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As formas de Estado

Agenda 06/11/2018 às 20:42

Classicamente, há três formas de estado: a unitária, a federação e a confederação. Esta é, no entanto, uma classificação superficial, pois não há, hoje, um modelo padrão de estado unitário ou federal, mas sim vários, com diferenças enormes entre si.

INTRODUÇÃO

A palavra política vem do grego politiké, cuja semântica está associada à arte ou ciência de dirigir, de governar. Os gregos, há mais de dois mil anos, organizaram-se em cidades-estados, dotadas de governos próprios, chamadas de polis. Mas, para a formação do governo, necessário se fez que fosse instituído um conjunto de normas e organizados mecanismos para a imposição de seu cumprimento. Ou seja, foi imprescindível a constituição de um poder político, mais tarde, separado em executivo, legislativo e judiciário.

Quando da formação dos Estados, este poder político foi distribuído de diferentes formas no território nacional. Em alguns, foi estruturado apenas um núcleo de poder em todo o espaço geográfico; em outros, houve uma divisão, passando a haver vários polos de poder dentro do mesmo território. Essa diversidade deu origem ao conceito de “formas de estado”, ou seja, ao modo como é distribuído geograficamente o poder político.

Classicamente, há três formas de estado: a unitária, a federação e a confederação. Quando só há um centro de poder, ou seja, apenas um órgão legislativo, executivo e judiciário, temos o estado unitário. Quando este poder é fragmentado entre um ente central e vários entes regionais, sem que, no entanto, haja a possibilidade dos Estados-membros serem soberanos e se separarem, temos a federação. Quando, além da fragmentação, o pacto de constituição fixa que os Estados-membros terão plenos poderes, inclusive de soberania e, portanto, de se separarem, temos a confederação. Esta é, no entanto, uma classificação superficial, pois não há, hoje, um estado federal padrão, mas sim vários, com diferenças enormes entre si. Doutrinadores mais modernos, inclusive, trazem subdivisões do federalismo, o que é mais preciso didaticamente. Do mesmo modo, hoje, não temos um estado unitário que se enquadre no conceito clássico, havendo, pelo contrário, derivações que descaracterizam em muito o modelo concebido.


1. EVOLUÇÃO DO MODELO BRASILEIRO

Na Constituição outorgada de 1824, fomos estruturados como um estado unitário. Nos exatos termos do artigo 2º, “o território é dividido em Províncias na forma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado”. Ou seja, apenas tínhamos unidades administrativas, não prevendo a carta constitucional a possibilidade de delegação de poderes legislativos às divisões provinciais. Era natural a adoção deste modelo, já que estávamos ligados há mais de três séculos a Portugal, um país de organização centralizada, que nunca teve experiência como federação, e, até os dias atuais, ainda se conserva como um estado unitário.

No entanto, em 12 de agosto de 1834, ante à percepção da impossibilidade de manutenção de uma rígida centralização de poder sobre todo um extenso território nacional, com elevadas dificuldades de comunicação e sem uma sistema de estradas e transportes, optou-se, através de um Ato Adicional, por dotar as províncias de Assembleias Legislativas Provinciais, ou seja, cada uma passou a ter seu próprio Poder Legislativo. Há de se destacar que, desde 1831, estávamos sem monarca, ante a abdicação de D Pedro I e a menoridade de seu filho, sendo o país dirigido por um governo regencial, o que facilitou a experiência de um aumento na descentralização. O Ato também criou o município neutro do Rio de Janeiro, embrião do que seria, na República, o Distrito Federal.

Na Constituição de 24 de fevereiro de 1891, resolvemos copiar o modelo norte-americano e passamos a ser um estado federal, sem uma preparação para o novo padrão. Não houve estudos sobre a adequação do federalismo americano às características sócio-econômicas do Brasil. Não houve sequer consulta à população envolvida. As províncias foram transformadas “subitamente” em Estados e dotadas de ampla autonomia inclusive para elaborarem suas próprias Constituições, contraírem empréstimos no exterior e formar suas forças policiais. No entanto, colocar em prática, aqui, um modelo estruturado para um estado totalmente diferente do nosso, seja em termos de formação histórica, seja em termos de organização político-jurídica, evidentemente resultou em muitos problemas. A federação brasileira enfrentou, inclusive, na década de 1930, o quadro de guerra civil, entre entes federados.

