Mandado de Segurança
O que é mesmo o mandado de segurança?
O texto constitucional que institui o mandado de segurança vem assim redigido:
conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (CR, art. 5º,LXIX)
Do simples texto não se extrai o que realmente seja um mandado de segurança (MS). O líquido e certo designativo do direito que se quer assegurar já conta com significo bem diverso em ciência jurídica: usa-se para precisar o objeto de uma obrigação. Portanto, está aí mal usado. O texto também omite o modo como se deve fazer a asseguração do tal direito líquido e certo, quando violado. Ainda bem que o longo debate da garantia historicamente pleiteada forjou as balizas necessárias ao seu traçado legal, indevidamente deixado a cargo do legislador ordinário.
Mas, o que é mesmo direito líquido e certo? É difícil, talvez impossível, entender o que seja direito líquido e certo fora de sua correlação com o procedimento em que se dá sua asseguração: uma prestação jurisdicional diferenciada, como se deve esperar de uma garantia de estatura constitucional. Ainda que se queira assegurar de modo fácil e ágil um direito lesado, isso será inviável se sua demonstração exigir dilações probatórias. Por isso, o mandado de segurança (ou o que se convencionou chamar assim) está ligado à idéia de amparo a direito que conta com prova pré-constituída de sua existência – prova que já acompanhe a petição inicial de sua propositura. E, pelo visto, o dito direito líquido e certo não é uma categoria especial de direito material, mas simplesmente qualquer direito material que, uma vez lesado, pode ser amparado em procedimento simples e ágil, porque conta com prova pré-constituída. A tônica, pois, está na dimensão processual do fenômeno.
Dá para ver que, em ciência jurídica, líquido e certo é uma expressão processualmente inadequada àquilo que se quer designar (liquidez e certeza, desde sempre, concernem à determinação do valor/objeto de prestação devida). Ademais, leva ao equívoco de que se trata de uma categoria de direito material. Como o foco é o aspecto procedimental, correto será falar-se em direito evidente; esse, sim, o termo apropriado a expressar o real aspecto do fenômeno, essencialmente processual: um procedimento sem instrução probatória porque o direito que se quer proteger já conta com prova pré-constituída.
Aí está, pois, o monstro sagrado chamado Mandado de Segurança (MS), que, além dos senões constitucionais, tornou-se atualmente um complicador da vida dos jurisdicionados. Não mais significa a grande solução que foi ao tempo em que surgiu.
Origem
Em fins do século XIX (na fase militar pós-monarquia: nos governos dos marechais Deodoro e, sobretudo, Floriano), ocorreram no Brasil violações de direitos pelo mandante da vez que expuseram a aguda carência de um meio processual apto a dispensar proteção jurisdicional célere.
Objetivando um amparo rápido, advogados dos lesados conceberam a utilização do “habeas corpus” nos casos, por sua conhecida simplicidade e celeridade. Por isso, naquela conjuntura histórica, surgiram intensos debates doutrinários e forenses acerca de qual o instrumento era idôneo à defesa de direitos pessoais lesados ou ameaçados, dotados de certas características.
Sobre esse embate, diz Câmara:
Admitida que fosse a tese da posse dos direitos pessoais, sempre que um desses direitos fosse violado, ou estivesse na iminência de o ser, seria possível lançar mão dos interditos possessórios (como fez Ruy Barbosa no caso [...] dos professores da Escola Politécnica do Rio de Janeiro). Esta tese, porém, não deve prevalecer. O entendimento hoje mais aceito - corretamente, registre-se - é o de que a posse só incide sobre bens que podem ser objeto de direitos reais.
