasse em execução da condenação (como está no art. 523 do CPC), qualquer que fosse a natureza da obrigação (pagar, fazer, não-fazer ou dar coisa) imposta, e, por isso, se intimasse o condenado, por seu advogado, para satisfazer voluntariamente a prestação no prazo de 15 dias, sob pena de penhora, multa diária (ou outra medida apropriada), busca e apreensão ou imissão na posse, a depender da natureza da obrigação imposta. E, em vez do circunlóquio do CPC (“sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação de...”), reservasse um artigo de lei para dizer que ensejariam execução até mesmo as sentenças declaratórias que reconhecessem obrigação certa e exigível, desde que líquida ou liquidável.

            Embora possa parecer radical, é, todavia, sensato que toda execução – em fase no processo sincrético ou em processo autônomo – fosse disciplinada no livro II do CPC, o processo de execução. São tantas as regras comuns e tão poucas as diferenças que valeria a pena (seria sensato, econômico e célere) uma disciplina una com o destaque das particularidades de cada espécie.

Sentença mandamental

Quanto à sentença mandamental, suponho que ela nada mais é que uma sub-espécie de sentença condenatória: a condenatória mandamental, comum em mandado de segurança. O que torna mandamental esse tipo de sentença não é o seu conteúdo – em razão do qual ela é simplesmente condenatória –, mas a situação singular em que é posto o condenado e o modo peculiar da execução do mandamento: condenado um agente público a satisfazer um dever jurídico em razão da prática de ato violador, não há possibilidade de satisfação do dever por outrem à sua custa nem de conversão da prestação específica em perdas e danos. É imperativo o cumprimento do dever jurídico específico por quem condenado, sob pena de crime de desobediência e prisão em flagrante.

            Com ligeiro reparo (quanto à afirmação de não haver condenação), é profundamente esclarecedora a lição de Aurelli: 

[...] a ação de tipo mandamental [...] caracteriza-se como verdadeira ordem, a qual se descumprida não gera conversão em perdas e danos, mas sim caracterizará crime de desobediência à ordem judicial.

[...]

[...] nas ações mandamentais, o juiz profere uma ordem a ser observada pelo  demandado, ou seja, o juiz ‘não condena, mas apenas ordena’. O juiz determina a prática de ato que somente o réu poderia cumprir e ninguém mais. O réu fica sujeito à estatalidade do juiz, não podendo se recusar a obedecer. Se o fizer, estará sujeito a sanções disciplinares e penais. (Aurelli, Arlete Inês. Condições da ação para o exercício da reclamação constitucional. In: Reclamação constitucional. (Org.) Pedro Henrique Pedrosa Nogueira e Eduardo José da Fonseca Costa Salvador: Editora JusPodivm, 2013, p. 32)

            Do visto se extrai que a sentença condenatória será mandamental quando, a prestação de fazer ou não fazer (condenação) imposta não puder se converter em equivalente monetário (perdas e danos), pois ao condenado só restará satisfazê-la. E, assim sendo, haverá indução (sob pena de prisão – e não apenas civil – e sanções disciplinares), podendo ainda o agente responder por perdas e danos decorrentes da recusa.

            É típica desse tipo de sentença a que se profere em mandado de segurança: pelo art. 26 da lei que o regula, “[c]onstitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.”

            Resta ver, todavia, que nem toda sentença definitiva de procedência em mandado de segurança é mandamental. Só será desse tipo quando for condenatória. É que, em mandado de segurança, também existem sentenças declaratória e constitutiva; aí, não há que se falar em mandamentalidade. Sobre essa distinção calha à perfeição o ensinamento do professor Freitas Câmara:

[...] a sentença mandamental deve ser reconhecida como uma subespécie de sentença condenatória. E isso se diz porque a sentença mandamental tem a mesma estrutura lógica (ou seja, o mesmo conteúdo) de qualquer sentença condenatória: um primeiro  momento lógico, declaratório da existência do direito do demandante; seguido de um segundo momento lógico, em que se impõe ao demandado o cumprimente um dever jurídico. (Câmara, Alexandre Freitas. Manual do Mandado de Segurança. 1e. São Paulo: Ed. Atlas. 2013, p. 218)

Consequência que daí se extrai inevitavelmente é que a sentença de procedência do pedido no processo de mandado de segurança não é necessariamente “mandamental” (embora até possa ter essa natureza). A sentença de procedência do pedido de mandado de segurança poderá, conforme o caso, ser declaratória, constitutiva ou condenatória (e, neste último caso, será uma condenação mandamental), tudo a depender da providência que se tenha pedido ao órgão jurisdicional.

Nesse sentido, já houve quem tenha, em respeitada sede doutrinária, afirmado que “a sentença no mandado de segurança tanto pode ser declaratória, como constitutiva, ou condenatória, dependendo do impetrante”. E assim, realmente é. A sentença que acolhe o pedido formulado em sede de mandado de segurança será, conforme o caso, meramente declaratória, constitutiva ou condenatória.

Será meramente declaratória a sentença quando a pretensão do impetrante acolhida pelo órgão jurisdicional – for, tão somente, a de declaração de nulidade do ato administrativo. É que a invalidação do ato administrativo nulo opera efeitos ex tunc, tudo retornando ao estado anterior.

 De outro lado, será constitutiva a sentença quando, por exemplo, cassar o ato pelo qual se eliminou de concurso público um candidato. E, por fim, será condenatória a sentença (condenação mandamental) quando, por exemplo, se determinar à Administração que dê posse a um candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital do certame (ob. cit., p. 220/221).

            A propósito dessas distinções, cumpre ver que a sentença dada em via de mandado de segurança não pode ser ontologicamente distinta daquela obtida na via ordinária após o transcurso do prazo (extintivo) de 120 dias.

            Aliás, é preciso enxergar que, com o novo CPC, toda sentença que imponha obrigação de fazer ou não fazer (ou reconheça a exigibilidade de qualquer dever jurídico) será mandamental, posto que o art. 536, § 3º, prescreve que, se o executado descumprir a ordem judicial, incorrerá em crime de desobediência (além de litigância de má-fé).

           

Sobre os autores
Erivaldo Santana

Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Ceará. Ex-Promotor de Justiça do MP do Ceará. Juiz inativo do Trabalho do TRT7. Integrante do escritório de advocacia Santana e Basílio, em Brejo Santo/CE. E-mail: eri.bs@bol.com.br

Sérgio Vasconcelos Santana

Graduado pela PUC-PE e prós-graduado em Direito Civil pela URCA. Advogado no escritório Basílio e Santana, em Brejo Santo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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