Resumo: O texto constitucional de 1988 consagra o acesso à educação como uma política pública social da mais fundamental importância, direito à educação esse que é repetido por outros documentos jurídicos do Brasil, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que vem trazendo nìveis de ensino, dentre eles o ensino fundamental, modalidade está de extrema importância para o aprendizado, formação político e social do indivìduo bem como para o desenvolvimento. No entanto, o contexto brasileiro que demonstra elevado nível de desigualdade social e também o quadro alarmante de vulnerabilidades a que que estão submetidas às crianças brasileiras que vivem em situação rua, provoca muitas vezes a limitação do acesso a essa importante fase de ensino, que é o fundamental, por esse segmento da sociedade. Desse modo, é preciso pensar como efetivar o direito à educação que vem expresso na Constituição brasileira, e em especial pensar maneiras de concretização do acesso ao ensino fundamental em consonância com o combate às vulnerabilidades sociais a que estão submetidas os diversos meninos e meninas que ainda hoje vivem em situação de rua.
INTRODUÇÃO
O acesso à educação no Brasil é tema de suma importância teórica e prática a ser enfrentado, desde de muito tempo a não efetivação da prestação de um ensino público que alcance todos de forma igualitária e que seja revestido de qualidade tem provocado sérios problemas na sociedade como um todo, haja vista, o protagonismo e o poder de transformação da educação. Um dos públicos que mais tem sofrido limitações graves ao longo de muito tempo no que diz respeito ao acesso do direito à educação, e em linhas mais específicas a inserção no ensino fundamental são as milhares de crianças brasileiras que se encontram em situação de rua, essas vivem uma verdadeira situação de vulnerabilidade social, vítimas da assoladora desigualdade social brasileira que tem como consequência direta a exclusão de direitos e marginalização, fatores esses que comprometem negativamente todo o processo de formação educacional e também de cidadania. Ainda de acordo com a resolução conjunta CNAS/CONANDA número 01 de 2016, as crianças que estabelecem com a rua uma relação semelhante àquela de moradia, que estão associadas a diversas outras violações de direitos, como o trabalho infantil, a mendicância, o consumo de álcool e outras drogas requer serviços que adotem estratégias especiais de atendimento, nessa perspectiva essas estratégias também devem contemplar o oferecimento do ensino fundamental. A perspectiva de uma educação inclusiva exige modificações profundas nos sistemas de ensino e, ao mesmo tempo, é preciso entender os variados processos de exclusão vivenciados por essas crianças (Graciani, 1997, p.110) .
Mais detalhadamente a educação aparece no artigo 208 ainda da Constituição “[...] Ⅰ- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”, o estado deve procurar meios de ofertar a todos a educação, de forma especial procurar a criação de políticas públicas que de modo especial venham a atender as crianças que estão em situação de rua. O artigo 208, § 1°, da Constituição vigente não deixa a menor dúvida a respeito do acesso ao ensino obrigatório e gratuito que o educando, em qualquer grau, cumprido os requisitos legais, tem o direito público subjetivo, oponível ao estado, não tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitação, protegida por expressa norma jurídica constitucional cogente (Cretella, v. 8. p. 4418), seria esse o sentido de direito público subjetivo.
É constatado que o ensino fundamental atende justamente uma faixa etária de crianças que se encontram em uma importante etapa do desenvolvimento humano, é a parte do processo educacional onde a criança tem os primeiros contatos com questões de cidadania, meio social, política, ética e tantos outros fatores de elevada importância para o desenvolvimento do ser, além de a educação ser um meio direto de acesso à profissionalização e mercado de trabalho, desse modo, as crianças que vivem em situação de rua são sujeitos privados diretamente desses benefícios que estão atrelados ao ensino fundamental. A não efetivação e criação de políticas públicas voltadas ao ensino fundamental e em especial uma ação pública voltada especialmente ao atendimento especializado para infantes que vivem nas ruas de grandes e pequenos centros urbanos é uma verdadeira violação ao princípio do superior interesse da criança e também a proteção integral, princípios estes encontrados facilmente em um interpretação sistemática dos dispositivos da Constituição que tratam dos direitos da criança, também presente no Estatuto da Criança e do Adolescente bem como em documentos de direitos humanos de abrangência internacional.
