1- INTRODUÇÃO
A correição parcial destina-se à correção de decisões não impugnáveis por outros recursos sendo cabível contra ato de juiz que, por erro ou abuso de poder, provoca inversão tumultuária dos atos processuais. A admissão da correição parcial, como recurso previsto regularmente em lei, somente se consolidou no Brasil a partir da Lei nº 5.010/66, a qual, ao instituir a Justiça Federal que previu a correição parcial.
A natureza jurídica da correição é questão que divide a doutrina. Para alguns trata-se de uma mera providência ou medida disciplinar, para outros, é recurso administrativo, e por fim, há quem entenda tratar-se de um sucedâneo recursal, vale dizer, uma categoria intermediária entre os recursos propriamente ditos e as medidas de natureza administrativa.
2- Fundamentação
A correição parcial é adotada por quase todos os Estados, seja nas leis de organização judiciária, seja nos regimentos internos dos Tribunais. Em alguns Estados, conserva o nome de correição parcial, em outros, é chamada de reclamação.
Destarte, a correição parcial não visa alterar materialmente o direito objeto da contenda, mas sim na forma que se procede no mesmo. Fundamenta-se no error in procedendo, caracterizado pela ilegalidade do procedimento do juiz, portanto, a questão tratada não deve se referir ao mérito dos fatos, mas ao regular andamento processual, ou seja, à inobservância de uma formalidade procedimental
A correição parcial objetiva sanar error in procedendo, sendo cabível quando não há previsão de recurso específico na legislação processual penal, e seu julgamento prescinde de inclusão em pauta, a exemplo do que ocorre com outros recursos. A correição parcial não pode ser utilizada para impugnar atos praticados pelas partes, serventuários da justiça, dos tribunais ou de seus membros.
Destina-se apenas à correção de atos tumultuários dos juízes, sejam eles comissivos ou omissivos. Essa inversão tumultuária do processo deve decorrer de erro ou abuso. O erro consiste em equívoco na interpretação da lei ou na apreciação do fato, ao passo que o abuso é o excesso ou a prática consciente da ilegalidade
3- Legitimados
Possuem legitimidade para o ingresso da correição parcial os interessados lato sensu, como tal compreendidas as partes no curso do processo criminal e no âmbito da execução penal, portanto, pode ser interposta pelo acusado, por seu defensor, pelo Ministério Público e pelo querelante.
No tocante aos legitimados para manejar a correição parcial tem-se entendido que, além das partes, o assistente de acusação tem legitimidade para referida interposição.
Em desdobramento às hipóteses às quais o assistente da acusação é legitimado a recorrer, evidentemente, para sua dedução é necessária capacidade postulatória, e também podem propor a correição parcial os diretamente envolvidos em inquérito policial, desde que, no correr da investigação
4- Cabimento
Há uma dificuldade que envolve o tema da correição parcial, que é a não definição do termo “inversão tumultuária” de atos e fórmulas legais, onde poderá ser cabível em diversas hipóteses, em geral atuam na supressão de atos necessários, decisões incompatíveis com o momento processual, demora em decidir, etc.