Inviável que se mostrou a utilização dos interditos possessórios para a defesa de direitos pessoais perante a Administração Pública, passou-se a utilizar o habeas corpus para tal fim. E tudo se deu a partir do disposto no art. 72, § 22, da Constituição da República de 1891, [...] [que] não estabelecia qualquer ligação entre o habeas corpus e a proteção da liberdade de locomoção. E isso permitiu o surgimento daquilo que ficaria conhecido como doutrina brasileira do habeas corpus (Câmara, Alexandre de Freitas. Manual de mandado de segurança. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 4)
A lacuna e o impasse permaneceram até a Constituição de 1934, quando, em oportuna inovação cultural, criou-se o chamado mandado de segurança (MS). Instrumento específico, merecedor de disciplina à parte, e cujos traços marcantes permanecem até hoje. Com o MS também se criou um mito. Embora avançado para a época em que nasceu, hoje, com os avanços do processo civil, exibe senões manifestos. Para que desvaneça, de logo, a fantasia do mito, atente que ele, descontados os floreios, é apenas aquilo que se viu antes: um procedimento singelo e rápido.
A disciplina do MS está na Lei n. 12.016/2009, que reproduz a Lei n. 1.533/1951 (e seus acrescidos pelas Leis n. 4.348/64 e n. 5.021/66), com incorporação da jurisprudência sedimentada em torno da matéria. É pena que já depois de todas as reformas processuais pós-1994 do CPC/73, a Lei n. 12.016/2009 não tenha enxergado aí algo aproveitável para inovar o avoengo MS – com a disciplina da tutela de evidência no novo CPC, a Lei n. 12.016/2009 perdeu sentido.
Em apertada síntese: o dito MS nada mais é do que o direito a um procedimento simples e ágil, para cognição de um direito lesado ou ameaçado por ato de agente público; mas esse procedimento só poderá ser singelo e rápido, se o direito alegado não depender dilação probatória, ou seja, não necessitar de outras provas senão as já produzidas com a petição inicial: provas documentais, portanto. Sublinhe-se mais: cuida-se de direito evidente sob a perspectiva processual (nada de direito líquido e certo). Se, para cognição do direito alegado for exigida demonstração que implique dilação probatória, usa-se, então, o procedimento comum, que naturalmente conta com etapa propiciadora da produção de provas outras além da documental.
Se, ao tempo da criação do mandado de segurança, era concebível sua estruturação em procedimento especial, a cargo de uma legislação especial, à semelhança do “habeas corpus”, hoje, no atual estágio da ciência processual e da legislação comum processual civil (sem contar as contribuições do processo eletrônico), isso se tornou algo supérfluo, complicador da vida dos jurisdicionados, um bolor intrincado só acessível aos doutos especialistas. Como assim?
Com a sistemática processual atual, é praticável, e com rendimento processual muito maior, a obtenção de proteção adequada, equiparável à dispensável em MS, em tutela provisória dentro do procedimento comum. A liminar (que veio da possessória para o MS) pode ser obtida em tutela provisória de evidência, impensável nos CPCs de 1939 e 1973. (No início de tudo, lembrem-se, buscou-se socorro num interdito proibitório ou em habeas corpus – ambos procedimentos especiais com previsão de tutela antecipada.) Para tanto basta que, na postulação, se pleiteie a chamada tutela de evidência (previsto art. 311, II ou IV, do novo CPC). Reconhecida a situação de evidência, acolhe-se liminarmente a antecipação. Se a evidencia só advier após a contestação em que não se oponha prova capaz de gerar dúvida razoável ao direito alegado, haverá apreciação do mérito do pedido. Se, todavia, nada disso for possível, o processo prosseguirá rumo à dilação probatória, finda a qual se dará o julgamento da pretensão (sem necessidade, pelo visto, de extinção de um processo e reinício da pretensão em via ordinária, como ocorre hoje no MS após a constatação de que o direito não é líquido e certo – diga-se evidente).
Cognição do direito evidente pela via processual comum
São conhecidas as acerbas controvérsias em torno do cabimento de MS – com demorado tráfego entre instâncias, envolvendo inúmeros recursos, alguns deles suscitando sutis discussões acerca da ocorrência de extinção do processo sem resolução de mérito ou de julgamento com resolução de mérito.
