Os descumprimentos e seus desdobramentos, independente da natureza, sempre vêm seguidos de inúmeros aborrecimentos. Quando se descumpre uma ordem no ambiente de trabalho, uma cláusula de um contrato, um combinado conjugal, uma decisão judicial ou um acordo entre vizinhos, é comum surgirem sentimentos ambivalentes, onde um lado concentra em si sensações de derrota, perplexidade, prejuízo e traição, e o outro sai com a percepção de vantagem, de vitória e de ganho sobressaliente em relação à parte batida.
Mas nem sempre é assim!
Em última instância, quem descumpre acordos também pode experimentar sentimentos negativos, de incapacidade, incompetência e arrependimento.
Se, no trabalho, tenho o dever de entregar meus relatórios com dia e horário preestabelecidos, consentidos por mim e não o faço, descumpri o prazo e falhei na proatividade.
Se não paguei o aluguel conforme o acordado no contrato de locação, estou sujeito às incidências de juros e acréscimos. Prejuízo pecuniário!
Se o futebol na quarta termina só às 21 horas, e o “happy hour” pós-jogo excedeu em mais de 3 horas do combinado em casa, o conflito explode no matrimônio, e surge a desarmonia.
A decisão proferida pelo Magistrado e não cumprida acarreta execução judicial, submetendo, à luz da Lei, o requerido às obrigações que lhe são devidas.
Se perturbar o sono do meu vizinho com som alto, e reclamado, assevero mudar hábitos e comportamentos e não o faço, nasce aí um desequilíbrio social, um mal estar nas relações, e enveneno a convivência no âmbito da minha comunidade.
Os conflitos gerados entre dois ou mais pensamentos divergentes, que empregam forças e puxam seus interesses em direções opostas, foram e sempre serão responsáveis pela evolução da humanidade. É por intermédio dos conflitos que as sociedades avançam na busca pela harmonização das tensões que emergem das diferenças entre as pessoas. Vivemos em um tempo onde, finalmente, se mostra odiosa a segregação. Não há mais espaços para a intolerância ao alternativo e, é cada dia mais urgente fomentar a comunicação para que o conflito de interesses, quer dentro de um lar, quer entre nações, formate a crise e eleve o impasse para a busca de alternativas, desconstrução da competição e fortalecimento do senso de colaboração.
Neste ponto, e com base no que foi observado até aqui, proponho uma reflexão capaz de congregar a convergência muito oportuna entre o Direito e a ciência psicológica. Se de um lado temos o homem pleno de suas potencialidades, delineado por uma bagagem experiencial individualizada, multifacetada por descobertas históricas, sociais e antropológicas, do outro lado temos o balanceamento das disparidades entre os interesses, oportunizado pelo Direito e seus métodos, e neste contexto, abordaremos pouco mais adiante a Mediação de Conflitos.
Como psicólogo inserido no manejo de questões sociais, entendo o conflito como mola propulsora que eleva a discussão sobre interesses na busca por soluções multilaterais, mas que, se não bem conduzidas, podem se transmutar em competições, entraves e verdadeiras guerras.
De acordo com as concepções do psicanalista Sigmund Freud (1856-1939), no tocante a teoria sobre a personalidade do Homem, a adoção da postura egoísta é fundamental para a sobrevida e evolução do indivíduo, na medida em que inclinado para o foco do desenvolvimento pessoal e aperfeiçoamento das questões que o reafirma como ente responsável por sua própria trajetória.
Egoísmo não pode ser, de maneira alguma, confundido com egocentrismo, quando adota a postura da superpujança, que eleva sua existência como única ou mais proeminente, desconsidera as questões de todos que estão ao seu redor e busca, incessantemente, instituir suas vontades e interesses em detrimento ao direto dos demais.
Quando, na sociedade, nos deparamos com personalidades egocentradas, temos dificuldades em fazer valer nossos direitos e as relações sofrem desequilíbrios, necessitando de ferramentas que possam (re)harmonizar as relações e relaxar as tensões criadas no convívio em sociedade.
E neste momento é oportuno voltar o enfoque para o Direito e a potencialidade existente na Mediação de Conflitos, método consensual de resolução de impasses, encorajado pelo Poder Judiciário, que investe na capacidade inata de cada indivíduo em resolver seus próprios problemas.
Quando as pessoas podem expor seus interesses, muitas vezes deturpados pela presença da incomunicabilidade, desaguando em fatores subjetivos relacionados à autoestima, autoimagem, paradigmas pessoais, preconceitos e inflexibilidades, mas que quando expostos em um ambiente de acolhimento, são ouvidos não só por seu interlocutor, mas também pelo próprio eu.
O Indivíduo que diverge, no ambiente na Mediação de Conflitos, é capaz de revolver às próprias motivações, reconsiderar e reorganizar os anseios, ao ponto de chegar à compreensão de que é possível “ganhar com”, e não apenas “ganhar de”. O ambiente que facilita a comunicação, em última instância, oportuniza o olhar introspectivo e possibilita a emergência da empatia dos envolvidos no litígio.
E o que motiva alguém a cumprir o compromisso assumido durante uma sessão de Mediação?
Não pretendo aqui apontar dados estatísticos para argumentar que existe a prevalência de acordos frutíferos durante as sessões de mediação de conflitos, mas convido o leitor a uma rápida reflexão, pelas palavras do psicólogo e cientista Carl Rogers (1902-1987), quando trata do potencial humano:
“A experiência mostrou-me que as pessoas têm, fundamentalmente, uma orientação positiva….Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo.”
Este pensamento facilita a compreensão de que, quando as pessoas são empoderadas para resolver seus impasses, em um ambiente acolhedor, que facilita a exposição de seus interesses e assevera o respeito aos seus sentimentos mais elementares:
– A possibilidade de se obter um resultado frutífero para a questão;
– O cumprimento dos compromissos assumidos pelos interessados;
– E a resolução definitiva do impasse é… EXTREMAMENTE ALTA!
O resultado final é um constructo, o que leva os participantes a assumirem um compromisso moral consigo mesmos, ao passo em que conseguem se postar um no lugar do outro e entenderem a manutenção do acordado como responsabilidade mútua.
As razões jurídicas não ficam em segundo plano, mas coexistem, impregnadas pelo crescimento pessoal e subjetivo daqueles que foram submetidos a essa experiência.
Portanto, o Direito e a Psicologia, de mãos dadas, congregam para construir o entendimento de que os desdobramentos negativos que atuam no emocional humano quando o indivíduo descumpre um acordo, quer extra ou judicial, colaboram para que a pacificação social seja celebrada pelo fruto colhido nas sessões de Mediação de Conflitos.
Outrossim, o potencial humano inato ao autodesenvolvimento e à autorrealização, quando encontra no ambiente facilitador da Mediação as condições ideais de acolhimento, aceitação e validação dos sentimentos, opera para que o comportamento e as concepções se alterem visando o cumprimento dos acordos a partir do patrulhamento das próprias ações.
Delicioso é descobrir que o ganho mútuo pode ser tão prazeroso quanto as vantagens unilaterais!