Em 1934, entramos em uma nova ordem constitucional que, em muitas de suas disposições, mostrava-se mais liberal e progressista, mas, de outro, era conservadora, como no caso da estruturação da federação. Introduzir-se-iam mudanças profundas no modelo existente, como que reconhecendo a inviabilidade de copiarmos, aqui, a forma de estado adotada pelos Estados Unidos. Iniciar-se-ia a federação assimétrica, que perdura, até hoje, no Brasil. Inspirada na Constituição de Weimar, promoveu-se uma grande centralização em torno da União, retirando-se competências antes afetas aos estados. Nas demais Constituições, essa tendência centralizadora foi se acentuando. Até mesmo na Constituição de 1946, de caráter democrático, não houve alteração neste quadro. O período de autoritarismo, pós-1964, com Atos Institucionais, Constituições outorgadas, intervenção em entes federados, cassações de políticos regionais, fortaleceram, em muito, a força da União frente aos Estados.

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Chegamos à Constituinte de 1987, onde novamente levantou-se o debate sobre a forma de estado que deveria ser implantada no Brasil. Em 05 de outubro de 1988, a nova Constituição organizou o Estado, em seu Título III, por um lado, de forma muito conservadora, pois além de não alterar o quadro centralizador, ainda acentuou a concentração de competências nas mãos da União. Muitas das mudanças significativas. verificadas não foram precedidas de discussões, estudos de viabilidade e análises técnicas.

Foi o caso do Distrito Federal, elevado a ente autônomo com status de Estado, mas na prática subvencionado parcialmente pela União. É discutível que, no modelo federativo, haja um membro autônomo, e, ao mesmo tempo, economicamente dependente de outro. Quase todos os territórios também foram subitamente transformados em Estados. Mas ficaram sob dependência da transferência de recursos federais. Os municípios foram também “todos” alçados a membros dotados de autonomia, em igualdade com Estados e União. Contudo, um número expressivo sequer possuía receitas próprias para a manutenção dos serviços mínimos. Nestas condições, a sobrevivência passou a estar diretamente relacionada ao repasse de recursos federais e do Fundo de Participação dos Municípios. Certamente que, para integrar uma federação, seria necessário muito mais do que apenas a criação de um prédio para sede de governo e de outro para câmara legislativa. Em síntese, mudamos sim sob a ótica quantitativa, mas não na qualitativa.


2. ESTADO UNITÁRIO

Aqui temos apenas um único pólo de poder atuando sobre todo o território nacional. Ou seja, há somente um centro produtor de normas aplicáveis sobre a população. Foi um modelo muito presente na formação dos primeiros estados europeus e que ainda se faz muito expressivo neste continente, em países como a França, Espanha e Portugal. No entanto, hoje, é muito difícil existir um estado unitário rígido, sem qualquer grau de descentralização. Isto porque a democracia, os direitos políticos, as diferenças sócio-econômicas e até mesmo culturais forçaram uma flexibilização, com a existência de um certo grau de distribuição de poderes.

Nossa primeira Constituição, a Imperial de 1824, estruturou o Brasil como estado unitário, herança do estado português. E hoje, apesar de sermos uma federação, ainda há um resquício cultural forte de unitarismo no país. Primeiro, pela concentração de competências na União; segundo, pela relevância reduzida que ocupam as legislações estaduais e municipais, que são, em grande parte, até mesmo desconhecidas pela maioria dos habitantes do município.