Veja-se o que sobre o tema diz o mestre o jurista Câmara:
Impõe-se, então, distinguir, antes de tudo, em que casos o processo do mandado de segurança será extinto sem resolução de mérito e, em seguida, em que casos haverá resolução de mérito,tudo na forma dos arts. 267 e 269 do CPC. E isso é importante, entre outros motivos, para exata compreensão do que consta do Enunciado nº 304 da Súmula do STF (“decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”). Ademais, há de recordar-se o disposto no art. 19 da Lei nº 12.016/2009, segundo o qual “a sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”.
O processo do mandado de segurança será extinto sem resolução do mérito em todos os casos previstos no art. 267 do CPC. E em todas essas hipóteses, não tendo havido resolução do mérito, a sentença – uma vez tornada irrecorrível – será alcançada pela coisa julgada formal, mas não pela autoridade de coisa julgada material, o que significa dizer, em termos práticos, que nada mais será possível apreciar naquele processo, já encerrado, mas sempre será possível instaurar-se novo processo para apreciação da mesma demanda, não ficando o Estado-Juiz, no novo processo, de qualquer maneira vinculado ao que se decidiu no primeiro processo. (ob. cit., p. 221-222)
Há outra questão frequente: ação é proposta contra quem? O ente jurídico ou seu agente praticante do ato atacado? É claro que é contra o ente jurídico, a quem caberá arcar com as consequências do ato (e deveria também com os ônus da sucumbência, como se verá adiante). E se proposta contra o ente, por que o acionante ainda tem de se relar para saber se o agente que o praticou o ato foi era competente ou mero cumpridor de ordem superior? Ora, acionado o ente jurídico, que conhece os meandros de sua burocracia, a ele deverá caber defender o ato e, se quiser, obter do agente praticante ou competente as sobrevalorizadas informações (com essa providência seria retirado dos ombros do jurisdicionado lesado o ônus injustificável, com reforço o respeito à cidadania).
Inacreditável, mas é realidade, que a atual lei do MS tenha prazo para informações, mas não o tenha para a defesa do ente acionado. Como é a este, porém, que cabe oferecer defesa, o prazo previsto (para informações) deve ser tido como o da defesa do ato acatado. Dentro dele, se tiver por adequadas, deverá o ente diligenciar a obtenção das sobrevalorizadas informações (e levando-se em conta que nos atos do processo serão utilizados os meios eletrônicos de comunicação na forma da Lei n. 11.419/2006, fácil será ao acionado fazer a coleta delas). (Os entes públicos, obrigados a cadastramento nos Tribunais, seriam citados através das respectivas procuradorias judiciais – AGU, PGE ou PGM: a Administração Pública tem, na forma de seus princípios informativos, entre eles o dever de eficiência – CR, art. 37, caput –, não pode desleixadamente tripudiar os administrados.) E seria um contrassenso pensar que as ditas informações sejam mais importantes que a defesa.
Outro questionamento frequente: o prazo de 120 dias para a propositura do MS. É tido como de decadência tanto por acatada doutrina (por todos Hely Lopes Meirelles: nota de rodapé 13 da ob. cit. de Câmara, p. 324) quanto pela jurisprudência pacífica (julgados do STF e do STJ, citados ob. cit., mesma nota de rodapé), como pelo art. 23 da Lei nº 12.016/2009 (que fala em extinção do direito para requer MS). Segundo o Câmara (ob. cit., p. 325-326), não se trata de decadência:
Decadência é a extinção de um direito potestativo pelo seu não exercício dentro de um certo prazo.
[...]
[…] o decurso do prazo de 120 dias para impetração do mandado de segurança não faz desaparecer o direito substancial do impetrante. Perde-se, tão somente, o direito do impetrante de se valer da via processual do mandado de segurança. Nada impede, contudo, que se utilize de outra via processual (a chamada via ordinária) para se buscar tutela jurisdicional.
