3. METODOLOGIA
O presente artigo trata-se de uma síntese da tese do autor dessa pesquisa, desenvolvida através de uma revisão de literatura a partir de obras jurídicas, jurisprudências e artigos científicos que tratam do tema em parte ou em sua totalidade.
4. DISCUSSÃO
Reconhecem alguns autores que estabelecer um código de conduta nos moldes acima delineados não seria uma tarefa fácil. Pode-se questionar, principalmente, a respeito de sua limitada eficácia regulatória previsível, tendo em vista que, até o presente momento, não há meios seguros de se garantir a observância e as devidas responsabilidades por eventuais descumprimentos de códigos de conduta, dado o caráter transnacional que muitas vezes assume a relação de consumo via Internet[22].
Guilherme Martins chega a considerar que a substituição do direito estatal pela autorregulamentação poder ser até mesmo perigosa, pois ela pode ser colocada a serviço dos interesses dos grandes grupos econômicos que, previsivelmente, liderarão a elaboração de códigos de conduta que os beneficie em detrimento dos consumidores[23].
Visão mais otimista revela Letícia Canut, que, apesar de reconhecer que os instrumentos de autorregulação necessitam de aperfeiçoamento – tendo em vista que se encontram em um estágio incipiente de desenvolvimento –, sustenta que “os questionamentos que surgem em torno deles não trazem obstáculos intransponíveis, sendo que as respostas serão dadas no tempo devido, desde que se proponha a encontrá-las” (grifou-se).[24]
Acrescenta, ainda, a autora que “os códigos de conduta, como base da autorregulamentação, têm dado até agora um retorno positivo no cenário do consumo eletrônico, inclusive como instrumentos de prevenção de conflitos de consumo” (grifou-se). Assim sendo, afirma-se que os ciberconsumidores são os grandes beneficiados por essas iniciativas, “uma vez que passam a poder escolher com quem contratar com maior confiança e tranquilidade”.[25]
Partilhando dessa linha propositiva, Coteanu menciona um modelo de autorregulamentação bem-sucedido. Trata-se do Internet Chamber of Commerce (ICC) Guidelines on Advertising and Marketing on the Internet (1998), que estabelece orientações aplicáveis a todas as atividades de marketing e publicidade na Internet para a promoção de qualquer forma de bens ou serviços[26].
Mediante a fixação dessas orientações, busca-se estabelecer os mais altos padrões de conduta ética que devem ser observados por todos os envolvidos com as atividades de marketing, publicidade e serviços na Internet[27].
Sustenta-se que os profissionais de marketing devem reconhecer que a observância de diretrizes de autorregulamentação – especificamente concebidas para a publicidade e o marketing online – reverte em benefício para eles próprios[28]. Ademais, ainda de acordo com as orientações da ICC, os anunciantes e profissionais de marketing devem esforçar-se para criar um ambiente de comércio eletrônico onde os consumidores de todo o mundo possam confiar plenamente[29].
Segundo a análise de Coteanu, o advento do mercado eletrônico alterou a visão tradicional sobre o papel do princípio da boa-fé objetiva[30]. Para a autora, o atual contexto jurídico, caracterizado pelo que ela chama de “natureza caótica das regras” e pelo conflito de soberanias nacionais, cria a necessidade de se estabelecer um marco regulatório internacional claro para a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que proporcione confiança e segurança para o consumidor nas transações on-line[31].
Cumpre, ainda, ressaltar que as novas alternativas e formas de regulação do mercado eletrônico global ganham ainda mais importância diante do fato de que a maioria das transações on-line é de pequeno valor, fazendo com que uma eventual demanda internacional seja desarrazoada em razão, sobretudo, de seus altos custos. Leve-se em conta, ainda, que um processo judicial no âmbito internacional é, por razões óbvias, mais lento e dispendioso e de difícil acompanhamento[32].
Por sua vez, o acesso a plataformas de e-commerce na vida cotidiana atual passou a ser uma necessidade das pessoas, mas também traz uma série de desafios regulatórios. Sabe-se que a regulação internacional exercida pela OMC visa derrubar as barreiras ao livre comércio. Assim, importante observar como essa regulação pode incidir sobre o comércio eletrônico[33].
Entre os princípios de livre comércio adotados pela OMC, tem-se o princípio da cláusula da nação mais favorecida (permitindo adotar a cláusula da nação que mais favorecer na troca internacional) e o princípio da não discriminação ou do tratamento nacional, para que os produtos similares importados sejam tratados de forma idêntica aos produtos nacionais nos Estados-membros, sem discriminação tributária, até mesmo em relação a imunidades e desonerações fiscais. Dois princípios também se fazem presentes, quais sejam, o princípio da reciprocidade e o princípio da vedação ao protecionismo.
Assim, também, os países-membros não podem impor tributação diferenciada para os produtos similares importados, em relação aos produtos nacionais, conforme os arts. I e III, do GATT, sobretudo em impostos indiretos. No art. XVI do GATT, veda-se que países-membros concedam renúncias fiscais, ainda que para corrigir falhas de mercado, a ponto de gerar distorções na concorrência prejudicial ao comércio internacional[34].
Segundo Liziane Meira, pela regra do tratamento nacional, os países signatários da OMC, como o Brasil, se veem obrigados a dispensar o mesmo tratamento dado à tributação nacional para os produtos importados, com base no item 2 do art. III do GATT, ou seja, podem ter no máximo o mesmo ônus (no caso IPI, ICMS, COFINS, CIDE).