3. A FEDERAÇÃO

A palavra federação vem do latim foedus, significando pacto, aliança. Isto porque foi concebido, inicialmente, como um acordo entre estados que cediam a sua soberania, para integrarem um novo estado. Nasceu na América, mais precisamente nos Estados Unidos, em que as antigas colônias britânicas resolveram se unir, para se protegerem das ameaças externas e afastar possíveis tentativas de recolonização. A declaração de independência, de 4 de julho de 1776, traz expressa essa ideia, nominando os seus signatários de Estados Unidos da América, nome que ostenta o país até os dias atuais.

Em 1777, no segundo congresso continental, as antigas treze colônias celebraram um tratado, chamado de Artigos da Confederação, que garantia amplos poderes e liberdades aos Estados e criava um governo central com escassas atribuições. Os três primeiros artigos do referido tratado fixavam:

“Art. 1º. Esta Confederação terá o nome de Estados Unidos da América.

Art. 2º. Cada Estado conserva a sua soberania, sua liberdade, sua independência e todos os poderes, jurisdição ou direitos que não se acham expressamente delegados pela presente Confederação aos Estados Unidos representados em congresso.

Art. 3º. Os ditos estados constituem individualmente, pelo presente ato, um pacto permanente de amizade entre si, para a defesa comum, conservação de suas liberdades e sua recíproca felicidade, comprometendo-se a protegerem-se reciprocamente contra toda invasão ou ataque a todos ou a alguns deles, por motivo de religião, soberania, comércio ou de outra espécie.”

Em 1787, os representantes das antigas treze colônias, reunidos na Filadélfia, elaboraram a Constituição dos Estados Unidos. No preâmbulo, inscreveu-se que o povo, e não os estados, resolveram criar uma união com caráter permanente, nos seguintes termos:

“Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição”

Com a Carta americana, evolui-se do modelo original confederativo, para o modelo federativo. Não havia previsão que atribuísse soberania aos estados membros. No entanto, primou-se pela igualdade de representação e de prerrogativas entre os entes federados, criando-se inclusive uma casa legislativa (denominada de Senado) para este fim.

Pouco a pouco, a experiência federalista foi se espalhando para outros países, mas o modelo americano não foi copiado na íntegra, sofrendo, pelo contrário, muitas adaptações e mudanças quando de sua incorporação a outros Estados. Assim, hoje, não há um modelo padrão de federação, mas sim vários, que oscilam entre a ampla descentralização de competências aos membros, como nos Estados Unidos, e a reduzida descentralização, como no caso do Brasil. No primeiro caso, temos o que se chama de federalismo centrífugo, enquanto que no segundo temos o centrípeto. Os estados da federação americana, por exemplo, criam o seu próprio direito civil e penal, ou seja, cada ente fixa os crimes e as penas aplicáveis, regulamentam os procedimentos para casamento, divórcio, sucessão de bens e registros públicos, algo que inexiste no Brasil.


4. A CONFEDERAÇÃO

A confederação é concebida como um tratado entre estados independentes, que decidem se unir, mas mantendo sua soberania e o direito à secessão, ou seja, de dissolverem o vínculo existente, no momento que desejarem. Há, portanto, uma pluralidade de entes soberanos que podem, a qualquer momento, quebrarem todos os vínculos existentes e voltarem à condição de plena independência.

No entanto, a história tem mostrado que a separação pode gerar graves dissidências, descambando até para o conflito armado. Um exemplo clássico foi o ocorrido nos Estados Unidos, que, de 1861 até 1865, esteve mergulhado em uma guerra civil contra os entes separatistas do sul que resolveram deixar a União e criar os Estados Confederados da América. Hoje, não existe nenhuma confederação em vigor. A Suíça, apesar de ostentar o nome oficial de Confederação Helvética, é, na verdade, uma federação, pois, desde a Constituição de 1848, os cantões não possuíam o direito à independência. Em 1798, os exércitos napoleônicos já haviam imposto aos cantões soberanos, a transformação da confederação em República Helvética.

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte também não é considerado uma confederação. Trata-se, na verdade, de uma união política que garante um governo unificado para a Escócia, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte.