Num procedimento praticável pelo atual CPC, esse de tipo de questionamento perderia sentido. Por quê? É simples: a apreciação do direito evidente se dando em procedimento comum, estaria oportunizado provimento liminar de evidência (antes da audiência do ente público, se permitido), ou o julgamento imediato logo após a defesa (CPC/2015, art. 311, IV), ou, nada disso sendo possível, se faria instrução probatória, após o que viria o julgamento final do pedido – isso sem necessidade, pelo visto, de extinção do MS e reinício de outro por via ordinária. (Fique registrado Chama-se a atenção do leitor para o ensaio adiante sobre prescrição e decadência.) O direito de ação para exercício do direito material evidente violado carece, pois, de um trato novo, a que se adita esta consideração: o prazo extintivo é o de exercício da pretensão relativa ao direito material violado.
Ônus da sucumbência
É escancaradamente injusto o entendimento jurisprudencial incorporado no art. 25 da Lei n. 12.016/2009: o de que em MS “não cabe [...] condenação ao pagamento dos honorários advocatícios” (itálicos nossos). Ora, o ente público acionado, se vencido, deve arcar não só com todos os ônus da sucumbência: custas processuais e honorários advocatícios. Foi o ente que, com o ato ilícito de seu agente, deu causa ao litígio, deve, pois, se sucumbente, pagar as custas do processo e, sobretudo, os honorários do advogado do acionante, cuja contratação representou despesa extra. E mais: essa providência, por certo, contribuiria para a formação de uma cultura de respeito ao jurisdicionado por agentes públicos notoriamente arbitrários.
As prescrições quanto a foro e juízo competentes nesse tipo de demanda também carecem de mudanças modernizadoras, encampáveis pelas técnicas processuais analisadas a seguir.
Foro e juízo competentes
É inconcebível que o jurisdicionado não possa acionar, em seu domicílio e perante o juízo de primeiro grau de jurisdição, contra ato que lhe viole direito evidente, praticado por agente público, seja este quem for: do varredor de rua ao presidente da República. Acatar isso é, quando menos, republicano, senão diretiva do Estado de Direito. O acionado deve ser o ente público em cujo quadro se insere o agente, e sua defesa fica a cargo da respectiva procuradoria judicial (AGU, PGE ou PGM).
Antes que se tenha como herética essa opinião, impende considerar que, assegurada a franca abertura da via recursal (incluindo aí também a chamada suspensão de segurança) para o amplo questionamento das decisões até a instância máxima (sabidamente um percurso mais do que suficiente à correção de algum desacerto das instâncias inferiores), se garantirá ao ente público meios necessários e suficientes à adequada defesa dos interesses públicos, e isso sem constranger o jurisdicionado a demandar no juízo e no foro da comodidade do ente público. Na legislação, há meios eficazes à correção de açodamentos sem destratar o respeito devido ao jurisdicionado num Estado de Direito.
Com orientação do tipo, a miríade de normas (das constitucionais às infraconstitucionais) de competência sobre o MS perde sentido, ainda que com elas também se vão, por certo, os alimentos dos que vivem do culto e da prática das atuais complicações do MS. Seria mesmo adequado que esses inteligentes esforços se canalizassem à tarefa de simplificação das coisas, propiciando, com isso, a efetiva celeridade no serviço jurisdicional e maior credibilidade do aparelho judiciário.
Para os que duvidam da viabilidade disso, atente-se ao vem acontecendo nas ações de improbidade administrativa, em que não se cogita de uma plêiade de foros privilegiados tal como ocorre no MS. Ocorre que MS foi concebido num mundo em que a ciência processual engatinhava. A ação por improbidade administrativa nasceu numa era menos sacra: não se tem um juízo para cada bezerro sagrado. Assume-se a simplicidade de que um agente público é um agente público e o seu ato é o ato de um agente público seja qual for o estamento do praticante do ato. É mais respeitoso, inarredável mesmo num Estado de Direito, garantir ao cidadão defender facilmente seu direito quando lesado. Assim sendo, é inarredável que se assegure, para apreciar a lesão, a competência do juízo singular do domicílio do lesado. Nessa direção é que se vem construindo a competência em ação de improbidade administrativa (STF, RE n. 825856 DF – Distrito Federal 0134663-72.2013.3.00.0000, relator min. Alexandre de Moraes, j. 06/04/2018, p. 12/04/2018).