METODOLOGIA
No que diz respeito a metodologia utilizada na pesquisa, a mesma foi feita através da análise bibliográfica, análise essa feita por meio de livro, artigos científicos e também da legislação que apresentam uma temática de teor relevante ao tema em questão, obras que trazem contribuição para o conhecimento jurídico sobre o direito de acesso ao ensino fundamental extraído do texto constitucional, e o contexto de acesso a esse direito por crianças que vivem em situação de rua. É descritiva, visando uma descrição da problemática, e dita pura, por visa um aprofundamento no conhecimento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. O ENSINO FUNDAMENTAL A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Essa presente pesquisa procura pautar uma reflexão acerca de como se encontra a efetivação do direito de acesso ao ensino fundamental por um segmento da sociedade que situa-se em uma crítica situação de vulnerabilidade social no Brasil, que é justamente as milhares de crianças que vivem atualmente em situação de rua. A manifestação do direito à educação é particularmente declarada na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988, representando um salto de qualidade em relação a legislação anterior, com maior precisão da redação e detalhamento, introduzindo-se até mesmo, os instrumentos jurídicos para a sua garantia. (OLIVEIRA, 1998, p.61)
O direito à educação vem expresso no artigo 6° da Constituição: “São direitos sociais a educação [...] na forma desta Constituição”, cabe aqui ressaltar os direitos sociais nas palavras de Paulo Bonavides: O Estado social, por sua própria natureza, se caracteriza por um estado intervencionista, requerendo, portanto, a presença ativa do poder público nas esferas sociais, ante a crescente dependência do indivíduo, que necessita da provisão das suas condições mínimas de existência por parte do Estado (apud PRASERES e TEIXEIRA, 2011). De acordo com uma doutrina clássica os direitos sociais são positivados por meio do estado social. Todo cidadão brasileiro tem o direito subjetivo público de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional, independentemente de vaga, sem seleção, porque a regra jurídica constitucional o investiu nesse status, colocando o Estado, ao lado da família, no poder-dever de abrir a todos as portas das escolas públicas e, se não houver vagas, nestas, das escolas privadas, pagando as bolsas aos estudantes (CRETELLA, 1991, p. 881-2).
Além das normas presentes na Constituição federal, outra norma importante sobre a oferta do ensino fundamental é a que vem expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, qual seja:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão [...].
De fato as crianças que vivem em situação de rua, sendo as que menos são possibilitadas de teram acesso a educação são privadas até mesmo de exercerem a cidadania e terem um pleno desenvolvimento.
2. A VULNERABILIDADE E LIMITAÇÃO DE ACESSO A DIREITOS POR CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA.
Estabelecer com a rua um relação de moradia, e ainda mais quando se estar em uma faixa etária importantíssima para o desenvolvimento como é o caso de muitas crianças brasileiras hoje, implica uma verdadeira problemática muito profunda em todos os campos sociais das cidades, é mais que notório que quando uma criança na mais grave situação de vulnerabilidade social não consegue ter acesso a educação, a isso está atrelado todo um contexto de privação de direitos, a criança que não teve acesso a uma escola muitas das vezes também não teve o direito à convivência familiar e comunitária respeitados, não teve acesso a um sistema de saúde, a lazer, cultura e esporte entre outros direitos, isso se justifica por conta de ser a escola muitas das vezes o único caminho para que uma criança tenha acesso a todos esses serviços e direitos. Essa falta de políticas públicas mais efetivas no campo da educação, é sem dúvida um dos grandes responsáveis pela marginalização de todo um segmento social que clama e necessita de justiça social, que precisa urgentemente de efetivação daquilo que já se encontra positivado na Constituição.