Algumas hipóteses práticas e comuns de utilização da correição parcial no processo penal são:
a) Hipóteses relacionadas a testemunhas:
Decisão que aceita rol de testemunhas apresentado fora dos prazos legais; Inversão da ordem de oitiva de testemunhas; Indeferimento do pedido de intimação de testemunhas; Dispensa de testemunha arrolada na denúncia, sem desistência do MP;
b) Hipóteses Relacionada ao Ministério Público:
Falta de oitiva do MP em pedido de liberdade provisória; Decisão de abrir vista dos autos ao MP para que se manifestasse acerca de preliminares arguidas pela defesa em sede de memoriais finais; decisão judicial indeferindo o pedido formulado pelo Ministério Público de dilação do prazo para diligências; Negativa de apreciação da promoção de arquivamento formulada pelo Ministério Público; Negar a devolução dos autos de inquérito à Polícia para fins de realização de diligências complementares requisitadas pelo Ministério Público;
c) Hipóteses relacionadas a Produção de Provas:
Indeferir pedido de quebra de sigilo telefônico – assim também nos casos de indeferimento de interceptação telefônica; Indeferir pedido de juntada de antecedentes criminais do denunciado;
d) Outras Hipóteses:
Decisão que, ao receber a denúncia, altera classificação do delito; Decisão que determinou o prosseguimento do feito, ao invés de determinar a suspensão do processo e do prazo prescricional na hipótese de acusado que, citado por edital, não compareceu, nem constituiu advogado; Decisão que negar expedir guia de recolhimento para início da execução da pena privativa de liberdade; Decisão que indeferir de instauração de incidente de insanidade, mental;
Como se percebe, a correição parcial pode ser usada durante todo o curso da persecução penal, quer na fase investigatória, quer na fase processual, portanto, o simples fato de o processo penal ainda não ter tido início não se apresenta como óbice ao conhecimento de correição parcial
5- Do Procedimento
É normalmente disciplinada nos regimentos internos dos tribunais e Códigos locais de organização judiciária. Em termos de legislação federal, tem previsão no art. 6º, I, da L. 5.010/1966 (diploma que organiza a Justiça Federal de 1ª Instância), que admite sua propositura contra ato ou despacho de juiz de que não caiba recurso e que importe erro de ofício ou abuso de poder.
No âmbito da Justiça Federal, o prazo é de cinco dias contados da data da ciência do despacho ou decisão impugnada. (art. 6º, I, da L. 5.010/1966). Na esfera dos Estados, o mesmo prazo pode ser utilizado quando não houver disciplina própria em ato normativo local.
Em linhas gerais, o rito não costuma destoar da seguinte sequência de atos:
1- Propositura, pelo corrigente, por meio de petição fundamentada e devidamente instruída, dirigida ao Presidente do Tribunal a que sujeito o magistrado prolator da decisão impugnada;
2- Admissão da medida, se presentes os seus requisitos; Exame, pelo presidente do tribunal respectivo, acerca da necessidade/viabilidade de deferimento liminar da medida, desde que relevantes os fundamentos e haja perigo de prejuízo irreparável pela não suspensão dos efeitos do ato impugnado;
3- Com ou sem deferimento, segue-se a distribuição ao órgão colegiado incumbido do julgamento (Câmara ou Turma), distribuindo-se ao relator, que poderá requisitar informações ao magistrado. Essas informações podem ser dispensadas quando, sendo caso de natureza urgente, o pedido estiver devidamente instruído;
4- Ao receber o pedido de informações, poderá o magistrado retratar-se da decisão, caso em que a correição ficará prejudicada. Por fim, segue-se parecer do Ministério Público e julgamento, sendo a decisão comunicada ao magistrado.
Ressalte-se que nada impede a dedução da correição parcial contra decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, cabendo o respectivo julgamento, neste caso, às Turmas Recursais.
Discute-se o cabimento de recurso aos tribunais superiores contra o acórdão que julgar correição parcial. No STF, o entendimento é que descabe o recurso extraordinário nesse caso.
6- Efeitos
A correição possui efeito devolutivo, como qualquer impugnação. Em regra, não possui efeito suspensivo. Na esfera federal, contudo, o art. 9º da L. 5.010/1966 possibilita ao relator suspender ato impugnado até 30 dias. Jurisprudencialmente, tem-se reconhecido a possibilidade de efeito regressivo (juízo de retratação) na correição.
A correição tem por consequência o desfazimento de ato que cause inversão tumultuária em processo penal, a aplicação da sanção e/ou providência disciplinar, bem como o refazimento dos atos processuais viciados de acordo com a fórmula instituída em lei.
REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal. 9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade mecum de jurisprudência dizer o direito. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017.
REVISTA JURÍDICA MPPR. Correição Parcial. Disponível em: <http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/Media/Estudo_Correicao_Parcial_-_site.pdf>. Acesso em: 14 de novembro de 2018.
A CORREIÇÃO Parcial. Disponível em: <http://oprocessopenal.blogspot.com/2008/03/correio-parcial.html>. Acesso em: 14/11/2018