A convenção de condomínio e o regimento interno são os documentos de cunho jurídico que visam regular a vida em condomínio ajustando os direitos e deveres de cada condômino. A convenção é, na verdade, uma verdadeira lei interna do condomínio, que vincula todos as pessoas que ocupam o edifício. Além dos deveres previstos legalmente, aqueles documentos podem dispor de outras regras complementares, desde que não sejam contrárias a lei, a serem observadas pelos condôminos, sob pena de incorrerem em multas pelo descumprimento.
O Código Civil, em seu art. 1.336, prevê que são deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Dispõe o parágrafo 2º do artigo citado que: “O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa”. De igual sentido, dita o §1º, do art. 10º[1], da Lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
Contudo, é importante lembrar que a aplicação de multas por parte do síndico requer que a conduta imputada ao condômino esteja prevista em lei ou que afronte a convenção ou regimento interno do condomínio, não podendo o condômino ser responsabilizado por conduta que não haja prévia regulamentação[2], ou seja, o síndico deve se abster de lançar penalidades contra os condôminos por alegadas infrações que não decorrem de descumprimento de lei ou do regramento interno do condomínio.
Além da previsão prévia, também deverá o condômino, antes mesmo de receber eventual multa para pagamento, ser notificado para que apresente defesa se assim desejar em prazo razoável, a ser apreciada pelo síndico e pelo conselho consultivo, com possibilidade de recurso à ser apreciado em assembleia, a depender do procedimento administrativo previsto na convenção de condomínio. Ao mesmo tempo em que é conferido ao síndico a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia (art.1.384, IV, do C.C.), também é possibilitado ao condômino o direito de se defender de eventual imputação de descumprimento de seus deveres que possam reverter-se em aplicação de penalidades de multas.
De acordo com o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, o que também deve ser assegurado entre as relações particulares envolvendo o direito condominial.
Nesse sentido é o teor do Enunciado nº 92 da Comissão de Estudos Judiciários[3], que dita que “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”. Acrescente, ainda, Flávio Tartuce[4], que “eventual previsão na convenção que afaste esse direito deve ser tida como nula, por ilicitude do objeto, uma vez que o direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado constitucionalmente (art. 5.0, LV, da CF 1 1 988 e art. 1 66, II, do CC)”.
Quanto a notificação, para garantir uma maior transparência do procedimento e evitar eventuais discussões de irregularidades desta notificação, recomenda-se que o condômino seja notificado por escrito, exarando sua assinatura de recebimento em cópia da notificação ou se necessário que seja a mesma enviada via correios com aviso de recebimento.
Outro ponto que merece atenção é quando o imóvel se encontra locado, e a alegada infração é cometida pelo inquilino. Em caso de locação, embora o inquilino possa ser responsável pela infração, a relação de responsabilidade perante o condomínio é do proprietário do imóvel e não do locatário, devendo aquele ser notificado em caso de infração pelo locatário para exercer seu direito de defesa, sob pena de nulidade da notificação.
A ausência de observância desses requisitos mínimos poderá acarretar no reconhecimento da nulidade da multa, uma vez que está deveria ser precedida de prova da notificação e da rejeição de eventual defesa apresentada.
Nesse sentido, foi o presente julgado do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a nulidade de multa imposta ao titular da unidade imobiliária sem lhe garantir o prévio exercício de defesa e contraditório (REsp 1365279/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 29/09/2015):
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA.
1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: "O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia".
2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice xiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF.
3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.
4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
De toda forma é importante frisar que o que se anula é a aplicação da multa da forma que foi feita, pela falta do devido processo legal. Porém, ressalva-se que o condomínio reaplique a sanção em um novo procedimento que permita a defesa prévia do condômino se assim ainda for possível.
Outrossim, a par das disposições abordadas, deve-se também preservar o espirito da boa convivência condominial de modo a evitar a aplicação de multas de forma abusivas devendo-se preferir a boa comunicação com o condômino lhe orientando quanto aos seus deveres. Claro há casos em que uma simples advertência não resolveria a questão, principalmente quando se trata de uma conduta reiterada ou afronta grave a lei ou convenção do condomínio, o que na falta de aplicação de penalidades poderia gerar graves danos aos condôminos prejudicados pela conduta do infrator. Em todos os casos o bom senso e a proporcionalidade devem ser observados.
Mais do que o próprio direito de defesa do condômino, a observância dos pontos ora destacados também afastará eventuais discussões judiciais por parte daquele que se sentir prejudicado, garantindo maior efetividade ao trabalho do síndico e, por consequência, a manutenção da ordem no condomínio.
Assim, longe de se questionar o dever do síndico de aplicar multas aos condomínios por transgressões, deve-se garantir ao infrator a possibilidade de se defender dos fatos que lhes são imputados mediante notificação para apresentação de defesa, somente após isso e quando esta for rejeitada fundamentalmente é que se torna exigível a cobrança de multa.
Notas
[1] Art. 10, § 1º: O transgressor ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar desmanchá-Ia, à custa do transgressor, se êste não a desfizer no prazo que lhe fôr estipulado.
[2] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário – Teoria e prática – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl (versão digital) – Rio de Janeiro : Forense, 2015.
[3] Jornadas de direito civil I, III, IV e V : enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. 135 p.
[4] TARTUCE, Flávio - Manual de Direito Civil: Volume Único - 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 1081.