De acordo com uma publicação, esclarece o UNICEF que, o Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à proteção da infância e da adolescência. No entanto, é necessário adotar políticas públicas capazes de combater e superar as desigualdades geográficas, sociais e étnicas do país e celebrar a riqueza de sua diversidade. É preciso traçar uma solução para os diversos problemas que a situação de rua acarreta, e essa deve ser feitas o mais rápido possível.
3. O ENSINO PÚBLICO GARANTIDO PELO PODER JUDICIÁRIO E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA.
Vem sendo ressaltado a possibilidade de o Poder Judiciário, excepcionalmente, determinar a implementação de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sempre que os órgãos estatais competentes descumprirem os encargos políticos-jurídicos, de modo a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade dos direitos sociais e culturais impregnados de estrutura constitucional (ROSSATO, LÉPORE e SANCHES, v. 4. p.247). A proposta trazida acima torna-se interessante pelo motivo de que a execução de medidas para garantir a inserção de crianças no ensino fundamental não ficariam somente por conta de um poder, no caso do ensino fundamental o poder executivo municipal prioritariamente, o judiciário também terá um papel mais ativo na efetivação dessas políticas públicas, dentro de seus limites de atuação.
Ainda segundo informações trazidas pelo Plano Nacional de Educação Básica lançado no ano de 2001 um dos principais motivos que a muito tempo vem provocando uma não inserção de diversas crianças na escola não é em si um déficit no número de vagas existentes, mas um processo de exclusão social e marginalização que diversas crianças passam, bem como uma forte precarização do ensino público, esses fatores refletem mais intensamente e diretamente o segmento infante que vivem nas ruas.
CONCLUSÃO
É evidente a necessidade de repensar as condições que o estado brasileiro oferece para garantir o acesso a educação básica e especialmente ao ensino fundamental pelas crianças que vivem atualmente nas rua sem nenhum amparo familiar ou do estado. Desde o advento da Constituição brasileira de 1988 e também com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente que diversos direitos com vistas a assegurar um boa oferta de educação pública foram positivados em documentos jurídicos, no entanto esse direito social tão importante não é ainda efetivado com a concretude que a sociedade brasileira necessita.
Juntamente com políticas públicas de educação voltadas especialmente para os meninos e meninas que vivem nas ruas, é necessário o desenvolvimento de programas paralelos que tenham como objetivo erradicar outros problemas como o da taxa de homicídios praticados contra crianças, a problemática do trabalho infantil, falhas na prestação de saúde, atendimento familiar, entre outras situações de risco que a vivência nas ruas constantemente vem a provocar. Todos os problemas que a moradia nas ruas acarreta são fatos que só vem a aumentar os níveis de desigualdade social e situação de risco as que estão submetidos diversas crianças.
REFERÊNCIAS
GRACIANI, Maria Stela S. Pedagogia social de rua, São Paulo: Cortez, 1997
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente comentado artigo por artigo, Revista dos Tribunais, 2013
OLIVEIRA, Romualdo Portela. O direito à educação na constituição federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de justiça, 1998, p. 61.
CRETELLA, Jr José. Comentários à constituição brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Forense.
UNICEF, Infância e adolescência no Brasil. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/activities.html>. Acesso em: 24/082017.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei N° 9.394 de 20 de dezembro de 1996) Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em: 25/08/2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>Acesso em: 23/08/2017.
PRASERES, Ilanna Sousa dos; TEIXEIRA, Marcio Aleandro Correia. A fundamentalidade dos Direitos Sociais e a Sua dupla perspectiva no estado constitucional-democrático de direito. Dispoível em: <www.ambito-jurídico.com.br/site/>. Acesso em: 23/08/2017.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos especiais ao Núcleo de Estudos Aplicados Direitos, Infância e Justiça da Universidade Federal do Ceará, em especial ao grupo de estudos em vulnerabilidades.