Ademais, se um juiz de primeira instância pode declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei federal (negando-lhe aplicação), porque não pode, do mesmo modo, apreciar a ilegalidade de um ato do presidente da República (corrigindo-lhe a ilegalidade)? No plano lógico e das garantias constitucionais fundamentais, o que justificaria tratamento diferenciado para o MS, mera ação cível? A mudança seria, sem dúvida, um grande ganho na luta a favor da evolução das franquias democráticas no Estado de Direito, que não devem se restringir ao mero discurso vazio, e, por certo, contribuiria para desmistificar a sacralidade do Poder Público, apenas um arranjo institucional para garantir uma ordem social necessária, mas na medida estrita da necessidade dos cidadãos.
Emenda constitucional 45/2004 e o MS na seara trabalhista
A atual Constituição da República (CR/88), após a EC 45/2004, dispõe:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
[...]
IV - os mandados de segurança [...], quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (competência constitucional);
Com a edição da EC n. 45/2004, esperava-se uma ampliação significativa da competência constitucional da Justiça do Trabalho (JT). Contudo, o viés conservador do STJ e do STF fez uma leitura restritiva do texto.
É muito difícil compreender por que a JT poder julgar uma demanda de um servidor celetista concursado e não poder fazê-lo em relação a um servidor estatutário. Está aí implícito que a JT tem aptidão (no sentido de qualificação, não de competência jurisdicional) para aplicar a CLT, mas não a tem para aplicar um Estatuto de Servidor Público. Que diferença faz? Só essa filigrana bizantina, apresentada com vestes de sabedoria transcendental, é responsável por muitos transtornos e muita perda de tempo num País pobre, que tem uma Justiça comum extremamente vagarosa, sobretudo em demandas do tipo.
Pelo art. 659, IX, da velha CLT, pode o juiz do trabalho “conceder “medida liminar”, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem a tornar sem efeito a transferência disciplinada pelos parágrafos do artigo 469 desta Consolidação (itálico nosso). Trata-se claramente de “provimento mandamental”, dado em sede de tutela provisória, e em tudo equiparável ao que se dá em sede MS. (Quando na ativa como juiz do trabalho, determinei a suspensão de atos de prefeito municipal que remanejou todos os professores do município por perseguição política. Foram repostos em seus devidos lugares por um provimento antecipatório, pois; nada, no plano lógico, impediria, ou impende, que a pretensão fosse veiculada por via de mandado de segurança trabalhista).
É também sabido que o servidor celetista de ente da Administração direta, autárquica ou fundacional, desde que concursado, tem a estabilidade prevista no art. 41 da CR, consoante entendimento sumulado do TST, a saber:
SÚMULA 390 TST – Estabilidade. Artigo 41 da CF/1988. Celetista. Administração direta, autárquica ou fundacional. Aplicabilidade. Empregado de empresa pública e sociedade de economia mista. Inaplicáveis. (conversão das Orientações Jurisprudenciais ns. 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial n° 22 da SDI-2):
I – O Servidor Público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
II – Ao empregado da empresa pública ou sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
Diante dessa orientação, calha perguntar: os litígios relativos a esses servidores – os celetistas estáveis da administração direta, autárquica ou fundacional –, em que esteja configurada lesão ou ameaça a direito evidente, são, ou não, ajuizáveis por MS (ou se quiserem ação mandamental) perante a JT? É crível que simplesmente responder “não” seria até um retrocesso em relação à processualista da CLT prevista no citado art. 659, IX. Certamente, mais atual e substancialmente mais correto, seria tratar essas reclamatórias segundo a lógica que guia o presente estudo.