Juntamente com o Acordo do GATT, têm-se os Acordos relativos à propriedade intelectual (TRIPS), com o fito de os Estados signatários controlarem suas legislações sobre a matéria, em que se destaca o princípio do tratamento nacional ou da não discriminação, no qual cada membro deve dispensar o mesmo tratamento aos nacionais de outros membros da mesma forma que trata seus próprios nacionais no que concernem à propriedade intelectual, sem prejuízo das exceções previstas em outros tratados como no caso da Convenção de Roma (art. 14,6), Convenção de Berna (arts. 6º e 9º, 2), que se pretende seja atualizada à economia digital e o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI (art. 16)[35].
Victor Uckmar revela que a OMC concebe três proibições para os sistemas tributários na atualidade do comércio internacional: utilizar-se de tributação discriminatória, tributação protecionista e concessão de subsídios fiscais[36].
Por outro lado, a questão dos subsídios fiscais é muito grave no cenário do comércio internacional e afeta muito o mercado brasileiro. Estudos reunidos pela Associação Brasileira de Agribusiness revelaram que a liberalização parcial dos preços de commodities agrícolas praticados pelos países ricos, segundo estudos realizados no âmbito da OCDE e da Universidade de Camberra – Austrália, significaria um ganho para a economia mundial de cerca de US$ 200 bilhões anuais, por volta de 2002. Preços totalmente liberalizados representariam ganhos de US$ 500 bilhões anuais, ou seja, as nações pobres produtoras de bens agrícolas se enriqueceriam e haveria a geração de dois milhões de empregos no mundo. O poder de compra no Japão e na União Europeia cresceria cerca de 2% e os Estados Unidos reduziriam seu déficit fiscal em US$ 50 bilhões por ano[37].
Registre-se que, quanto maior a renda, maior o consumo, maior a arrecadação de impostos indiretos. A presença de históricos subsídios de países ricos em prol de manterem suas produções domésticas de produtos agropecuários fere a lei de oferta e procura e distorce o funcionamento do mercado internacional. O desenvolvimento tecnológico tem acirrado a competição por vantagens tributárias. Mas cresce também a utilização da soft law constituindo “nichos regulatórios” por entidades não estatais com poder. O resultado disso é que o Direito Tributário vem aumentando sua complexidade[38].
Diante da complexidade do Acordo de TRIPS, cheio de reservas e complicações de implementação, as imposições desse tratado acabam por diminuir a soberania tributária das nações. Todavia, sabe-se na prática que a China, entre outros países chamados “tigres asiáticos”, por vezes não obedecer às regras da OMC e, no entanto, expande seus negócios internacionais progressivamente. Assim, o controle da OMC sobre o comércio eletrônico não tem sido tarefa nada fácil, mas os estudos avançam.
As facilidades da internet permitem que a pirataria virtual se desenvolva. Por outro lado, um aspecto marcante e fundamental para o desenvolvimento e até incentivo ao comércio eletrônico foi à decisão inicial de não tributação do comércio eletrônico. Obviamente, o desafio diante do crescimento exponencial do e-commerce, não é somente tributar, mas como tributar.
O Prof. Ricardo Lorenzetti, ao enfrentar o tema em recente trabalho sobre o comércio eletrônico, observa que
os consumidores não têm segurança quanto à utilidade e à qualidade do bem se não o utilizaram, em razão disso se diz que estes são “bens de experiência” ou produtos para experimentar, porque não se saberá se o livro ou jornal é bom antes de tê-lo. Para neutralizar este aspecto, a marca e o prestígio têm uma grande importância e, com isso, a proteção da imagem, da marca e da reputação. Neste sentido, já se observou que o ponto central da criação de valor na web é a confiança, uma vez que o usuário não tem meios empíricos ou sensíveis para verificar, mas pode confiar no prestígio de uma marca ou na fiabilidade de um comportamento repetido[39].
Os consumidores, ao adquirirem bens através da Internet, devem
confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico é a meta! [40]
Ao que parece, a desconfiança dos consumidores, hoje, é a grande barreira ao acesso ao consumo através da Internet. Quais seriam os elementos que ensejariam essa desconfiança, no momento de escolher a Internet como o veículo de materialização do acesso ao bem ou serviço pretendido? As razões que motivam a desconfiança do consumidor, ao que parece, residem no próprio negócio jurídico eletrônico, que possui características especialíssimas, quais sejam, a despersonalização, a desterritorialização, desumanização da relação social de consumo e a desmaterialização do meio contratual.
A desumanização do negócio jurídico na Internet decorre da conduta dos agentes. Como se sabe, os fornecedores veiculam publicidades na Internet, e os consumidores, em grande parte das vezes, apenas aderem à publicidade veiculada através de um simples click. A linguagem dos fornecedores na Internet se dá através de publicidades, desenhos, sons, ícones, marcas, banners e outras manifestações unilaterais de vontade, as quais se encontram com outra manifestação unilateral de vontade do consumidor, ou seja, um simples click. Não existe um diálogo entre o fornecedor e o consumidor sobre a relação de consumo, mas tão somente manifestações unilaterais de vontade que fazem nascer uma obrigação de consumo.
Por fim, importante destacar que as organizações internacionais que se dedicam também a temas sobre proteção do consumidor têm contribuído para o avanço das discussões e prospecção de soluções para o problema, como no caso da OCDE e da ONU[41].