5. O ATUAL MODELO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 fixa, primeiro, em seu artigo 18, que nossa federação, hoje, é composta pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, todos autônomos entre si. Portanto, não há uma relação de hierarquia e subordinação entre os mesmos. O termo autonomia vem do grego autos (próprio) e nomos (norma), e significa que cada integrante tem a capacidade de auto-organização (por meio de Constituição ou Lei Orgânica), auto legislação, autogoverno e autoadministração.

Como segundo ponto, ressaltamos que o texto constitucional se preocupou em descrever, ao longo de 25 incisos do artigo 21, um conjunto amplo de competências político-administrativas afetas à União, como a de política externa, emissão de moeda, administração de reservas cambiais e serviços de telecomunicações, deixando pouco espaço residual para os demais entes. Ao longo de 29 incisos do artigo 22, é descrito um extenso rol de matérias que são de competência legislativa privativa da União. Da análise dos assuntos listados resta evidenciado que, aqui, estão praticamente todos os assuntos relevantes na sociedade, inclusive as áreas principais do Direito e da Economia. Com essas disposições, esvaziou-se, em muito, as competências das Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais. Os municípios tiveram suas competências enumeradas ao longo do artigo 30, dentre as quais a de legislar sobre assuntos de interesse local, sem precisar qual a abrangência desse conceito, o que tem gerado discussão e controvérsias com os Estados, como a questão da titularidade dos serviços de água e de saneamento.

Avançou-se na descentralização das receitas tributárias. Foi imposta à União, a divisão de parte dos impostos arrecadados com os estados e os municípios. Mas houve um aumento sensível da tributação que incide sobre a sociedade e o setor produtivo. O aumento da prestava de serviços públicos não veio acompanhado por melhorias na qualidade de gestão, de eficiência e de profissionalismo. Consequentemente, temos, hoje, um federalismo caro, que onera em demasia o contribuinte, mas que oferece muito pouco em troca e está longe de conseguir atender as necessidades da sociedade.


CONCLUSÃO

A divisão clássica de formas de estado, presente em muitas obras e doutrinadores, hoje, está a demandar uma revisão e atualização. Os conceitos de federação, confederação e estado unitário mostram-se mais teóricos do que práticos. O Brasil é, nos exatos termos do artigo 1º, Constituição Federal, uma República Federativa. Nossa Carta Magna fixa, em seu § 4º, art. 60, que a forma federal de Estado é uma cláusula pétrea, que sequer pode ser submetida a propostas tendentes a aboli-la. Certamente há muito o que se debater nessa área. Por exemplo, o porquê do Distrito Federal na condição de ente autônomo, com receitas próprias elevadas, fruto de arrecadar tanto impostos estaduais, quanto municipais, ainda hoje ser destinatário de elevados recursos e subvenções federais. É uma distinção federativa enorme, injustificável e desprovida de razoabilidade, até mesmo pelo fato de que estamos a favorecer um ente com mais condições, em detrimento de entes com mais necessidades e menos orçamento próprio.

Não há também uma discussão sobre a eficiência do atual modelo para a promoção do desenvolvimento nacional e da redução das desigualdades sócio-econômicas. Não conseguimos precisar em que medida o federalismo assimétrico contribuiu e contribui para o progresso, ou qual o seu grau de culpabilidade para as graves deficiências que ainda possuímos, como nas áreas da educação, saúde e saneamento. Podemos concluir que temos um federalismo estável, mas de discutível proveito para a sociedade. Quanto a todo esse acervo de discussões necessárias, apesar da alta relevância, por enquanto não há perspectiva de se desenvolverem, pelo menos não no médio prazo. Ou seja, ficarão para uma agenda futura, talvez muito futura, no Congresso Nacional.

Sobre o autor
Antonio José Teixeira Leite

Advogado em Brasília (DF). Especialista em Direito Público pelo IDP, MBA em Direito e Política Tributária pela FGV, Especialista em Políticas Públicas, pela Escola Nacional de Administração Pública e Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.

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