E ter como superada percepção como esta:
A partir da vigência da EC, passou-se a admitir o writ também nas hipóteses, por exemplo, em que as autoridades do Ministério do Trabalho e Emprego exerçam suas funções no sentido de aplicar sanções administrativas aos empregadores (art. 114, VII, da CF/88) ou nos casos de atuação extrajudicial do representante do Ministério Público do Trabalho, principalmente na condução de inquérito civil público.
Dessa forma, as demais autoridades não podem ser sujeito passivo do mandado de segurança impetrado no âmbito da Justiça do Trabalho, a exemplo das autoridades do INSS e os gestores de entidades públicas empregadoras (Cairo Júnior, José. Curso de direito processual do trabalho. Salvador: Editora Podivm. 2012, p. 1.028).
Considerações finais
Sabe-se que o MS não passa de uma ação mandamental, como deixam ver as considerações deste ensaio e, mais incisivamente, estas ponderações do mestre Câmara (ob. cit., p. 219-220):
Já tive oportunidade de me pronunciar acerca o tema, reconhecendo a existência da sentença mandamental, mas não como uma categoria autônoma. A meu sentir, a sentença mandamental é uma subespécie de sentença condenatória. Seja permitido reproduzir, aqui, o que escrevi em outra obra:
“De outro lado, a corrente doutrinária aqui referida, liderada por Pontes de Miranda, reconhece a existência de uma outra categoria de sentença as mandamentais. Estas poderiam ser definidas como aquelas que têm por fim obter, como eficácia preponderante, ‘que o juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa’. Seria de sua essência, pois, conter uma ordem para que fosse expedido um mandado, donde a designação ‘sentença mandamental’. Aqui, também, haveria exercício de atividade jurisdicional posterior à sentença, na mesma relação processual, sem que se fizesse necessária instauração de processo novo. Difeririam a sentenças mandamentais das executivas pelo fato de a execução ser ato do juiz, que substitui atividade que a parte poderia ter exercido sponte sua, enquanto o mandado contém ato que só a parte poderia praticar. Exemplo típico de sentença mandamental seria a do mandado de segurança. Assim porém, não me parece. A sentença que concede a segurança (rectius: que julga procedente o pedido de mandado de segurança) pode assumir, conforme as características do caso concreto, natureza meramente declaratória, constitutiva ou condenatória. A categoria das sentenças mandamentais, a meu juízo, é desnecessária, assim como a das sentenças executivas, pois que o conceito de sentença condenatória é amplo o suficiente para incluí-las. O fato de a sentença conter uma ordem dirigida ao demandado não a desnatura como sentença condenatória, mesmo porque não concordo com a proposição teórica que vê nas sentenças condenatórias mera declaração da sanção aplicável. A meu sentir, a sentença condenatória contém um comando dirigido ao demandado, para que este cumpra uma prestação de dar, fazer ou não fazer, da mesma forma que nas sentenças ‘mandamentais’.
A rigor, o que se pode aceitar como cientificamente correto é que a sentença condenatória pode ser objeto de uma subclassificação, dividindo-se em duas categorias: sentença condenatória executiva e sentença condenatória mandamental. Considera-se executiva a sentença condenatória sempre que seu cumprimento puder se dar através de meios de execução (ou seja mecanismos de substituição da atividade do devedor capazes de produzir resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação) e mandamental a sentença condenatória cuja efetivação se dá, exclusivamente, pelo emprego de meios de coerção (ou seja, meios destinados a pressionar psicologicamente o demandado a fim de que este, pessoalmente, cumpra o comando contido na sentença).”
Sem a Lei do Mandado de Segurança e as intricadas previsões constitucionais de juízos competentes, facilitaria exorcizar de nosso ordenamento jurídico uma miríade de regras que atanazam o jurisdicionado, tornando bem mais fácil a vida dos litigantes.